A Deusa Perdida escrita por mari mara


Capítulo 31
Caramba, isso tem mais intriga que novela das oito


Notas iniciais do capítulo

Hey, sexy ladies! Tudo broas? :3
Então, eu fiquei até as 4h30 da manhã pra terminar de escrever, mesmo sabendo que seria acordada as 8h em ponto. Se não é amor, não sei o que é ASDJHG tô aqui rindo que nem retardada pelas três horas e meia de sono! YEEEEEEEY ~le serpentina
O capítulo de hoje é, como diz o título, intrigante *musiquinha Missão Impossível*. Não sei se será do gosto de todas... Mas é importante pro que rolará nos próximos! EHEHEHEH
Dedico esse às lindas que pegaram seus minutos para comentar no último, e também à Stella (vulgo Teh Chahin - quase chorei quando li que você terminou tudo num dia, ai mds dá cá um abraço) e à dona Larissa (vulgo DemigoddessDaughterOfHades, minha companheira fangirl do Elliot - como prometido, sua mais nova obra de arte sobre pernetas está no capítulo! YEEEY)



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31. Caramba, isso tem mais intriga que novela das oito

Point of View — Hannah

No momento que coloquei os pés no Acampamento e me dei conta de que estava do outro lado do país, bem longe da Califórnia, meu primeiro pensamento foi de que nunca voltaria a Los Angeles. Mas agora eu estava de volta a ela e não me sentia tãao mal quanto imaginei. Eu andava pelos mesmos corredores que costumava andar antes de minha fuga, não mais preocupada com notas e provas, e estava extremamente bem.

Talvez seja consequência do beijo. Porque ele foi, de alguma forma, ainda melhor do que minha mente não muito romântica imaginava. O Nico pareceu tímido, e riu acho que de nervoso, o que também me fez rir. A verdade é que fico feliz que tenha sido ele quem me pegou de surpresa e não o contrário, porque assim sei de que gostarmos um do outro é uma via de mão dupla.

*suspiro*

Ok, talvez eu devesse parar de agir feito uma filha de Afrodite.

Para dar uma sintonizada, eu e Muke estávamos de volta ao Curral, apelido nem tão carinhoso que nós demos à Abraham Lincoln Public School of the City of Los Angeles, porque pelo amor de Deus, até terminarmos de falar o nome inteiro já teríamos nos formado. Eu e Raio de Sol subíamos a escada até o segundo andar, a mesma que eu subia para as aulas de História Americana, e só quando ele fala comigo reparo que estava meio que saltitando de um degrau a outro.

— Caramba Punk — diz o garoto, desviando de um grupo de rebeldes que, oh!, matam aula na escada — Pare de pular feito um cabrito, ao menos um pouco.

Tá, confesso. Aquela felicidade retardada pós-beijo ainda não havia passado. Eu me sentia uma unicórnia bêbada-drogada-perneta (?) que saltitava pelo mundo das fadas enquanto cantarolava Sugar, We're Going Down, uma música bastante interessante que por algum motivo insistia em não sair da minha cabeça.

— “Derrube um coração, quebre um nome” — cantarolo o pré-refrão pela trocentésima quinquagésiama terceira vez, o que faz Muke revirar os olhos.

Chegamos no andar de cima na mesma hora que o sinal toca, e hordas de alunos saem das salas para trocarem de aulas. Quase todos os olhos viram-se para nós enquanto abrimos caminho por entre os outros adolescentes, mas não porque eles se lembram de nós. Eu até reconheço alguns poucos, mas todos nós sabemos que não é por nos reconhecer que eles nos encaram. Nem por minha causa.

É fato que filhos de Apolo passam tão despercebidos quanto um letreiro de neon, ao menos para as garotas e garotos que, como dizer... jogam pro outro time (alguns ex-colegas que eu juraria serem 100% machos olhavam para o meu amigo Muquêncio com uma cara que, olha, só podem ser no mínimo héteros bastante curiosos).

— Estou me sentindo um membro de boyband agora — murmura ele quando uma garota, que em algum momento já teve aulas de Francês comigo, olha em sua direção e morde o lábio.

Pequeno parêntesis na história: Sim, para a surpresa de todos, a senhorita Hannah aqui já teve que saber a língua dos français em algum momento inútil de sua vida. Não que eu me lembre de alguma coisa além de mademoiselle, pardon e pas plus croissants – que aliás quer dizer ‘não mais croissants’, anote aí que pode ser útil caso algum dia você vá à França e alguém tente te entupir desses pãezinhos malditos. Fecha parêntesis.

— Se chama carência, meu filho. Elas não tem ninguém melhor, então se contentam em encarar você — volto a cantarolar a mesma música de antes, enquanto observo distraidamente os armários nos corredores. É, está lá: número 274, aquele que costumava ser meu. Espero que a pessoa de agora deixe-o mais organizado do que era antes.

