Sobrado Azul escrita por Chiisana Hana


Capítulo 9
Capítulo IX




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Os personagens de Saint Seiya pertencem ao tio Kurumada e é ele quem enche os bolsinhos. Todos os outros personagens são criações minhas, eu não ganho nenhum centavo com eles, mas morro de ciúmes.

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SOBRADO AZUL

Chiisana Hana

Beta-reader: Nina Neviani

Capítulo IX

Em alta velocidade, Ikki chega à rua onde mora. E, como o portão de casa está aberto, ele entra na garagem de uma vez só, o que faz Shun agarrar-se firmemente ao estofado do carro do irmão.

– Precisa dessa velocidade toda? – o irmão mais novo pergunta nervoso. Sua face está vermelha.

– Eu dirijo como eu quiser – ele retruca.

– Pois não devia. Desse jeito pode até acabar fazendo o que o pai da Esmeralda fez.

O irmão mais velho, que já saía do carro, para de súbito.

– Não me compare àquele filho da mãe. E fique sabendo que eu só não vou quebrar a sua cara porque ainda tenho algum respeito por você.

– Desculpa, desculpa! – Shun lamenta-se, sinceramente arrependido. – Saiu sem pensar. Eu sei que esse assunto magoa você e a última coisa que faria é magoá-lo.

– Esse assunto é proibido – ele conclui, e entra em casa. Shun espera um pouco no carro até acalmar-se. Sabe bem que não deve falar em Esmeralda, mas agora é tarde, já magoara o irmão. Quando finalmente entra em casa e sobe, encontra Ikki deitado em sua cama e, pela expressão angustiada, Shun sabe que ele pensa na namorada falecida.

– Ikki, já acabei – Shiryu bate à porta e avisa.

– Já vou – ele responde, levantando-se da cama.

– Certo. Qualquer coisa, estarei lá embaixo – Shiryu diz, quando percebe a expressão de Ikki. É a mesma que ele vê todos os anos no aniversário da morte de Esmeralda.

O lutador responde balançando a cabeça afirmativamente. Shiryu sorri, demonstrando compreensão e desce a escada. Ikki entra no banheiro, despe-se, abre o chuveiro, entra embaixo dele e chora, as lágrimas misturando-se à água quente. Perdera a namorada há exatos seis anos e onze meses, mas era como se tivesse sido na semana passada. Cada vez que alguém falava nela, a ferida se abria inevitavelmente e a dor era a mesma que sentira quando ela morrera em seus braços.

Lá embaixo, no quartinho de Shunrei, Shiryu abraça e beija a namorada.

– Quer bombons? – ela oferece. – Ganhei do homem mais lindo do mundo.

– Ah, é? Quem é esse aí que anda dando presentes a minha namorada? – ele brinca, simulando um ar de irritação.

– É um moço lindo, que luta kung-fu e vai ser defensor público.

– Hummm... Gostei dele. Acho que vou aceitar um destes bombons.

Shunrei ri e põe um bombom na boca dele.

– Está com uma carinha estranha. O que foi?

– Não é nada comigo. Só o Ikki que chegou meio esquisito.

– Esquisito como?

– Está com a cara que ele só faz no aniversário de morte da namorada. Mas não é hoje.

– Faz tempo que ela morreu?

– Seis anos, quase sete.

– Nossa...

– Muito tempo, né?

– Sim. Mas acho que quando o amor existe mesmo, não se esquece da pessoa amada rapidamente...

– É, agora que tenho um amor posso entender melhor o que ele está sentindo.

– Pois é. Eu também.

–S -A -

– Ikki! Telefone pra você! – Hyoga avisa batendo à porta do banheiro. Ikki nada responde.

Hyoga insiste:

– Acho que é a Pandora.

O outro rapaz permanece em silêncio.

– O que eu digo a ela? Que você não quer falar?

Ikki enfim se manifesta:

– Diz o que você quiser e não me enche mais o saco!

– Nossa, como você está de bom humor...

Hyoga volta ao telefone e avisa a Pandora que Ikki está no banho. Ela promete ligar mais tarde.

Meia hora depois...

– Ikki, Pandora, de novo – Hyoga avisa, batendo outra vez na porta do banheiro. E, novamente, Ikki fica calado. O russo insiste.

