Atlantis - os Dois Reinos escrita por LadySpohr, Tay_martins


Capítulo 19
Fantasmas


Notas iniciais do capítulo

Algumas revelações sobre Elleonor.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/123227/chapter/19

- Dante -

Não há nada que eu queria mais

Que encontrar essas velhas verdades

Dos anos e eras, guardadas,

Das vidas mais nobres, ocultas,

Onde agora, só eu, neste exato momento

Tenho a vontade e a chave

Para evocá-las de novo

Nos dias que seguiram, Ariana e Ursula não se aproximaram de mim. De certa forma fiquei aliviado. Pensei que nossos destinos deveriam se unir graças ao passado que nos circundava. Mas não foi bem assim, e isso me tranqüilizava.

Eu pensava em várias coisas, várias possibilidades, de por que estar ali, o que eu era, qual minha verdadeira função? Mas eram apenas hipóteses o que eu conseguia. Ainda estava fora de minha capacidade alcançar algum argumento que fosse válido naquela instancia.

Deixei essa linha de pensamento de lado. Elleonor voltou, eu tinha certeza, era a mesma Elleonor, mas ela não tinha falado comigo ainda. Por que não falava? E alguma coisa me impedia de chegar perto dela, um receio, um medo... Eu com medo? Só pode ser brincadeira... Ter medo seria admitir que algo pudesse ser maior que eu, e eu não admitiria isso, não naquela época, não como eu era.

Mas ainda estava excitado. Verdades ocultas, mistérios não revelados, passados grandiosos, e uma missão me aguardavam. Acho que sempre quis algo que não fosse aquela vida monótona. E agora, a chance havia se apresentado a mim, ser realmente diferente de todos, fazer algo que ninguém mais podia fazer. Meu maior anseio sendo realizado...

Caminhando pelos corredores, a vi olhando para um cartaz. O cartaz do baile. Parecia absorta, Elleonor. Eu precisava me aproximar dela. Algo naquela situação não se encaixava. Esperei-a sair para um lugar menos movimentado e abordei-a.

- Então, quer ir ao baile de máscaras? Não imaginei que se importasse com isso. Não a Elleonor que eu conhecia.

Ela me fitou com seus olhos castanhos. Ternura, carinho, afeto, tristeza, angustia, dor. O que era aquilo tudo, num só olhar?

- Será uma boa lembrança... – disse, a voz tão fraca que mal pude ouvi-la.

Era a mesma Elleonor, a garota bela e refinada, decidida, porém frágil. Que sempre teve tudo, tudo para ser popular, para ser visada pelos outros, para ser a musa dos garotos, e mesmo assim, não se importava com isso, e ao invés, ficava comigo, o garoto que ninguém gostava. Na verdade, nossa amizade é de muito antes, do tempo em que éramos pequenos. Do tempo em que eu era marcado pelas outras crianças por não ter pais, por ser avoado e desinteressado por esse mundo. Ela era meu único laço verdadeiro...

- Então você quer ir? Mas é só por isso? Só por isso que voltou? – indaguei sem entender direito. – falta cerca de um mês para o termino das aulas, e você se transfere do nada. Essa situação é no mínimo estranha.

Fitou-me novamente. Agora eu não notava mais nenhum daqueles sentimentos de antes. Seus olhos estavam mais frios, e ao mesmo tempo, mais decididos.

- Tenho meus motivos. Sabe Dante, não foi por minha vontade que sai desse colégio há muito tempo atrás. Se pudesse, teria ficado, teria deixado tudo como sempre foi. Mas agora, você mesmo deve saber que nunca voltará a ser... como sempre foi... e isso me desola...

Dei uma risada.

- Não pode estar falando sério... como sempre foi? Essa vida era muito chata, sem sentido, sem sal. Eu sabia que tinha algo maior me envolvendo, mas nenhuma pista de como encontrar. Vivendo no mundo de uma forma que ninguém vivia, incompreendido, e ao mesmo tempo, sem ter como chegar naquilo que só eu sabia que existia. – fiz uma pausa, havia paixão nas minhas palavras – Agora eu posso, posso alcançar o que fui destinado a alcançar. Posso ser, finalmente, diferente dos outros em todos os aspectos.

Ela me olhava, novamente triste. Continuei.

