Perspectiva escrita por mamita


Capítulo 27
Um breve tratado sobre a compreensão ( parte II)


Notas iniciais do capítulo

Sei que estou demorando de postar. Mas acho que agora vou melhorar a pontualidade.
Boa leitura e Feliz Ano Novo



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Anos 80 (O elo perdido)


PDV Carlisle



Esme desligou o telefone depois de falar com Alice com um sorriso nos lábios. Voltou para a cama ainda com lençol envolto em seu corpo e me deu um selinho.


– Parece que Jasper descobriu seu prato preferido. Ele disse a Alice que os lobos árticos não são tão repulsivos quanto os herbívoros.


– Combina com ele. O lobo solitário. Eu respondi.


– Não é Jasper quem me parece o mais solitário. Nosso lobo é Edward. Na última vez que falei com ele achei sua voz muito melancólica.


– Edward tem uma veia dramática, é inegável. Brinquei com ela.


– Me fez pensar na primeira vez que o vi.


– Quando acordou para esta vida, Edward estava desconfiado de minha decisão. Não triste.


– Nunca mencionei que encontrei Edward antes?


– Não.


Respondi rápido, mas não mencionei que o próprio Edward havia me contado, queria saber o que ela havia achado de tudo aquilo.


– Eu havia chegado há três semanas na casa de meu primo e minha mãe ligou para ele perguntando se eu estava lá. Eu me desesperei. A idéia de voltar para a vida que levava com Charlie me assombrava. Me senti como se o cerco estivesse apertando, como se a qualquer momento ele fosse atravessar a porta e me levar com ele. Levar meu inocente bebê para aquela vida violenta e indigna. Todos os músculos do meu corpo protestavam se lembrando das surras, minhas entranhas se recordavam das inúmeras vezes em que ele me possuiu a força.


Algo dentro de mim se deslocou, balançando os limites de meu equilíbrio. Eu estava entrando em estado de insanidade. Ouvir que minha Esme havia sofrido despertava o monstro instintivo e cruel que levei séculos para dominar. Respirei fundo, mesmo sabendo que não faria nenhum efeito para mim. Apenas um hábito humano, e eu não era mais humano. Ela continuou quando percebeu que eu estava mais calmo.


– Eu sentia como se a casa me apertasse. Desconsiderando meu estado avançado de gravidez, do tempo nublado e da ventania eu saí andando a ermo. Meus pés queriam me levar para longe daquela angústia e eu fui caminhando, caminhando. Nem me dei conta de onde fui para, até ver o banco da pracinha. Me sentei, o vento forte fazia com que o cabelo batesse em meu rosto, e por isso eu fechei os olhos. Quando os abri, vi de relance que um homem havia se sentado ao meu lado. Meu corpo me avisou do perigo, ele sabia que não era um homem ao meu lado. Senti o medo de nossas presas quando estão na presença de um de nossa espécie. Eu senti medo e quis correr, mas meu barrigão não ajudava em nada.


Eu tive que sorrir, na verdade gargalhei. Ela falou de sua barriga com tamanha graça, apesar do tom sóbrio da narrativa. Ela me sorriu e apoiou a cabeça em meu peito nu.


– Tente fugir de um vampiro, ainda por cima grávida. Não é dos feitos mais fáceis.


Ela tamborilou os dedos em meu peito e continuou:


– Ele estava tamborilando os dedos no braço do banco de madeira da praça. Eu queira me levantar e correr, mas imaginei que seria mais perigoso. Então respirei fundo e olhei novamente para os dedos. Notei que era um Sol maior. Ele não estava tamborilando, estava tocando. Sou péssima com música, seja cantando ou tocando, mas fui educada com todos os requisitos para a formação de uma dama. Fiquei olhando mais e tentei me lembrar a sequência das notas, era “Sonhos de um dia de inverno” de Tchaikovsky. Me lembrei que meu primo falou sobre o médico que morava no bairro, que era estranhamente branco e seus olhos tinham uma cor diferente. Ele falou também que ele cuidava de seu irmão doente, tão doente que até o sol lhe fazia mal. Eu ouvia um piano magistralmente tocado quase todos os dias e quando perguntei a mulher dele quem era, ela respondeu que diziam que era o irmão do doutor, que ele não era doente nada, que era louco. E os loucos ás vezes são tão hábeis na área das artes. Puxei conversa com Edward, nem sabia que um dia ele seria meu filho. Perguntei se ele era mesmo o irmão doente do doutor. Ele disse que sim. Perguntei se era ele quem tocava, e ele balançou a cabeça afirmativamente. Disse a ele que identificava Chopin, Debussy, Vivaldi, Beethoven, Satie, Wagner, Tchaikovsky . E que havia uma música que eu achava linda, mas não a conhecia, esta ele sempre tocava enquanto o sol se punha. Que era a minha preferida, sempre ficava perto da janela esperando que ele tocasse.


