Comi que nem um mendigo que nunca viu comida na sua frente.

O trabalho havia me deixado muito cansada. Estava faminta! Nem me importei com o gosto ruim da comida que era algo ralo, com uma cor muito esquisita, puxada para o tom de verde musgo.

O sono logo bateu. Mas eu ainda não havia tomado banho e não ia dormir com aquele cheiro horrível.

Como que lendo meus pensamentos, Billy apareceu no cubículo.

-Deve estar querendo tomar um banho, não?

-Só se for agora.

-Então vamos lá.

Pela quinta vez, voltamos a caminhar pela caverna. As curvas eram inevitáveis, mas estava mais acostumada com o percurso.

É incrível como os humanos gostam de ficar em silêncio, aprisionados no seu mundo interior. Bella era uma deles. Sempre se trancando em seus próprios pensamentos e decisões, muitas vezes sua insanidade mental provocando a fúria em mim. Mas não há como negar que Bella é uma humana e tanto!

Enquanto caminhava, a memória voltou. A lembrança das palavras de ordem de Jasper e e Emmet me dizendo que eu teria que, de algum modo, levar todos aqueles humanos para Seth... As palavras me feriam. Tinha me apegado tanto a Billy e ao pequeno Embry que não conseguiria fazer aquilo. Porém, se não o fizesse, se não os levasse até o Planeta das Almas Torturadas, a única alma torturada ali seria eu.

-Chegamos. Pode tomar seu banho.

-Mas você vai ficar aí, me olhando?

-Ops! Me desculpe. Então vou me virar. Faça de conta que não estou aqui.

-É, acho que sim.

Seria dificil tomar um banho decente com Billy ali, mesmo que ele estivesse virado de costas para mim. Sabia muito bem o motivo para ele estar fazendo isso. Ficar de olho em mim 24 horas significava tirar suas vidas de perigo e, num futuro não muito distante, acabar comigo. Era isso. Não há como fugir da realidade.

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O banho foi o mais horrível de toda a minha vida - e de Bella também. Ficamos com medo de que Billy se virasse do nada e me visse, quase nua. Sem falar no medo de ele querer me apunhalar pelas costas. Para ele, essa seria, sem dúvida alguma, a melhor forma de vingança: doce e rápida.

Tentei deixar a presença de Billy de lado. Finalmente, terminei o maldito banho. Não foi o melhor que tomei em toda a minha vida, mas o cheiro ruim tinha passado.

Voltamos, eu e Billy,  para o meu cubículo. A vida que eu levava ali estava mais para tortura. Ter que aguentar os olhares furiosos, os comentários maldosos e não poder fazer nada, a não ser arranjar um jeito rápido e eficiente de levar aqueles humanos para longe dali, para o meu planeta. Isso era o que eu mais desejava. Porém, por outro lado, já havia me apegado tanto a Embry e Billy que temia fazer isso com eles, seria uma traição imperdoável da minha parte. Mas isso não tinha importa! Ou vivo, ou morro. Não que eu queira ser egoísta, mas prefiro salvar a minha pele do que a dos humanos. Nós, almas, temos somente que se preocupar com nós mesmas.

-Acho que vou dormir. O dia foi bem cansativo. - respondi, deitando-me no chão gelado.

-Renesmee, essa noite eu não vou ficar com você.

Me encolhi ainda mais sob o chão. Senti meu corpo todo gelar, a pele arrepiando. A hipótese que tinha em mente é que se Billy não ficasse comigo, não havia em quem confiar.

-Por quê? - minha boca se escancarou, formando um ''O'' gigante ao fim da frase.

-Não precisa se preocupar. Vai estar em boas mãos, eu te garanto. Fica tranquilo.

-Mas por quê? - insisti. Sabia que ele não queria falar, mas teria que me dar explicações.

-A comida está acabando, os remédios estão quase no fim e como tudo por aqui é apenas gelo, teremos que fazer uma viagem longa. Vamos ter que voltar ao mundo, o que não é nada fácil. Da última vez que fizemos isso, há alguns meses atrás, perdemos um de nós. - sua voz foi diminuindo, até se tornar quase inaudível. - Agora tenho que ir. Fique aí. Descanse um pouco. O dia de amanhã promete. - Billy beijou minha testa e saiu. Vi sua silhueta sob a baixa luz.

Permaneci deitada, quieta. Sentia a presença de outra pessoa ali, meus instintos me avisaram. Tentava em vão não pensar no pior. Mas as mesmas lembranças retornavam nos momentos mais tensos e esse era um deles. As garras de Bree, o aperto em minha garganta... Tudo voltava a tona como se eu estivesse um pesadelo real.

-Enfim, só nós dois.

Reconheci a voz imediatamente, não dava para esquecer aquele tom ameaçador jamais.

-O que você quer, Edward? - tentei imitar o mesmo tom de voz arrasador que ele.

-Você sabe o que eu quero, Renesmee.

-Não, não sei não.

-Não se faça de boba. Você não é nenhuma criancinha. Eu quero Bella de volta.

-Infelizmente isso não é possível. - estava começando a gostar daquele joguinho. Ameaçar Edward me deixava bem, pra cima. - Pode tentar de tudo, não vai adiantar. Sua Bella está morta. Entendeu? Eu disse morta!

Edward estava a apenas alguns centímetros de mim, muito perto, mais do que queria. Senti seu cheiro viciante, seu calor me atingindo em cheio.

Edward, óh, Edward. A quanto tempo ...

Como é que Bella podia continuar amando aquele cretino depois de tudo? Depois de ser traída e apanhado dele? Vai entender o que se passa na cabeça de uma humana apaixonada.

-Não tenho medo nem de você, muito menos das suas ameaças ensaiadas. Sabe de uma coisa Renesmee - senti algo cilindrico, parecia ser feito de ferro, rodear meu pescoço. A arma. -,  muitas vezes aquilo que queremos é o que o destino quer. Você é um ótimo exemplo disso. Sabe por quê? Simples. Porque, no seu mundo, as coisas tem que ser não do jeito que vocês querem, tudo se trata de uma questão de ordens superiores, vindas de um mestre. Além do mais, está aqui apenas para cumprir uma missão. E eu sei qual é essa missão.

-Sabe, é? - a arma dificultava minha fala.

-Quer apenas nos enganar e nos levar para o seu planeta. - fiquei escandalizada. Como ele podia ter tanta informação assim?! - Como é mesmo o nome dele? Ah, sim. Planeta das Almas Torturadas - a mão que não segurava a arma se encontrava em sua boca, tampando o riso - Que nome, hein? Tão criativos !

A raiva crescia em mim. Imaginei meu rosto: vermelho, as veias dilatadas e altas na testa. Me lembrei imediatamente da figura monstruosa de Emmet.  O cano da arma percorria lentamente meu pescoço.

Senti algo mais gelar na minha cabeça. A arma tinha mudado de posição.

Ele vai tirar meus miolos! Bella disse surpresa.

Te disse que ele não era de confiança! Salafrário! Cachorro! Filho de uma p...

Meus pensamentos foram interrompidos quando algo se chocou, fazendo um estrondo ensurdecedor. Ele tinha me matado?! Percorri a mão pelo espaço onde a arma antes estivera. Sangrava! Jorrava sangue! Não sentia dor nenhuma, apenas algo queimando em minhas veias como um veneno dilacerante.

Escorreguei no canto da parede, desacordada.

A realidade não me pertencia mais, assim como a vida.