- Mas, o único laço que tive, em toda minha vida. A única pessoa de quem não tive dúvidas de que fazia parte de mim, que aceitava minha natureza e vice-versa, foi você. E ao ser arrancada de mim, realmente, foi uma ferida que não podia ser curada, me foi tirado algo que jamais poderia ser substituído. Que eu jamais poderia renunciar. E agora, com você aqui, sinto-me revigorado nesse sentido. Sinto que não falta mais nada. E eu não quero ter que te perder de novo.

Ela fitou o chão. Pensou por um momento. Parecia dividida. Mas dividida com o que? O que a atormentava? Eu precisava salvá-la, seja lá o que fosse. Eu precisava alcançá-la.

- Dante. – finalmente quebrou o silencio. – Precisamos resolver isso... de uma vez por todas. Encontre-me no velho cemitério, ao anoitecer... Por enquanto, não há nada que possa ser feito. Virou as costas e se foi.

Por que no velho cemitério? Um lugar onde ninguém ia, principalmente ao anoitecer. As pessoas tinham medo, dizendo que era um local assombrado. Interessante que em pleno século XXI as pessoas ainda acreditem em fantasmas. Não que eu não acreditasse em sobrenatural, mas tinha convencido a mim mesmo que eram histórias da carochinha. Só o que você se permite, pode te fazer mal, e nesse caso, não importa se é real ou não, desde que você acredite que seja.

Mesmo assim, sem entender. Iria lá. Queria entender, queria resolver isso tudo também. Queria poder segurá-la em meus braços e trazê-la de volta a esse mundo, mostrando que estaria com ela e a defenderia do que fosse que a estava atormentando.

A aula se passou, ela mal olhou para mim. E eu continuava pensando. Não conseguia dormir naquele momento. Não brinco com coisas sérias, digo, nem sempre.

Naquele momento eu me sentia estranho, quando foi a última vez que sentimentos assim haviam me regido? Quando foi a última vez que eu me deixei sentir algo... Que não fosse dor, angustia, solidão ou raiva por esse mundo?

Ao que parecia, as coisas estavam mudando drasticamente, não só em minha volta, como também, dentro de mim. Mas existe um limite, eu não me renderia as minhas fraquezas, só precisava resolver meu único assunto não resolvido. Dar um jeito em meu maior ponto crítico. Elleonor.

Ao anoitecer, fui para lá. Não foi tão difícil se esquivar das freiras.

Ao chegar no local marcado, a lua já estava radiante, era cheia. Achei a situação cômica. Um cemitério mal-assombrado, com uma lua cheia, para lidar com fantasmas do passado.

E onde ela estava? No meio do cemitério. Olhando para a lua. Lágrimas escorriam em sua face iluminada pela luz daquele astro noturno. Parecia uma visão angelical. Fiquei observando por um momento. Ela se virou para mim.

- Quem diria... O destino... muitas vezes é um grande comediante. Pena que as vezes seu humor é ácido e negro... – não compreendi sua fala, mas havia um tom mórbido nas palavras. – Sabe... eu realmente, se pudesse ter escolhido, escolheria não ter me aproximado de você... tornaria tudo tão mais fácil. – aquelas palavras perfuraram meu peito, rasgaram tudo que me mantinha de pé até agora. Estranho. Nunca, nada que haviam me dito, tinha me afetado. Mas com aquelas simples palavras daquela garota, eu havia sido quase destruído.

Mas, por pouco, não deixei escapar um detalhe. Suas feições, o jeito com que falava, tudo, davam sinais de contradição. Não podia estar falando sério. E mesmo assim, as palavras me doíam, entrando pelos meus ouvidos e dilacerando tudo que tinha dentro de mim, até chegar em meu peito.

- Mas sabe – ela continuou – talvez esse seja meu desafio. Nada é fácil. Não foi fácil para você também, mas preciso completar minha missão.

O que? O que era isso? Por que tinha que ser assim? Do que ela estava falando? Lágrimas começaram a querer brotar de meus olhos. “Não... não agora... não eu... Não vou chorar”. Era o que eu pensava. Mas foi mais forte que eu.

- Sinto muito que tenha sido um reencontro tão breve Dante. – Ela também chorava. Nossos seres estavam ligados por aquele elo de sofrimento. Ressoavam num mesmo tom, uma mesma amargura. E finalmente, uma vez na vida, tive que admitir. Sou impotente e não consigo entender. Ela se aproximou de vagar e me abraçou. Um abraço apertado.