Ela começou a imitar a voz Edward perfeitamente, reproduzindo o diálogo:


Não a conhece porque o autor não é conhecido, acho que não há partituras dela espalhadas por aí.


– Fiquei encantada com o tom de sua voz. Perguntei se a música era da autoria dele e ele disse:


Sim, não sou conhecido.


Deveria ser, é linda. Como se chama.


Edward Cullen.

– Não, a música. Mas prazer em conhecê-lo Sr. Cullen.

– É sua preferida?

– Sim.

– Como se chama.

– Esme.


Então vai se chamar “A preferida de Esme”.


– Ele estava tão triste naquele dia... Esme disse quase suspirando.


– Ele chegou à praça tão triste como você, tão angustiado como você. Mas ele saiu muito feliz. Foi a primeira vez que vi Edward realmente feliz. “Você” foi a primeira vez que ele conseguiu interromper uma caçada. E ele era quase um recém criado. Havia vencido o primeiro ano há poucos meses.


– Você sabia da história? Ela perguntou me olhando ofendida.


– Não pelos seus lábios. Respondi com um olhar culpado.


Ela saiu de meu peito, mas não se levantou da cama. Apenas se encostou na cabeceira. Eu precisava me desculpar. Me levantei e beijei seus pés, depois segui a perna, as coxas delineadas até chegar à seu baixo ventre, mas ela fechou as pernas.


– Me fez de boba. Ela fez um biquinho adorável.


– Me perguntou se havia contado a história, e não havia. Por isso não menti. Edward me contou, queria saber se ele havia contado toda a verdade. Aliás, ele disse que a música havia sido inspirada pelo amor que ele presenciou entre nós. Edward também mente.


– Talvez ele já vislumbrasse nosso amor. Talvez ele ansiasse por uma companheira para você, assim como eu anseio que ele encontre o amor de sua existência o mais breve possível. E ele reescreveu algumas partes depois que voltou de sua temporada como um vampiro regular, ele não mentiu de todo.


– Sempre o defende, não é mamãe coruja? E eu não sabia que os talentos dele haviam se expandido. Não era Alice que fazia previsões? Brinquei, ela já não parecia tão aborrecida.


– Sim, mas talvez ele visse em sua mente que já me desejava.


– Sempre te desejei, desde que nasci para essa vida. Não me encaixava na vida de vampiro, mas não era mais humano. Sempre desejei encontrar meu “Elo perdido”.


– Sou seu “Elo perdido”?


– Sim. Todos acham que lhe transformei porque havia dado certo com Edward. Mas na verdade eu não sabia como agir com ele. Sempre usei minha fé para refrear meu instinto primário, mas Edward não acreditava como eu. Quando conversou com ele, acabamos descobrindo algo que lhe dava forças para interromper o ataque.


– O que seria? Ela perguntou curiosa


– Pensar na humanidade da vítima. Relembrar sua própria humanidade. Ao conversar sobre sua música, você o fez lembrar que ele já havia sido humano. O fez lembrar de como era ser humano, com sua música, a herança de sua vida humana.


– Você achou o elo perdido amor, a forma de humanizar nossa existência. E então...


Não consegui completar, apesar de ser imensamente feliz com minha Esme eu não suportava a idéia de seu sofrimento. Se tivesse que escolher seu filho estaria vivo, ela não atravessaria aquele mar de dor.