Muke me fita, a testa franzida com certa preocupação.

— Você está cantando essa música desde que saímos do trailer. É por algum motivo em especial?

Dou de ombros. Talvez, respondo.

Já reparei que certas músicas que insistem em pregar na minha cabeça fazem isso por algum motivo especial, uma espécie de premonição. Não que eu seja alguma Rachel da vida, longe disso. São apenas.. alertas. Alguns exemplos: certo dia nessa mesma cidade infeliz, a única coisa que passava pela minha cabeça era a Avril Lavigne com sua 'eu não sei quem você é, mas estou com você', e horas depois fui descoberta pelo Nico e mandada ao Acampamento. E hoje, quando eu estava sentada na cozinha bebericando um suco qualquer e podia escutar o Percy e a Annabeth rindo feito retardados, murmurava 'tudo o que eu quero é que você entenda que quando eu seguro sua mão, é porque eu quero', do Green Day. Pouco mais de uma hora depois as dúvidas sobre minha paixonite ser ou não platônica acabaram.

Mas a razão de Sugar, We're Going Down estar me infernizando a éons ainda era desconhecida pra mim, embora eu gostasse bastante dela.

— Não, sério, eu não aguento mais — reclama Muke, tampando os ouvidos com as mãos.

— Tá, tá, desculpa. Vou manter minha linda voz pra mim mesma, seu panguá — suspiro — Ok, estamos infiltrados. Pra onde agora?

Invadir uma escola é mais fácil do que eu pensava. É só entrar com toda a calma possível, com uma cara estilo 'estou de volta ao inferno' e voilà! Estamos dentro.

(Tá vendo, francês serviu pra mais alguma coisa).

— A deusa aqui é você — diz ele, cruzando os braços sobre o peito e se recostando na parede. Acho engraçado como homens adoram essa posição. Eles devem se sentir mais machos, sei lá.

Observo o corredor. Tudo parece igual a um ano e meio atrás. Os mesmos armários azul escuro e amarelo canário, as cores da escola; os mesmos trabalhinhos de arte das crianças do jardim de infância pegados nas paredes bege junto com os anúncios de testes de times de futebol e líderes de torcida; as mesmas pessoas que eu costumava dividir seis horas dos meus dias andando pra lá e pra cá, na pressa da troca de aulas.

Vejo a prateleira de honra ao mérito dos alunos a alguns metros de mim e ando até ela, sem saber se ainda estaria lá. Será que eles guardam coisas de alunos que nem mesmo continuam a estudar no Curral? A resposta é sim. Não é a maior das medalhas nem a mais reluzente, mas está bem no meio da prateleira de madeira.

Encosto meu rosto no vidro e aperto os olhos para enxergar o certificado ao lado dela, e consigo ler claramente meu nome em dourado no papel assinado pelo governador da Califórnia.

Vossa Excelência do trigésimo primeiro estado Norte Americano declara honra ao mérito do primeiro lugar da 3ª Competição Estadual de Música Clássica Escolar à estudante da Escola Pública Abraham Lincoln da Cidade de Los Angeles.”

E então havia uma foto minha ao lado do governador, segurando a medalha e sorrindo feito retardada. Ainda me lembro do que ele me disse naquele dia, depois da minha apresentação da 9ª Sinfonia no violino, também conhecida como Ode à Alegria: 'Beethoven teria orgulho de você, criança'.

É, quem diria que eu faço algo da vida além ser lerda.

Vejo que o antigo troféu da competição de futebol americano também está lá, junto com a foto do time que ganhou. Reconheço Muke no meio dos garotos, com o mesmo sorriso de lado que hoje faz a Rachel infartar, e então me lembro de como ele era naquela época. O filho de Apolo já era bonito aos quatorze anos, é um fato, mas estava mais baixo, menos encorpado, a pele um pouco menos bronzeada. É, a puberdade não fez bem pra ele, só o aprimorou um pouquinho.

Corro os olhos pelos outros, como dizer, prêmios? Tanto faz. É estranho ver os mais antigos, sentindo-me imersa nos tempos pré-fuga. A única coisa que me prende à realidade é perceber que, assim como Muke, todas as pessoas estão mais velhas nos corredores que nas fotos. Alguns engordaram, emagreceram, pintaram ou cortaram o cabelo, mudaram o estilo das roupas, mas todos têm em comum o fato de terem estarem, ao menos um pouco, diferentes.

