Atlantis - os Dois Reinos escrita por LadySpohr, Tay_martins


Capítulo 18
Meu velho Eu


Notas iniciais do capítulo

Úrsula mudando!



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Vejo seu rosto partindo

Como em um leve suspiro

Ouço sua melodiosa voz

Trazendo-me de volta ao mundo dos vivos

Ecoando em meus tristes pensamentos perdidos

“Minha menina, tudo poderia ter sido diferente

Se não tivesse de assim ter sido!”

                                                             

“Qual motivo levaria alguém a se comportar como um idiota maior do que já é?”. Essa era a pergunta que martelava dentro da minha cabeça desde a hora que Ariana me contou a brincadeira sem graça que Dante tinha feito e toda vez que passava ao seu lado eu o olhava meio de esguelha tentando entender.  Por mais que eu pensasse sobre isso, só conseguia ver duas explicações: no primeiro caso ele é um imbecil maior do que eu esperava e no segundo ele não quer se aproximar de ninguém, ou seja, ele é como eu.

Quanto mais analisava os fatos, mais confusa ficava. Queria me convencer de que a primeira opção estava correta para que eu pudesse esquecê-lo de uma vez por todas. Aquele sentimento não era saudável. Sentir que sua vida é totalmente dependente de um cara que nem ao menos se importava com o seu sofrimento?  Levando em consideração que estávamos sendo caçados e ameaçados por membros de uma civilização antiga perdida em uma dimensão paralela, não podia ficar calma diante daquele amor sem propósito.

Sempre odiei revelar o que estava pensando ou sentindo, é tão mais fácil fugir das pessoas e das situações que podem gerar sofrimentos... É muito mais simples sofrer sozinha, por tempo indeterminado se afastando dos outros do que se manter ao lado deles e se magoar mais profundamente. Essa era uma decisão já tomada, eu me distanciaria ainda mais do Dante, o máximo possível, até que aquela estranha sensação de punhais perfurando meu peito, que eu sentia cada vez que o via, passasse.

Minha vida estava mudando tão rápido, que a única coisa que eu queria fazer era viver como uma adolescente normal, nem que fosse por alguns dias. Aquele baile de formatura era a ocasião ideal para me misturar aos outros estudantes, mesmo que eu não gostasse de me relacionar com aquelas pessoas, que sempre me hostilizaram, as vezes me perguntava como seria ter amigos.

O burburinho das garotas pelos corredores estava começando a me irritar, elas só falavam de comprar os vestidos, as máscaras, as jóias e todo aquele blá, blá, blá de meninas ricas e frescas que me dava embrulhos no estômago. Mas o fato de elas me encararem como se eu fosse um alienígena, que não pensava em me arrumar para a festa, me incomodava bastante.

____ Ariana! Ariana! Vou sair e fazer compras para o baile. Você quer alguma coisa?

Ariana conseguia ser mais desinteressada que eu em toda aquela palhaçada de formatura, e com todas aquelas revelações dos últimos dias sobre nossas origens ela estava ainda mais sem vontade de participar daquele circo.

____ Não, acho que não Pequeno Urso!

Achei melhor nem insistir, se ela não queria se esforçar para ser uma menina normal, eu faria isso por nós duas.

Horas e horas e horas... Como alguém consegue passar tanto tempo andando, entrando e saindo de lojas? E o pior de tudo isso é que eu não conseguia encontrar nada que me agradasse, todos os vestidos eram pomposos demais, todas as máscaras ridículas demais e as joias eu acho melhor nem comentar. Nada ali parecia ter a minha cara ou a da minha melhor amiga.

Já estava decidida a voltar para a escola sem nada nas mãos quando encontrei o lugar certo. Uma lojinha meio escondida, escura, com umas roupas clássicas e antigas e algumas máscaras venezianas. Aquele era o lugar! Não podia ter dúvidas...

Escolhi meu vestido com facilidade era vermelho, minha cor favorita, e minha máscara também era linda, sapatos combinando e para a Ariana um colar dourado que me fazia lembrar de algumas coisas que não conhecia.

Sem que me desse conta, estava coberta de sacolas e satisfeita comigo mesma por ter tido um dia tão banal.

____ Sua Visão não parece muito boa mocinha... Talvez você precise de ajuda...

Uma senhora, em pé atrás do balcão disparou essa frase meio que a queima roupa e me deixou sem saber o que responder. Afinal, será que ela estava falando sobre “a Visão”?