– Duas semanas depois eu dei á luz a meu menininho e três dias depois ele morreu. Eu segurei meu bebezinho já sem vida por horas, eu cantei, o beijei, sussurrei seu nome, mas ele não acordou. Então percebi que não havia mais sentido em minha vida e me joguei de um precipício.


– E mudou minha existência. Apaziguou minha alma e me deu muito mais do que eu podia imaginar. Encontrei a harmonia entre os dois mundos através de suas mãos. Por muitos anos odiei o fato de ser vampiro, de ter essa sede, essa malignidade, mas amava as possibilidades desse novo corpo. Amava o fato de ter tempo e posses para alimentar a minha outra sede, a sede por conhecimento. Mas queria ser humano, queria viver como humano, viver como um rato, ser um ser das trevas, da noite, me incomodava demais. O peso de não poder mais beber com os amigos para me aquecer do frio do inverno, ouvir histórias de cavalaria ao redor da fogueira, possuir uma mulher, gerar filhos, trabalhar, construir novos conhecimentos me assolava. Até as pequenas coisas, como poder dar bom dia aos vizinhos, sem assombrá-los. Ou poder sentir o vento ao galopar um cavalo. Isso me frustrava. Não me sentia bem como um vampiro, eu contrariava nossa natureza. Para os vampiros eu era um estranho, uma aberração. Mas não podia ser aceito pelos humanos, eu não era mais humano.


Esme segurou forte em minha mão, como se me dissesse que ainda estava ali. E era tudo que eu precisava saber. Depois de anos de convivência sempre oferecíamos o que o outro necessitava, mesmo de forma involuntária. Éramos como imãs, partes de um mesmo coração. De pedra e gelo, sem vida fluindo por ele, mas nem mesmo por isso com menos sentimento. Então prossegui, precisava dizer à minha alma gêmea o que sentia por ela, como era importante para mim.


– Mas agora posso ter o melhor das duas vidas. Tenho a melhor parte de minha humanidade, a família, o amor da mulher mais honrada e bela, uma carreira, um lar. Todo o conhecimento que posso ter acesso, e ainda posso aplicá-lo de forma real para ajudar as pessoas ao meu redor. Sem abrir mão de usufruir o melhor da minha espécie. A força, a agilidade, e principalmente a eternidade ao seu lado, jamais te perder. Você é mais que o elo perdido, é minha vida, minha esperança.


Os olhos de Esme se afoguearam de um jeito que eu jamais vi. Ela não disse nada, apenas ladeou meu corpo com suas pernas e me beijou com paixão, cada centímetro de meu corpo foi tocado por seus lábios. Suas mãos hora massageavam, ora arranhavam, ora acariciavam sem jamais deixar de estar em contato com minha pele. E então ela me conduziu para dentro de seu corpo, sentando-se vagarosamente sobre meu sexo intumescido. Os movimentos que se iniciaram suaves, ganharam a ginga de um rebolado sensual e depois se transformaram em uma cavalgada vigorosa. Mas foi seu olhar que mais me surpreendeu, apesar de sua íris permanecer com o dourado de nosso estilo de vida, eles estavam flamejando vermelhos, ardentes. Queria prolongar aquele momento para a eternidade que sei que teremos juntos, mas meu corpo me traiu e eu cheguei ao ápice rápido demais. Esme permaneceu sobre mim, mas deixou seu tronco cair em eu peito e chamou meu nome com uma voz rouca e sensual. Assim, unidos, compreendi a essência de minha existência. Esme era o elo que unia meus mundos, que unia nossa família, que unia nossas existências. Sem ela jamais serei eu mesmo, serei inteiro, serei feliz.


O telefone tocou mais uma vez, e novamente era Alice. Ela conversou brevemente com ela e depois voltou para a cama enrolada no lençol, provocando em mim uma sensação de “Deja vu”. Um sorisso imenso brincava em seus lábios com formato de coração:


– Prepare novas identidades, um novo emprego e as matrículas em alguma escola com colegial. Nossos filhos estão voltando, todos eles. Alice viu, e ela não erra.


Me levantei da cama, mas ela me empurrou com um carinha sapeca e completou:


– Daqui a três meses. Ainda temos tempo...










