Os Outros escrita por Sochim


Capítulo 27
Mau mentiroso (editar)




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Mau mentiroso

 

Está cada vez mais difícil entender o que se passa na cabeça das pessoas. Não que algum dia tenha sido fácil. Mas agora parece que as pessoas estão se contradizendo tanto, que nem elas fazem idéia do que se passa em suas mentes de verdade.

Cada pessoa é única e sabe de suas razões. É complicado transformar sentimentos e pensamentos em palavras. Nem todo mundo tem essa facilidade. Mas algumas pessoas têm uma capacidade que hora admiro, hora repudio e hora temo. É a capacidade de transformar o amor que sentem, em um ódio tão real aos olhos de outras pessoas, que não há dúvidas de que esse ódio seja o verdadeiro sentimento delas.

Não sei se essa capacidade é algo que a gente deva esconder, caso a tenha, e não sei se o mundo seria um lugar melhor sem ela. Se amor pode virar ódio através das palavras certas, então o ódio também pode virar amor por essas mesmas palavras. Mas tudo acaba em um mesmo ponto: Cada um tem seus motivos para mentir ou dizer a verdade.

No entanto, eu não acho saudável quando a própria pessoa passa a acreditar na mentira que conta para si. Colocar na cabeça que algo tem que ser assim, sabendo do quanto é inegável que ela seja de outra forma, parece uma forma doentia de ver o mundo. É como fugir da realidade e se esconder atrás de algo que não é sólido, que pode ruir bem diante de seus olhos. É querer sair machucado de propósito.

Não me decidi ainda se gosto da mentira ou da verdade. A mentira, quando descoberta, machuca tanto quanto a verdade dita em má hora. Mas acho que a maior dor que já senti, foi ter que admitir uma verdade da qual eu não gostava e ter que abandonar uma mentira que me confortava. Às vezes acho que eu só passei por isso porque sempre fui um péssimo mentiroso. Porém, para meu consolo, tenho descoberto que a mentira mais difícil de se contar é aquela que contamos para nós mesmos.

E esse é o motivo pelo qual eu admiro aqueles que têm essa capacidade. Admiro os atores, desde as peças de teatro e o cinema, até os atores que encontro no colégio. Que de tão amadores, sequer sabem ou percebem que estão atuando. Mas eles mentem, transformam sentimentos falsos em verdadeiros e destroem verdades, como se elas fossem o script de uma peça que eles não querem encenar.

Eu respeito isso, porque eu invejo isso.

Eu queria dizer que não. Queria me sentar aqui e xingar todas as coisas que estão erradas nesse mundo. Queria poder ter moral, comigo, para poder olhar no espelho e dizer que eu não queria ser esse tipo de gente. Mas eu venho tentando ser um mentiroso há anos.

Continuo falhando. E continuo me perguntando até quando vou tentar?

 

Naruto terminou de ler o texto, quando o relógio já marcava três e vinte e cinco. Estava na sala da República, com as luzes apagadas e desfrutando do silêncio da madrugada. O notebook era a única fonte de luz ali, mas era suficiente para espantar seu sono e deixá-lo perdido entre as muitas páginas escritas nos últimos cinco anos.

Entre relatos desanimados, algumas boas piadas perdidas, e lembranças raivosas, estavam alguns de seus textos soltos, que lhe vinham à mente sempre que a cabeça dava sinais de que explodiria. Naruto sentava-se diante do computador e fazia dele sua descarga para toda a merda que considerava ser as coisas em que pensava em momentos como aquele.

Algo naqueles textos o deixava pior, cada vez que os relia, como se a dor que tinha descarregado neles, voltasse com tudo para dentro de seu coração.

