Capítulo 5: Inicio das revelações.

Aquele caminho, antes alegre, agora o percorria com certa tristeza. Osen-chan apoiava-me, preocupada. E eu ainda soluçava um pouco. Estava me esforçando para não continuar a chorar  e  não chegar à base com os olhos vermelhos e inchados. Assim, ninguém poderia perceber.

Conforme o céu se tingia de um azul mais escuro, com a lua se firmando no céu, a rua ficava cada vez mais deserta. Os poucos camponeses que percorriam o caminho estavam voltando para suas casas.

Percebendo que eu já estava mais calma, Osen-chan começava com sua lista de perguntas, sutilmente:

-Chizuru-chan...já está melhor?

-Sim...  -respondi, num suspiro.

Era obvio que não estava. Mas, deixaria a angústia para depois. Iria guardar as lágrimas para mais tarde, para derramá-las quando estivesse sozinha em  meu quarto, onde ninguém pudesse me ouvir.

-...mas...diga...de quem seria a criança? -começou, falando baixinho.

Aquela era a pergunta que eu esperava que ela logo fizesse, mas que não queria responder naquela hora. Pronunciar o nome dele era algo que me traria mais pesar.

 Respirei fundo, não iria volta a chorar por causa disso. Quando ameacei abrir a boca , para lhe dar a resposta esperada, minha fala foi cortada:

-Não!Não me diga que é de Kazama!! -exclamou, desesperando-se só de pensar na possibilidade.

 Eu não disse nada, apenas fiz um movimento negativo com a cabeça. Com isso, ela pareceu mais tranquila, com certo alívio, e me esperou terminar.

-É de... Hijikata-san... -disse, com certa dificuldade. Me faltou um pouco de ar na hora. 

Osen-chan arregalou os olhos. Era esperada essa sua reação de espanto.

-O...que...? Não me diga que...você...e ele...você e ele...

-Sim...Osen-chan...é o que está pensando. -disse, antes que ela terminasse a frase.

Provavelmente eu ficaria envergonhada se a deixasse terminar de falar, ainda mais  sendo Osen-chan muito...direta. Eu sabia que ela queria mais detalhes sobre o ocorrido, estava ansiosa, mas pelo estado depressivo em que eu me encontrava, era certo que não os daria naquele dia.

-Sakê. É o que faz uma boa dose de sakê.  -suspirei, pesadamente.

Estava sendo este o desabafo que eu tanto precisava. Com isso tirava um enorme peso de minhas costa, enquanto ganhava mais outro com essa nova descoberta sobre a gravidez.

-E ele...não sabe de nada, não é?

-Claro que não, Osen-chan! Ele mal se lembra...   -senti, meu coração apertar novamente, e as lágrimas voltando a molhar o meu rosto, estava difícil de completar aquela frase-  ....ele mal se lembra de ter bebido...o que dirá então daquela noite...   

Osen-chan arregalou os olhos novamente. Mas depois, pude ver sua expressão de indignação. 

-Como assim?! Ele não pode apenas se dar ao luxo de esquecer de uma coisa tão importante!!

-Mas...esqueceu....

-Não!!Você não podia ter deixado dessa forma! Quando eu chegar lá...quero ter uma boa conversa com aquele homem!

-Osen-chan...isso não vai adiantar! Ele provavelmente vai dizer que você está maluca ou algo assim...e talvez sobre pra mim depois... 

-Mesmo assim...!Vou falar com ele não importa o que aconteça! E você não vai me impedir! -esbravejou.

Ela, quando colocava algo na cabeça parecia que não ia tirar. Suspirei mais uma vez cansada, derrotada. Não adiantaria mesmo eu tentar convencê-la do contrário. 

-...mas...uma coisa...esse pequeno que você carrega...você deve ter percebido que não é uma criança comum.

-Como assim? -perguntei. A aquela altura mais nada me surpreenderia.

-Você...mesmo que não admita, ainda é uma oni de sangue puro...

-E?

-Significa que o filho que está esperando, mesmo que não tenha mais um sangue tão puro, ainda é um oni.

 Então, aquela pequena criaturinha que se formava dentro de mim, pertenceria também ao clã Yukimura, ainda que desse clã só me restasse o sobrenome, a espada e alguma rasa lembrança. Porém, não entendia aonde ela queria chegar afirmando aquilo.

-Mas...muda alguma coisa ele ser um oni? -perguntei.  E ela me olhou mais indignada ainda, como se dissesse um absurdo. 

-Ora...claro que muda!! Não é uma criancinha qualquer!!

Queria saber o que onis teriam de tão diferente dos humanos. Eu mesma não entendia, pois a única coisa que tinha de excepcional era...a rápida recuperação de qualquer ferimento, qualquer corte.

-Você já deve ter percebido...que essa gravidez está tirando mais forças que o normal!