Anos 90 (Entrevista com Vampiro)


PDV Alice


Voltamos no final dos anos oitenta para nos juntar aos Cullen, à nossa família. Jasper estava mais adaptado a dieta e foi ele quem decidiu voltar. Foi o segundo dia mais feliz de minha existência. Não, o terceiro. O primeiro foi o dia em que ele se dirigiu à um pequeno bar e tornou minha visão de sua chegada uma realidade. O segundo foi o dia que nos casamos, porque ele estava no lugar certo, no altar. E porque tudo estava no lugar certo. Meu irmão Edward tocava piano, meu irmão Emmett divertia os convidados, minha irmã Rose estava discretamente satisfeita por mim (sem jamais deixar transparecer), meu pai Carlisle me conduzia ao altar, e minha mãe chorava por minha felicidade. E agora estávamos todos reunidos novamente.


Com os anos 90 vieram os punk’s e os grunges. Eu aderi á moda dos dois, sem misturá-los é claro. Emmett dizia que mesmo que eu vestisse aquelas calças imensas eu ainda teria o corpo de uma minhoca. “Uma minhoca com roupas largas, e ainda por cima uma minhoca anã.” Eu o odiava e o amava ao mesmo tempo. Era ele que me acompanhava nos shows em Seattle, no capitólio. Edward e Rose se achavam refinados demais para aquele tipo de música agressiva e cheia de gritos, Esme e Carlisle preferiam concertos e Jasper ainda não conseguia ficar num ambiente fechado com tanta gente fazendo o coração bater mais rápido.


Rose resolveu estudar medicina como uma forma de se aproximar de Carlisle, ela queria que ele também se orgulhasse dela segundo Jasper. E foi um modo de modernizar a prática de nosso pai, pois eles sempre discutiam as aulas. Eu adorei a possibilidade de ir a uma universidade. E para agradar nossa mãe e ter meu lugar ao sol fiz Design de interiores, ao menos me matriculei. Depois me transferi para o curso de “Moda e Desing” me encontrei lá. Emmett pulava de curso em curso a cada semestre, Edward disse que a primeira faculdade havia consumido (queimado) seus últimos neurônios e como vampiros não podem reconstituir as partes do corpo que perdia para sempre no fogo Carlisle substituiu sua massa cinzenta por massa de modelar. E obviamente, desprovido de inteligência, ele não notou. Emmett não reagiu apenas perguntou:


– Minha pouquíssima inteligência me uniu ao amor de minha existência em pouco mais de um ano. Por causa dela, não preciso ficar atrás de material pornográfico como certas pessoas.


Edward bufou e Jasper riu.


– Convivendo com você quem precisa de pornografia Emmett?


O olhar gélido de Rose interrompeu a discussão. E a repreensão de Esme ajudou bastante:


– Meninos, me respeitem. Eu estou ouvindo tudo. Emmett é seu dever preservar sua esposa. E o senhor mocinho (ela balançou a cabeça para Edward) não provoque o língua solta do seu irmão.



Algumas invenções facilitaram nossa vida. Uma coisa chama computador se popularizou e junto com ele veio uma tal de “internet”. Edward disse que o futuro havia chegado, ele passava horas “navegando” e absorvendo informações inúteis. Claro que ele fazia isso quando os casais estavam entretidos com outras atividades, atividades menos intelectuais.

Mas eu gostei mesmo foi do tal do celular, eu podia avisar a todos do que sabia quase na mesma velocidade das visões. Com ele eu podia acessar toda a minha família sem precisar me deslocar, ou que eles estivessem perto do telefone. Isso se o sinal deixasse. E eles passaram a odiar esse meu controle. Quando o caso era algo como “Saia daí ou vai sugar alguém em praça pública”, “Hoje vai ter doação de sangue no campus, pode ficar mais tempo no quarto” tudo bem. Mas se fosse “Edward Cullen não ouse colocar esse camisa branca, eu já separei sua roupa” ou “Emmett controle essa sua virilidade e não rasgue esse vestido novo de Rose que eu fiz ou eu rasgo seus braços” eles preferiam perder o sinal. Eu estava tão viciada que queria ligar de meu quarto para alguém na sala para avisar sobre algo, mesmo sendo uma casa cheia de vampiros com audição super aguçada.