– Ikki, se você está saindo com a garota, por que não quer falar com ela?

Ainda o silêncio.

– Ikki! – Hyoga grita.

– Fala que eu morri, porra! – Ikki retruca, também aos berros.

– Ok. Eu devia dizer isso, mas vou ser legal porque você deve estar nervoso com outra coisa.

– Faz o que você quiser.

O russo retorna ao telefone.

– Pandora, ele ainda está no banho – Hyoga diz.

– Mas que banho demorado esse, hein? Pede pra ele me ligar quando terminar.

– Pedirei – Hyoga promete e recoloca o fone no gancho, para só então completar: – Mas duvido que ele ligue.

Hyoga sobe de novo. Agora Ikki já está saindo do banheiro.

– Ela falou pra você ligar.

– Ligar um cacete – ele diz e entra no quarto.

– Você que sabe.

– Sei mesmo.

– Ih, vou ficar bem longe de você porque mau humor é contagioso.

Hyoga vai para seu quarto e encontra Seiya deitado na cama de Shiryu.

– Tá fazendo o quê aí? – o loiro pergunta.

– Pensando.

– Sobre?

– Como pegar a Shaina sem que a Saori saiba.

– E eu ainda pergunto... Vai pro seu quarto, vai. Daqui a pouco Shiryu volta e vocês começam a fazer zona com aquela discussão sobre virgindade.

– Volta nada. Ele está lá namorando, nem vai lembrar-se da hora.

– Você que pensa. Mesmo namorando, Shiryu continua CDF. Vai pro seu quarto.

– Tá, tá. Eu vou. – Ele se levanta da cama.

– E vê se tira esses peitos da cabeça – recomenda Hyoga.

– Aí é que está o problema: não sei se quero tirar – ele diz antes de sair.

–S -A -

No quarto dos irmãos Amamiya, o clima continua tenso. Ikki veste um short velho e deita-se. Shun está sentado em sua cama. A face vermelha revela que chorara.

– Ikki, me perdoa. Eu juro que não quis dizer aquilo... – ele diz, e as lágrimas recomeçam a fluir.

– Não fala mais nisso, ok? – Ikki retruca. – Odeio quando você fica com essa cara de lamúria.

– Eu só queria que você soubesse que eu não fiz por mal.

– Eu sei. Agora me deixa quieto – ele conclui, e vira-se para o outro lado.

–S -A -

Dia seguinte.

– Bom dia, meu amor – Shunrei sussurra ao ouvido de Shiryu. Ele ouve, mas não abre os olhos. Na semiconsciência de quem está despertando, ele imagina que sonha.

– Hora de acordar, dorminhoco – ela torna a sussurrar, agora acariciando o cabelo dele.

– Shu? – ele diz depois de um bocejo. Ao abrir os olhos, vê as paredes azuis do quartinho dela e só então desperta por completo. – Ah, meu Deus! Dormi no seu quarto?

– Aham! – ela confirma sorrindo. – Ontem estávamos aqui, aí você adormeceu e eu fiquei com pena de acordá-lo.

– E você dormiu onde?

– Do seu lado, ué? Bem do seu lado. Você me abraçou e dormimos assim, abraçadinhos. Foi tão bonitinho.

– É, eu me lembro mais ou menos disso, mas achei que estava sonhando.

– Não estava, não. Mas vá tomar banho e se arrumar, sim? Enquanto isso eu vou cuidar do café.

– Tá – ele sorri e se levanta da cama. Lá em cima, Hyoga já está acordado.

– Ué? Se deixou levar pela brincadeira do Seiya e resolveu perder a virgindade? – ele brinca quando Shiryu entra no quarto. – Você não era de dar ouvidos aos outros.

– Não foi nada disso. Eu só dormi lá com ela. Só isso.

– Eu sei! Estou brincando. É bom dormir junto, né?

– Tão bom que eu achei que estava sonhando, pode?

Hyoga ri.

– Pode. Não sabia que você era assim.

– Nem eu mesmo sabia, Hyoga.

– Vai tomar banho agora?

– Pode ir primeiro. Ah, Hyoga, não comenta com o Seiya, ok? Você sabe, ele pode ficar fazendo piadinhas no carro e acabar deixando a Shu constrangida.