Encaro minha foto sorridente. Sou a mesma baixinha loira que era antes, nem meio centímetro mais alta. Na verdade, é capaz que se eu colocasse agora o mesmo vestido azul-escuro que tive que usar na ocasião, ficaria a mesma Hannah do retrato, que não fez questão de trocar os coturnos ou o lápis de olho estilo punk nem mesmo num concerto de música clássica. É capaz que o sorriso que Nico viu depois de me beijar foi o mesmo de retardada que o governador vira ao elogiar minha apresentação de Beethoven.

Maldita seja a lógica divina que te prende pra sempre aos treze.

— O auditório — murmuro.

— Quê?

Tiro o rosto do vidro e vejo que Muke está parado do meu lado, com as sobrancelhas franzidas. Ele certamente também estava observando as honras aos méritos.

— A Clave deve estar no auditório — falo mais alto — Era lá que eu treinava antes de alguma apresentação.

Ele parece pensativo, mas acaba por dar de ombros.

— Você quem manda, Punk.

~~

E foi assim que nós fomos parar escondidos atrás das poltronas azul-marinho do Teatro da República, que está mais pra um auditório normal de escola do que essa pomposidade toda que americanos gostam de dar às coisas.

Engraçado, até três dias atrás eu juraria de pés juntos que era americana assim como a Rachel, o Percy e companhia. Quero dizer, tem essa coisa de estar perdida a um século e tal, mas se não me falha a memória das aulas monótonas de história, os EUA tornaram-se independentes no ano de 1776. Isso me daria cento e poucos anos de bônus pra nascer, me tornar imortal e sumir, sem que chegássemos aos 2000 ainda. Mas diante da revelação de Tânatos do meu sobrenome, que de acordo com o Nico é tudo menos inglês (ou italiano), as hipóteses que vagavam pela minha mente voltaram: eu era bem mais velha que o país no qual me encontro. Idade Média, talvez?

Legal hein, há chances de eu ter nascido na Idade das Trevas. Combina muito com minha pessoa.

— Pensando no quê? — indaga Muke, certamente curioso por eu estar divagando (sobre sobrenomes e pomposidades americanas, hm) a um bom tempo.

A essa altura do campeonato, nós esperamos a aula de teatro do professor Waters acabar, o que pode demorar um pouco. Estamos sentados um de frente pro outro no corredor estreito entre as últimas poltronas e a parede, ele com seus jeans preto, camiseta branca, camisa xadrez por cima e Vans; eu com os coturnos, blusa com frase de Just One Yesterday e jeans azuis. Devemos parecer dois alunos matando aula.

— Hein? — repete ele, quando não respondo no que estou pensando. Hesito algum tempo. Será que eu devia dizer algo sobre as recentes revelações?

— Não é nada.

Muke respira fundo, cansado.

— Olha Punk, eu não sou a porcaria do Playboy nem algo assim, mas não quer dizer que você não possa mais falar comigo.

Estreito os lábios quando ele se refere ao Nico como ‘porcaria do Playboy’, mas acabo percebendo que o que ele diz sobre podermos ou não conversar é verdade. Estamos na mesma escola que frequentamos juntos numa época que, por mais que seja difícil de acreditar, nós éramos próximos de verdade. Ao menos um pouco, o Muke é uma pessoa na qual posso confiar.

Não em todos os assuntos, claro. Nem morta que eu contaria sobre o momento Afrodite que tive antes de descermos do trailer, antes do resto do grupo se dirigir a um Starbucks a algumas quadras daqui e nós dois virmos pro Curral.

— Eu descobri meu sobrenome — digo, por fim — Só isso.

Muke arqueia as sobrancelhas.

— Sério? — faço que sim com a cabeça — Como?

— Tive um sonho — minto. Não acho que seja necessário comentar a fugida pro cemitério e o encontro com o deus da Morte. Muke estreita ligeiramente os olhos, como se percebesse que estou escondendo informações, mas finge que acredita na ideia do sonho.

— Bem louco, Punk. Achei que seu único nome de família seria di Angelo — reviro os olhos, sentindo as bochechas ficarem quentes, mas não discuto — Qual é?

— Nebavskaya. Ou algo do tipo.

— Hannah Nebavskaya — ele murmura com a mão no queixo — É, nada mau.

Fico surpresa com a facilidade com a qual ele pronuncia a palavra. Lembro-me bem que Nico tropeçou nas consoantes, acabando por desistir de dizê-la inteira.

— Parece uma coisa meio polonesa. Ou russa — ele sorri — Sei lá, algo pra esses lados leste da Europa.

Dou de ombros.

— Deve ser. Vou perguntar pro meu pai quando voltar ao Olimpo, o mínimo que ele tem que saber é em que budega de fim de mundo eu nasci.

Muke ri pelo nariz e fita o além, saindo da realidade por um bom tempo. Agora não sou eu quem está imersa nos pensamentos, parece.