Foi quando fiz 40 anos de casada que eu compreendi uma coisa muito dolorosa. Sou a dona das visões, mas não controlo o futuro. Ele é algo incerto e escorregadio. Tentar controlá-lo, é como tentar transportar o oceano nas mãos.


Tudo começou com uma inofensiva viagem à ilha de Esme. Nunca a visitávamos em família, sempre como casal. Esme fez de lá seu ninho de amor, uma possibilidade de preservar um mundo só seu e de Carlisle. Então quando havia algo especial ela nos oferecia, e aceitávamos como uma honra. Faríamos qualquer coisa para agradar a amável criatura que o destino nos brindou como mãe. No início fiquei frustrada, queria ir à Paris, mas Rose me fez enxergar os benefícios de ir para lá.


– Você conhece Paris, mas não o Brasil.


– Fui lá quando entregamos a casa e mais umas duas vezes.


– Sim, para a Ilha e para a floresta amazônica em busca de alimento. Não foi às cidades.


– Não sei qual a diferença. Reclamei rabugenta.


– Há muita coisa interessante nas cidades. São Paulo tem o frenesi dos centros financeiros, a moda Punk é forte lá. E tem muitas grifes francesas para fazer compras se sentir saudades. O Rio fervilha de gente, achará muitos biquínis interessantes, e tem o samba. É colorido como jamais imaginará. Tem as praias do litoral, Salvador tem algumas semelhanças com as cores da costa africana e as casinhas coloniais de Portugal. Lá a sensualidade é algo tão natural como a cor dos olhos. Não é algo apelativo ou vulgar, é bonito de se ver. E fico mais em paz, sinto como se minha beleza não fosse a maldição que é.


– Sua beleza não é uma maldição Rose. Tentei argumentar.


– E veja ao que me condenou.


– Conte- me mais. Pedi.


– Tem Minas com as estátuas de Aleijadinho e as estradas de ferro, foi Esme quem me falou deles. Tem o norte com os animais silvestres e as casas ribeirinhas, parece que o tempo congelou lá. Assim como se congelou para nós. E tem o sul com suas praças e jardins. Tem uma cidade lá que parece casa de boneca, chama-se Canelas.


– Não sabia que gostava tanto do Brasil Rose. Achava que se trancava com Emmett na ilha até gastar o sol.


– Não gostava, mas se passa muito tempo com Esme acaba gostando. Só se lembre se esperar a noite cair, é difícil chover lá. Parece que o sol escolheu o sul como morada e tira férias do lado de cá.


Percebi que havia uma ligação entre ela e nossa mãe que jamais seria igual para mim. Eu e Esme nos assemelhávamos mais, mas elas eram unidas por um tipo de afeto tão maternal e profundo que eu me sentia pequena ao lado delas.


Chegamos ao Brasil e não conseguimos sair por alguns dias. A sede de Jasper por mim parecia ser sempre maior, e eu não reclamava disto (de forma nenhuma). Seus lábios eram dóceis, seus sussurros atiçadores, suas mãos firmes, seu corpo quente e seus movimentos sensuais e precisos, seu sexo o encaixe perfeito do meu. Ele era meu melhor presságio e minha mais segura realidade. Depois de caçarmos na floresta amazônica e vermos as belezas de sua fauna e flora fomos levar os cumprimentos de Carlisle ao clã amazônico. Zafrina me apresentou seu dom, foi maravilhoso. Eu via o futuro, mas não podia inventá-lo, ela podia criar a realidade que desejasse. Fui presenteada com um colar de sementes, madeira e ouro. Parece que Kachiri havia adicionado algumas coisas à tradição de sua tribo na confecção de adereços. Jasper ficou desconfiado delas, achou-as indomáveis, imprevisíveis. Mas ele sempre vê perigo quando se trata de minha segurança. Mas eu senti uma firmeza nelas, elas me pareceram ferozmente leais, e pareciam inclinadas a serem leais à diplomacia de Carlisle.


