Perspectiva escrita por mamita


Capítulo 28
Um breve tratado sobre a compeensão (parte final)


Notas iniciais do capítulo

Como previ Edward e Jasper me deram um pouquinho de trabalho. Eles são personagens muito complexos, cheios de camadas. E ao mesmo tempo duros, já tem pressupostos arraigados é difícil convencê-los de algo novo.
No blog "eumerecoumcastelo" tem uma brincadeira sobre músicas que definem personagens ou as pessoas por trás de cada morador do Castelo.
Em homenagem a eles fiz uma brincadeira com músicas. Como sou fã de música brasileira usei algumas no PDV de Jasper espero que gostem.
BOA LEITURA :)



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Anos 90 (Outono no Rio)





PDV Jasper


– “Gosto muito de ter ver leãozinho caminhando sob o sol, sua pele, sua luz, sua juba. Para desentristecer leãozinho o meu coração tão só, basta eu encontrar você no caminho. Um filhote de leão raio da manhã, arrastando o meu olhar como um imã. O teu coração é o sol, pai de toda a cor, quando ele me doura a pele ao léo. Gosto muito de te ver leãozinho, de molhar minha juba, estar perto de você e entrar numa...


Alice cantava enquanto eu repousava meu rosto em seu peito. Seus seios pequenos e redondos eram sedosos no contato com minha pele, bem como sua barriguinha lisa. Suas pernas torneadas estavam enlaçadas nas minhas. Suas delicadas mãos acariciavam os cachos de meus cabelos, e eu me permiti fechar os olhos. Eu nunca fechava os olhos, não porque não dormisse, mas porque aprendi a nunca ficar cego aos perigos do mundo. Fui treinado para estar sempre alerta, eu jamais baixava a guarda. A não ser nos braços de minha pequenina amada. A suavidade de sua pele; o movimentar carinhosos de suas mãos; a respiração desnecessária, mas extremamente regular amenizavam meus temores e me faziam esquecer que eu era apenas um soldado. Alice despertava em mim uma esperança sem medida, uma confiança inabalável. Sua visão otimista do mundo baratinava meus sentidos, me fazendo pisar em terreno completamente desconhecido para mim. Eu sou cartesiano, sou todo cálculo de risco e otimização de resultados. Talvez por me tirar de meu “lugar seguro” perto dela me sinta sempre um garoto.


Ela continuou a cantar me embalando num sono que jamais teria. Estava disposta a usar as palavras de outras pessoas para me dizer o quanto me amava. Uma declaração feita por outras vozes, mas com nossos sentimentos. Depois cantou outra música em português:


“Vieste na hora exata, com ares de festa e luas de prata. Vieste com encantos vieste. Com beijos silvestres colhidos pra mim. Vieste como a natureza, com as mãos camponesas plantadas em mim. Vieste com a cara e a coragem. Com malas, viagens pra dentro de mim. Meu amor”.


Conhecia a música. Era de Ivan Lins, Edward se encantou por ele depois que Esme lhe deu um álbum que havia comprado em uma de suas luas de mel por aqui. Engraçado, apesar de ser brasileiro, Edward ia ao Japão ver os shows dele. Não sei por que Alice cantou essa música, ela era de certa forma minha, meus sentimentos. Sabia que ela estava descrevendo de forma poética nosso amor recém feito. Ainda sentia a pele esticar-se se recomponde onde suas unhas me arranharam, meu pescoço coçava das mordidinhas que ela deu, meus sexo ainda estava um pouco intumescido e meus testículos latejavam suavemente não me deixando esquecer de que derramaram sua semente em seu delicado e acalorado sexo. Mas ao ouvir essa música, especialmente a segunda parte, sempre me remetia a minha relação com ela. Não a física, a de alma. Se é que temos uma.

“Vieste à hora e a tempo, soltando meus barcos e velas ao vento. Vieste me dando alento, me olhando por dentro, velando por mim. Vieste de olhos fechados, num dia marcado, sagrado pra mim. Vieste com a cara e a coragem. Com malas, viagens pra dentro de mim. Meu amor”.



