Os Outros escrita por Sochim


Capítulo 10
Passado rejeitado


Notas iniciais do capítulo

Naruto relembra o passado.



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Depois de toda essa semana, em que as aulas ficaram em segundo plano, devo dizer que eu esperava, desejava e ansiava por um descanso. Desde terça-feira, não tenho visto nem Sasuke, nem Gaara, nem seus capachos. Com exceção do meu querido colega de quarto, Neji Hyuuga, claro.

Ele passou os últimos dias sem falar com ninguém, nem mesmo com a Hinata, que também está morando com a gente. Ela tenta conversar com ele, mas é inútil. Neji, de cara inchada e o olho ainda roxo, sequer olha para a garota e, quando olha, parece querer matá-la. Sem exagero, o cara me dá calafrios. A única coisa que une aqueles dois parece ser o sangue, de resto, dá para ver que eles não são próximos.

É muito estranho para mim o modo como as pessoas que eu conheço se relacionam com seus familiares. Parecem estar sempre descontentes com o que têm, sem perceber que a família é a melhor coisa que elas poderiam ter. Lembro de todas as reclamações da Tenten sobre os pais dela. O Lee não é de falar muito sobre o pai, mas parece gostar muito dele. O Shino eu não sei nada sobre os pais, mas não posso dizer que conheço muito sobre ele, de qualquer forma.

Se eu tivesse a chance de viver em família, como eles tiveram, eu aproveitaria cada segundo, não reclamaria de nada e não seria desrespeitoso com as regras... Talvez não com essa rigidez toda, mas seria... Mentira.

Quando eu era pequeno, não era exatamente o filho dos sonhos. Vivia pulando nos sofás, rasgando as cortinas da minha mãe, quebrando brinquedos, encharcando o banheiro, tomando banho de chuva e entrando em casa com a roupa toda suja de terra. Mais de uma vez, meus pais precisaram me levar no pronto socorro por causa de alguma travessura que acabava mal. Tenho várias cicatrizes para mostrar e exibir por aí.

Uma vez, estava pulando de um sofá para outro, alegremente, como qualquer criança retardada faria. Entre um sofá e outro, ficava a minha bicicleta, que hoje não deve bater nem no meu joelho. Enfim, pisei em falso e cai em cima da bicicleta. Havia um pedacinho de ferro saindo em algum lugar da roda e me acertou em cheio a sobrancelha. Precisei levar pontos e até hoje tem uma falha na minha sobrancelha, onde não cresce pelo de jeito nenhum.

Eu tinha cinco anos e estava brincando com meus amigos, que hoje não são mais meus amigos, mas isso não importa agora. Lembro como se fosse ontem, do dia em que vi tudo isso acabar. Parece mentira que eu tenha tido uma família um dia e que me lembre dos meus pais como se estivesse vendo-os na minha frente agora. O sorriso gentil da minha mãe me faz tanta falta. Todo dia, eu pego uma foto diferente dela e tento me lembrar da sua voz, do seu carinho e das suas broncas. O sorriso do meio pai era mais debochado, engraçado. Ele costumava brincar comigo todo dia, até que eu comecei a achar que era grande o suficiente para parar com aquela besteira.

É estranho que eu não quisesse brincar com meu pai, e continuasse querendo brincar com meus amigos. Se eu soubesse o que aconteceria, não teria perdido tempo com eles e teria passado mais tempo com meus pais.

Foi em uma sexta-feira à noite, há quase cinco anos. Eu tinha ido até a casa de um dos meus amigos. Fiquei lá até tarde. O pai dele não estava em casa, mas quando chegou, não pareceu muito feliz em me ver lá. Estava com a roupa ensopada, pois estava chovendo muito naquela época. Nunca choveu tanto na cidade. Ele mal falou com a gente e subiu as escadas até o quarto dele.

