O Diário de um Semideus escrita por H Lounie


Capítulo 14
A heroína aceita sua propria ilusão




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Nos reunimos nas sombras do central Park. Não éramos muitos, mas o suficiente.

– Vamos antes que todos os monstros de Nova York apareçam! – Ordenou Nico.

Aos trios e aos pares, todos os semideuses foram ocupando os cães infernais cedidos por Hécate.

– Ai deuses... Isso é tão... argh! – Reclamou uma filha de Afrodite.

– Trouxeram-nas por quê? – Perguntou Will a Quíron.

Quíron apenas deu de ombros, seus olhos estavam parados em mim e ele parecia preocupado.

– Vocês conseguiram recuperar o martelo, isso é bom. – Comentou.

– Mas não a tempo de evitar a guerra e isso não é bom.

– Fez o melhor que pôde, Lyra.

– Quíron, perdemos Meganny, roubamos a quadriga de Ares, enfrentamos Phobos e Deimos, quase fomos comidos por ciclopes e pela Píton, Gaia tentou nos empurrar para baixo da terra, eu quase me casei com um cara mais velho que o mundo e esse mesmo cara quase matou Nico! E isso para que? Para que não chegássemos na hora, para que não conseguíssemos impedir a guerra. Eu fracassei como líder!

Quíron me deu um abraço desajeitado, empurrando-me para o lado de Nico.

– Você não fracassou Lyra, na verdade, se saiu muito bem. – Ele tentou sorrir, mas não conseguiu. Então se virou para os outros – Semideuses! Mais uma grande batalha os espera, deem o seu melhor, lutem com bravura, claro, se isso for necessário, mas acreditamos que tudo vai dar certo. – Concluiu ele, olhando para o martelo nas mãos de Nico.

Em seguida todos sumiram, sobrando apenas Nico e eu.

– Chegou a hora. – disse ele.

– Chegou a hora.

Quando ele me beijou não pude deixar de sentir que não ia ter isso por muito tempo.

O deserto de Mojave estava silencioso. Assim que Nico e eu chegamos o martelo sumiu das mãos dele.

– Eu não disse! – Berrou Hefesto de um dos lados do deserto. – O martelo estava com a filha de Apolo!

Ao lado de Hefesto estavam Zeus, Hera, Deméter, Atena, Dionísio e alguns deuses menores, entre eles reconheci Phobos e Deimos.

Em frente aos aliados de Hefesto, há uma distancia considerável estavam Poseidon, Afrodite, Apolo, Hermes, Ártemis, Ares e alguns deuses menores. Hermes me olhava de modo estranho, não conseguia dizer o que aquele olhar significava. Era uma mistura de curiosidade e admiração, com uma pitada de desespero.

Ao ouvir o comentário de Hefesto um homem loiro, de olhos azuis como o céu, puxou um arco dourado. Meu pai.

– Não, esperem! – Gritei, mas fui completamente ignorada.

– Escolham seus lados semideuses! – berrou Ares.

Dois grupos se adiantaram em frente aos aliados de Poseidon. Reconheci o exército de Tritão e as caçadoras de Ártemis. Do outro lado surgiu um grupo montado em cavalos. No canto direito de seus uniformes havia uma coruja gravada sob um ‘alfa’ prateado.

– Os cavaleiros de Atena. – Disse um semideus que estava perto de mim. – Cara, eu nem acredito. Achei que fosse apenas um mito.

Eu nunca havia ouvido falar dos cavaleiros de Atena, mas eles pareciam importantes. Aquilo era insuportável, as coisas meio que começam a ficar tensas quando você e um grupo relativamente pequeno de meio sangues pacíficos estão bem no meio de um campo de batalha praticamente desarmados quando uma batalha entre deuses está prestes a começar.

Os cavaleiros olhavam para nós no meio do campo com expressões perplexas, eu ainda tinha esperanças de conseguir evitar a batalha apesar de tudo, mas parecia que eles estavam crentes de que aquilo era impossível, a batalha era inevitável. Ao longe, um cavaleiro me estudava com os olhos semicerrados, um sorriso de deboche nos lábios. Antes que eu tivesse tempo de falar qualquer coisa, o cavaleiro levantou sua espada. A batalha começou.