– Eu não vou comentar.

– Obrigado.

–S -A -

Ikki chega à aula espantosamente cedo e com cara de poucos amigos. Pandora já está sentada numa cadeira e copia a aula anterior. Ele diz "oi" e se senta perto dela.

– Por que não atendeu quando eu telefonei? – Pandora pergunta a Ikki, terrivelmente irritada e falando muito alto. Os poucos colegas que já estão na sala olham para o casal.

– Estava no banho – ele responde, parecendo entediado.

– Mais de meia hora no banho? Acha que eu sou tonta?

– Vai querer controlar minha higiene pessoal?

– Não, mas gostaria que você tivesse alguma consideração por mim depois do que fizemos e pelo menos ligasse de volta – ela diz, agora falando um pouco mais baixo.

– Quer saber? Não atendi porque não quis e não retornei pelo mesmo motivo. Não estava com vontade de falar com ninguém.

– Achei que estávamos namorando.

– Pode ser que estejamos.

– Pode ser?

– Depende de você parar de encher o saco.

– Ficamos juntos ontem à noite! – ela diz muito alto e se arrepende.

– Sim, foi ótimo, mas daí a você querer ser minha dona é outra história. Vamos deixar as coisas claras: eu não gosto que peguem no meu pé, não gosto de ter que dar satisfação de tudo que eu faço, então se quiser ficar comigo tem que ser do meu jeito.

– Seu jeito... ok... eu sabia que não devia ter feito nada com você. Sabia.

– Ninguém te obrigou. E, além do mais, você gostou.

– Sabe o que você é? Um canalha idiota.

– Prefiro que me chamem de sedutor irresistível. Totalmente irresistível.

– Totalmente idiota, isso sim. Não sei por que perdi meu tempo com você – ela se levanta e sai da sala. Ele se mantém impassível.

Lá fora, Pandora manda uma mensagem para June: "Garota, preciso falar com você. É urgente. Almoça comigo?". Minutos depois, chega a resposta: "Claro. Encontro você no fim da aula em frente ao estacionamento." A moça respira fundo e torna a entrar na sala. Sem olhar para Ikki, ela pega os cadernos e muda de lugar. Ele se aproxima.

– Pandora, foi mal, tá? – Ikki diz. – Eu tinha brigado com meu irmão.

– Pode ser, mas aquilo não foi jeito de falar comigo, não importa o motivo.

– Eu sei, foi mal, muito mal.

– É, foi.

– O que você quer que eu faça?

– Que me peça desculpas, ora essa!

– Desculpa por quê?

– Você me magoou, Ikki.

– Só porque estava sem saco pra atender o telefone?

– E pelas coisas que disse.

– Ah, esquece.

– A June estava certa, você não vale nada.

– Quê? Ela andou falando de mim? Filha da mãe.

– Tomara que você morra sozinho – Pandora pragueja.

Ikki prontamente retruca:

– Eu nunca estou sozinho.

– É muito fácil arranjar mulheres de uma noite, não é? Você confia no seu... talento... Mas e quando você se cansar disso? O que vai fazer?

– Não me referia às noites. Me referia ao tempo todo. Tenho alguém sempre comigo, sempre.

– Como assim? – ela indaga, sem entender o que ele diz.

– Esquece. É algo além da sua compreensão – ele diz, e volta para seu lugar.

–S -A -

Na hora do almoço, Hyoga e Ikki já estão no restaurante universitário. Um conhecido se aproxima da mesa onde os dois almoçam.

– Ora, ora, há quanto tempo não os vejo? – diz o rapaz, que veste uma extravagante jaqueta roxa.

– Oi, Jabu – os dois cumprimentam, sem muito entusiasmo.

– E aí, como estão?

– Estamos bem – Hyoga diz.

– Ainda está no estágio, Hyoga?

– Sim, estou.

– E ainda namora a Eiri?

– É, namoro – ele responde, fazendo um bico de insatisfação com as perguntas.

– Nossa. Pensei que não duraria um mês.

– Pensou errado.

– E você, Ikki? Continua brincando de ser lutador?

– Pois é – assente o rapaz. – Que tal brincar comigo? Quebro a sua cara em tempo recorde.