Havíamos voltado á ilha há quatro dias, pelo menos era o que eu achava. Contar o tempo com Jasper me distraindo som seu sorisso iluminador, seus lábios famintos e seu corpo musculosamente esculpido era uma tarefa difícil. Eu adorava seu sorriso, talvez porque ele só nascesse para mim (na maioria das vezes) iluminava seu rosto, e eu via a “leonidade” de que tanto Esme falava. Havia um cantor brasileiro que escreveu uma música sobre um leãozinho, eu adorava pensar nela quando o via se banhar nas águas mornas da ilha de Esme. Quando seus pés deslizavam na areia, seus cachos se balançavam reproduzindo as ondulações do ma, e sua pele se partia em milhares de espectros de luz cintilante:


– Gosto muito de ter ver leãozinho, caminhando sob o sol, sua pele, sua luz, sua juba...



Cantarolava para ele quando ele se deitava silente sobre meu peito depois de fazermos amor.


Talvez por que tivéssemos alimentados, talvez porque fui inflamada pela segurança que pairava nos braços forte de Jass decidi ignorar o conselho de Rose e sair durante o dia. Perscrutei o futuro e vi chuva na manhã do Rio de Janeiro. Eu queria ver a cidade. Convenci Jass de que seria o melhor, haveria menos pessoas nas ruas, assim poderíamos curtir melhor. O Cristo não perdeu a opulência para a fina garoa que caía sobre a “Cidade Maravilhosa”, era tão belo... Visitamos a Lagoa Rodrigo de Freitas e também o pão de açúcar, despistamos os transeuntes e descemos do “nosso jeito”. Jass sorriu como há muito não via. Fomos ver as livrarias do Leblon e sua elegância discreta, comprei muitos biquínis, e estávamos nos dirigindo ao píer para voltar quando minhas visões me previram muito em cima da hora de uma mudança de planos. Eu não sabia o que era estar no Rio em Abril, não entendia o outono no lado sul do equador. Sol. Haveria sol em menos de dez minutos. Como?


Jasper percebeu a mudança de meu estado de espírito:


– O que foi Alice?


– Precisamos nos abrigar, o sol está chegando.


A única opção que encontramos foi um shopping movimentado. Ao que parece em cidades costeiras são eles a única opção quando chove. Não sabia se o desespero era meu ou de Jasper. Seu talento e nossa proximidade faziam como que nossos sentimentos formassem um elo indissolúvel. E agora eu sentia um desespero esmagador. Eu depositava em meu talento a chave para manter nossa família em segurança, mas descobri da pior forma que ele falhava, que eu falhava. E isso poderia custar à vida de meu Jass.


A sede dele e a minha se confundiam, mas eu sentia apenas o sabor do desastre. Sentia o veneno queimando a garganta, ouvia o pulsar de centenas de corações, eu mesma estava entrando em um processo de insanidade febril, estava ficando desvairada. Jasper estava sem respirar desde o momento em que entramos e segurava minha mão com tanta força que estava com medo que a quebrasse. Eu sussurrava em seu ouvido que tudo ficaria bem como um mantra, sem acreditar nem um pouco nessa probabilidade. Pessoas circulavam inocentes pelos corredores olhando vitrines. Haveria um massacre, o ataque raivoso seria em meio a apinhada praça de alimentação e quando o sangue jorasse eu não sei se seria capaz de me conter. Os Volturi abafariam o caso e nos sentenciariam à morte. Tomara que nossa família se salve, Aro sempre condenou o estilo de vida dos Cullen, principalmente circularem como humanos todo o tempo. E Jasper perdia cada vez mais o controle, e isso se reverberava em meu próprio controle, ou a falta dele. Então vi o letreiro do cinema. Isso podia ser uma válvula de escape. O ar condicionado minimizava o apelo do sangue, por menor que fosse o alívio. E os olhos humanos têm alcance restrito, se eu fosse discreta poderia distraí-lo de outra forma. Nem li o título do filme, só pedi dois ingressos para a próxima sessão. Era a primeira sessão do dia havia apenas três pessoas além de nós dois, procurei as cadeiras mais afastadas. Duas horas e quinze minutos da tarde, anoiteceria às sete e quatorze, ainda teríamos quatro horas e cinquenta e nove minutos de tortura. Sentei com ele ainda segurando uma das minhas mãos, mas com a outra puxei seu rosto e lhe dei um beijo “caliente”. Podia sentir seu desespero em se controlar, sua preocupação com meu sofrimento, sua culpa por se descontrolar tão rápido. E então tronei as carícias mais ousadas, tinha que confiar no ditado “Vampiros se distraem com bastante facilidade”. Mas não fui eu quem mudou o foco de sua atenção. Foi o filme, era um filme sobre vampiros. Ele se concentrou de uma forma quase cataléptica nele. Era um vampiro dando entrevista a um homem e contando sua existência desde o dia de sua transformação. As mesmas lendas de sempre, queimavam ao sol, dormiam em caixões, essas coisas. Jass mudou da raiva, para a indignação, para a preocupação, através da narrativa.