Eu e os demais semideuses ficamos em meio ao fogo cruzado, a única coisa a fazer era lutar também, mas contra quem? Não poderíamos fazer isso, não tínhamos inimigos ali, não poderíamos fazer parte daquilo.

– Recuem. – Ordenei tarde demais.

Toquei minha pulseira e a réplica do arco dourado apareceu em minha mão. Comecei a disparar flechas em todos que se aproximavam de meus companheiros, aquilo não era justo, não fazíamos parte daquilo, ou ao menos achava isso.

Ouvi alguém gritar meu nome em meio a aquele caos, surpresa reconheci a voz de Jessica. Olhei para todos os lados e não consegui enxergá-la. Via meus meu pequeno exército cair, eu não entendia porque estávamos sendo atacados, era algo assustador, e então eu vi Sky, prestes a enfiar sua espada em um jovem filho de Deméter.

– O que está fazendo? Por que estão nós atacando? - Falei alto para que ele pudesse ouvir. Ele olhou para mim e por um momento seus olhos pareceram perder o foco. Depois ele sacudiu a cabeça e a determinação fria voltou ao seu rosto.

– Filhos do inimigo devem morrer.

– Mas como você sabe que ele é filho do inimigo?

– Eu... não sei. – Proferiu em um tom hesitante, ao mesmo tempo em que o filho de Deméter caia sem vida no chão. Sky correu, partindo para cima de um cavaleiro de Atena. Soltei meu arco no chão e desabei perto do filho de Deméter.

O cavaleiro que havia me fitado com interesse exagerado antes agora estava perto de mim.

– Você começou isso. É hora de dizer adeus, filha de Apolo. – Gritou ele.

Apesar de todo aquele barulho, ouvi com clareza o som da linha de seu arco sendo puxada e da flecha ao ser lançada, segundos se passaram antes que eu sentisse a dor. A flecha acertou minha perna esquerda, fazendo-me cambalear ao levantar do chão.

Eu tinha plena certeza de que nossos esforços até ali não serviram para nada. Corri, sem saber para onde, eu não estava preparada para tudo aquilo. Arfando, eu parei e desabei no chão, não fui longe, mas sentia que não poderia mais, de qualquer forma, achava que tudo acabaria ali. Olhei em volta. Já havia mortos. Nunca me senti tão sozinha, eu fui uma péssima líder, levei meus companheiros para a morte, caí na armadilha de meu orgulho.

Era isso, eu estava completamente só com meu ódio por mim mesma, meu ressentimento e aquela dor tamanha, a dor da derrota, da humilhação que era como se eu estivesse sendo torturada de alguma forma.

‘... Quando o herói aceitar sua própria ilusão. ’ Essa parte da profecia era com toda certeza para mim, eu estava aceitando agora minha derrota, minha ilusão de que poderia dar conta daquilo.

Sangue escorria pela minha perna e pela minha mão onde a linha do arco tinha cortado devido à velocidade com que eu atirava as flechas. Um segundo, talvez nem isso, e eu não estava mais só em minha fortaleza imaginária. Seus olhos brilhavam, ardendo com uma determinação doentia, me levantei, sentindo o corpo todo doer e o resto de minha esperança e de minha força se esvair. Aquilo seria meu golpe final, ou o dele.

Meu arco não estava mais comigo, o que definitivamente não era bom. Ele me olhava, certo da vitória, pronto para sua última flecha. Mas ele não esperava pelo que aconteceu em seguida e para falar a verdade, nem eu. Pude ver o reflexo daquilo nos olhos de dele, levantei meu braço, olhando para minha mão. Minha pele toda brilhava, eu estava envolta em uma áurea dourada, feita de luz. Uma força súbita me tomou, a confiança me embriagava agora, eu me sentia capaz de qualquer coisa.

– Obrigada pai. – Murmurei baixinho.

Aquela só poderia ser a benção de Apolo. Cheia de orgulho e confiança encarei o cavaleiro em minha frente. A minha volta a luta aparentemente havia parado, todos olhavam para mim, não diretamente é claro, a luz parecia afetar os olhos de todos de alguma forma.

A batalha de recomeçou lentamente, com um aproveitando a distração do outro. Todos do meu exercito pareciam ter recuperado a esperança e investiam com o que tinham nas mãos contra os guerreiros de Atena e o exercito de Tritão. No chão próximo a mim havia uma espada, peguei-a e avancei para o cavaleiro. Foi quando ouvi um sonoro "não, Lyra" cortar o ar. Eram Juliet e Gibe, eles corriam até mim.