– Ora, quanta delicadeza, amigo! – ele diz, e puxa uma cadeira para sentar.

– Não sou seu amigo. Além do mais, alguém convidou você a sentar-se à mesa? – Ikki pergunta. Jabu ignora-o, mas Hyoga responde em seu lugar:

– E precisa convidar? –ele questiona, irônico, concordando com Ikki.

Shun chega com sua bandeja e senta-se ao lado do irmão.

– Olá, pessoal. Olá, Jabu. Tudo bom? – ele cumprimenta.

– Tudo! E você?

– Estou bem.

– Cadê sua namorada?

– Não veio almoçar comigo hoje. Ficou com uma amiga.

– Ela troca você pela amiga? Nossa, que namoro bom – ele ironiza.

– Não vejo problema em ela almoçar com uma amiga de vez em quando.

– Hihihihi! Devia ver. Vai que isso desperta outras preferências nela...

– Muito engraçadinho.

– Sério. Agora é moda.

Saori e Seiya chegam. Ela traz seu tradicional obentô e ele vem com sua bandeja. Ao ver Jabu sentado à mesa, ela sente que pode ser essa a oportunidade para mostrar a Seiya como se sentiu quando ele conheceu a senhorita Meneghetti.

– Jabu! – ela diz, num tom forçadamente alegre. – Por onde você andava, hein?

– Fui fazer umas viagens.

– Foi mesmo, Jabuzete? – Seiya berra. – Viajou para onde?

– Jabuzete é a mãe. E viajei para vários lugares, fiz um cruzeiro pelas ilhas gregas, fui ao Egito, dei uma passada no Brasil.

– Jura? – Saori tenta mostrar muito interesse. – Eu sempre quis ir ao Brasil!

– E por que não vai? Dinheiro não lhe falta. E se o problema for companhia, pode contar comigo.

– Obrigada. Falta tempo, infelizmente.

– Ah, é? E o que tem feito além de namorar pobres? – ele pergunta, alfinetando Seiya, que finge não ouvir.

– Estudando muito, como sempre. E você? Soube que descobriram que você era herdeiro de um grande industrial.

– Pois é. Quem diria, não é? De órfão a milionário, enquanto uns e outros só conseguem emprego por causa da namorada.

– Fala de mim? – Seiya finalmente se manifesta, enquanto come seu almoço.

– Oh, não, não – Jabu diz, rindo.

– Acho bom!

– Ih, isso não vai prestar – Shun murmura. – O Seiya vai acabar dando uns sopapos no Jabu.

– Mas então, Jabu, como se sente agora que é rico como eu? – Saori pergunta, dando prosseguimento à tentativa de irritar o namorado.

– Faço o que todos os ricos fazem: gastam dinheiro.

– Não adianta nada ter dinheiro quando você continua com cara de pobre – Seiya diz.

– Melhor que seja só a cara, não? – o novo rico retruca.

– Sou pobre, mas pelo menos namoro a mulher que amo – Seiya diz. Por um momento a imagem de Shaina sem blusa passa pela sua cabeça e ele pigarreia tentando afastá-la.

– O que foi? Se engasgou? – Jabu goza.

– É o cheiro desse seu perfume. Tomou banho com um balde dele? É bem coisa de pobre metido se encher de perfume. Não sei como você não está se sufocando, Sassá.

– Eu? Até que estou gostando – mente Saori. Jamais admitiria que também acha o perfume forte.

– Sei...

Shiryu e Shunrei também chegam com suas respectivas bandejas e sentam-se à mesa.

– Olá, pessoal – ele cumprimenta. Ela acena timidamente e sorri.

– Ah, então essa é a famosa namorada do Shiryu? – Jabu pergunta.

– É sim, mas... famosa? – Shiryu retruca. – Por quê?

– Já ouvi a incrível história de como ela apareceu lá naquele sobrado onde vocês moram.

– Estou vendo que as notícias correm rapidamente – Shiryu diz calmamente.

– Pois é! Mas é que é tão incrível! Você nunca tinha namorado ninguém e de repente essa moça aparece lá e você se apaixona perdidamente.

– É, incrível mesmo – Shiryu diz, tentando encerrar o assunto.