– Amor, o que foi? Eu perguntei.


– Não vê Alice, alguém está falando sobre Carlisle.


– Como? É uma história sobre vampiros de lendas, queimam nos sol, dormem em caixões. E devem morrer de medo de alho.


– Não. É um filme sobre “O mais humanos de todos os vampiros”: Carlisle.


Passei a prestar atenção ao filme. Louis e Lestat, criatura e criador. Louis se alimentava de animais, isso era uma semelhança. Mas não tinha companheira, nem era médico, ou tinha filhos. Depois surgiu uma menina, mas Carlisle não havia feito nenhuma criança imortal. O clã era apenas os dois e a menina. Mas então a menina escondeu uma mulher na cama, porque queria crescer, ser mulher. Rose.


– Rose? Perguntei com medo.


– Uma mistura de todos nós. Toca piano como Edward, quer ser mulher como Rose, adora vestidos como você, insaciável como eu, infantil como Emmett.


– Não somos crianças imortais. Afirmei resoluta.


– Nem mesmo o mais destemido dos vampiros brincaria com isso. Talvez esteja dizendo que nosso estilo de vida seja tão abominável como as crianças imortais. Que deva ser extinto com a mesma veemência.


Tremi de medo. A trama se desenrolou, e a menina traiu Lestat para ficar com Louis.


– O que isso significa? Matamos o criador de Carlisle. Ele já lhe falou sobre o vampiro que o criou? Ele era assim? Ele o abandonou por nós?


– Lestat não é um vampiro Alice. Ele significa o instinto, a espécie. Não vê que ele questiona Louis todo o tempo, tenta convencê-lo a se alimentar de humanos? Acho que quer dizer que nossa existência prova que o instinto pode ser derrotado. Por isso foi a menina que o matou, não Carlisle. Carlisle sozinho é uma exceção, nós somos a prova que pode dar certo. Mas ele não morreu, com certeza. O instinto jamais morre. Vimos a prova disso agora há pouco. Eu quase cometi uma loucura que nos condenaria.


Fui ficando tão envolta como ele, achando semelhanças até onde não havia. Como uma menina assustada que vê em uma sombra projetada no chão do quarto um bicho papão, um monstro.


Jasper soltou um suspiro exasperado quando o filme chegou a parte em que uma jovem seria sacrificada em um teatro cheio de vampiros. Achei que eles estavam falando sobre a fascinação dos humanos pela nossa espécie sem ter noção do real perigo. Sem saberem que somos muito reais.


– Meu Deus!


Jamais ouvi Jasper apelar para os poderes divinos.


– E agora? Perguntei tão aflita.


– O teatro, o vampiro... Ele estava estupefato.


– O que há?


– Eles estão em Paris, mas quer dizer outro lugar. Acho que o teatro que fazer uma referência à Shakespeare.


– Então tem algo na Inglaterra?


– Não Alice. Ele é inglês, mas escreveu muito sobre a Itália. Eles estão comparando Volterra a um circo de horrores, a uma encenação macabra. Estão dizendo que é um reino corrompido, prostituido. O vampiro é Aro Volturi, o cabelo é semelhante. Os Volturi são uma trindade, mas é notório que ele é o líder. E também um doa vampiros mais antigos que existe, assim como este tal “Armand”. Armand, Aro.


– Conheceu Aro?