As horas iam passando e até eu queria ir embora. A mãe do meu amigo ligou várias vezes para os meus pais, mas ninguém atendia. Ela chegou a me convidar para dormir na casa deles, mas acabou chamando o marido e ele saiu de casa apressado e meio a contragosto. Eu dormi na casa do meu amigo e na manhã seguinte, acordei com a sensação de que mais nada na minha vida seria como antes.

Eu estava certo, afinal.

Quando a mãe do meu amigo entrou no quarto, estava com uma expressão tão séria e aflita, que eu nunca mais consegui esquecer. Ela sentou do meu lado, sorriu meio sem jeito e tentou explicar o que tinha acontecido. Falou alguma coisa sobre um casal, um carro e muita chuva.

Levou mais alguns meses para que meus amigos parassem de falar comigo. Nos separamos, eu mudei de escola e pensei que nunca mais os veria. Dessa vez, eu estava enganado.

Meus amigos eram Gaara Sabaku e Sasuke Uchiha. A gente se conhecia desde pequeno. Vivíamos juntos, como irmãos, apesar do Itachi e do Kankuro se odiarem naquela época. Foi a mãe de Sasuke que me falou sobre o acidente. Nossos pais se conheciam desde os tempos de escola. Foram amigos a vida toda e se tornaram sócios em uma oficina, que ficou famosa e movimentada em pouco tempo.

Ganhavam bem, o bastante, pelo menos. Um dia antes do acidente, o carro do meu pai estava na oficina. O pai do Gaara foi quem mexeu no carro. O acidente aconteceu por causa de um problema nos freios.

Quando a polícia descobriu que o carro tinha passado por uma inspeção um dia antes, o pai do Gaara foi acusado de homicídio culposo (ou seja, sem a intenção de matar) e condenado. Kankuro ficou revoltado na época e sumiu da cidade, deixando os irmãos e a mãe para trás. O pai do Gaara tentou argumentar, dizendo que ele tinha revisado o carro todo e que não tinha encontrado nenhum problema. Tentou colocar a culpa no pai do Sasuke, dizendo que ele e meu pai brigavam bastante por causa de problemas financeiros que a oficina estava passando. Essa acusação implicaria em culpar o pai de Sasuke por um homicídio doloso (com intenção de matar).

Enquanto eles discutiam a culpa, eu passei a morar com um amigo do meu pai, o Jiraya, que agora me deixa aos cuidados do Iruka. Os dois são muito bons para mim, mas nem em mil anos, nem nos meus melhores sonhos, eles serão capazes de se compararem com o que eu tinha antes.

 

*

Naruto parou de escrever assim que ouviu a voz de Iruka chamá-lo, na porta do quarto. Estava tão entretido no que escrevia, que não tinha percebido que o homem o olhava há muito tempo. Iruka institivamente sabia sobre o quê o garoto escrevia e um nó na garganta surgiu, quando viu o estado em que Naruto estava. Seu rosto estava muito triste e sério, como poucas vezes. Pelo menos uma vez por mês, ele ficava assim. Era o dia em que decidia ir visitar seus pais.

Naruto não chorava, mas o sorriso que forçou ao encarar Iruka, foi como se quisesse disfarçar sua dor.

— Como está indo com o livro? — Iruka perguntou gentil.

— Tudo bem até agora, mas... — Naruto olhou para a tela do computador e para o texto que tinha acabado de escrever. — Acho que vou tirar essa parte.

— Que parte?

— Sobre meus pais.

— Por quê?

— Porque o livro é para eles. Eles não precisam saber como aconteceu...

— Naruto... — Iruka queria dizer alguma coisa, mas calou-se. Era melhor não se arriscar a falar alguma besteira. Não era de pena que o garoto precisava. — Vamos?

Naruto gravou o documento, fechou o computador e o colocou em suas coisas. Não queria que lessem o que escrevia e, desde que Neji e as outras meninas tinham chegado, Naruto tornara-se mais cuidadoso com suas coisas.