– Soube que ganhou um carro num sorteio – Jabu continua.

– Ganhei.

– Depois que o cara passa a ter carro fica muito mais atraente, não?

Shiryu não diz nada, respira fundo e fecha a cara. Shunrei abaixa o olhar. Intrigado, Hyoga volta-se para Ikki e sussurra:

– Qual é a dele? Por que está provocando Shiryu?

– Pelo prazer de irritá-lo – Ikki murmura de volta, enquanto a provocação de Jabu segue.

– Acho incrível como tem homem tonto nesse mundo! Jabu brada, cruzando os braços displicentemente. E é incrível também como tem mulher oportunista.

– Guarde seus comentários, Jabu. Você nunca fala nada que preste – Seiya intervém, imaginando onde a conversa vai parar.

– E você fala? Além do mais, não estou falando com você – ele diz, e olha sarcasticamente para Shiryu, que finge ignorá-lo, mas cujo sangue começa a ferver.

– Já chega, não é, pessoal? Vamos falar de coisas amenas – Shun tenta intervir.

Jabu ignora Shun e continua a provocar Shiryu.

– Mas então, Shiryu, é bom namorar?

– Muito bom Shiryu responde seco, esforçando-se para não dar importância ao ex-colega de orfanato.

– Sabe, eu sempre achei você meio bobo, mas agora eu tenho certeza de que você é bobo.

– Ah, é? Shiryu retruca, tentando manter-se calmo. Saiba que não me importo com o que você pensa de mim.

– Toda essa pose de sábio e no fundo tão bobo.

– O que você pensa de mim não muda minha vida um milímetro ele continua, já sem conseguir dominar a irritação crescente.

– É, né? Como foi mesmo essa história de você pagar uma dívida da menina antes mesmo de começarem a namorar?

– Eu não vou falar sobre coisas que não lhe dizem respeito ele diz, segurando firmemente a mão da namorada. Os dois levantam-se da mesa.

– Preciso ir trabalhar – ele diz. – Até mais tarde, pessoal.

Quando Shiryu começa a se afastar com Shunrei, Jabu levanta-se da mesa e diz:

– Sabe, só você não vê que ela é uma tremenda oportunista! Que esperta, não? Você paga uma dívida e ela lhe paga com beijos. Muito esperta! Palmas para a esperteza da sua namoradinha.

Shiryu para de súbito. Shunrei também para. Estão de costas para a mesa. Shunrei murmura:

– Shiryu, não. Não vale a pena.

Jabu continua sua provocação:

– Tem mulher que nasce com talento para enganar e homem que nasce com vocação para ser enganado. E essa garota é perfeita para isso. Cara de anjo, mas aposto que uma mente ágil e perversa. E você, um idiota virgem, é o bobo da vez.

Shiryu solta a mão de Shunrei e volta-se para a mesa com um semblante contorcido de raiva e ambos os punhos cerrados. Envergonhada, Shunrei também se vira para a mesa.

– Aposto que você está bancando a moça, dando tudo que ela precisa e tal. É a sua cara fazer isso.

Shiryu avança sobre Jabu e soca-lhe a face violentamente.

– Eu vou fazer você engolir seus comentários, imbecil ele diz, extremamente descontrolado, socando Jabu sem parar. Ele tenta reagir, mas o lutador de kung-fu é mais ágil. Hyoga e Ikki correm e separam os dois. Ikki, empolgado com a luta, segura Shiryu. Hyoga faz o mesmo com Jabu, cujo nariz sangra muito.

– Bom soco, garoto! – Ikki diz a Shiryu. – Assim que se bate!

– Ikki! – censura Shun.

– Lave essa sua boca imunda para falar da minha namorada – Shiryu grita. – Ela não é como as vagabundas com quem você sai porque não pode ter a mulher que ama.

– Eu dou presentes às vagabundas com quem saio, você paga as contas da sua vagabunda. Então no fundo é a mesma coisa.

– Quer que eu te solte pra você dar outro soco nele? – Ikki pergunta.

– Por gentileza – Shiryu responde. Ikki solta e ele avança outra vez, agora socando o estômago de Jabu que também fora solto por Hyoga. Jabu vai ao chão, mas logo se levanta e tenta atacar Shiryu, que responde com outro soco na face. A essa altura todos os presentes no restaurante já prestam atenção na briga. Hyoga e Ikki tornam a segurar os dois.