– Só de nome. Um homem não precisa de um rosto se tem uma lenda para lhe apresentar. Alguém tem uma pintura de “Arthur e seus cavaleiros”? Mas todas as pessoas que me descreveram disseram que ele tem um cabelo longo e negro. E que é muito gentil até com quem não merece, mas suas leis são duras e cumpridas. Ele não retrocede. Isso é muito ruim.


– Foi uma humana que escreveu. Protestei.


– Ficaria pasma com a quantidade de vezes que “mãos vampiras” escrevem a história da humanidade. Porque não escreveriam um livro? Um filme? Seja quem for está com raiva de nós.


– Será que não foi o próprio Aro quem escreveu? Sei lá pode ser que ele não seja confiável e esteja incitando os vampiros contra nós.


– Poucos vampiros vão ao cinema Alice. Poucos mantêm hábitos humanos. A não ser nossa família. É um recado para nós. Mas não foi Aro, ou os Volturi. Eles lutam mais dignamente.


– Confia nesse tal Aro?


– Não conheceu as guerras do sul amor. Aro e os Volturi mantêm a paz de nosso mundo. E se eles considerarem isso um insulto, estamos todos perdidos. Nosso clã será o primeiro a responder. Precisamos falar com Carlisle o mais breve possível.


– Espero que ele não tenha o costume de ir ao cinema e que não seja tão inteligente como você.


– Acho que ele é o vampiro mais inteligente que podemos conhecer depois de Carlisle. Precisamos ter esperança que ele não seja tão inteligente como nosso líder.


– Edward vai se sentir insultado. Emmett vai rir de seu comentário.


– Isso só não pode chegar aos ouvidos de Rose e Esme, elas se abalariam facilmente.


Quando o filme finalmente acabou Jasper continuou sentado.


– Estou confuso. Achei que ele estava contra nós. Mas parece que está nos avisando de algo. E denunciando Volterra, Aro.


– Como?


– Aro, quer dizer Armand, matou a menina para forçar Louis a se juntar a ele. Louis descobriu a traição e se vingou. Aro não morre, talvez seja isso que queiram nos dizer. Mas parece que Louis tem algo que ele quer. Mas o que seria?


– Acha que Carlisle tem algo que Aro deseja? Talvez Aro tenha medo que outros vampiros acreditem e adotem nosso estilo de alimentação. Haveria menos guerras, Aro perderia o poder. Ele nos matou não foi? Você mesmo disse que somos a prova que pode dar certo.


– Talvez. Ou talvez esteja alertando Carlisle sobre algo mais sombrio. Algo que nos levaria à execução. Enfim, é alguém corajoso. Ele convidou Aro a dar sua versão no final. Lestat aparece no final e parece que ele vai contar seu ponto de vista.


– De uma forma bem efetiva, diga-se por passagem. Acho que ele quer dizer que esse Aro intocável e sempre dá a palavra final, porque o instinto nunca morre. Frisei.


– E quem foi inteligente agora? Ele me sorriu tão graciosamente...


Assim que saímos, ele encontrou um orelhão e ligou para nossa casa. Me afastei, não queria mais ouvir sobre aquelas coisas. Vi uma mulher com o cabelo e as roupas bem molhadas andando pelo corredor. Jamais senti tanta alegria em minha vida.


– Está chovendo de novo?


– Abril no Rio. A chuva jamais se decide. Está chovendo aos Cântaros.


Assim que ele terminou, eu o arrastei até a fila de táxi.


– Aeroporto, por favor.


– Não. Marina da Glória. Precisamos resolver uma coisa antes de irmos Alice.


Ele disse com aquela voz de “Sem discussões”. Eu assenti ao motorista e seguimos ao píer.



“Há um lugar para ser feliz, além de abril em Paris. Outono, outono no Rio...”






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Notas finais do capítulo

O filme citado é "Entrevista com Vampiro" baseado no livro de Anne Rice. Desde que o revi, fiquei com vontade de fazer essa brincadeirinha. Espero que tenham gostado.
Antes de levá-los a Forks, Jasper precisa se compreender e Edward. Será uma tarefa árdua. Me desejem sorte.
Se não nos virmos mais antes de raiar 2012. Espero que ele traga a todos nós dias melhores, mais paz, mais amor, mais dinheiro, mais inspiração, masi vida, ...
Beijos. E se puderem comentem e recomendem.