Naruto sentia-se cada vez mais amargo e apagado. Tentava se lembrar de quem fora quando criança, mas apenas via o rapaz de dezessete anos, que via problemas e razões frívolas em tudo. Não tinha pique para conversas banais, mas sentia um impulso destrutivo para discutir, brigar, bater e xingar. Sentia-se transformado e não se sentia bem com isso. Queria um pouco da tranqüilidade e da irresponsabilidade infantil que havia perdido.

Queria mais do que tudo se sentir vivo novamente, diante de todo um mundo que sorria para ele. Tinha a necessidade de não mais ver aquele “sorriso” como uma careta de superioridade. E livrar-se da sensação de que tudo lhe traía a antiga confiança. Não queria reconhecer a derrota à qual se submetia dia após dia.

Qualquer que fosse o fio de esperança que estivesse procurando, Naruto não se sentia mais pronto para esperá-lo.

O que ele não sabia era o quanto seu corpo e seu psicológico estavam abalados por toda aquela falta de chão em que se encontrava. Era um abismo profundo ao qual hora ele se jogava, hora ele era arremessado. E assistir, através daqueles textos, todo o desenvolvimento de seu novo estado de espírito, apenas contribuía para que ele não tivesse mais a base de que necessitava para ir em frente.

Não havia ninguém com ele. Não havia ninguém para ele. Não havia ninguém por ele.

 

— Naruto?

A voz vinha do alto da escada e era da tonalidade de alguém que acabava de acordar. Naruto se mexeu incomodado, sentado no chão da sala e seus olhos visualizaram o relógio do computador. Estava tarde. Demais até para suas tristezas.

Olhou na direção da voz. Lá estava Hinata, vestindo o pijama lilás, composto por uma blusinha regata e um short curto. Não a olhou por muito tempo. Aquela imagem era apenas mais uma que teria que tentar esquecer, se quisesse manter-se firme no propósito de não mais se perder naquele olhar.

Fechou o documento aberto no computador e sentou-se no sofá.

— Perdeu o sono? – Perguntou, obrigando-se a afastar os pensamentos que o dominavam antes dela aparecer.

— Só vim tomar água. Mas vi você aí. Está sem sono?

— È. Não percebi que já estava tarde.

Hinata o observou por mais alguns instantes. Já estava parada ali há cinco minutos, observando a figura silenciosa de Naruto na sala. O tom de sua voz estava mais uma vez triste e Hinata sabia que não era pelo horário, que impunha sonolência em qualquer um. Ela sentiu o coração apertar, ao imaginar o que fazia o garoto sofrer tanto. Alguém que sorria como ele, não deveria sofrer tanto.

Ou talvez fosse justamente o sofrimento que fazia com que seus sorrisos fossem tão verdadeiros.

Hinata suspirou profundamente, decidindo-se a descer. Iria até a cozinha e pegaria o copo d’água e… Bem, o resto veria depois.

Naruto olhou para trás, quando ouviu o leve ranger da escada. Seguiu Hinata com o olhar, sem dizer nada. Sentiu vontade de segui-la. Porém, precisou de grande força de vontade para permanecer onde estava.

Quando Hinata voltou da cozinha, encontrou a sala escura, mas pôde ver a sombra de Naruto ainda sentada no sofá.

— O que você tem? – Hinata foi até ele.

— È a segunda vez que me pergunta isso hoje.

— Tecnicamente, a última vez foi ontem... – Hinata fez sinal para que ele se lembrasse do horário.

— Eu devo estar mesmo com uma cara péssima…

— Não é a sua cara, Naruto. – Hinata sentou-se no outro sofá e fixou os olhos nele, tomando o cuidado de não enfrentar seus olhos. – Mas o seu jeito. Todo mundo sente que tem algo errado com você e ninguém consegue descobrir o que é.

— Eu só estou cansado. – Naruto tentou parecer convincente e rezou para que ela acreditasse que se referia ao cansaço físico.

— Cansado de quê?