– Da próxima vez, pense duas vezes antes de me provocar! – Shiryu grita.

Jabu nada diz. Sua boca sangra bastante.

– Pode me soltar, Ikki – Shiryu diz. – Eu vou embora.

– Vai lá, gostei da pancadaria.

Shiryu dá as costas e segura a mão da namorada, que está ainda mais vermelha de vergonha. Os dois caminham até o carro em silêncio, sob o olhar dos amigos e dos demais universitários. Só quando estão no carro é que Shunrei começa a chorar.

– Estou me sentindo uma vagabunda como ele disse. Nunca tinha me sentido assim.

– Não, não e não – ele diz, e abraça a namorada ternamente. – Não dê ouvidos a ele! Você não é nada disso!

– Mas o que ele falou é verdade em parte... Você está me bancando. Tenho medo de que um dia você deixe de acreditar que eu te amo de verdade e comece a pensar como ele.

– Nunca, meu anjo. Nunca. Eu sei que você não é assim, eu sinto. E eu acredito muito no que eu sinto, acredito na minha intuição. Foi isso que me manteve afastado das outras e é isso que me aproxima de você e me faz amá-la cada dia mais. Eu amo você. É só isso que importa – ele diz, olhando-a nos olhos.

– Eu também amo você. Amo muito. Como eu nunca amei ninguém.

Ele a beija e também chora.

– Eu sei. Agora enxugue essas lágrimas porque não vale a pena chorar por causa daquele miserável – ele diz, entregando um lenço a ela, e enxugando as próprias lágrimas com a mão.

– Tá – ela concorda, e enxuga a face com o lenço.

– Estou muito amassado? – ele pergunta, ajeitando a camisa.

– Um pouco.

– Dá pra notar que eu briguei?

– Hummm... talvez...

– Isso é ruim, muito ruim.

– Também podem pensar que você e eu... – ela cora antes de terminar a frase. Ele ergue as sobrancelhas, olha para baixo e também cora.

– Então vamos passar em casa. Deixo você lá e aproveito para trocar a camisa.

– Você tem só dez minutos para chegar ao trabalho, meu anjo.

– O que sugere?

– Que vá trabalhar assim mesmo. A camisa está amassada, mas pelo menos você não levou nenhum soco, nem está sangrando.

– Bom, é, pelo menos isso. Mas e você?

– Me deixe em qualquer ponto de ônibus.

Ele pondera um pouco, e depois diz:

– Não, você vai para o trabalho comigo. Com essa confusão toda nem almoçamos direito. Eu chego, e peço a minha chefe uns minutinhos para almoçar lá com você.

– Tem certeza?

– Tenho. Eu realmente não quero ficar longe de você hoje. Não depois do que aconteceu.

– Na verdade, eu também não – ela admite.

– Então vamos! – ele diz, e gira a chave na ignição.

De volta ao restaurante universitário...

– Já deu show, agora se manda, Jabu – Hyoga diz.

– Deu show? Levou uns bons socos do Shiryu e não acertou nenhum nele! O show foi do Shiryu! – Seiya provoca.

Jabu continua calado.

– Que foi? Perdeu a língua, mané? – Seiya espicaça.

Jabu cospe sangue, limpa a boca com a manga da camisa e murmura baixinho, quase sem abrir a boca:

– Ele me paga.

– O que foi? Fala pra fora! – Seiya diz.

– Ele me paga! – Jabu grita, exibindo um vão entre os dentes.

– Huahuahauahauahau! Shiryu arrancou um dente dele! – Ikki ri.

– Maior janelão aí na frente! – Seiya também comemora.

Saori e Shun tentam não rir, mas uma risadinha discreta é inevitável

– Ele me paga! E vocês também! – Jabu berra, antes de ir embora.

– Vai, banguela, vai! – Ikki instiga e Seiya completa:

– Aproveita e bota um dente de ouro para mostrar que está rico!

–S -A -

No fórum regional...

– Então é aqui que você trabalha? – Shunrei pergunta, examinando o ambiente com atenção. Homens de terno e gravata e mulheres de tailleur circulam com suas pastas nas mãos. Na recepção, Shiryu pega um crachá de visitante para Shunrei.