Eu sou mais do que você esperava?, volto a escutar a voz de Patrick Stump, também conhecido como quem canta a bendita Sugar, We’re Going Down em minha mente. Droga, eu sabia que ela ia voltar em algum momento.

Resolvo fuxicar a aula de teatro que está acontecendo para tentar esquecer a maldita canção, e me ajoelho para espiar o palco. Embora ele esteja meio que longe de mim pelo tamanho do auditório, posso reconhecer os cabelos escuros do meu ex professor Waters. Ele está explicando aos alunos como conseguir forçar o choro numa peça de forma a convencer o público de que você está realmente, bom, chorando.

A voz dele chega até meus ouvidos, mas não presto muita atenção nela. Estou muitíssimo ocupada em estreitar os olhos e tentar reconhecer os alunos, sentados em fila no palco. Lembro-me de alguns aqui e acolá, mas então meu olhar se foca em uma cabeça descolorida em específico. Fito-a, encabulada, e acabo por reconhecê-la.

Maravilha! Com tantas turmas para invadirmos, conseguimos a façanha de invadir justo a da Lindsey, vulgo loura oxigenada que me chamara de 'namorada sapata do Muke' a tantos ciclos lunares atrás. Não consigo vê-la direito, mas que se dane, aposto minha vida que continua a mesma naja pegadora que sempre foi.

Duvido que os pais dessas garotas aprovem o que elas fazem com tão pouca idade, tsc tsc. Negações.

— Que ótimo rever nossos coleguinhas — falo entre os dentes, me deixando cair sentada na frente do filho de Apolo novamente. Aquela sensação de ódio à cidade dos anjos estava começando a voltar.

— Ora, não seja tão má — diz Muke, saindo de sua nuvem pensativa — Nós só vamos achar sua bagaça divina e dar no pé, se dermos sorte sem darmos de cara com monstros e coisa e tal.

— Já vi monstros demais por hoje, obrigada — suspiro, dobrando os joelhos e abraçando-os.

Muke segura meu queixo, fazendo-me olhar pra ele. É difícil enxergar a beleza que tanto falam quando ele está agindo feito um idiota, mas assim, sendo uma pessoa normal, eu consigo até admirar por alguns poucos segundos a bela combinação de genes que houve entre Apolo e sua mãe, além de como sua camisa xadrez vermelha dobrada nos cotovelos contrasta com a pele bronzeada.

Eu disse poucos segundos.

— Esqueça isso, tá legal? — seu rosto está sério, mas então ele sorri fracamente — Pela primeira vez a tanto tempo nós podemos agir como antigamente. Não desperdice a chance, Punk.

Dou uma risada irônica, sem me dar ao trabalho de estapear sua mão pra longe.

— Antes de você dar no pé sem me avisar e eu ficar um ano chutada nas ruas de Los Angeles? — pergunto amargamente — É isso que você quer dizer com antes, Muke?

Ele respira fundo e chega um pouco para trás até apoiar as costas na parede, tirando a mão do meu rosto.

— Esse é provavelmente o único momento que eu tenho a sós com você. Então por favor Hannah, não volte a me perguntar o que aconteceu.

Tiro a franja da frente do rosto, de certa forma surpresa por ele ter me chamado pelo nome. Desde o primeiro dia que cheguei no Orfanato, com os coturnos, ele me apelidou de Punk e até parecia se esquecer que esse não era meu nome de verdade.

— A verdade é que eu me arrependo, tá legal? — ele faz uma pausa — Você era muito importante pra mim, e ainda é. O problema é que eu não tive outra saída além de dar no pé sem avisar — Muke ri sem humor nenhum — Mas, acredite em mim, não tem um dia que eu não acorde querendo poder voltar àquele que eu sumi.

Rio ironicamente e estou pronta para alguma resposta sarcástica, mas então percebo que ele não está sorrindo. Seu rosto está sério de um jeito que eu não pensava ser possível, e demoro para aceitar a verdade: ele está sendo completamente sincero.

A repentina demonstração sentimental do Muke me deixa sem fala por um tempo. Mas então lembro-me da loura oxigenada sentada a alguns bons metros de nós, no palco, e de como ele havia passado a mão nela na mesma época que eu ‘era muito importante’.

— É, sei. Aposto que deu uma fugida pra casa de alguma Lindsey Lohan da vida, e--

Muke me interrompe.

— Teve a ver com meu pai — revela — E minha mãe. Basicamente.

Arregalo os olhos, mais uma vez surpresa. Engraçado, o Muke está me surpreendendo muito hoje.

— Você nunca me contou sobre sua mãe.

Quando penso que ele vai continuar nesse estado de pessoa legal, ele se recompõe e sorri debochadamente, como o garoto sem-vergonha e irritante que realmente é.