____ Desculpe, acho que não entendi sua pergunta.

Esquivei-me de lhe dar uma resposta direta, temendo que fosse mais uma das muitas encrencas em que havia me metido recentemente.

____ Creio que você entendeu muito bem o que eu falei, Oráculo!

Como ela podia saber sobre isso? Era algo que até mesmo eu só havia descoberto há poucos dias. Era impossível!

Naqueles olhos velhos e cansados eu podia enxergar uma estranha semelhança com os meus...pareciam que já tinham visto muito mais do que queriam ou deveriam ver.

____ A senhora deve estar me confundindo com alguém...

____ Um Oráculo é inconfundível, eu sei quem você é Pequeno Urso, e você também sabe quem eu sou.

Era difícil ter que admitir, mas eu não poderia negar que a conhecia, não podia saber de onde, nem em que época, mas nossos caminhos já haviam se cruzado antes e de alguma forma tinha certeza de que esse encontro seria decisivo para nós duas.

____ Como a senhora pode saber tanto sobre mim?

Ela abriu um largo sorriso, apontou para os próprios olhos e então para os meus, um gesto ritual, ao qual meu corpo reconheceu imediatamente e respondeu no automático, levei meus dedos à têmpora e depois ao coração. Aquela deveria ser uma saudação muito antiga, pois senti os pelos do meu braço se arrepiarem e uma magia percorrendo todo o ambiente.

____ Eu sei quem é você, pois eu sou você, e sempre fui!

Minha vista ficou turva novamente, ia recomeçar, eu teria mais uma daquelas malditas visões sem sentido. Queria tanto poder controlar isso!

Meu velho eu se mantinha parado, com o sorriso débil no rosto marcado, olhando minha agonia recorrente para usar aquele dom.

____ Você ainda tem muito que aprender. Eu posso te ajudar, mas terá que manter segredo sobre isso. É um caminho que você terá de trilhar sozinha. Oráculos são solitários e nada pode mudar essa verdade eterna.

Mesmo querendo ir contra o que ela dizia eu não conseguia, não tinha argumentos. Aquela mulher realmente era eu e me conhecia melhor do que qualquer pessoa nesse mundo. Ela balançou a cabeça aprovando minha decisão de manter o segredo, antes mesmo que eu lhe comunicasse sobre esse fato, e aquilo me deixou mais surpresa ainda.

O mundo então voltou ao seu eixo, a Terra começou a girar mais uma vez, e eu continuava de pé, na frente da balconista da loja que me devolvia meu cartão, murmurando um “obrigada” desinteressado. Nenhum segundo tinha se passado enquanto eu tive aquela visão. Mas o tempo sempre passava...Será que foi realmente uma Visão?

Esse era mais um enigma que minha cabeça tão atolada em problemas teria que se ocupar em desvendar, mas isso não seria agora, quando eu já começava a ficar atrasada para o chá com a Betina.

Corri de volta para a escola e não fiz nem o mais leve comentário sobre o que tinha se passado. Eu tinha feito uma promessa e não pretendia quebrá-la. Esconder meus reais sentimentos também era um dom, e mesmo Ariana que me conhecia tão bem, não pode notar a leve preocupação disfarçada na minha algazarra por ter chegado com tantas compras.

Depois de vermos tudo que eu havia comprado, entre risinhos e comentários femininos e despreocupados, que não combinavam de maneira nenhuma com nosso estilo, nós dirigimos para a sala das freiras.

Lá estava a antiga Irmã Betina, agora que sabia que ela era uma de nós, uma Mensageira como a Ariana, a admirava mais e fiquei encantada com a grande diferença que havia se operado na sua aparência. Mas ao mesmo tempo em que ficava alegre por minha amiga ter encontrado uma igual, me entristecia por saber que as palavras da velha na loja eram verdade, para uma Oráculo, como eu, não havia amigos ou família, apenas solidão e trevas.

Por mais coisas que tivessem sido ditas, muitas outras ainda tinham de ser reveladas e hoje era o dia de saber sobre nossos pais, a família que nos havia abandonado. Não que isso fosse fundamental para mim, na realidade sempre achei que eu tinha surgido do nada, nunca imaginei um casal comum me tendo e me largando, mas para Ariana, saber de seus antepassados era vital e fiquei muito alegre por saber que ela e Betina eram irmãs.