Há dois dias havia experimentado a pior experiência de minha existência como vampiro. Participei de guerras violentas e cruéis, mas nada se compara ao que vivi na fatídica tarde que passamos no shopping. Eu devia estar mais alerta do que nunca, mas Alice tinha esse poder sobre mim. Desde que aceitei o fato de não poder controlar tudo, especialmente seu talento, ela representava isso para mim. Eu me esquecia dos perigos porque ela velava por mim e isso me dava alento. Ela velava minha sede insana, o desespero de minha alma violenta presa nessa vida pacífica. Coisa que eu amava, não suportava mais a idéia da guerra. No entanto o soldado que habitava em mim ainda queria a adrenalina da batalha, o correr da luta.


Acho muito interessante a música falar de tempo, o tempo é importante para nós. Melhor, o timing é importante. Ela orquestrou tudo como num balé: minha chegada, seu caminhar suave com as mãos estendidas para mim, a reclamação sobre meu atraso. Me lembrei da minha vida humana, de como fui ensinado a ser um cavalheiro e isso de certa forma me conectou a minha humanidade. Ela cronometrou tudo, no dia marcado. E pela imensidade desse amor, se tornou um marco em minha vida, algo sagrado. Meu amor por ela é sagrado para mim, aquele dia é sagrado, devia ser feriado. E como ela foi corajosa. Viver todos aqueles anos sozinha, sem jamais perder a esperança. Minha pequena grande heroína.


Ela queria ir embora do Rio, ela também gostava de controlar tudo, nesse aspecto éramos muito parecidos. Senti o quanto ela estava desapontada consigo mesma, como estava apavorada. Acho que por que se deu conta de que não podia nos proteger de tudo com seu talento, que não era infalível. Precisava mudar um pouco as coisas, precisava agora cumprir o papel que sempre foi dela. Velar por ela, por seus temores. Derramar o bálsamo do esquecimento, da segurança. E foi o que fiz.


Mudei a rota que ela estabeleceu, e voltei para a ilha. Primeiro eu a sentei em meu colo e a acalentei. No início ela ficou quieta, mas depois permitiu que seu choro despejasse todos aqueles sentimentos contraditórios. E ela chorou muito. Depois levei-a à suíte e tomamos um relaxante banho juntos. Mas foi só chegar ao quarto para que começássemos a nos amar. E tudo em minha memória se resume a sensações, gemidos e juras de amor eterno. Meu único e grande amor. E depois a quietude de estarmos juntos. Eu sobre seu peito e mais juras de amor, só que em forma de canção. Ela levantou meu olhar e ficamos nos encarando por um tempo. Isso é tudo que precisamos para dizer o que sentimos. Ela me deixa perceber e eu faço com que ela sinta o que estou sentindo. Sempre funciona. E ela agora sabe como meu amor é incondicional, como sou um “soldadinho” em suas mãos, como me sinto agraciado por nosso dia sagrado.


– “Agora vem, pra perto vem. Vem depressa, vem sem fim, dentro de mim. Eu quero sentir o seu corpo pesando sobre o meu. Vem meu amor, vem pra mim. Me abraça devagar, me beija e me faz esquecer”.


Ela sussurrou em sua voz delicada e eu obedeci satisfeito. Deitei sobre seu corpo, cobrindo sua pele com a minha. Mas a frustro, é só o que faço. Quando ela vai bater em meu braço, sorri. Ela já viu minha decisão. Temos um quarto muito confortável em casa também, viemos à ilha para curti-la.



– “Eu praia linda e nua ventando de paixão...” Eu canto meio desafinado, ela sorri



E em segundos estamos na praia, nossos corpos enlaçados, acompanhando o balanço do mar, permitindo que a rebentação das ondas encubra nossos gemidos.


No entanto é impossível fazer desaparecer os ruídos do mundo ao nosso redor. O telefone toca irritado, com pressa de ser atendido. E isso parece um agouro. Fico com medo de ouvir. Sei que Alice saberia mais cedo se de alguma forma os Volturi assistiram aquilo e estavam se posicionando. Mas ainda assim temo termos que responder por aquilo, sermos punidos. Jamais permitiria que algum mal alcançasse minha esposa, meu amor. O que seria de mim se perdesse meu futuro, minha Alice?