— E eu tive tempo, com você se esfregando no Playboy o tempo inteiro? — emito um 'ei' indignado, e ele faz uma careta — Tenho que me segurar pra não quebrar o nariz do garoto outra vez. — o filho de Apolo grunhe, e então tenho certeza que seu momento como um alguém quase que sentimental chegou ao fim, creio que para sempre.

— Mentira sua que eu não me esfrego em ninguém — cruzo os braços e espero que ele me responda, mas Muke apenas recosta a cabeça na parede e fica encarando o teto.

Continuo sentada na mesma posição, sem saber se deveria ou não falar algo a mais ou não. Acabo decidindo pelo 'não', já que o assunto proibido, também conhecido como Nico, pode voltar. Sabe como é, não sinto absolutamente mais nada pelo Muke, mas não quer dizer que eu vá contar dos meus momentos pessoais pra ele que nem eu conto carneirinhos.

Depois do que me pareceram horas mas certamente foram apenas minutos, sinto que Hipnos resolveu me castigar por ter acordado tão cedo, junto com Annabeth. Primeiro eu apenas tenho vontade de bocejar, que eu logo reprimo. Mas a vontade acaba voltando mais forte, e todos nós sabemos que esses troços infernais são impossíveis de serem parados.

Com cinco segundos, já mal consigo me manter sentada. Maldito Hipnos.

— Sono? — pergunta Muke, baixando a cabeça de novo pra mim.

Esfrego os olhos. Qualquer coisa pra me manter acordada.

— Não, seu idiota. Fome.

— É, eu suspeitava — diz ele, sorrindo.

— Acordei cedo demais com esses barulhos los angelenos — bocejo outra vez. Como comentei lá em cima, Annabeth abriu a janela para dar de cara com motoristas barbeiros e acabei por me despertar também. E agora, eu pagava as consequências.

Muke pega o celular no bolso do jeans e olha as horas. Ele esconde o aparelho quando tento bisbilhotar a tela de bloqueio, mas posso jurar que vejo o borrão de duas pessoas louras fazendo careta pra mim. Eu nem sequer lembrava que essa foto existia.

— São nove e treze. Falta quase uma hora pra aula deles acabar — ele aponta na direção do palco com a cabeça — Você pode dormir enquanto isso.

Semicerro os olhos, desconfiada. Ele está sendo legal demais pro meu gosto.

— Acho que não.

— É sério — Muke insiste — Pode dormir, eu te acordo quando bater o sinal do almoço. O auditório vai ficar vazio e nós acharemos a Clave. Simples assim.

Quero reclamar, mas mal consigo manter meus olhos abertos direito. Quando Hipnos quer vir com vontade, ele vem de uma vez.

— Tá certo, Raio de Sol — me deito de lado no carpete do auditório, usando as mãos como travesseiro. Minha cabeça está a poucos centímetros de seus Vans vermelhos.

— Não me chame de Raio de Sol.

Rio pelo nariz, de olhos já fechados.

— Por favor, não se esqueça de me acordar — murmuro, mais pra lá que pra cá — E se der alguma merda, não me largue pra trás.

Vou logo para aquele estado entre lúcida e desacordada, quando você sente o que acontece ao seu redor mas não consegue realmente compreender. Então, alguns minutos depois, quando Muke me puxa devagar e deita minha cabeça no seu colo, eu percebo mas não estou consciente o bastante para recusar.

— Eu nunca te largaria pra trás, Hannah. Não outra vez — ele fala baixo, mexendo no meu cabelo, o que me ajuda a adormecer.

~~

Eu estava deitada na grama, mas nada de cemitérios dessa vez. Era o Central Park, de Nova York. O dia estava bonito, com o céu azul-claro, e só algum tempo depois reparei que o Nico estava do meu lado, com as mãos atrás da cabeça. Ele sorri daquele jeito não-tão-sorriso de costume quando percebe que estou olhando pra ele.

— Hannah.

— Olá — eu disse, sem saber se deveria dizer alguma coisa. Deveria existir um manual sobre como se comportar perto de garotos que são mais que amigos e menos que namorados.

Ele estalou os dedos na frente do meu rosto.

— Hannah. Acorda.

Franzi a testa, sem entender. Alguém embebedou essa garoto, meu Deus?

— Quê?

Acorda!

Abro os olhos assustada, esquecendo por um segundo onde estava. Então, ao dar de cara com um rosto moreno e olhos de um castanho misturado com verde claro ao invés do rosto pálido e as íris escuras que eu esperava, me lembro de tudo. Teatro. Clave. Certo.

Ah, droga.

— Caramba Punk, não achei que seu sono fosse tão pesado — diz Muke curvado sobre mim, um pouco perto demais, e percebo que estou com a cabeça apoiada no seu colo. Sinto meu rosto vermelho, quero dizer, quando isso aconteceu?