– É, sim – ele diz, prendendo o crachá na blusa dela.

– É muito chique, Shi. Não estou vestida adequadamente.

– Você está linda! Vamos lá. Vai conhecer meus colegas e minha chefe.

– Ai, que nervoso...

– Acalme-se. São pessoas normais.

Dois lances de escada e já estão no andar onde Shiryu trabalha. Ele entra no cartório e cumprimenta os colegas.

– Boa tarde! – diz Shiryu. Todos respondem e olham para a menina. Alguns se perguntam se a chinesinha seria uma irmã que ele encontrara, mas a maioria percebe que são namorados. Ele acha melhor apresentá-la claramente para evitar qualquer mal-entendido.

– Pessoal, esta é a Shunrei, minha namorada.

A mocinha sorri e acena para os colegas de Shiryu. Ele apresenta um a um e depois pergunta ao mais próximo:

– A doutora já está aí?

– Está sim – um colega responde. Então ele e Shunrei vão até o gabinete da juíza e batem à porta. Ela manda que entrem.

– Com licença, doutora Hilda – ele abre a porta.

– Ah, olá, Shiryu! Entre! Entre! – ela diz. A magistrada está sentada em sua cadeira com a filha no colo. Shiryu e Shunrei se aproximam. Ele afaga a garotinha loura de olhos extremamente azuis.

– Olá, pequena – ele diz.

– Oi, tio – a menininha responde.

– Estou toda enrolada com a Emmeline aqui – explica a chefe. – Tive de trazê-la. A babá pediu demissão, a empregada está de férias, Sieg está trabalhando, minha irmã viajou! Ou seja, ninguém para ficar com a Emme. Só espero que ela se comporte.

– Ela vai se comportar, não é, Emme? – Shiryu pergunta.

– Aham – ela responde, mexendo na gola da camisa da mãe.

– Doutora, hoje eu também trouxe alguém importante para mim. Esta é a Shunrei, minha namorada.

– Ah! Muito prazer! – Hilda cumprimenta.

– Igualmente – Shunrei diz. – Ele sempre fala da senhora.

– Senhora? Eu? Não. Me chame de Hilda.

– Está bem, Hilda. Nossa, é difícil falar só isso. Parece meio desrespeitoso.

– Não é não.

– Bom, não deu para levá-la em casa antes de vir, então eu a trouxe comigo – explica Shiryu.

– Fez bem. Ela parece uma moça adorável.

– Ela é.

– Gostaria de abusar mais um pouco da sua paciência e pedir uns minutinhos para almoçar. Não tivemos tempo.

– Claro. Podem ir. Saco vazio não para em pé, não é assim o ditado?

– Sim!

– Quero ir com o tio! – Emmeline grita, e salta do colo da mãe.

– Emme! Não invente! – Hilda diz.

– Ah, nós vamos adorar sua companhia, Emme! – Shiryu oferece a mão à menina e pergunta à mãe: – Tudo bem, doutora?

– Claro, claro. Vai, meu docinho. Mas se comporte como uma mocinha!

– Sim, sim, mamãe, pode deixar.

– Vamos cuidar bem dela, doutora – Shiryu diz.

– Tenho certeza disso.

–S -A -

June e Pandora almoçam num simpático restaurante próximo à universidade.

– E foi isso, June. Nem começou e já terminou – diz a alemã, depois de contar sobre a discussão com Ikki.

– Garota! Eu sabia que não ia durar, mas um dia é recorde absoluto.

– Sabe o que é pior? Penso nele o tempo inteiro.

– Esquece, garota. Chave de cadeia total.

– Não consigo! Estou morta de vontade de ir lá atrás dele.

– Te mato se você for!

– Juro que estou me controlando, mas está difícil.

– O que o Ikki fez com você, hein?

– Amiga, não queira nem saber...

– Então agora é a grande chance do Rada?

– Que Rada, garota? Não quero saber de Rada, nem de Ikki, nem de homem nenhum! Vou virar freira! Ou melhor, vou virar lésbica!

– Lésbica? Não conte comigo!

– Você não faz o meu tipo! – ri Pandora.

