Uma noite exageradamente escura banhava um pântano assustador. Lorena conhecia aquele lugar de alguma maneira: um carvalho esbelto erguia-se inexplicavelmente naquele lugar úmido, um lago jazia ao lado de um grande monte de pedras cinzentas e cheias de musgo. Uma garotinha chorava em frente ao lago, de uma maneira sozinha e tristonha. Lorena sentiu pena daquele ser que ali lamentava. 

- Olá? Posso ajudá-la minha pequena? - Lorena exclamava no vazio e sua voz ecoava pelo estranho lugar.

A menina se levantou e virou-se para Lorena. Possuia os cabelos negros caindo em largos cachos até a altura dos cotovelos. Usava um vestido azul longo que parecia pertencer à uma época diferente da que Lorena se encontrava. A pele era branca como a neve, mas as bochechas eram cortadas por um rosa celeste.  Ela possuia os olhos fechados.

- Eu estava lhe esperando. - A menina sussurrou e abriu os olhos, para o pavor de Lorena. 

Um brilho intenso de maldade cobria as orbes vermelhas e o sorriso psicopata da menina pequena. Lorena pulou pra trás, a sensação de horrível familiaridade percorrendo sua alma.

A menina nada disse, apenas mantinha o sorriso maldoso no rosto. Direcionou-se ao lago novamente e Lorena percebeu que havia uma cesta próximo do mesmo, laços de fita cor de rosa enfeitavam os ramos de madeira que percorriam a cesta, e algo lá dentro parecia se mexer.

Lorena desesperou-se.

- NÃO!

A menina se aproximou da cesta, indiferente e apanhou a criança que se agitava lá dentro. Ao ver os olhos vermelhos da menina o bebê começou a chorar desesperadamente, e estendia a mãozinha minúscula para uma Lorena sem ação, os olhinhos verdes brilhando em lágrimas. 

Lorena adiantou-se próxima ao lago, corajosa. A menina porém virou-se bruscamente e olhava fixamente para um ponto ao lado de Lorena, o que a assustou.

- Conhece o ambiente, não, meu querido? Eu sei que você conhece tudo.... As árvores, o lago. E você me conhece. Mas a verdadeira pergunta é: Você conhece ela? - Disse a menina macabra, retirando das próprias roupas um punhal ensanguentado e apontando para o bebê que chorava ao seu colo. Lorena sabia que havia algo ou alguém ao seu lado, alguém à quem a menina dirigia a palavra. O medo de checar lhe invadia, endurecia-lhe o pescoço, impedindo-a do olhar. Mas a curiosidade foi maior. A menina lhe olhava com expectativa.

Lorena virou o pescoço e surpreendeu-se ao encontrar um garoto que olhava a cena com um olhar desesperado. Lágrimas saíam rapidamente de seus olhinhos também verdes, que lembravam os da menininha ao colo daquele monstro. Lorena percebeu que havia algo entre eles, pois eles eram nitidamente iguais. O garotinho virou-se para ela, ainda chorando, os cabelos negros sendo arrastados pelo vento, a pele pálida avermelhando-se com as lágrimas. Lorena sentia algo muito estranho brotando em seu peito.

- E-Eu te conheço? - Ela perguntou, cautelosa.

- Por favor... O menino soluçava.

Lorena encarou os olhos do monstro que segurava a garotinha. Ela botou os pés descalços dentro lago, e um líquido vermelho saía de onde ela estava. A menina abriu novamente o sorriso macabro e Lorena encolheu-se, um barulho agudo percorrendo sua mente. 

Uma cena embaçada lhe invadia, quase como um flashback.  Um garoto de olhinhos verdes cintilantes e cabelos negros percorria a relva em uma noite escura, olhando sempre para trás para verificar se não estava sendo seguido. Era o mesmo garotinho que chorava no pântano, pedindo-lhe ajuda. 

O garoto corria e seus pés descalços ficavam cada vez mais molhados à medida que ele se aproximava de um lago.

Aquele lago.

Aquele pântano.

Uma menina de vestido azulado e cabelos cacheados se encolhia amedrontada próximo às pedras cinzentas, o menino abaixou-se perto dela, curioso.

- Tá tudo bem? Posso te ajudar? - Ele perguntou, doce. A menina olhou-o com medo e saiu correndo em direção ao lago.

- O que vai fazer? - O garoto indagava.

A menina virou-se para ele.

- Dizem que esse lago vai ser famoso. Dizem que ele nos leva a fazer as decisões certas.

O menino a olhou, sem entender.

A menina sorriu, sem maldade, um sorriso puro e meigo. 

- Eu gosto de você, Lie.

Lie.

O garoto a olhava preocupado.

- Cacie? O que você vai fazer? Cacie? Você está me assustando! - O garotinho choramingava.

O sorriso da menina mudou, virando o sorriso psicopata que Lorena conhecia.

- Não se preocupe, Lie. 

- Cacie? O que você vai fazer?

- Você não precisa ficar assustado agora.

- Cacie?

- Por que você vai ter muito mais motivos para ficar assustado depois.

- CACIE!!

O garoto afastou-se do lago, no rosto uma pura expressão de medo. Seus olhinhos verdes encaravam as águas que se remexiam onde a menina havia pulado. O lago não era mais transparente e bonito, mas sim vermelho, vermelho como sangue. O menino saiu, amedrontado, mas o corpo da menina permaneceu submerso no lago vermelho sangue.

Seu corpo nunca havia sido encontrado.

Lorena abriu novamente os olhos, atordoada, e percebeu que ainda estava no pântano. Sua mente estava lerda, mas ela ainda podia ver a menina sorrindo, apontando o punhal cada vez mais perto do bebê que ela erguia. O menino ajoelhava-se na terra molhada, sem esperança. 

Lorena queria fazer algo, mas era tarde de mais.

O punhal atravessou a carne macia de um bebê inocente. 

Seu corpinho minúsculo fora jogado nas águas ingratas de um lago cor de sangue. 

Um grito agudo percorreu sua mente.

O corpo dela nunca fora encontrado.

*****************************************************************

Lorena acordou, o corpo suado e a respiração acelerada. 

Saiu dos cobertores, desesperada, e apressou-se pela relva, siando rapidamente de sua barraca. 

Atravessou o campo em que estavam, indo para a barraca vizinha. Entrou correndo e sentou-se no chão, arfando.

Um rapaz de cabelos negros dormia ao seu lado, inconsiente do pesadelo horrível da amiga.

Lie.

Lorena o olhava, amedrontada. Sabia que algo acontecera, sabia que havia alguma ligação entre o sonho e a vida real, sabia de tudo isso, mas não sabia de nada.

A jovem afagou os cabelos escuros do rapaz que dormia ao seu lado, como se o acalmasse, mas sabia que quem precisava se acalmar era ela.

- Lorena..? - Uma voz sonolenta percorreu a barraca, e Lorena percebeu, sem graça, que havia acordado o amigo. - O que está acontecendo?

Lorena balançou negativamente a cabeça, negando o desconhecido.

- Pesadelo.

Charlie a olhou, compreensivo. Livrou-se das cobertas, levantou-se e estendeu a mão para a amiga.

- Vem. Volta pra sua barraca.

Lorena o olhou amedrontada.

- Mas eu não vou conseguir dormir! 

Charlie suspirou.

- Não se preocupe. Eu fico lá e se algum monstro gigante ameaçar atacar você fica tranquila que eu dou umas porradas nele. - Ele riu com humor.

Lorena sorriu e levantou-se, decidida.

- Vamos lá, soldado!