Agora, a conversa fazia um pouco de sentido. Eu estava sem energia, andava arrastando quando ninguém me observava e o começo disso tudo tinha sido extremamente difícil.

-...isso é por que você  está o carregando com essa forma humana, e a criança é mais forte que uma cria humana normal.

-Hum...entendi.

-Chizuru-chan... -ela começou, com o tom e olhar mais serio- ...será arriscado se levar a gravidez adiante nessa condição. Você talvez não aguente nem andar até o nono mês. E pode ter complicações no parto.

Aquilo só podia ser para fechar o meu dia de notícias ruins. Além de esperar uma criança, era uma criança diferente de todas as outras, bem incomum.

-Então...eu posso morrer...no parto? -perguntei, temerosa.

E a resposta poderia me doer ainda mais.

-Sim. Mas tem um jeito de impedir que a gravidez se complique.

Passei a ouvi-la atentamente, esperando pela resposta que talvez fosse me salvar.

-Talvez seja melhor...você deixar o Shinsengumi. Se pelo menos puder manter a forma original, como oni, não terá nenhuma complicação a mais.

Suspirei. Era novamente a proposta de deixá-los, mas estava pensando se poderia aceitá-la dessa vez. 

Tudo pela minha vida. 

Me repreendi pensando nisso. Era egoísta de minha parte pensar apenas em mim.

-Chizuru-chan...você não pode negar para sempre isso...a sua verdadeira natureza.

Essa tinha sido a última frase que Osen-chan me dissera, até chegarmos ao portão da base. E Harada-san já estava de saída com alguns de seus homens, até me avistar.

Tinha chegado à noite. E ele provavelmente tinha mobilizado o esquadrão apenas para me achar.

-Sabe o quanto nos preocupou?! -exclamou. Sua expressão era de verdadeira preocupação. Apenas abaixei a cabeça, com certa culpa. Não queria ter preocupado ninguém desde o inicio.

-Sinto muito Harada-san. -respondi, baixinho.

-Eu a atrasei, e seja mais gentil com ela! - se manifestou Osen-chan, se colocando ao meu lado, irritada.

- O que ela...

-Quero falar com seu superior. Chame-o aqui.

Um clima um tanto pesado se instalou. Osen-chan não estava em seu momento mais pacifico, e  eu pensava se Harada-san acataria suas ordens.

Resolvi por fim não ficar para assistir.

-E-eu vou levar a sacola de dangos! Para o Okita-san!! -disse, já tentando escapar pelos lados.

Peguei a sacola de dangos que estava com Kimigiku-san e saí. A conversa daqueles dois ia ser longa mesmo. E...se Osen-chan chegasse a falar com Hijikata-san ou não...estava evitando pensar sobre isso.

Caminhei ligeiramente, até achar o quarto de Okita-san. Bati à sua porta , e entrei quando foi me dada a permissão.

Estranhei, vendo um Okita-san deitado, debaixo do futon. Ele tossiu um pouco .Parecia que tinha acabado de sair de uma crise.

Fiquei preocupada, então perguntei:

-Okita-san, está se sentindo bem?

-Ah...olá Chizuru-chan!

Ele pareceu se animar um pouco para meu alívio. Mas, mesmo que ele esboçasse uma expressão serena, isso era o que me deixava mais aflita. Onde estava aquele habitual e  assustador senso de humor de Okita-san?! Que até agora não compreendia.

-Não parece muito bem. -suspirei, me sentando ao se lado. E ele também se esforçou um pouco para se sentar e receber a sacola.

-Ora...mas você também não parece muito bem Chizuru-chan. É bem visível que esteve chorando.

Arregalei os olhos, espantada. Justo o que estava tentando esconder ele percebeu logo de cara.

-Co-como você percebeu?!

-Eu a conheço bem o suficiente para perceber...  -disse, começando a comer uma bolinha do dango. Parecia voltar a se divertir vendo minha expressão assustada.

Mas, assustadora mesmo era a sua percepção. Naquele momento, estava certa de que teria que tomar cuidado com ele. Qualquer deslize poderia me condenar. Qualquer palavra dita ao vento poderia chegar à seus ouvidos.

Levantei, para sair dali o mais rápido possível, antes que ele perguntasse alguma coisa. Ele, pelo menos estava mais animado com os dangos, isso me tranquilizava e me inquietava ao mesmo tempo.

Abrindo à porta, dei de cara com Hijikata-san que passava no corredor. E ao me ver ele parou.

-Estava mesmo procurando você. Precisamos conversar.

Recuei um pouco. Não queria ter o encontrado dessa forma. E ainda, ele parecia irritado.

-Er...bem...não pode ser...depois?  -perguntei, tentando adiar a possível conversa.

-Vamos. Isso é para agora! 

Tremi. Nunca tinha visto Hijikata-san falando comigo dessa forma...tão áspera.

-Não seja rude com ela Hijikata-san.   -Okita-san disse do quarto, mas a resposta que lhe foi dada não foi das melhores.