Não podíamos parar, seríamos massacrados se parecemos agora. Olhei para o lado é vi um filho de Ares cravar a espada em um filho de Hécate e vi o garoto cair, indefeso. Espere, estávamos nos matando? Matando nossos colegas?

– Não podemos parar Juliet, nós...

“A vitória está na derrota, os filhos do amor enxergarão“. O que eles diziam começava a fazer certo sentido.

“Ah, lembre-se, a maior derrota é não lutar”, Leto havia me dito. Não lutar, eles estavam certo. Não devíamos lutar, cumprimos o que pediram não foi? Trouxemos o martelo, não trouxemos? Os deuses estavam fazendo uma coisa completamente sem sentido, porque são orgulhosos demais para admitir que nós conseguimos e que eles se precipitaram e erraram.

Recuem! – Gritei o mais alto que pude. – Parem de lutar, recuem.

– Hefesto já tem seu martelo, não era o que queriam? – Gritou Juliet.

– Mas ainda assim, o martelo havia sido roubado, devemos ensinar a Apolo e Poseidon o que fazemos com ladrões. – Retrucou um cavaleiro de Atena

Soltei minha espada no chão. Os meios sangues que estavam ao meu lado começaram a fazer o mesmo. Senti a força que a pouco me tomou quase desaparecer, a luz já não brilhava em meu corpo. Nesse momento, um vento forte varreu a área da batalha, derrubando todos no chão. Virei para olhar o que havia acontecido, quando senti uma lâmina atravessar o canto esquerdo de meu peito.

A dor era quase cegante, caí no chão, ouvindo gritos de surpresa e medo. Ao olhar para meu lado vi o cavaleiro de Atena que quis me matar olhando abismado para cima, segui seu olhar e confusa, vi Sky se agachar próximo a mim, jogar a espada ensanguentada no chão.

– O que foi que eu fiz? Lyra, você... eu não... Eu queria acertá-lo, ele desviou e...

– Me odeia tanto assim? – Brinquei com ele, enquanto sangue escorria por minha boca quando eu falava.

Sky havia me atingido, e ao que parecia, acidentalmente.

– Lyra, ah, deuses... Eu não...

A batalha havia cessado e o silêncio preenchia o ar. Sky ia dizer algo, mas a aproximação de alguém o fez se calar. Eu acreditava que deixaria vida a qualquer momento. Então, senti um abraço forte e ao mesmo tempo gentil. Assustada, levantei os olhos para ver quem era. Lágrimas escorreram por meu rosto, o homem loiro que me abraçava parecia emocionado e orgulhoso.

– Pai. – disse em um sussurro. Retribui o abraço, juntando toda a força que consegui - eu sinto muito, eu falhei.

– Shh! Estou tão orgulhoso, minha pequena arqueira. - Afagou meus cabelos sorrindo. Aquele momento era mais que especial para mim, não sei se meu pai tinha feito algo, mas já não sentia tanta dor. – Nesse abraço posso sentir que um semideus pode ser mais forte que um deus primordial, se assim desejar. – Concluiu ele, beijando o alto de minha cabeça. – Zeus, Hefesto! Já chega disso! Sabem que não fomos nós, sabem que não foi minha filha! – os deuses murmuraram algo que não pude compreender.

– Porque não podem conversar? – Disse Juliet, alto para que todos escutassem. – Porque fazer isso?

Afrodite soltou um gritinho em aprovação às palavras da filha, parecendo orgulhosa.

Apolo continuou me segurando em seus braços, murmurando algo que compreendi ser uma benção antiga. Não consegui mais sustentar seu abraço, lançando minhas mãos na terra, quase sem forças. Sabia que não havia mais esperanças para mim. “Um perecerá no ar outro na terra”.

– Você fez tudo que podia Lyra, será lembrada por isso minha filha amada... não importa o que aconteça depois – O que aconteça depois? O que ele quis dizer? Senti as lágrimas involuntárias escorrerem novamente por meus olhos. Nico chegou ali, assustado e preocupado.

– Não esqueça o pacto com Hécate. – Disse baixinho, ele assentiu, seu rosto sem expressão.

E então, tudo escuro. Ouvi apenas as últimas palavras de meu pai: sinto não poder fazer nada por você.


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