Sento-me, ainda atordoada pelo sono, mas decidida a mantê-lo o mais longe de mim o possível.

— Quanto tempo eu dormi? — pergunto, ignorando a tontura e ficando de pé. Muke faz o mesmo, mas duvido que esteja a ponto de trupicar no chão como eu.

— O suficiente. Há poucos minutos bateu o sinal do intervalo, o que quer dizer que temos uma hora.

Que eu me lembre, o zelador sempre trancava as portas do teatro para evitar vagabundos insolentes que têm prazer em quebrar patrimônio escolar ou pombinhos que desejam ter prazer em outro departamento. Ou seja, estávamos dentro, sem ninguém para perturbar em uma hora.

Ando no corredor entre as poltronas, indo em direção à escada que sobe ao palco.

— Uma dúvida — digo, quando colocamos os pés no piso de madeira — Como todos foram tão burros ao ponto de não nos verem ali?

É uma pergunta válida. Tá que não era tão na cara quanto no meio do palco, mas não era o melhor dos esconderijos, também.

No entanto, parece que o Muke não compartilha desse ponto de vista.

— Tenho meus truques, senhorita.

Fito-o ressabiada, e ele dá de ombros. Decido que é mais fácil não argumentar.

Caminho pelo palco do teatro, tentando achar alguma coisa que seja visivelmente a Clave. Mas, além de uma solitária garrafa d'água esquecida pelo senhor Waters (ironia), não há nada de diferente.

— A sala dos contrarregra — diz Muke, quando eu já estava me perguntando se teria me enganado do esconderijo da Clave.

Meu rosto se ilumina instantaneamente. É isso!

Arrasto-o até as coxias do palco e, seguindo por um corredor estreito entupido de cenários e claquetes (é a cidade do cinema, afinal), chegamos na sala dos contrarregra. Como vocês sabem (ou não), contrarregra é aquela pessoa no mundo da atuação cuja função é montar os cenários de uma peça, gravação, etc.

Na nossa escola, essa sala servia para basicamente guardar tudo quanto é tralha que não era importante o suficiente pra ficar no corredor, inclusive os instrumentos musicais. Não que eles sejam tralha, ao menos não pra mim.

— Muke, você é um gênio! — exclamo, ao abrir a porta e ver algumas baquetas em cima de uma bancada de mármore. Na parede da mesma bancada havia um espelho enorme, que me faz perceber o quanto eu pareço uma baranga depois de acordar.

Enquanto tento inutilmente arrumar o cabelo, Muke anda até o canto da sala abarrotada de fantasias e tranqueiras e abre outra porta, que desta vez dá para um closet. O garoto se enfia lá dentro e volta instantes depois, carregando consigo um violão.

— Eu sei que sou genial, obrigado — ele se apoia na bancada e bate nas cordas, fazendo o blooom ecoar nos meus ouvidos.

— Nós devemos começar a procurar, seu panguá. Só temos uma hora, lembra? — coloco as mãos na cintura. Além de que ficarmos parados olhando pro tempo poderia atrair monstros, e acredite em mim, os monstros de LA não são legais.

Muke revira os olhos e começa a tocar o violão, ignorando completamente minhas advertências. O que é inesperado, já que posso ver minha cara de desaprovação no espelho e ela não está nada bonita.

— Lembra dessa, Punk? — pergunta com um sorriso brincalhão no rosto, já sabendo qual seria a resposta. Mas como ele me ignorou, resolvo ignorá-lo também, indo em direção ao 'closet'.

— Não, sério — diz, sem parar de tocar — Só me responde, depois eu te ajudo a achar seu bagulho.

Aperto a ponte do nariz, irritada, mas acabo me virando de frente pra ele novamente.

— Lembro. Feliz?

Era Sweet Child o'Mine, música que ele sempre cantava pra mim na época pré-fuga, geralmente depois de pegar legal alguma guria e tentar ser perdoado.

— Ah, sim. Muito feliz — Muke me responde, embora tenha sido uma pergunta retórica — Lembra como você ficava toda boazinha depois de escutar ela? — pigarreia, cantando com a voz perfeita que tinha. Esse é o problema do Muke, ele parece bom até demais. Menos na personalidade, como é percebível — “Ela tem os olhos como os céus mais azuis, como se eles pensassem em chuva”.

Respiro fundo, me contendo pra não esbofetear o garoto.

— Muke.

— “Detesto olhar para dentro daqueles olhos e enxergar o mínimo que seja de dor”

Muke! — grito, irritada.

Ele para de cantar e baixa o violão, deixando-o na bancada.

— Como estou vendo agora.

Fuzilo-o com o olhar, mas isso não o impede de vir na minha direção.

