–Olá Sunny! – Peg saudou com um esboço de sorriso. – Te mandaram pra cá também?

Acenei com a cabeça tristemente e Peg suspirou.

Eu não queria estar aqui, queria estar nos campos como todos os outros, mas, aparentemente, todos concordavam que eu era frágil demais pra ficar com aquele trabalho pesado, não importava o quanto eu dissesse o contrário.

–Bom, já que só podemos ajudar aqui, vamos ao trabalho... – Peg falou, já recolhendo alguns ingredientes para fazer o pão e a sopa.

Olhei aturdida para os alimentos e uma frustração começou a se formar em mim: Eu não sabia como poderia ajudar na cozinha, já que não sabia cozinhar.

–Hmm... Talvez você precise me mostrar o que preciso fazer. Eu não sei cozinhar, Jodi não tinha muita habilidade na cozinha. – Confessei.

–Oh, claro. Sem problema. – Ela murmurou enquanto parecia procurar por algo e sorriu ao encontrar as facas, me entregando uma. –Vamos lá...

Ela me passou uma faca e começamos a cortar os ingredientes da sopa. Peg e eu nunca tivemos muito tempo sozinhas, apesar de ela já estar de volta a um bom tempo. Esse parecia o melhor momento para conversar com ela coisas que eu há muito queria falar.

Alguns minutos depois de silêncio hesitante e eu tive que perguntar:

–Peg, você acha que Jodi pode voltar? Quer dizer, você já compartilhou o corpo com uma humana... Como você sabe se ela ainda está lá?

Minha colega de espécie soltou por um minuto sua faca para me olhar com simpatia. Me senti melhor, já que de todas as pessoas, Peg era a que mais poderia me entender.

–Eu não posso te ajudar muito com isso, Sunny. Eu não sei como Mel conseguiu continuar e não sei o que acontece com os humanos que não respondem mais. Porém, houve uma vez em que eu fiquei realmente zangada e calei Melanie. Ela quase desapareceu...

–Mas você a trouxe de volta? Existe uma maneira? –Interrompi nervosa com a possibilidade. Eu não queria que Jodi voltasse, mas certamente eu lutaria para trazê-la de volta. Não podia roubar assim a vida dela, afinal.

–Bom... Eu me desesperei quando não pude mais ouvi-la e, bem, eu tentei fazer coisas que a faziam reagir mais fortemente. – Ela disse, mordendo o lábio timidamente.

–O que você fez? – Perguntei curiosa.

–Hm... Eu... Er... Eu beijei Ian. Bom, primeiro eu o beijei, esperando que a Mel se opusesse a isso, mas não foi forte o suficiente para trazê-la de volta e então... Hã... Eu beijei Jared.

Meus olhos arregalavam mais a cada palavra.

–Eu o que aconteceu? – Sussurrei muito envolvida na história. Peg respirou fundo antes de continuar.

–Quando eu beijei Jared, Melanie despertou e tomou controle do corpo para separar Jared de nós. – Ela explicou.

Fiquei parada absorvendo a informação por alguns instantes. Certo, então eu deveria... Beijar Kyle para fazer Jodi reagir?

Recordações dos beijos de Kyle com Jodi bombardearam minha mente de uma vez só: lembranças muito vívidas de como era sentir os lábios de Kyle acariciando os meus... Não, eram os lábios de Jodi, Sunny! Ele estava beijando Jodi!

Uma sensação de frio na barriga me assaltou: De repente, eu não queria beijar Kyle somente para fazer a humana dentro de mim voltar, como deveria ser – Eu queria que Kyle me beijasse. Eu queria minhas próprias lembranças, queria que ele dissesse o meu nome com aquela devoção que ele sussurra o de Jodi enquanto dorme...

–Sunny?! -Peg estava na minha frente, apontando para a grande panela cheia de ingredientes.

–Hum? – Perguntei, ainda com dificuldades em me concentrar na realidade com as memórias de Kyle na minha cabeça.

–Estava perguntando se pode me ajudar a levar essa panela ao fogo. – Ela explicou. Assenti e me apressei a continuar com o trabalho.

O tempo passou depressa e, felizmente, quando os primeiros trabalhadores voltavam a comida já estava pronta para ser servida.

Meu coração deu um salto quando, junto com Ian, Jared e Mel, Kyle aparecia pela grande entrada da caverna. Ele estava com os cabelos molhados e uma roupa limpa, o que significava que já havia tomado banho.

Fiquei olhando pra ele fixamente, me perguntando como ele poderia parecer mais bonito a cada vez que o via. Quando seus olhos azuis encontraram os meus, meu coração vacilou e então tamborilou mais forte com seu sorriso. Peg, que ainda estava ao meu lado, puxou minha mão, nos levando até onde o grupo estava.

Nos sentamos todos juntos e começamos a comer, quando Jeb levanta e com um pigarro alto tenta chamar a atenção de todos, o que não dá certo.

–Ei, será que vocês podem calar essas bocas pra eu poder falar?! – Jeb perguntou alto, calando de uma vez todas as conversas.