Edward primeiro falou com Alice, ela sorriu de uma piada particular deles, algo sobre os benefícios de seu talento. Ela pode saber suas decisões mesmo em outro pólo do continente, mas ele não sabe o que ela pensa pelo telefone. Ouvi a voz retumbante de Emmett dizendo que ela era previsível, estava pensando em variar meu cardápio, que agora me oferecia siri e bacalhau todos os dias. Esme ralhou com ele, Edward sorriu.


Então a conversa parecia querer tomar uma direção mais séria, fui convidado a me juntar a eles.


– Vi o filme Jasper, creio que tenha razão. Parece que estou mesmo famoso, estão falando sobre mim. Carlisle brincou.


– Ou para você. Edward interviu.


– Edward concorda com Alice, acha que é uma mensagem para mim. Mas não sabemos que tipo de mensagem. Carlisle agora estava com a voz séria.


– Acho que querem nos prevenir que Edward ainda é solteiro porque tem dúvidas sobre sua sexualidade. Adorei os cachinhos balançando enquanto ele tocava piano.


Emmett não podia deixar essa passar. Esme ralhou com ele novamente:


– Não é hora para brincadeiras filho, isso é sério.


Emmett deve tê-la beijado, pois ouvi sua gargalhada. E ele a consolando por ter um filho “muito educado”. Notei que Rose não dizia nada. Era apenas um telefone, mas nossa audição apurada transformava aquilo em uma espécie de “mesa redonda”, pois ouvíamos tudo.


– Loirinha? Chamei-a pelo apelido que costumava usar quando treinávamos para afugentar seus pesadelos.


– Primeiro achei que o sol e o excesso de sexo estivessem afetando seu cérebro, mas depois vi que tinha razão. A menina sou eu, meu inconformismo por jamais viver a vida que sonhei. Jamais ser uma mulher de fato, mãe.


Super sincera como sempre, essa minha irmã. Percebi que os outros tinham se calado, não sabia se por estarem chocados com o fato de sua intimidade comigo ou se por ela ter prestado atenção. Ela continuou:


– O que me preocupa e parece que mais ninguém prestou atenção nisso, é que esse alguém nos conhece. Pior. Tem acesso a intimidade de nossa família. Ele sabe que eu queria ter um filho, que Edward gosta de tocar piano, que desenvolvemos comportamentos sociais, que convivemos com humanos. Louis e Lestat frequentam festas, vão ao teatro, vivem como humanos. E sabem que você e Alice se juntaram a nós, se estiver certo sobre a predileção da menina por vestidos. Então ele deve ter se encontrado conosco nas últimas décadas. Mas quem será?


– Carlisle, você mantém contato com alguém em Volterra? Quis saber.


– Não. Acha que foi alguém de lá? Ele devolveu a pergunta.


– Desconfia dos Volturi? Edward quis saber.


– Alice acha que pode ter sido, mas eu não creio que eles utilizem este tipo de artifício. Até que provem o contrário penso que os Volturi mantêm a dignidade e moral.


– Também não tenho do que duvidar. Carlisle concordou.


– Mas quem será esse tal vampiro metido a Spielberg? Edward se questionou


– Quem sabe? Alice disse.


– Tinha esperanças que talvez soubesse, gênia mirim. Tem certeza que não quer uma bola de cristal de natal? Emmett respondeu e minha esposa bufou.


– Acho que é inútil ficar tentando adivinhar. Isso só vai gerar mais angústia. Pode ter sido só uma brincadeira boba. Carlisle tentou apaziguar os ânimos.


– Uma brincadeira que quase bota nosso pescoço na fogueira. Rose reclamou.


– Acha que devemos sondar os Volturi? Emmett perguntou.


– Não. Respondi rapidamente.


– Se nos perguntarem, respondemos. Enquanto isso não acontece, fingimos que não entendemos à mensagem. Rose sentenciou.


– Ela tem razão. Edward concordou em ela, isso é mesmo um milagre.


– Tem certeza que é mesmo loira Rose? Brinquei.


– Jasper brincando, Edward concordando com Rose, Carlisle estrela de cinema. O mundo está mesmo perdido. Emmett continuou brincando.


Parecia que nossa conversa tinha mesmo acabado, mas mesmo sem poder estar com nossa família eu sabia que precisava dizer algo a uma pessoa:


– Esme, não se preocupe. Se alguma coisa ruim fosse nos acontecer Alice seria a primeira a saber e já estaríamos aí. Foi só meu excesso de protecionismo. Rose tem razão, precisamos relaxar e esperar o fluxo dos acontecimentos.


