Capítulo 3: Melancia

Acordei, um tanto confusa. Já não sentia mais a fria neve me embalar. E demorou um pouco até eu abrir os olhos e me dar conta de que estava em meu quarto, coberta por um aconchegante futon.

Não havia ninguém lá além de mim. Okita-san talvez tivesse me trazido no quarto, mas não estava mais lá.

Ficava assustada imaginando se ele relataria à todos o ocorrido. Se sim, não saberia como me justificar, ficava cada vez mais difícil esconder os sintomas da nova doença que nem eu sabia qual era.

“Doença de amor”, então? Não poderia me justificar assim.

Começava a ficar desesperada. E antes que pudesse chegar a uma conclusão a porta é aberta com muita força, fazendo um barulho alto e toda minha atenção se voltar para ela.

Levantei um pouco a cabeça para ver quem era. E quase engasguei com a saliva quando o vi:

–H-hi-hijikata-san?! -exclamei.

Lá estava ele, a última pessoa que queria ver naquele momento. Mantendo uma expressão nada amigável, disse-me friamente:

–Venha.

Levantei, com certa dificuldade para segui-lo, cambaleando um pouco até a porta. Imaginava pelo caminho, que ele estava me levando para a sala de jantar.

No percurso só restava o silêncio. Hijikata-san seguia na frente, mantendo o passo rápido sem nem me esperar , parecia me ignorar como sempre.

Para minha insegurança não aumentar, fiquei a observar a neve que ainda caia. Estava mesmo muito frio. Mas a sensação que aquele homem me trazia, com suas ações e palavras ainda conseguiam ser mais gélidos que todo aquele inverno.

Pensava no quanto Hijikata-san conseguia ser tão frio. Além de esquecer tudo o que aconteceu entre nós. E agora, por que ainda estava pensando nisso se tinha prometido que iria esquecer?!

Estava distraída com os pensamentos, à ponto de quase esbarrar nele quando parou em frente porta.

Logo ele a abriu, e eu senti o estômago embrulhar com o cheiro da comida, uma vontade imensa de sair correndo dali, para qualquer outro canto.

–Yukimura-kun! Há quanto tempo! -Kondou-san foi o primeiro a me recepcionar, animado.

Tentei cumprimentá-lo normalmente e disfarçar o incomodo, para não me entregar. E me sentei mais afastada dos olhares e da vista para a tenebrosa comida.

Aquilo tudo só poderia ser um castigo pelo pecado que eu havia cometido. Agora estava justo na sala que mais evitava nas últimas semanas. Já que vivia enjoada ou até mesmo vomitando, comia cada vez menos, e passava mais tempo isolada no quarto ou fugindo de todos.

–Soubemos que...não anda se alimentando muito bem. - continuou a falar Kondou-san, agora um pouco mais sério.

–De acordo com Souji, você desmaiou quando tirava à neve do pátio. -Hijikata-san completou.

Eu apenas engolia seco, ouvindo em silêncio. Um tanto indignada por Okita-san ter aberto a boca, e agora estar tão tranquilo fazendo a refeição.

Estava tentando achar uma boa desculpa naquela hora que me salvasse. Mas as palavras certas fugiam de mim, me deixando mais e mais desesperada a medida que o tempo passava. E o clima ficando tenso.

–Não tem nada a pronunciar quanto à isso? - perguntou- me Hijikata-san, já impaciente.

–Melancia!! -exclamei.

Aquela era a única palavra que me veio a mente, junto com uma vontade imensa de comer a tal fruta. Era estranho mas...queria mesmo comer aquilo. Tanto que fez meu enjoo passar por um tempo.

Os olhares de todos se voltavam para mim, confusos. E eu ia ficando cada vez mais corada.

–Quero muito comer uma melancia...só isso... -tentei me justificar, um tanto sem jeito.

–Chizuru-chan, não vai comer a janta? Hoje eu que prepa...

–Não! A única coisa que quero comer agora...é uma melancia! -interrompi Okita-san, sem nem pensar duas vezes.

Todos que antes ficaram espantados começaram a rir. Um clima de descontração logo se instalara.

–Ouviu? Ela não quer comer a sua comida!! -Nagakura-san era o que mais se divertia, junto com Harada-san, os dois rolavam de rir.

–Como se você cozinhasse assim tão bem! -Okita-san retrucou emburrado, como uma criança.

Não pude deixar de rir um pouco também, apesar daquela vontade não ser uma piada.

–Se acalmem todos! Isso era para ser uma discussão séria! -Kondou-san tentava pará-los, mas até ele já estava rindo também.

Hijikata-san era o único que não ria e parecia cada vez mais irritado com a situação.

–Por que não ficam todos quietos?! Estávamos mesmo no meio de uma discussão até esse assunto de melancia ser citado!