- Sinto muito que tenha que ser assim – ela disse. Da manga comprida em sua camiseta, retirou uma adaga, ato que não percebi. Levantou o braço direito que estava em minhas costas, segurando a adaga. – Sinto muito... – foram suas ultimas palavras, estava pronta para consumar o ato.

- Não sinta. – eu falei, paralisando-a. Ela não queria fazer aquilo. Queria me escutar uma vez mais. Queria um motivo para parar. – Pois você está aqui agora. Ao meu lado, e isso me deixa feliz. Nada precisa ser de um jeito que você não queira. Você é dona de sua vida, tanto quanto eu sou da minha. E não vou deixar você sumir de novo. Não sou o mesmo de ontem. E amanhã, não serei o mesmo de hoje. Mas serei eu mesmo sempre. E você faz parte de mim. Odeio ser tão sentimental. Mas eu te quero ao meu lado. Não sei o que se passa em sua mente, em seu coração. Os conflitos que você tem enfrentado. Só sei que agora estou aqui. E vou te proteger de qualquer coisa, a qualquer custo. Vou te defender dos seus conflitos, e vou te dar a paz merecida...

Algo caiu no chão, fazendo um baque surdo. Lentamente eu olhei para a direção de onde viera o som. Era a adaga. Surpreendi-me. Tudo se encaixou em minha mente, aquela era a peça que faltava para o quebra cabeça fazer sentido. Agora eu a entendia... Abracei-a mais forte. As lágrimas dela vieram com mais intensidade.

- Eu tenho que te matar... – disse – esse é o dever da minha família, e eu, tenho um laço com você, te tornando mais vulnerável. – ela era de Lemuria também. – Não sou da linhagem de ouro, não tenho habilidade alguma, mas enquanto tivesse esse laço com você, não estaria em perigo. Mas é justamente esse laço que me divide, entre o dever com aquele que me criou até agora, e o relacionamento que tenho há muito tempo...

- Está tudo bem, você está comigo agora. Não precisa ser assim. Sua família não pode te forçar a fazer algo que não queira.

- Mas eu não quero ir contra eles. Pois... são minha família. E eles precisam de você, e dos outros da linhagem de ouro, mortos. Mas, em primazia... você...

Como assim, principalmente eu? O que eu tinha de diferente dos outros? Minhas habilidades nem ao menos eram ofensivas. No entanto, depois daquilo, Elleonor não quis falar mais nada. E eu não quis forçá-la. Depois desse evento, nossa amizade voltou a fluir como antigamente. As vezes ela sorria demais, e outras vezes lembrava de Lemuria e se fechava em seu canto.

A única coisa que me revelou, além de não ser da linhagem de ouro de Lemuria, é que fora treinada com as armas deles, que eram um tanto rústicas. Espadas, adagas, machado, arco e flecha. Coisas do gênero. O que achei engraçado. Uma garota tão bela e delicada, sendo uma guerreira desse porte. Mas ao mesmo tempo admirável.

Pedi que ela me ensinasse a usar essas armas também. Afinal, eu não tinha nada de ofensivo. Assim, de vez em quando parávamos e ela começava a me dar a teoria de como lutar. Para a prática ainda faltaria um tempo. Mas tivemos alguns treinos com espada para eu saber como seria usar uma arma de verdade. Como ela tinha esses itens? Acho que foi coisa da misteriosa família dela.

Com Elleonor aqui, me senti um passo mais próximo para descobrir quem eu sou. Um passo mais próximo de Atlântida. Ela sabia de mais coisas. Mas por honra a família, sabia que não falaria. Pelo menos não agora.

Dois dias após o evento no cemitério. Algo suspeito aconteceu. O professor Sebastian. Aquele professor velhinho. Sofreu um acidente. Ou ao menos foi o que nos disseram. Para substituí-lo surgiu um tal de professor Barton. Homem alto, e inteligente. Vigoroso, de cabelo curto e preto. Barba curta meio branca meio preta. Elleonor se abalou com a apresentação do novo professor em sala de aula. E eu não havia gostado nem um pouco da nova figura. Mas a princípio. Parecia alguém normal. Não demonstrou muitas atitudes extravagantes, ou que pudessem o relacionar a Lemuria.

No entanto, decidi ficar atento. Não poderia cometer nem um erro. Nem um deslize. Ou, as conseqüências poderiam ser ruins para todos nós, da linhagem de ouro.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Atlantis - os Dois Reinos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.