— Se quer saber, isso não é dor, é irritação — cruzo os braços sobre o peito, bufando. Meu Deus, quando mesmo que eu achei que trazer o Muke seria uma boa?

O garoto ri, achando a cena bastante engraçada. Ao contrário de mim.

— Deuses. Você não faz ideia do quanto eu senti sua falta, Punk.

Aham. Sei. E de todas as representantes do sexo feminino nessa cidade, deve ser.

— Ah, é? — sorrio ironicamente — Pena que eu não possa dizer o mesmo, Raio de Sol.

Imaginei que usar o apelido dado a ele pelo Nico surtiria algum tipo de efeito estilo xingos/raiva/reclamações, mas isso não o abala nem um pouco. Muke caminha na minha direção a passos firmes, com os polegares nas tranquetas do jeans um pouco caído demais. Ando pra trás, tentando manter a mesma distância que havia antes entre nós, mas bato com as costas na parede. Mas não é possível, isso acontece em tantos filminhos adolescentes água com açúcar e eu não aprendo a lição?

Ele firma as mãos na parede ao lado das minhas orelhas, me encurralando. Eu poderia ter feito alguma coisa útil, mas meu coração estava acelerado demais para isso. Não sei exatamente por que, se era de culpa por ter seu rosto tão perto do meu, de nervoso por ver os fios loiros caindo sobre os olhos castanhos esverdeados que me observavam tão fixamente, ou de medo mesmo. Não que ele fosse me bater, muito pelo contrário, mas..

— Será que não? — sussurra, sobre eu não ter sentido sua falta (o que é meia verdade), e antes que eu pudesse chutá-lo pra longe ele segura meu rosto e me puxa pra si.

Vou te contar uma coisa sobre o Muke: ele é insuportável, enxerido, ciumento, irritante e narcisista. Mas tem alguma coisa, que nenhuma garota nunca vai entender, que te deixa completamente imersa nele. Quanto mais você luta pra se desvincular, mais seu corpo e sua mente te mandam ficar quieta. Na verdade, te deixa tão presa nele quanto em areia movediça. É a única explicação para eu querer mandá-lo pro quinto dos infernos num momento, e retribuir ao seu beijo na outra.

Mas não foi só isso. Antes que me chamem de cachorra traidora, preciso deixar claro que, no momento em que ele me beijou, minha mente entorpecida fez o favor de esquecer que esse era o Muke, e não o Nico. Eu fiz o favor de me esquecer de que as mãos na minha cintura eram morenas, não pálidas. De que o corpo contra o meu era alguns centímetros mais alto e mais forte. De que esse garoto de agora mordia meus lábios com força, por querer, enquanto o outro fazia o máximo para não me machucar. E, o mais impressionante, eu me esqueci de que a temperatura que eu sentia por ter uma das minhas mãos em sua nuca não era fria como a de um filho da Morte, e sim febril como a de um filho do Sol.

Ok, simplificando. Eu estava mandando a ver no negócio porque cometi o terrível erro de me entregar ao Muke, e depois esquecer que era o Muke. Credo, que coisa mais novela da Globo.

O que me trouxe de volta à realidade foi, de alguma maneira milagrosa, perceber que o hálito de quem eu beijava agora era bem mais doce do que aquele que sentira algumas horas atrás. Enquanto o gosto de um filho de Hades (ou esse filho de Hades, não importa) é algo próximo do amargo, o do Muke estava igual àqueles Tridents de canela que ele vive mascando desde o primeiro dia que o vi.

Pois é, colega. O que me trouxe de volta foi o hálito de canela do cidadão. Valeu, tia Afro.

Empurro Muke com toda a força que consigo para longe de mim, e ele cambaleia até bater com as costas na bancada. Espero sinceramente que tenha doído. Muito.

— O que você pensa que está fazendo?! — berro, pouco me lixando se alguém vai me escutar.

Ele se põe de pé, recuperando-se bem rápido do baque, e parecendo cansado pelo que está por vir.

— Hannah, por favor. Calma.

— Calma? Calma?! — berro mais uma vez, sem acreditar na cara de pau do crioulo — Eu não vou ficar calma! Que se foda a calma! E que se foda você também, Muke!

Ele respira fundo, percebendo que é melhor que apenas um de nós dois grite.

— Olha aqui, se você puder me deixar explicar--

— Explicar o quê, hein? — coloco as mãos na cintura, ficando ainda mais puta por lembrar que há um minuto eram as mãos dele que estavam ali — Que é um filho da puta que só vem pra cima de mim depois de anos bancando o cachorro com as vadias da escola, sabendo o quanto isso me irritava? — não gosto de sair gritando meu passado obscuro por aí, mas não estava pensando direito. A quantidade de palavrões que eu falava ilustrava isso — Que é um filhinho de papai que não aceita que eu esteja feliz com o Nico agora, depois de anos me remoendo por você? É isso que você vai explicar, droga?