– Não sabia que sua capacidade de pressentir sentimentos tinha esse alcance Jasper. Ela disse com a voz preocupada.


– Não é preciso de talento para saber que sempre se preocupa com sua família Esme.


– E você e Alice? Estão aproveitando os encantos do Brasil? Ela tentou mudar de assunto.


– Sim. Estamos aproveitando muito.


Respondi sem pensar em Emmett. Ele soltou uma gaitada e disse:


– Essa casa é um projeto de Niemeyer, não vá derrubá-la. Esme te mata, sem a ajuda dos Volturi ou do Spielberg disfarçado.


Olhei para a casa, ela estava no lugar. Então Alice retrucou:


– Não somos como você irmãozinho. Apesar de sermos consumidos por uma paixão avassaladora e meu marido não negar fogo. Sabemos entrar e sair dos lugares com educação. Não se preocupe Esme sua casa está na mais perfeita ordem.


– Com certeza Jasper saber entrar e sair repetidas vezes. E com muita educação. Emmett fez mais um de seus trocadilhos.


– Emmett.


Dessa vez foi Rose quem brigou e isso significava o fim de seu humor, não havia alguém mais capaz de restringir Emmett além da esposa.


Depois que desligamos o telefone fui conferir o quarto, havia sido o único lugar da casa usado para os propósitos “recreativos” mencionados por Emmett desde então. E ele tinha razão, havíamos despedaçado o pobre cômodo.


– Fomos nós que fizemos isso? Perguntei incrédulo à Alice.


– Fomos os únicos aqui desde que me lembro de ter chegado.


Carlisle havia me dito uma vez que ele acreditava em uma coisa chamada “Memória da pele”. Ele disse que nosso corpo e nossa mente gravam de forma inconsciente nossa trajetória de vida, como cicatrizes. É como se ficasse uma memória submersa. Quando ele me disse isso eu sorri. Ele me levou ao seu escritório, removeu de um armário uma espada e jogou em minha direção. Não sei de onde tirei tanta destreza com armas, mas a peguei no ar e num átimo estava em posição de ataque. “Memória da pele” ele disse, acredito que seria valioso em um campo de batalha Major.


Então deve ter sido essa a explicação para o que aconteceu nos dias que se seguiram. Alice tomou para si como um dever de honra restaurar a suíte da casa, ela jamais daria o braço a torcer para Emmett. Assim que começamos a reconstruir algumas coisas surgiram como que por mágica. Eu demonstrei muita habilidade com os móveis. Fomos ao Rio e compramos muita coisa em madeireiras e casa de construção, além de vidros. O quarto tinha paredes de vidro. Entalhar a madeira da cabeceira foi mais fácil que caçar e as estruturas de metal foram ainda mais agradáveis. Elas se curvavam ao meu bel prazer. Então como agradecimento fiz um dossel em ferro para a cama do quarto principal com relevos de estrelas, conchas e peixes. Alice ficou tão feliz que resolveu redecorar outros ambientes, projetando móveis para banheiros e cozinha.


Depois de alguns dias de trabalho, Alice resolveu passar uma noite no hotel Copacabana Palace, era como uma compensação pelos dias cheios de reforma e com pouco namoro. E uma despedida do lugar que nos fez provar o inferno e o paraíso no mesmo dia. Lá havia computadores e ela pesquisou sobre meu sobrenome. Descobriu que havia uma família Withlock muito hábil com móveis no Texas. Que um presidente havia se encantado tanto com o trabalho deles que encomendou uma mesa cheia de sistemas de gavetas secretas e muito entalhes e que essa mesa estava no salão oval da Casa Branca. Ela acha que foi Lincon, mas acho pouco provável, ele era inimigo dos sulistas confederados. Ela se convenceu que era a minha família e quem consegue convencer minha pequenina teimosa de que ela está errada?


Voltamos à ilha para arrumar nosso retorno. Iríamos passar algum tempo na Europa, acho que na Suíça. Edward achava mais prudente estar num lugar onde pudesse ler mentes “interessantes”. Ele achava que talvez alguns vampiros nômades europeus pudessem saber sobre o filme. E Carlisle queria ver um tal de Alistair.