Para mim naquele momento quando ele se pronunciou tudo tinha mesmo perdido a graça. Mesmo que todos continuassem a se divertir, eu tinha sido a única a escutar o que ele tinha dito? Como se me acusasse de tirar a seriedade de um assunto tão banal quanto meu desmaio.

Sentia vontade de chorar, e já estava ficando com os olhos úmidos.

–Mas eu...queria muito comer um melancia agora...isso é sério! - gritei.

Com a atenção voltada para mim agora, todos ficaram em silêncio. Eu me esforçava para não chorar.

–Está falando mesmo sério, Yukimura-kun? -perguntou Kondou-san.

–Sim...

Parecia que nenhum deles acreditava que minhas lágrimas pudessem ser verdedeiras.

–Ora, não vamos deixar de atender o pedido de uma dama, não é Heisuke? -disse Nagakura-san, quebrando um pouco o clima tenso.

–Então vá você lá buscar! -Heisuke-kun resmungava em resposta.

–Devemos deixar isso com os mais novos, não é? -Harada-san disse e Nagakura-san concordou, rindo, deixando Heisuke-kun ainda mais irritado.

–Por mais que eu quisesse não poderia sair... -lamentava Okita-san, tossindo um pouco - ...mas, por que não deixamos isso com Hijikata-san?

–Não me incluam nisso.

Ninguém parecia muito disposto a me fazer aquele pequeno favor. Isso me deixava mais e mais angustiada. Até que Saitou-san se levantou em silêncio com a tigela de arroz vazia.

–Eu vou. -disse, saindo do cômodo e fechando a porta, deixando todos boquiabertos.

A vontade de chorar havia passado e eu ficava emocionada. Saitou-san foi o único que não me abandonou no final!

A discussão sobre a melancia se encerrara naquele momento. E o jantar seguiu calmamente, até todos terminarem e irem à seus quartos.

Diziam que eu havia sido muito cruel em pedir aquilo naquela hora, não sendo verão e nem mesmo de dia. Mas apenas ignorava, a vontade era maior do que tudo!

Fiquei o esperando à porta do meu quarto, sentada no chão para não me cansar muito.

E até achava graça que um capitão de um esquadrão do Shinsengumi estava aquela hora com a missão de me trazer...uma simples melancia.!Ao invés de patrulhar ou lutar com algum inimigo.

Em alguns minutos já fiquei entediada de esperar. O tempo passava devagar demais, e observar a paisagem monótona de uma noite com neve caindo já estava me dando sono. Tanto que antes que pudesse terminar de pensar em me recolher para o quarto, para não tomar mais friagem, me veio um pesado sono. E acabei por adormecer ali mesmo, segurando a porta.

Quando acordei, já era de manhã, e uma brisa fresca passava por mim. Diferente do dia anterior, agora estava ensolarado, mas pátio ainda estava coberto de neve.

Tinha dormido mesmo numa posição desconfortável, dolorida. E ao tentar levantar acabei esbarrando em algo, que estava ao meu lado.

Olhei para ver o que era: a tão sonhada melancia estava lá, brilhando para mim! E nem pensei duas vezes para cortá-la com a espada, a vontade não tinha mesmo passado!

–Obrigada Saitou-san... -suspirei. Mesmo que ele não me ouvisse naquela hora, faria questão de agradecê-lo depois.

Mas algo, ainda me deixava inquieta. Me perguntava o porque de ter me apaixonado por um homem tão frio como Hijikata-san, se todos os outros eram tão amáveis comigo, e até Saitou-san era gentil!

Podia facilmente ter me apaixonado por qualquer um, até Okita-san, que por mais que brincasse comigo ainda não me deixava desamparada.

Tudo está absolutamente como antes, como sempre foi. Somente eu mudei. Seria por isso que já não observo o mudar da estação com os mesmos olhos? As sensações não são as mesmas. Sinto-me inquieta, apesar de parecer estar em paz. O caminho a minha frente parece previsível, mas a guerra sempre chega de modo inesperado.

Hoje, estávamos todos bem. Amanhã o exercito pode ter novas baixas.

Não é possível prever o que pode acontecer com o Shinsengumi. É uma época crítica. E a temida derrota parece ser mais obvia.

Por isso eu tento entender...que aquele homem frio tenha seus motivos e que continue a dedicar toda a vida a isso. O amor não é prioridade para os homens, talvez só para as mulheres. Afinal, eles podem escolher seus caminhos. Hijikata escolheu esse e nesse permanecerá.

Ambos sabemos que não é o certo ficarmos juntos. As próprias regras do Shinsengumi o impediriam de ter qualquer envolvimento...e mesmo assim...

Ele já quebrou essa regra.

E sim, sei que não quebrará outra.

–É mesmo um amor impossível, não é? -lamentei.

E a melancia parecia ficar amarga só de pensar nisso.

Continua...