Por detrás da Rosa escrita por Danda


Capítulo 17
A verdade dói




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A toalha xadrez sobre a mesa redonda, parecia sugar toda a sua atenção, enquanto sua madrinha tecia sobre a mesa servida com chá, que agora esfriava sem ser tocado, toda uma história que iniciava com a ida de sua filha para trabalhar no Santuário, passando por uma avassaladora paixão adolescente que culminaria com o nascimento de uma criança (Dora em pessoa) meio a uma intensa "revolução" dentro dos templos de Athena.

Era estranho o facto de ter decidido conversar com sua madrinha para saber a história que lhe fora ocultada durante todo esse tempo e, agora, apenas algumas partes penetravam em seu entendimento, visto que sua mente lhe jogava frequentemente para outra direcção. As listras pretas que se entre-cruzavam no centro da mesa desapareciam diante da figura imponente daquele com quem era obrigada a conviver.

Se havia algo que Saga conseguia ser, era assustador, quando de mal humor. Este era o caso. Não que sua face se retorcesse em algo que se assemelhasse a um monstro devorador de inocentes, mas, simplesmente, conseguia deixar seu olhar mais frio que o habitual, no qual tragava o individuo a sua frente para um imenso e obscuro abismo.

Isto foi o que Dora sentira ao ser reflectida naqueles olhos penetrantes. Sua alma parecia ser retirada de seu corpo e levada para um mundo no qual não tinha controle de seus actos ou falas. Seu queixo estremeceu, mas não conseguia pensar em nada que pudesse satisfazer a indagação do homem, que agora caminhava seguro na sua direcção, vencendo os metros que os separavam. Saga parou a centímetros de Dora, sem se quer piscar.

– Nada... – Balbuciou , sem conseguir desprender sua alma da beira daquele belo e perigoso abismo.

– Nada?! – Saga estreitou os olhos – ou ninguém? – Sua voz saia com calma...aquela sua habitual calma que tanto reflectia sua imponência.

A moça suspirou alto enquanto, finalmente, conseguiu se desprender dos olhos verdes dele.

– Não é nada – suspirou baixando a cabeça.

Saga a fitou por alguns instantes. Que besteira ficar com esse tipo de sentimento por um comentário como aquele. Seu peito queimou dando-lhe um incomoda jamais sentido antes, pois assim que ouviu tais palavras, sabia muito bem do que se tratava.

Mas ela era jovem, é natural que tivesse se encantado com o mais belo dos Cavaleiros de Athena e, tal constatação deixara seu humor ainda pior. Seu coração acelerou consideravelmente e, sem que fosse de sua inteira consciência, agarrara nos ombros da moça que lhe olhou assustada.

Não! Ele não fazia a mínima ideia de como aquele olhar era aterrador. Tanto que Dora sentira as pernas fraquejarem, mas antes que perdesse as forças, ele lhe soltara e em silêncio afastara-se na direcção da cama, retirando de sobre esta um travesseiro e a coberta estendida.

Dora acompanhou todo o seu movimento até que este desaparecera pela porta.

– Dora?! – A voz estridente de Anastacia trouxera a moça novamente para a casa na vila, onde seu chá, já completamente frio, era retirado de sua frente – Você estava tão compenetrada que deixou o chá esfriar. Você ouviu o que eu disse? – A senhora interpelou um tanto irritada enquanto se dirigia para a a cozinha.

– Hmmm?

– Você ouviu tudo o que eu disse? – Indagou quando retornou a sala. Tunha uma mão na cintura rechonchuda, como quem espera uma confirmação óbvia.

– Claro...

A mais velha suspirou. Não, ela não ouvira. Mas não foi para isso que ela entrou pela porta como um furacão, exigindo sua história?

– Onde você estava?

– Aqui com você – Respondeu, simplesmente, tentando disfarçar – Eu ouvi o que você disse – completou encabulada, rezando para que não houvesse questionamentos do tipo que nos põe a prova. Anastacia era craque nisso.

Mas contrariando seu habito desconfiado, a velha senhora deu-se por enganada, suspirando alto e sentando de frente a moça.

– Bem...foi assim que você acabou nos braços de Alexandra – Disse com um sorriso fraco. Não era um sorriso de quem estava satisfeita com o desfecho de um história que, dentro das possibilidades, acabava bem. Mas de algo melancólico...um saudosismo resignado as circunstancias adversas. – Ela se apaixonou por você logo quando te viu. Eram perfeitos para serem seus pais...

– E agora tenho um pai verdadeiro da minha idade – Cortou como se nada do que fora dito tivesse importância. – Isso é muito surreal...

– E o que não é, de facto, surreal nesta vida?!

– Então isso passa o surreal – respondeu irritada, fitando os olhos de sua madrinha.

Anastacia estreitou os olhos, tentando entender o que iria na alma daquela menina tão desaforada.