-Não se meta, Souji.

Um clima de tensão se instalou no local. Ambos se entreolhavam com expressões...digamos nem tão amigáveis. Para não piorar a situação, abaixei a cabeça e falei baixinho:

-Vamos...

Olhei para Okita-san uma última vez. Acho que estava mesmo lhe pedindo socorro, silenciosamente. Depois, fechei a porta e passei a seguir Hijikata-san pelo corredor, com a vista quase totalmente voltada para o piso.

A cada segundo que se passava, eu sentia o desespero aumentar. Era tanto que estava começando a me sufocar. Seguindo Hijikata-san por aquele longo corredor, parecia que cada segundo era doloroso, esperava pelo pior.

Quando ele parou, engoli seco, o nó que apertava minha garganta. Ele abriu a porta e pude ver aquele quarto.

Quarto de tantas lembranças. 

Eu não entrava ali desde aquele dia. O máximo que andava fazendo era deixar o chá  à sua porta. Apenas isso.

Hijikata-san me tirou do devaneio, começando a falar. 

Fechei à porta atrás de mim. E me sentei próxima à ela. Quem sabe eu não poderia fugir depois...desse castigo? Seria mais fácil.

Ele estava sentado à outra ponta do quarto, uma boa distancia que nos separava. Eu ficava mais aliviada assim.

-Soube hoje...de algo que me desagradou muito. -começou.

E meu coração começava a bater  mais acelerado. Era mesmo alguma bronca que eu levaria. Pensava em  Harada-san...ele teria me entregado? Por eu atrasar e preocupá-lo? 

Antes de me entregar ao desespero novamente, voltei à atenção a o que Hijikata-san falava:

-Depois de todos nós arriscarmos nossa vidas por você...ainda nos traiu ficando do lado daquele oni?!  -completou, aumentando um pouco a altura da voz. Parecia novamente irritado.

Oni?!

Não entendia mais que rumo essa conversa tomava. Como ele poderia dizer que estava traindo à todos?  Então Osen-chan, teria dito algo à ele?

-Hijikata-san...eu...!  

-Não é mais digna de nossa confiança. -falou, friamente. Direcionando-me um olhar de desprezo.

Olhar que eu nunca gostaria de ter visto, em toda a minha vida.

Hijikata-san falava não só por ele, mas sempre em nome de todos do Shinsengumi. Pensava se era essa a opinião de todos. O que eles teriam discutido enquanto eu estava fora?

-Não pode ser que esteja me falando isso...não estou entendendo nada!  -exclamei.

Sentia novamente meu coração apertar. Eles então não confiavam em mim? Desde quando?

-Agora...saia. Não é mais permitido que fique conosco na base.

-Hijikata-san...por...que...?  - em meio às lágrimas minha voz ia sumindo. 

Sentia que meu mundo estava ruindo. O que eu tinha feito para que as coisas ficassem assim?

- Não lhe devo explicações sobre minhas decisões.

Ele se levantou, foi até a porta e a abriu. Sem nem olhar para mim. Este era o sinal, percebia que estava sendo expulsa, que não era mais bem-vinda ali.

Levantei e enxuguei com a manga do quimono minhas últimas lágrimas.

Algo havia morrido dentro de mim naquele momento. Talvez diante de tudo aquilo que ele falou, tivesse perdido algo no meio do caminho. Talvez...algum sentimento muito precioso, não sabia o que era.

Fiquei parada e levantei a cabeça. Não seria mais submissa. Mesmo que ele fizesse o sinal para eu sair, permanecia parada, o fitando.

O que lhe falaria a seguir seria a mais pura verdade. Sentia necessidade de ver desabar aquele homem, que tanto me fazia sofrer.

Que tanto me fazia chorar nos últimos meses.

-Eu...não vou sair daqui enquanto não esclarecer tudo que guardei durante todo esse tempo.

O desafiei sim, determinada. O olhar dele não me intimidaria mais, nem suas expressões de irritação.

Ele poderia tentar me silenciar apenas me matando.

-O que você teria para esclarecer, estando grávida daquele oni? 

-Você ouviu mesmo tudo o que Osen-chan tinha a lhe falar?

Rebati com outra pergunta, para seu desagrado. Estipulava, se o assunto era minha gravidez e sobre onis...Osen-chan tinha aberto a boca. E ele provavelmente tinha interpretado mal a sua fala ou tinha a expulsado antes de terminar. Talvez ele pensasse a criança era de Kazama-san, assim como Osen-chan pensou no inicio. 

Um grave engano.

-...este pequeno oni que eu espero, não é dele Hijikata-san.

Fiz mais uma pausa demorada, para puxar mais um pouco de ar, pois o que eu falaria agora era apenas a verdade que o deixaria em choque se acreditasse:

-É...seu! -exclamei por fim.

E esse seria apenas o inicio das revelações.

Continua...