Fizemos amor mais uma vez no mar, era tão bom. Alice decidiu tomar um banho de banheira e me pediu que se juntasse a ela. Mas só depois que ela preparasse tudo como havia imaginado. Resolvi ser romântico e liguei o aparelho de som para dar um clima. No início não prestei atenção no que ouvia, mas depois de ouvir as palavras “Caçador de mim”, parei e escutei. Era a mais perfeita descrição sobre mim. Eu lutava entre o bom soldado que era e o humanista em que meu talento me transformou. Amava os ruídos da guerra, mas odiava a surdez do medo que os guerreiros sentiam. Adorava a excitação pela proximidade da luta que sentia em alguns e odiava os gritos dos mutilados. Eu era pacífico e violento ao mesmo tempo. E jamais controlava as duas faces da moeda. Em algumas situações jogavam a moeda para cima e o mundo prendia a respiração esperando de qual lado a moeda cairia. O Jasper que acalma multidões ou aquele que se lança à sanguinolenta batalha?


Por tanto amor, por tanta emoção. A vida me fez assim. Doce ou atroz. Manso ou feroz. Eu, caçador de mim.

Preso a canções, entregue a paixões que nunca tiveram fim. Vou me encontrar, longe do meu lugar. Eu, caçador de mim

Nada a temer senão o correr da luta. Nada a fazer senão esquecer o medo. Abrir o peito a força, numa procura. Fugir às armadilhas da mata escura.

Longe se vai, sonhando demais. Mas aonde se chega assim?
         Vou descobri, o que me faz sentir: Eu, caçador de mim



Alice me chamou, havia velas e pétalas. Não imagino onde ela conseguiu pétalas de flores. Em seus braços eu era o príncipe que ela sonhou, mas meu lado sombrio jamais me abandonava ou se deixava vencer. Vez ou outra, mais um deslize me provava que eu jamais teria controle sobre mim mesmo. Logo eu que gosto de controlar, prever cada movimento. Era isso. No fundo, no fundo, eu jamais me adaptaria a essa nova vida, à dinâmica da família. Porque eu sou um caçador, um guerreiro, um soldado de natureza. Essa é minha memória da pele. Eu sou um caçador de mim.



Anos 2000 (O Bug do milênio ou o princípio do fim do mundo )





PDV Edward:


Estávamos esperando o fim do mundo. Cinetólogos, astrólogos, todos os “ólogos” nos prometiam o fim do mundo. Estávamos em Forks, na casa que um dia pertenceu a “Sr. E Sra. Emmett McCarthy”, me lembro do jardim que fui obrigado a construir para eles.



Fizemos uma pequena reforma. Na parte inferior da casa uma garagem para guardar nossos bebês. Emmett tinha um Jeep (grande como ele), Carlisle um Mercedes discreto apesar de potente, Rose uma BMW, Esme usava um carro mais popular, dessas minivans que as mães costumam ter. Alice e Jasper vivem trocando de carro, nossa pequenina menina mimada sempre quer algo novo e seu marido corresponde ao pedido. Eu tenho um Volvo prata, mas isso é para ir à escola, meu carro mesmo ainda é o Aston Martin Vanquish, Alice me dá um de presente sempre que mudam o modelo desde o primeiro que recebi. “Meu James Bond”, ela diz ao beijar minha bochecha sempre que me entrega às chaves. Só porque o primeiro veio do filme, quando Sean Connery ainda era o Bond. No Térreo a sala de visitas, o terraço, banheiro (para quem?) e uma sala de TV. No andar superior os quartos e escritório de meu pai.


Contamos as histórias de sempre. Carlisle e Esme são casados, e adotaram três adolescentes: Eu, Alice e Emmett. Mas Esme já criava dois sobrinhos Jasper e Rosálie. Carlisle prefere assim, ele sabe que somos alvo de curiosidade e línguas ferinas. Então o que ele puder fazer para diminuir o impacto na moralidade (falsa ou não) das pequenas cidades ele faz. Se fôssemos todos seus filhos seria mais chocante, mas são filhos adotivos namorando sobrinhos acolhidos. Papéis diferentes, sem laços de sangue ou honra, sem sobrenomes repetidos. Rosálie Lílian Cullen & Cullen ou Mary Alice Cullen & Cullen seria demasiado assustador para a moralidade das pequenas cidades.