Naruto não respondeu. Àquela altura, começava a ter medo de o quão longe Hinata poderia ir, se invadisse sua mente com aquele olhar. Buscou na sala da República algum refúgio, mas mesmo sob a claridade do dia não encontrava nada que fosse mais atraente que Hinata.

— Você não gosta muito de conversar, né?

A pergunta fez com que Naruto voltasse a olhá-la e sorrisse sem reservas.

— Eu perdi a prática. Costumava falar pelos cotovelos e meus pais me mandavam ficar quieto a maior parte do tempo.

— Sério?

— É. Eu… Acho que é disso que estou cansado. De falar. Do que eu sinto, do que está acontecendo, do que já aconteceu. Desculpe Hinata, mas… Não estou num bom dia, há dias.

Hinata sorriu com o trocadilho. Aquilo era exatamente o que ela sentia quando o via daquele jeito. Entendia que a solidão provavelmente alcançara Naruto quando seus pais sofreram o acidente. Mas em pouco tempo, Hinata já era capaz de ver essa solidão tomar conta de Naruto e era isso que a preocupava. Até quando ele conseguiria ser forte?

Talvez, no entanto, ele não fosse tão frágil quanto seu coração a fazia pensar. A vontade de cuidar de Naruto, podia deixar Hinata cega para algumas coisas. Por isso,

— Você é um cara estranho, Naruto. – Ela disse, sorrindo.

— Obrigado! – Naruto riu. – Era tudo o que eu precisava ouvir.

— E também é um péssimo mentiroso!

— É… - Naruto a fitou. Mesmo na penumbra, Hinata parecia-lhe linda. Desobedecendo todas as ordens que tinha dado a si, depois daquela tarde no cinema, levantou-se e foi até ela. – Você também é uma garotinha muito estranha, Hinata Hyuuga! Exige demais de mim, tentar te entender. – Disse, sentando-se ao lado dela.

Foi a vez de Hinata ficar sem responder. Quando ele se sentou, Hinata colocou as pernas para cima do sofá e se virou para Naruto. Ele deu fim à discussão que travava em sua mente. Ainda que tentasse insistir nela, Hinata o fazia esquecer qualquer pensamento.

Dessa vez, longe de olhos incriminadores, os dois tiveram a oportunidade de avaliar o que era aquilo que despertava dentro deles, quando estavam juntos. Hinata abraçou as pernas dobradas e se debruçou levemente sobre os braços. Naruto a observou em silêncio. A pele branca, tão perto dele era uma verdadeira tentação.

Por um momento, deixou o pensamento correr para longe. E pegou-se pensando que Kiba jamais estaria tão perto dela, quanto ele estava agora. A sensação que isso lhe dava, misturava orgulho e egoísmo. Coisas das quais ele não se orgulharia mais tarde, quando a racionalidade voltasse para sua mente.

Por hora, voltou a concentrar-se no que acontecia ali. Na proximidade de Hinata, nos seus gestos simples e leves, na sua atenção e cuidado com ele. Talvez o que sentisse por ela não fosse tão puro, quanto ela com certeza merecia. Mas havia algo que ela lhe oferecia, que Naruto estava desejando há muito tempo tomar para si.

Impulsivo, levou a mão esquerda até a dela e sentiu-se reconfortado quando Hinata a segurou firme. O carinho dos dedos de Naruto mexia com Hinata, que sabia que não conseguiria permanecer ali por mais tempo, se não estivessem escondidos pela escuridão. Seu rosto estava queimando de vergonha, mas a sensação de estar ali era tão boa, que Hinata decidiu que daquela vez enfrentaria o que a timidez quisesse lhe impor.

Naruto respirou fundo. Lutava contra a vontade de ficar com ela, enquanto sua consciência o acusava de traição. Seu próprio coração começava a reagir àquela relutância. Mas Naruto só conseguia hesitar diante dela.