–Muito bom. Vocês já devem estar percebendo que o nosso estoque de comida já esta acabando, então, vamos ter que sair pra uma nova incursão. –Jeb disse, me fazendo tremer.

Eles iriam sair e se arriscar no mundo das almas, correndo o risco de serem pegos. Uma angustia incômoda se apoderou de mim: Eu tinha aprendido a apreciar e até mesmo a gostar muito de meus novos amigos humanos, não queria que eles ficassem em perigo.

–Eu vou dessa vez.

Para minha surpresa, a declaração veio de Peg. E, pelo rosto de alguns na sala, eu não era a única surpresa.

–Absolutamente não. – Ian disse rapidamente.

–Porque não? - Peg perguntou franzindo o cenho.

–Não sei... Deve haver outro jeito. Pode ser perigoso pra você, Peg. – Jared concordou, recebendo um aceno fervoroso da parte de Ian.

–o quê? Não! Eu posso ajudar! Vai ser muito mais fácil se eu for com vocês! – peg disse incrédula.

–Acho melhor não ir, Peg. Você pode se machucar. – Jeb interrompeu.

–É, podemos formar uma boa equipe sem ela. Eu vou, Ian e Mel também podem ir, talvez Aaron e Brandt... -Jared pensava alto, até ser interrompido.

–Eu estou dentro.

Olhei em um estado quase de choque para o homem sentando ao meu lado com uma pose relaxada. O nível da angustia e medo que senti antes pelos meus amigos humanos era nada comparado ao que eu sentia agora. Esse sentimento beirava a loucura.

–Não! – Alguém gritou.

Só um momento depois percebi que havia sido eu. Lágrimas já caiam em meu rosto.

–Sunny? – Kyle perguntou confuso, a expressão preocupada no rosto.

Olhando em seu rosto, tudo o que eu sabia era que ele não podia arriscar ser pego, não podia desaparecer, não quando eu finalmente o havia encontrado.

–Não, por favor! Não... – Gemi e me agarrei a ele.

–O que está acontecendo, Sunny? – A voz dele soava distante, apesar de sentir seus lábios em roçando em meu rosto.

–Não! Kyle, você não pode ir, por favor! Não vá! Eu não posso deixar que você desapareça! – Eu continuei dizendo, a minha visão começava a escurecer.

–Sunny!

Eu podia sentir as mãos de Kyle me chacoalhando, mas a escuridão estava me engolindo. Não, eu precisava impedir que Kyle ficasse em perigo.

–Prometa que você não vai, Kyle! Por favor! Não vá! Eu não posso deixar você desaparecer!

As mãos dele agora passavam em meu rosto e, no fundo, eu podia distinguir vozes frenéticas falando coisas como “ela está bem?” ou “ela está histérica!”

–Sunny, vamos lá! Você está bem? Não desmaie!

Abri meus olhos, que não tinha percebido estarem fechados e, com grande esforço encarei Kyle tentando passar toda a urgência que sentia em meu olhar.

–Prometa... – Minha voz mal era audível, mas eu sabia pela expressão dele que ele havia ouvido.

–Eu prometo... Sunny?!

O grito de Kyle se perdeu quando a escuridão me levou de vez.

–x-x-x-x-x-x-x-x—x-x-x-x-x-x

–Ela já esta acordando! – A voz de Doc soou ao mesmo tempo em que eu abria os olhos, confusa.

Movi a cabeça de um lado a outro. Kyle, eu tinha que impedir Kyle de ir! Tentei levantar, mas de repente um par de mãos enormes segurou meus ombros, me mantendo deitada.

–Dorga! Você precisa parar de fazer isso!

A voz irritada de Kyle foi a melhor coisa que poderia ouvir. Um sorriso cresceu em meu rosto ao mesmo tempo em que eu colocava minha mão sobre a dele, precisando senti-lo.

–Kyle! Você ainda esta aqui! - Disse. E de repente, eu estava chorando.

Kyle me puxou para seu peito enquanto tentava secar minhas lágrimas que insistiam em cair freneticamente.

–Sunny... Pare de chorar, por favor! Está todo bem! – A voz dele estava angustiada.

–D-d-des-c-culpe... – Solucei, me abraçando ao grande torço de Kyle.

–Por que você está assim? – Ele perguntou, sua voz mais calma.

–Eu... Eu só não consigo suportar a idéia de você se por em perigo... Kyle, não vá, Por favor! – Pedi mais uma vez, as lágrimas aumentando enquanto me agarrava mais a ele.

–Ok. Eu não irei, se você ficar bem. – Ele afirmou.

Ergui meu rosto até conseguir encará-lo e sorri.

–Mesmo?

Ele parecia contrariado, mas algo mudou quando olhou em meus olhos. Um sorriso começou a se formar em seus lábios.

–Mesmo. – Ele confirmou.

No instante seguinte, seus lábios estavam em minha testa. Reprimi o desejo irracional de levantar meu rosto e encontrar com meus lábios os dele.

Quem sabe em outro momento... Se for para trazer Jodi de volta não vai ser algo errado, vai?