Forks é resumo da minha vida. Tédio. Dias iguais, ruas iguais, florestas iguais, pessoas iguais. O filhinho de papai namoradinho da líder de torcida. O dono da lanchonete que não tem lucro, só passa os dias. A mulher que fica sozinha por semanas tomando conta da casa e dos filhos, enquanto o marido migra para lugares mais prósperos em busca de sustento. O chefe de polícia que gasta seus dias jogando cartas na delegacia vazia. Eu era o retrato do tédio. Já não conseguia compor mais, minhas melodias se tornaram todas parecidas, variações das mesmas notas. Minha vida era uma variação dos mesmos dias. Mas eu não deixava que ninguém visse isso. Ainda sorria da despreocupação divertida do Emmett. Ainda apostava contra o Jasper e lutávamos longe de nossa “protetora mãe”. Ainda brigava com Rose por tudo, e como brigava. Ainda passava dias e noites discutindo com Carlisle ementas filosóficas ou o resultado da temporada de Rúgbi. Ainda segredava coisas com Alice. Ainda amava os afagos maternais de Esme, quando ela se sentava ao meu lado no piano, ainda tocava “A preferida de Esme” nesses momentos.


Entramos numa discussão ferrenha sobre o Bug do milênio. Alice assustou Rose por semanas dizendo que não conseguia fazer qualquer previsão e que isso era um mal indício e que talvez o mundo acabasse de verdade mesmo. Com isso descobri que Rose não tinha medo de morrer, ela aceitaria o fim sem despentear um fio de cabelo. Mas não conseguia imaginar ficar longe de Emmett, mesmo que fosse para morrer enfim. Jasper pensava o mesmo, a idéia do fim do mundo só lhe assustava por que desta forma se afastaria de Alice. Carlisle não era tão explícito, mas via seu olhar longo e sentido para Esme sempre que ficávamos discutindo o assunto, eu e meus irmãos. Esme se recusava a pensar sobre o assunto, mas às vezes me olhava e pensava:


Ainda não. Meu filho ainda não conheceu o amor.


Eu havia dito muitas vezes a ela que não me sentia só, que tinha absoluta certeza que não nasci para a vida a dois. Eu havia andado entre vampiros e humanos e ainda não havia encontrado alguém que despertasse o amor em mim. O que quer que ele fosse ou representasse. Perguntei uma vez a ela o que era o amor. Minha mãe sorriu, beijou a ponte de meu nariz e disse:


– Ninguém nos ensina o que é amor Edward. Mas quando encontrar a pessoa que desperte isso em seu coração vai saber instantaneamente. Para cada coração há um modo de amar diferente. Para mim é um desejo louco de estar sempre perto, tocando, conversando, beijando, sendo abraçada. Uma vontade de ser perfeita e agradar ao máximo no cuidado com ele, como nosso lar, como nossos filhos. A sensação de frio na barriga quando ouço o som de seu carro deixar a rodovia e entrar na estrada até nossa casa. O bater frenético e imaginário de meu coração que já não se move quando ele chega em casa e vai até onde estou me dá um beijo e diz o óbvio: Cheguei. E uma parte que não vai querer saber, eu acho.


– Não. Não quero saber da falta de respeito de Carlisle com minha mãe. Ela sorriu envergonhada, já estava pensando.


Dei um tempo até que ela recompusesse o pensamento. Então ela disse:


– Eu sei que acha que está tudo bem. Mas quando conhecê-la vai sabe que sentiu falta dela mesmo antes de conhecê-la, dela ter existido. Vou te contar um segredo. Quando eu tinha 16 anos Carlisle me atendeu por causa de uma perna quebrada. Fiz dele meu modelo de homem, bonito, jovem, educado, gentil, culto.


– Conheço essa história.


– Sempre achei lindo o nome Benjamin. Quando eu era menina todas as minhas “filhas bonecas” eram Anne e todos os meus “filhos bonecos” eram Ben, Benjamin. Mas então seu pai me atendeu. Descobri que Carlisle é um diminutivo de Charles. O nome do falecido.


Eu achava engraçado a Esme chamar o ex-marido de falecido.


– Quando minha gestação estava quase no final decidi que meu filho se chamaria Charles. Meu primo quase enfartou, achando que era em homenagem ao falecido. Mas era por causa de seu pai, eu o chamaria de pequeno Carlisle, meu Carl. Entende?