Uma carta dos meus pais me foi entregue, e por pouco o papel não foi incinerado pelos meus dedos nervosos, por mais que fossem irrelevantes os motivos que os fizeram me largar, eu ainda gostaria de saber, apenas para ter ciência dos fatos drásticos que os obrigaram a tomar uma atitude tão desesperada.

O papel amassado nas minhas mãos trazia uma caligrafia firme e clara, nada de sentimentos revelados, toda a dor parecia ter sido escondida, eles deveriam ser exatamente como eu, tumbas repletas de mistérios.

Pequeno Urso, você não sabe por que lhe demos esse nome, mas ele diz mais sobre sua missão do que pode perceber.

Tivemos que deixá-la, estava traçado há muito tempo que esse seria seu destino, não poderíamos mudá-lo e creio que você já tenha capacidade para entender essa atitude, sua vida corria grande perigo e a de muitas pessoas dependia de sua sobrevivência.

As respostas para as suas perguntas só você é capaz de encontrar, e um tempo virá em que as trevas estarão maiores do que agora. Olhe para dentro e descubra o que tem que fazer.

Outros dois filhos de Atlântida, a Linhagem de Ouro, estarão ao seu lado e é seu dever protegê-los de todos os males que possam surgir. Dias virão em que tudo parecerá perdido, mas nessa hora você poderá contar com seus dons se já os tiver desenvolvido.

Empenhe-se e me dê orgulho! Siga suas Visões acima de tudo, pois apenas elas mostrarão o que você deverá enfrentar.

Um dia nos encontraremos mais uma vez...

Sua mãe e mentora para todo o sempre

Raven

Ainda segurava minha carta, com uma pequena lágrima escorrendo pelo canto do meu olho e um sorriso estampado na face, quando Ariana já estava enlaçada pela irmã mais velha, chorando copiosamente.

Então era isso? Minha família e a da garota de cabelos assanhados que havia sido minha companhia durante todos esses anos eram amigas e nos deixaram nesse lugar para o nosso bem, para que pudéssemos escapar da fúria de Lemúria. Era muita informação para um dia só.

Continuamos nosso chá, entre sorrisos e recordações de momentos felizes que Betina havia tido com os pais, bem como de momentos terríveis onde as perseguições eram intensas aos descentes da Linhagem de Ouro. Não estava escrito como minha família havia morrido. Eu nem ao menos sabia o nome do meu pai. Será que eu tive um pai? Essas perguntas a nova irmã de Ariana não poderia me responder.

Minha mãe tinha me deixado a chave para todo o meu mistério, e cabia a mim usá-la para abrir aquela caixa mágica das memórias passadas e futuras. Queria que tudo tivesse ficado claro e simples para mim como havia ficado para minha amiga, mas infelizmente Oráculos nunca têm facilidade.

Aquelas palavras antigas, escritas como uma profecia, por uma mãe que obviamente tinha tantos poderes quanto eu, servia apenas para reforçar o que o velho “eu” tinha me dito mais cedo. Eu tinha que aprender a controlar a Visão, ou não seria de grande ajuda para as pessoas que necessitavam de mim.

Sabia que Ariana contava comigo para não estar sozinha, eu também precisava dela, mas a partir daquelas descobertas, meus dias seriam mais solitários... Nunca havia sentido tanta curiosidade por minhas origens e tinha plena consciência de que todas as pessoas seriam inúteis nessa busca. 

A única saída para não machucar quem eu amava, era me afastar e aprender a não ser um estorvo para eles. Meus poderes tinham que ser aprimorados e para tanto eu tinha que ser mais introspectiva ainda, observar todos os detalhes ao meu redor tentando encontrar pistas de uma Úrsula que nem ao menos pensei que existisse.

Quanto ao meu sentimento pelo Dante... Isso deve ser o mais esquecido de todos os pensamentos, pois amá-lo só tornaria tudo mais difícil no meu caminho e algo me diz que esse tipo de amor, entre homem e mulher, também não está traçado no meu destino. Pensando sobre minha mãe e suas palavras vazias de amor, começo a acreditar que os Oráculos não passam de cascas ocas, sem nada de bom por dentro, sem capacidade de amar, apenas armas valiosas em uma batalha para prever os movimentos do adversário e qual a melhor estratégia para ser usada.

No entanto, esses pensamentos estavam apenas começando a se formar em minha mente, enquanto me cobria com uma capa de frieza e sorria para as pessoas que estavam ali para me ajudar e que jamais poderiam saber o que as palavras de Raven, minha mãe e mentora, queriam dizer.


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