– Ele é um bom homem...

– Em outras circunstâncias você diria que ele era um bom homem para se casar comigo – Disse com raiva por não conseguir se fazer entender. Mas quem poderia censurar aquela senhora e quem a ouvisse...nem mesmo ela conseguia compreender o que lhe incomodava tanto naquela história toda: a mentira em torno de sua vida? Seus pais retornando ao ponto zero de sua existência? Anastacia que tivera aquela genial ideia de traze-los para vila? Ter sido empurrada para trabalhar com um homem odioso ao qual passara a dominar seus pensamentos? Saga, por te-la obrigado a ir viver com ele em uma situação absurda? Seu verdadeiro pai...

– Eu estou dizendo que ele é um bom homem para ser seu pai.

– Chega! – Sua voz saiu mais forte do que o necessário, enquanto se erguia de rompante. Não era de sua intenção faltar a respeito com Anastacia – a quem amava profundamente, mesmo que como madrinha e não avó- mas aquela conversa começava a lhe dar voltas ao estômago, de tal forma que se dirigira rapidamente para porta, sobre o olhar atónito da outra e sem dizer nada sairá as pressas pelas ruas.

Já passava das três da tarde, mas era como se Hélio procurasse algum segredo sobre a terra com toda a sua atenção, fazendo os mortais tentarem escapar de suas vistas nas sombras que se formavam pelos edifícios mais altos. Mas Dora parecia não sentir os raios fortes que castigavam a pele. Sua guerra interior...melhor dizendo, sua perquirição interna, faziam com que seu emocional e moral digladiassem com a sua parte mais racional. Era tudo muito confuso.

Seus passos eram automáticos. Vagava pelas ruas sem se dar conta para onde ia, só acordando ao encontrar um pequeno fontanário de aguas fracas, que caiam de uma mulher de mármore que parecia despejar líquido para a parte mais ampla, onde acumulava-se a agua cristalina.

A volta um pequeno jardim com flores rasteiras brancas e amarelas, que se estendiam na direcçõa de "uma muralha de rochas". Percebera logo que saíra dos domínios da Vila Rodório e estava do outro lado da elevação que continha o grande templo de Athena. Conseguia, a algum custo, olhar um pouco da grande estátua da deusa de costas.

Mostrou-se profundamente interessada por um constatação.

– Porque um inimigo passaria por todas aquelas casas se poderia escalar por aqui?

– Porque lá em cima há uma barreira – Uma voz possante cortou o ar, fazendo Dora empalidecer. A moça não voltara-se para ver de quem se tratava (pois isso já o sabia), mas ficou atenta para perceber onde realmente ele estava – Você não consegue ver – Ele continuou arrogante, sem se importar com o facto dela n se mover – Mas está lá. É impossível subir por aqui. – terminou vendo as pequenas mãos envolverem o vestido na altura das ancas. – Nervosa?

A indagação fizera Dora voltar-se para encontrar os olhos azuis e a pose altiva de Afrodite. Sob o sol escaldante grego, Afrodite brilhava intensamente com sua armadura. Estava de pé, em uma distancia considerável, no qual poderia dizer-se que para ela o ouvir, ele falava mais alto do que o normal.

A ver Dora voltar-se decidiu se aproximar calmamente. A grega não se movera, apenas contemplava aquela figura que fazia seu coração acelerar.

– O que faz aqui sozinha? – A voz fria demonstrava uma falsa indiferença. Desde que vira Dora sair pela porta de Anastacia, enquanto fazia uma ronda, seguira-a de longe, atormentado pela atitude incomum dela.

– Estava só caminhando... – balançou a cabeça negativamente. Começara errado a frase, deveria arrumar uma desculpa substancial.

– Isso dava para perceber – Disse com meio sorriso, parando a alguns metros. Tinha seu ar arrogante sempre presente, mesmo que por alguns momentos tentasse se ver livre dele. A principio foi tomado por um impulso incompreensível ao ir atrás dela, mas agora estava convencido que queria saber o que estava errado com a moça. O que a perturbava tanto? Seria Saga...? – O sol está forte, você não deveria ficar vagando por aí...

– Eu devo aguentar mais o sol que você – Disse decidida. Algo dizia que ele ia começar com as velhas atitudes. Sem mais caminhou convicta até a fonte, sem olhar para o homem que a acompanhava com o olhar atento.

Afrodite vira-a sentar na borda seca, baixar uma das alças do vestido, e com a mão esquerda recolher um pouco da agua que caia para colocar sobre o ombro nu.

A sensação de alivio foi tanta, que só então Dora se deu conta de como estava vermelha.

– Pelos vistos não aguenta mais o sol do que eu – Disse regozijado. Apenas não sabia se era pela constatação de "força" ou pela bela visão que tal momento lhe proporcionava.