Se Hinata percebeu o conflito que se travava nele, Naruto não soube. Mas qualquer sentimento confuso sumiu, quando ela tomou a iniciativa. Baixou as pernas, sem soltar a mão dele, e se aproximou. Naruto a fitou e avançou o resto do espaço que os separavam. Ficaram assim, sem usar nenhuma palavra e sem fazer nada por segundos incontáveis. Depois, Naruto abandonou a incerteza. Se o coração de Hinata lhe pertencia, não tinha o direito de negá-lo. Não o coração de Hinata…

— Posso te beijar? – Perguntou num sussurro. Com um medo distante, mas presente, de que ela dissesse não.

— Pode… - A resposta foi ainda mais baixa, mas produziu um efeito tranqüilizante e poderoso nele.

Naruto deu um beijo leve nos lábios de Hinata. À princípio, não foi além disso. Depois, descendo a outra mão para a cintura de Hinata, Naruto a beijou de verdade. Fazendo o coração da menina disparar e suas mãos tremerem. Naruto percebeu o que causava nela e isso só fez com que continuasse.

Sentia seu espírito encher-se da certeza de ter, enfim, alguém com ele, para ele e por ele.

Naquele momento, não pensou na sinceridade dos próprios sentimentos. Não pensou em Kiba. Não pensou nem mesmo em Hinata.

Pensou em si. Na falta que sentia de ter alguém por perto. Na solidão que apertava seu coração. Na tristeza que tomava conta dele cada vez mais. Pensou, finalmente, em seu sentimento.

Nesse instante, parou. Olhou para Hinata. Soltou sua mão e acariciou o cabelo preto dela.

Gostava de Hinata. Provavelmente não como ela parecia gostar dele. Mas havia o suficiente para que se preocupasse. O bastante para que não quisesse envolvê-la em algo que ele não poderia manter.

— Você está preocupado com o Kiba, né?

Naruto suspirou. Não era exatamente sua preocupação naquele momento. Mas estava satisfeito, por hora, em ter uma desculpa.

— Ele gosta de você.

— Eu sei. Mas não posso ficar com ele. Não consigo mandar no que eu sinto. E…

— Eu sei. Não precisa explicar. – Naruto tentou um sorriso.

Hinata o observou. Conhecia seu sorriso e sabia quando era falso.

— Ele não precisa saber. – Hinata disse, fazendo Naruto a olhar com expressão de dúvida. – E a gente não precisa ficar junto, se isso te preocupa.

— Não me preocupa…

— Eu já disse. – Hinata afastou-se, colocando o cabelo para trás da orelha. – Você é um péssimo mentiroso.

Com isso, Hinata saiu. Mas não demonstrou raiva. Antes de se levantar, conseguiu tocar o rosto de Naruto, num gesto que ele entendeu como compreensão. Depois, subiu a escada devagar e Naruto só voltou a vê-la na manhã seguinte.

Ele ficou na sala por mais alguns minutos. Não fazia idéia de que horas eram agora. Logo o dia amanheceria e teria tempo para pensar em tudo.

Só lhe faltava força.


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Notas finais do capítulo

*****

Ê demora!

Estou escrevendo A LUZ DOS OLHOS TEUS, okay?
Mas, para os mais apressados, faço um convite, para lerem minhas outras fics:

— Anjo: Meu Amigo Imaginário! - Personagens: Naruto e Sakura (NÃO é NaruSaku).

e

— Não é o papai! - Personagens: Minato e Naruto.

Ah, e um aviso chato: Esse ano, começarei o último ano da faculdade e meu tempo livre será passado entrevistando psicólogos, advogados e pessoas doentes. Depois, gravando documentário no rádio. Portanto... Os capítulos podem demorar mais ainda.

POR FAVOR NÃO ABANDONEM O NARUTO, O GAARA, O SASUKE, O SHINO, A TENTEN, A HINATA, O KIBA, O CHOUJI, O SHIKAMARU, O LEE, O... Esse monte de gente aí... E principalmente essa autora baka! xD