– Você sentia saudade de Carlisle antes de conhecê-lo de verdade.


– Sim. Sempre soube que ele seria um marido melhor, um pai melhor e me daria filhos maravilhosos. Ela beijou minha testa, piscou e se foi me imaginando com um olhar apaixonado.


Então o dia 31 de dezembro de 1999 chegou. Alice decorou a casa e até comprou Champanhe, ela tinha cada idéia. Os Denali se juntaram à nós, então não fui o único solteiro da noite. O ano novo chegou, trazendo com ele um novo século e um novo milênio. Mas o mundo não acabou. Nada de Bug do milênio. A internet funcionava. O sistema financeiro também. A lua e as estrelas não saíram do lugar. Nada mudou. E foi assim durante todo o ano 2000. Os mesmo dias tediosos, os mesmo colegas, a mesma Jéssica Stanley se irritando por eu não notá-la, as mesmas matérias, os mesmos livros, as mesmas caçadas, as mesmas distrações. Esme estava começando a se preocupar com minha letargia, ela estava tão desesperada que pediu à Jasper para organizar torneios de lutas depois das aulas.


E havia aquele clima romântico deixando tudo pior, mais meloso. Alice e Jasper tinham descoberto uma cachoeira dentro de nosso território, parece que ela tinha certo fetiche por sexo na água. Esme e Carlisle mantinham o encantamento depois de anos. E até Rose estava suspirando, desde que chegamos, ela repassa a memória de seu primeiro casamento, de seus primeiros dias com Emmett, de sua lua de mel. Ela pensava constantemente na cabana que Emmett havia construído para comemorar seu primeiro “Meio ano” juntos. Ele havia contado a ela, mas já era tarde o tratado com os Quileutes já havia sido estabelecido. Ela estava pensando em ir lá, reconstruir a cabana e comemorar com Emmett o tempo que estavam juntos e os melhores dias de suas vidas:


– Não Rose. Isso iria violar o tratado. Quer uma guerra?


– Não há cheiro de lobo nas matas, estamos aqui há um ano e eles não apareceram. Ela argumentou.


– Mas fizemos uma promessa. Carlisle deu sua palavra. Mesmo que não haja espíritos guerreiros ou lobisomens como quiser chamar. Fui direto


– Perdi algo? Alice interrompeu nossa pequena discussão.


Jasper apareceu e colocou a mão protetoramente nos ombros de Alice como se houvesse um filho da lua na sala. Emmett também se aproximou e abraçou uma Rose amuada por trás. Esme e Carlisle apareceram de mãos dadas.


– O que foi agora? Esme quis saber.


– Rose querendo ser romântica. E obviamente desconsiderando a existência de nós outros. Ela quer invadir o território Quileute para satisfazer um arroubo apaixonado.


Só percebi que havia sido ácido depois que já havia falado. Rose era uma máscara de inexpressividade, ela pensava em formas de me matar para disfarçar a mágoa. Mas eu podia ler a mente de Jasper e estava bem claro o modo como ela se sentia.


– Você está ficando um velho muito ranzinza sabia? Alice protestou.


Depois se aproximou de Rose e pegou em sua mão levando-a para cima, para seu quarto. Vi que ela pretendia desviar a mágoa de Rose apresentando a ela os novos croquis de uma coleção que ela estava desenvolvendo para ela.


– Perdoe-o Rose. Ele não sabe o que é ser romântico. Esse rabugento.


Então eu saí e me lembrei de uma clareira que havia descoberto quando viemos visitar o novel casal. Levou um tempo para que eu a achasse. Muita coisa havia mudado nesses anos. Depois que a reencontrei, ir lá depois das aulas passou a ser um hábito. E mais um ano se passou, a mágoa de Rose passou (depois de Emmett levá-la para mais uma lua de mel), Alice continuou a me chamar de velho ranzinza, tudo seguia seu curso.


E a clareira me ajudou a refletir sobre quem sou, a me compreende melhor. Alice quis me acompanhar uma vez, mas eu não deixei. Era meu lugar sagrado, sem pensamentos para me atormentar. Era o único lugar onde havia silêncio, não pode imaginar o que significa o silêncio quando há ruídos 24 horas em sua mente.


