Revelações

L baixou os olhos, com ar pensativo.

“Eu matei um dos meus melhores amigos. O nome dele era Jun.”

Aquela revelação era surpreendente. Light franziu a testa.

“Quando?”

Light suspirou – ou pelo menos, fez o movimento do suspiro, apesar de não poder mais respirar nenhum ar.

“Você se recorda quando eu peguei o Death Note e pude ver e falar com o Shinigami?”

“Sim.”

“Faltava um pedacinho em uma das páginas do livro. Aquilo me deixou muito intrigado, não era possível que você rasgasse um pedacinho de uma página sem motivo. Não eram páginas de um livro ordinário.”

Todos na mesa de pôquer tinham parado o jogo e estavam prestando atenção na conversa dos dois.

“Eu solicitei permissão para testar o livro, eu disse a verdade quando falei aquilo na sala de controle. O que eu não contei para vocês é que eu já tinha usado o livro... duas vezes.”

Um murmúrio de admiração escapou dos lábios de todos ali. Mello e Matt trocaram um olhar.

“Quem mais você matou?”, Light estava surpreso mas não muito, ele tinha suspeitado de que o detetive cederia a tentação de usar o livro mais cedo ou mais tarde.

“Eu pedi dois voluntários entre meus colaboradores, eu precisava que tudo fosse feito com sigilo, para você não desconfiar. Ninguém desconfiou. E eu não podia testar o livro em um inocente.”

Essa afirmativa fez com que Light sentisse uma onda de raiva. Nenhuma das pessoas que ele tinha executado com o Death Note era inocente, eram todos criminosos, culpados de atos hediondos e atrocidades, como L não enxergava isso?

“Nenhuma das pessoas que nós executamos com o livro eram inocentes, L. Nem uma. Eram todos a pior escória da humanidade.”

“Você matou policiais. Eles eram boas pessoas, com família, cumprindo seu dever. Você matou inocentes, sim.”

Aquilo foi dito no mesmo tom de voz sereno que L sempre usava, não havia emoção em sua voz. Ele estava falando tudo aquilo com muita calma, inalterado, como se tudo que tivesse acontecido não o abalasse de modo algum.

Light estava com muita raiva dele. Como o detetive podia ser tão frio em relação à história toda? Todos eles ali tinham morrido por causa do Death Note.

“Termina logo de contar essa história.”

“Jun ofereceu-se para ser nossa cobaia. Nós queríamos saber não apenas se o livro funcionava mesmo, mas se apenas um pedacinho de página poderia ser usado. Eu matei o pai dele, que estava em coma em uma clínica de repouso, prestes a falecer, usando o livro. Jun disse que o pai receberia alívio, ele estava muito idoso e doente. Eu concordei.”

L parou por um momento, como se estivesse imerso em recordações. Todos permaneceram em silêncio, aguardando.

“Depois que recebemos o telefonema da clínica nos informando que o pai de Jun tinha falecido, faltava testar a teoria do pedaço de folha. Eu recortei um pedacinho muito pequeno de uma página usada, apenas um pedacinho, e escrevi o nome de Jun, descrevendo a morte dele como algo rápido e indolor. Ele morreu diante de Watari e de mim. Era meu amigo desde a infância, desde o orfanato. Eu fiquei muito mal, mesmo sabendo que ele tinha se voluntariado, mesmo sabendo que poderíamos salvar muitas vidas com isso... foi por isso que fui ao terraço do prédio ouvir os sinos da igreja, debaixo daquela chuva toda, onde você me encontrou depois. ”

Ninguém falou nada.

Light agora compreendia o comportamento estranho e todas as coisas que L tinha falado para ele naquele dia, debaixo da chuva.

“Acho que você pode colocar mais duas pessoas na conta das pessoas que você matou, Yagami-san.”

Light arregalou os olhos, com raiva.

“Eu não matei essas duas pessoas, você fez isso. É por isso que você está aqui no Limbo e não em outro lugar qualquer. Não é minha culpa.”

“Sim, é. Nada disso teria acontecido se você não tivesse começado a usar o Death Note.”

“Qualquer pessoa que tivesse pegado o Death Note teria usado.”

“Você não pode ter certeza disso, Light-san.”

“Ele está certo.”, os dois olharam para Mello, “Qualquer pessoa que tivesse pegado o livro o teria usado. É assim que a humanidade é.”

“O fornecedor chegou.”, Matt levantou-se de sua cadeira.

Uma sombra vinha se aproximando, através da névoa.