– Ainda bem! – comemora June, rindo.

–S -A -

Depois da aula, Seiya e Saori vão para a casa da milionária.

– Foi demais! Adorei o Shiryu quebrando a cara do Jabuzete! – Seiya diz, dando soquinhos no ar.

– Bom, tenho que concordar que ele mereceu... – Saori diz. – Coitada da Shunrei.

– É. Ela ficou mais vermelha que um pimentão.

– Não se faz o que o Jabu fez. Ainda mais assim, uma provocação gratuita.

– Pra você ver como ele é idiota. E você ainda ficou dando corda para ele só para me deixar com ciúme, né? – Seiya pergunta.

– Eu? Imagina.

– Eu vi, Saori.

– Tá bom. Dei corda mesmo. Mas foi para você ver como eu 'adorei' quando você ficou babando pela Shaina.

– Eu? Que nada. Impressão sua.

– Sei, seu sacana. Espero que esteja só no pensamento e que não passe disso, porque se passar o namoro acaba, ouviu, bem?

– Ouvi. Mas não vai dar nada. Nem lembro quem é essa Shaina.

– Para sua segurança, melhor que não lembre mesmo.

–S -A -

No fórum, Shunrei, Shiryu e Emmeline retornam ao gabinete após almoçarem.

– Pronto, doutora. Está devolvida! – Shiryu diz, rindo.

– Estou vendo! Gostou, filha?

– Mamãe, a gente comeu karê(1)!

– Hum... seu prato favorito, não é?

– Sim!

– Bom, agora vou trabalhar. Tchau, Emme! – Shiryu diz. A menina corre e o abraça.

– Tchau, tio! Tchau, tia! – ela diz e abraça Shunrei também.

– Tchau, Emme!

Os dois saem do gabinete.

– Vai mesmo me esperar? – Shiryu pergunta.

– Sim. Não se preocupe. Aproveito o tempo para estudar.

– Certo. Então, se precisar de alguma coisa estarei lá dentro, é só me chamar.

– Tá. Bom trabalho, meu anjo.

– Obrigado.

Ele a beija, entra no cartório, assume sua mesa e logo começa a cuidar de seus afazeres. Shunrei, por sua vez, senta na sala de espera, abre um livro e começa a estudar. Alguns minutos depois, Emmeline põe a cabecinha loira na porta e observa Shunrei. Ao notar a presença da menina, Shunrei ergue o olhar e sorri. Emmeline se aproxima.

– Tá estudando, tia? – a garotinha pergunta.

– Estou sim.

– Eu também estudo, tia.

– Ah, sim? E você gosta da escola?

– Gosto. Tem meus amiguinhos, tem a tia que ensina a gente.

– Na sua idade, eu também gostava.

– Posso pegar minha lição para fazer com você, tia?

– Claro!

– Obaaa! – comemora a menina, que sai correndo para buscar os cadernos. Ela volta acompanhada pela mãe.

– Ela está atrapalhando? – Hilda se aproxima e pergunta.

– Não, não, tudo bem.

– Se ela atrapalhar, mande-a de volta para o gabinete. Não se acanhe!

– Não está atrapalhando, não. Vamos fazer a lição! – Shunrei diz.

– Ah, meu Deus! Essa minha Emme é um caso sério! Já convenceu você a ajudá-la com a lição! Vão lá para a sala de audiências – Hilda diz. – Não tem nenhuma hoje. É toda de vocês!

– Ah! Lá é bom, tia! A mesa é grandona! – Emme conclui, e puxa a nova amiga para a sala.

Continua...


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Notas finais do capítulo

--S --A --(1) Karê: é como os japoneses chamam o curry (tempero indiano feito com cúrcuma, cominho e outras especiarias) e também é um nome genérico para os pratos com esse tempero, sendo o mais comum preparado com cubos de carne e verduras.--S --A --Sobrado voltouuuu! Depois de taaaanto tempooooo! Foi uma dificuldade para esse capítulo sair, gente! TIve uns problemas de saúde que atrasaram tudo ainda mais.Antes que chiem: eu sei que o Oga não apareceu muito, sei que ele não está tendo muito destaque, mas vem coisa por aí...........Nem vou falar mais nada!Beijo pra todo mundo!Chii