Seu rosto fica vermelho de repente, a calma se esvaziando tão rápido quanto a minha.

— É feliz o cacete! — ele eleva o tom da voz, até que está gritando como eu — Você conhece o cara a um mês. Um mês! E eu estou a anos aguentando você me chamando de cachorro, vagabundo, filho da puta e o caralho a quatro por coisas que você mesma causou! — ele fecha os punhos, perdendo o controle — Eu pegava a droga da escola inteira por sua causa, merda!

Sinto minhas bochechas vermelhas, não de vergonha mas sim de indignação, ofendida pela falta de vergonha na cara do cidadão.

— Minha causa!? — bato as palmas das mãos em seu peito, empurrando-o, e ele agarra meus pulsos.

— Sua, sim, Hannah! — me solta, com raiva — Você acha que deixava claro pra mim o quanto se importava com isso? Se não falasse agora, eu nunca nem saberia que você já teve um pingo de consideração por mim! — ele bate o punho fechado na bancada, fazendo o espelho da parede tremer.

Respiro fundo, tentando não exatamente ficar calma mas sim calar a boca.

Dou um tapa estalado no rosto do Muke que deixa a marca de meus dedos e saio a passos largos da sala dos contrarregra. Gostaria de voltar e gritar com ele muito mais que isso, mas todos nós sabemos que minha raiva só passaria por completo se eu batesse em quem realmente deve levar um soco na cara. Eu.

Ai meu Deus, eu não mereço o Nico. Não mesmo.

De volta ao palco, caio sentada no chão de madeira e enterro o rosto nas mãos. Quem me dera poder cavar um buraco e me enterrar aqui mesmo.

— Idiota — digo de forma ríspida, sem saber se é pro Muke, pra mim, pro cara que construiu a sala dos contrarregra no Curral, pro próprio Curral, pra Apolo por ter feito o Muke, pra Zeus pelo mesmo motivo... Não importa. Talvez seja pra todos ao mesmo tempo.

Continuo nessa posição, no meio do palco, até que ouço passos na minha direção. Xingo em grego algo tão ruim quanto os palavrões que falei há alguns minutos.

— Se você tem amor à vida, suma da minha vista.

Muke não me responde, na verdade continuo a escutar passos até que ele para na minha frente. Levanto a cabeça, com os olhos vermelhos de raiva.

— Eu disse pra sumir da minha--

Corto a frase no meio. Não é o Muke que está parado na minha frente, e sim uma mulher alta, dos cabelos e olhos dourados. Ela usa uma túnica branca e uma lança que me parece ser de ouro na mão direita. Tem um par de asas nas costas, assim como Tânatos, o que não me passa uma boa impressão.

— Quanto tempo, minha querida, e é assim que me recebe? — ela sorri, mas seus olhos delatam que não é uma pessoa muito amistosa. Me coloco de pé e dou dois passos para trás, desconfiada.

— Quem é você? — pergunto com a voz firme e os punhos fechados. Que beleza, ótimo momento pra estar puta com o Muke.

— Ora, quando me disseram que o rio Lete havia apagado sua memória, quase não acreditei — ela faz um gesto com a mão, como se dissesse 'que seja' — Enfim, não importa. Sou uma prima distante, digamos assim. Niké, a deusa da Vitória — ela sorri do mesmo jeito falso e escárnio, como um capataz levando a vítima ao abate — Mas sinto lhe dizer, Hannah, que não estou do seu lado.


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Notas finais do capítulo

Muitas intrigas, revelações.. Muke sendo sensível? Hannah admitindo que já gostou do Muke? Nico sendo chifrado sem saber? Niké chegando de vela? Sexta-feira, no Globo Repórter KKKKKKKKK nossa véi nossa, as três horas de sono tão dando efeito agora. Mas calma Hannicas, não morram, porque como diz minha madrinha 'tudo dá certo no final, se não deu é porque cê tá ferrado'. HUEHEUHEUHEUE
Enfim, pequeno aviso: postar antes do dia 25 acho que não, porque viajarei prum fim de mundo onde a internet é bem capenguinha. Mas antes do Ano-Novo, quem sabe? Está na mãos dos deuses! ou na minha. Sei lá.
E claro, feliz Natal a todos! Lembrem-se, é uma época de paz e felicidade, tipo 'ok é Natal então eu não vou fuzilar o Muke até a morte'. Ou então você pode não acreditar no Natal, o que te dá caminho livre pra bater na cara dele até que bem entenda. Permissão da autora, palavra de escoteiro!
*ok, acho melhor eu ir dormir agora antes que escreva algo do qual me arrependerei amanhã de manhã, sóbria (?) e lúcida*



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