Já estava arrumado para sair, por isso, desceu ao lado de Iruka e passou pelos colegas sem dizer nada. Tenten lançou lhe um sorriso encorajador. Lee apenas o encarou, sentado ao lado de Shino, que pareceu subitamente menos egoísta. O restante dos moradores não sabia para onde eles estavam indo, mas também não fizeram perguntas. Hinata encontrou o olhar de Sakura e, no instante seguinte, Iruka e Naruto saíram da República.

— Onde vamos primeiro? — Perguntou Iruka, quando Naruto entrou no carro.

— No hospital...

A recepção estava como sempre muito cheia de gente ansiosa e algumas desesperadas. Naruto viu uma família se encontrar em abraços demorados e aflitivos e teve certeza do que aconteceu com eles. Desviou o olhar, antes que a cena pudesse se tornar ainda mais deprimente e se dirigiu a um rosto pálido e cansado, que lhe dirigiu um sorriso simpático e sincero.

— Como vai, Naruto? — perguntou, separando alguns papéis. — Há quanto tempo...

— Bom dia Ayame — o garoto debruçou-se sobre o balcão. — Muito trabalho?

— O de sempre. Fiz o plantão dessa noite... Estou realmente cansada.

Naruto riu. Gostava de conversar com Ayame, que estava sempre muito disposta a distribuir sorrisos, principalmente para ele e Iruka.

— Eu vou entrar... — Avisou, vendo que sua ficha já estava separada. Pegou o cartão de visitante que ela lhe entregou e passou pelo corredor, tentando não olhar para a família que continuava em sua dor solitária.

Naruto passou pelo corredor, sabendo exatamente para onde ia. Há cinco anos ele passava por aquelas portas e há cinco anos pouca ou nenhuma coisa mudou do lado de dentro daqueles quartos. A maior parte dos pacientes ainda eram os mesmos e os parentes que iam visitá-los, também.

Cumprimentou algumas pessoas que tinha conhecido ali antes de entrar no quarto 211. A luz entrava pela janela e derramava-se pelo chão e por parte da cama. As máquinas faziam o barulho habitual, seguindo o ritmo do coração e vários tubos saiam de lugares diferentes para se encontrar em um único ponto, de onde saia um plástico azul transparente, que estava preso entre as narinas do paciente.

Olhou para os cabelos loiros e sorriu fracamente. Alguns fios brancos começavam a surgir, teimosos, dando uma aparência muito mais velha ao homem que estava deitado. Mas o olhar de Naruto pousou sobre algo que estava em uma mesa, do outro lado da cama. Era um vaso transparente e fino, onde foi colocado uma flor branca, que Naruto não sabia o nome.

— Namorada nova? Ou a mamãe resolveu fazer uma visita?

As perguntas improváveis que fazia não pretendiam surtir nenhum efeito de humor. Sabia que não teria resposta e que nenhuma das opções seria possível. Ficou olhando a flor por algum tempo, tentando adivinhar quem a colocou ali, mas decidiu que depois iria até a recepção e perguntaria quem visitou seu pai antes dele.

Sentou-se então, ao lado da cama, em uma cadeira branca que havia e colocou suas mãos sobre a mão pálida do pai.

— O livro estava quase pronto, mas esse ano começou com muitas coisas novas, por isso, vou demorar um pouco mais para terminar. Quando você acordar, vai ter um resumo completo da minha vida, desde que você dormiu pela última vez — disse, tentando soar divertido. — Eu vou visitar a mamãe mais tarde. Vou levar um vaso de flores em seu nome. Pena que não vou poder ver o sorriso dela quando receber... Agora somos só você e eu, não é?

O garoto continuou falando. Não parou para pensar em quanto podia parecer idiota falando como se seu pai realmente estivesse escutando, mas não conseguia olhar para aquele rosto, que se parecia tanto com o seu e permanecer calado. Precisava falar e falar e falar mais. Até que se cansasse de falar e ficasse apenas encarando a expressão tranquila do homem, sentindo-se bem simplesmente por ainda poder tocá-lo e senti-lo vivo.

 


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