Dora lhe fitou com atenção, reparando que o homem a sua frente estava, como a tempos atrás, despido de vaidade fútil. Seu rosto limpo de adornos inúteis para realçar sua beleza fez com que sorrisse abertamente.

Afrodite estranhou.

– O que?

– Fica mais bonito assim – Disse sem pensar e, quando se dera conta desviara o olhar, sem conseguir ver a surpresa estampada na face do Cavaleiro.

– Você acha!? – Perguntou sorrindo. E mais uma vez, sem querer, o sorriso arrogante tomava forma.

– Acho – respondeu baixo sem lhe fitar.

– Saga não iria ficar contente de te ouvir...

– Saga não fica contente com muitas coisas – mais uma resposta sem pensar. Fitava a agua lembrando do ultimo encontro com o Cavaleiro de Gémeos. Depois de tal não voltaram a se cruzar.

Afrodite mais uma vez estranhou.

– Ele te fez algo? – O algo seria de carácter mais intimo, mas ele não precisava perguntar directamente pois ambos sabiam do que se tratava.

Mas afinal porque tanto essa pergunta? Dora voltou a fitar o homem de pé a sua frente. Não iria responder mas seu olhar já dizia tudo, principalmente para o perspicaz Cavaleiro de Peixes.

– Então o que há? – Perguntou baixo, tentando achar uma resposta nos olhos castanhos a sua frente.

– Tudo...

– Hmmmm...a verdade doí. – sorriu com um brilho cruel nos olhos.

Dora suspirou baixando a cabeça. Sua atenção foi atraída pela flor que era quase esmagada pelos pés de Afrodite.

– Mas eu ainda não sei qual delas doí mais – respondeu evasivamente.

O homem continuava parado. Não baixava a cabeça para fitar Dora...olhava-a de cima, mas com toda a atenção. Até mesmo a respiração dela estava sobre o controle daquele rapaz que também tinha seus combates internos. Um deles...o mais forte...era sobre Dora e sua recente descoberta.

– É estranho...Aioros... – recomeçou sem jeito.

– Seu pai... – Afrodite ia dizer, mas viu uma reacção física de repulsa a menção de tal menção. – Não gosta dele? – estreitou os olhos.

– Não é isso – Disse contrariada, passando uma mão sobre a testa – Ele é a prova viva que a minha história é mentira...meus pais não são meus pais...

Dora fora cortada por um estrondosa gargalhada. Afrodite dera dois passos para trás, salvando a flor que por minutos fora atenção de Dora. O olhar castanho mostrava-se surpreso e irritado com a reação do homem, que agora lhe fitava com desdém.

– Como você é tola!

– O que...?

– Tola! O que te faltou estes anos todos? Faltou algo? Você foi infeliz? – Agora a imagem de Afrodite perdia todo o carácter gélido e orgulhoso, assumindo algo que Dora nunca vira, mas que em sua memória trazia um semblante de a tempos. Diante da falta de resposta e olhar surpreso, Afrodite continuou com sua altivez – Se não te faltou nada, se essas pessoas te amaram, elas não foram falsas. Elas foram seus pais, nada muda isso. A pergunta é: e você foi uma verdadeira filha...está sendo?

Dora moveu os lábios mas a voz não saia e, ainda bem que assim foi, pois sua cabeça não formulava frases coerentes para replicar as acusações. Mas quais acusações?

Ela estava ouvindo mesmo aquilo?

– Eu odeio gente boazinha...hipócritas – Afrodite continuou. Seus olhos frios não desgrudavam da moça chocada a sua frente – Como Saga. Mas há algo que eu odeio muito mais. Pessoas burras. E neste momento você está se mostrando como tal. Aioros é seu pais e nada vai mudar isso. E apesar de não ter grande simpatia por ele, ele é um Cavaleiro honrado – Ao dizer isso sentiu a voz embargar. Desviou o olhar para depois dar as costas para Dora que continuava na mesma posição – Como muitos de nós deveríamos ter sido – Finalmente conseguiu dizer. Disse isso baixo, de tal modo que Dora ouvira apenas o começo da ultima frase.

– Se...Afrodite... – Deixou escapar. O Cavaleiro de Peixes não se virou, apenas mostrou que estava ouvindo o que ela tinha para dizer.

A voz de Dora voltava.

– Eu sei...

– Desculpem interromper – Uma voz esganiçada se fez presente, fazendo com que ambos voltassem na direcção do soldado que acabava de chegar.

Afrodite o olhou com ódio, fazendo o soldado recuar.

– S...Senhor, o Grande Mestre manda chama-lo em sua presença. Assim como a filha do Cavaleiro de Sagitário – Dito isso pediu licença e se retirou rapidamente.

Ambos, ali sozinho se fitaram em uma acto de cúmplice duvida. O que mais estaria para acontecer?

Continua...


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