Entendi que por mais que eu relutasse contra isso, eu sentia falta de ter alguém com quem compartilhar minha vida. Alguém que me abraçasse e protegesse como Jasper para Alice. Alguém para me ajudar a carregar minhas dores como Alice para Jasper. Alguém que me divertisse como Emmett para Rose. Alguém para me deslumbrar como Rose para Emmett. Alguém para me salvar de mim mesmo como Carlisle para Esme. Alguém para por um fim em minha solidão como Esme para Carlisle. Esme tinha razão, ela sempre teve razão. Preciso amar.


Um dia ao voltar para casa achei Alice estranha. Ela não era discreta como Rose. Quando queria me esconder um pensamento fazia coisas como recitar o nome de todos os estilistas que gostava, ou relembrar todas as peças de um desfile que vira. Quando era muito sério ela traduzia coisas para idiomas como mandarim ou iídiche. E a coisa estava feia. Ela estava traduzindo todos os poemas de E.E. Cummings para o croata.


– Diga logo, desembucha. Eu a pressionei.


– Já ouviu falar de privacidade?


– Não respeitou a minha quando pensou com detalhes na forma como desejaria que Jasper praticasse sexo oral em você na noite passada. Ele é talentoso, praticamente adivinhou tudo o que queria.


Ela corou. Mas não perdeu a pose.


– Isso significa que você viola minha privacidade a cada minuto. Não o contrario. O Vouyese é você. Não quer ver nada, vá para sua clareira.


– Estava lá.


Quando disse isso vi relances da clareira na mente de Alice.


– Tudo que pedi foi que me desse uns poucos metros de privacidade Alice. Como pôde? Eu respeito seus limites.


Quase gritei de tão ofendido. Alice às vezes é incontrolável. Ela amuou no canto e disse:


– Não invado seu espaço. São fragmentos de uma visão. Era isso que eu estava tentando esconder. Sei que vai ficar irritado. Mas eu não estava procurando, só vi. Não controlo o que vejo e você sabe disso.


– Desculpe-me. Pedi sincero.


Ficamos em silêncio e ela começou a pensar em todos os xingamentos que já havia usado para mim, em nossas briguinhas. Eu sorri.


– Pode mostrar, não vou brigar com você, pintora de rodapé. Lembrei de um dos apelidos que Emmett costuma usar e ela odeia.


Então ela me mostrou. A clareira. Eu com o casaco cinza que Esme havia me dado de natal, deitado no chão, brilhando. Havia uma menina deitada comigo, ao meu lado, não nos tocávamos. Ela era humana, com certeza era humana. Roupas comuns, pele clara, cabelos negros que ficavam ruivos ao sol. Será que eu havia cometido um deslize? Ela não se mexia.


– Vou matar uma humana na Clareira? Quando?


Veja de novo Edward. Observe os olhos. Alice pensou.


– Não consigo ver os olhos. Ela está de costas Alice.


Não. Os seus. Ela quase gritou em pensamentos, de tão amedrontada que estava.


Então eu vi. Meu olhar estava diferente. Imediatamente vários olhares invadiram meu campo de visão, memórias. O olhar de Emmet preso no de Rose enquanto ele dirige, o olhar de Jasper quando Alice lhe sorriu em meio à caçada, o olhar de Esme quando Carlisle chega em casa, o olhar de Alice quando Jasper retorna depois de um deslize, o olhar de Carlisle na foto do seu casamento com Esme, o olhar de Rose pensando na cabana da praia Quileute. Todos olhares apaixonados. Meu olhar apaixonado. Meu Deus! Vou me apaixonar por uma humana.






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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Esses meninos me deram muito trabalho (rsrsrs).
Estamos em Forks, agora é que endoido. Tenho mania de conferir tudo para amarrar todas as pontas. Já vou começar a ler Crepúsculo de novo. Não se assustem se só tiver PDV de Rose, acho que agora vou priorizá-la. Afinal é sua perspectiva de tudo. Por isso quis dar voz à todos. Mas os outros vão falar à seu tempo.
Muito origado à Nyh_Cah, Luna-, Sill Cullen ou Bree, Isabella, Relsanli e Laura (a nossa novata). Não imaginam como suas palavras me incentivam e alegram. Beijos :)