For Once In My Life escrita por hatsuyukisan


Capítulo 9
Tudo muda. Sempre.




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Ele me deixou sozinha na sala. Sentei-me no sofá, encarando os joelhos, pensando no que ele disse, sentindo um nó apertar minha garganta e uma fraqueza tomar conta de mim. Cobri o rosto com as mãos e então as lágrimas romperam, molhando meus dedos, fazendo soluços brotarem do meu peito. Kouyou nunca havia falado assim comigo. Eu nunca o ouvira soar tão sério desse jeito. Era como se aquelas palavras não tivessem outra intenção que não fosse me ferir. Ouvi o barulho do chuveiro. Ele havia feito de propósito. Aquilo não era certo. Qualquer pessoa no mundo podia me magoar daquele jeito, mas não ele. Saber que ele duvidava do que eu sentia, doeu mais do que qualquer outra coisa. Permiti-me chorar dolorosamente, pois não adiantava lutar contra aquelas lágrimas. O chuveiro foi desligado e eu me levantei, indo até o quarto a passos lentos, encontrando-o sentado na cama, secando os cabelos. Eu queria estapeá-lo e gritar que o amava mais do que a minha própria vida, mas eu não conseguiria fazê-lo. Ajoelhei-me em frente a ele, deitando a cabeça em seu joelho, como um cachorro que implora o perdão do dono. Percebi que ele parou de secar os cabelos, e então puxou meu queixo com uma das mãos, me fazendo encará-lo. Minhas lágrimas, que haviam parecido cessar, voltaram a rolar e eu mordi o lábio com força, contendo um soluço quando ele me fitou sério.

   - O que você quer de mim, Anna?

   - Quero que você seja aquele a não duvidar de mim. – murmurei. – Eu tô farta das pessoas duvidando de mim. Eu sou tão inconstante assim, Kouyou? – parei por uns instantes e me levantei, cruzando os braços, como se o enfrentasse – E você, o que quer de mim? Eu te amo, seu idiota. Você tem meu coração, meu corpo e minha alma. O que mais você quer?

   - Seu perdão. – me olhou nos olhos e abraçou-me pela cintura, afundando as pontas dos dedos na minha pele. - Eu não devia ter dito aquilo. Eu reagi errado. Me perdoa. Eu sou um idiota.

   - É claro que é. – passei os dedos pelos seus cabelos. – E eu sou uma idiota maior ainda por te perdoar só porque eu te amo demais pra dizer não pra você. – toquei seus lábios com o indicador.

   - Talvez isso signifique que fomos feitos um pro outro. – ele sorriu. – Dois idiotas.

Eu ri um pouco, cedendo quando ele me puxou para seu colo, sem conseguir conter a vontade de corresponder àquele beijo carinhoso. Esta foi a primeira discussão verdadeiramente dolorosa que tivemos, mas tal dor foi embora devagar, enquanto Uruha me acariciava a pele e beijava meus lábios, sussurrando os clichês mais doces. Eu temia perdê-lo, temia perder a única verdade absoluta da minha vida. Eu não queria desistir dele. E não o faria.

Naquela noite, ele adormeceu segurando minha mão contra seu peito. E eu descobri não ser capaz de não perdoá-lo por qualquer coisa que fosse.

  - Acorda. – ouvi sua voz sussurrando ao meu lado. – Anna... – abri os olhos devagar e lá estava ele, sorrindo suavemente, segurando um buquê de girassóis. – Oi.

  - Oi. – murmurei, ainda sonolenta demais pra pensar em qualquer coisa.

  - Isso... – tocou minha bochecha de leve com as flores. – é por ontem, por eu ter sido um idiota.

  - Ah, Kouyou... – ajeitei-me, sentando na cama ao seu lado.

  - Se eu jamais duvidei do seu amor foi porque eu achei ser bom demais pra ser verdade. Eu acredito sim, Anna, porque Deus sabe como eu sofri pra conquistar esse seu amor. – sorriu e foi tão doce que eu pude jurar que teria uma dor de dente.

  - Ah, nem foi tão difícil assim. – contrariei-o, beijando sua bochecha.

  - Se você diz... – e me abraçou, cheirando meus cabelos. 

  - Hum... Que horas são? – aconcheguei-me ao corpo dele e os poucos instantes que ele demorou em responder foram o suficiente pra fazer a minha ficha cair e acabar com o momento meloso – Meu Deus! Que horas são?!

  - Vinte pras oito, por que? – ele perguntou, espantado, quando eu levantei da cama de um pulo e corri até o banheiro.

  - Vinte pras oito?! Tô atrasada!

E então eu tropecei pelas minhas roupas, com a escova de dente na boca, tentando ajeitar o cabelo e me vestir ao mesmo tempo. Uruha só ria, sentado na cama, achando graça do meu desespero. Eu já estava quase fora do apartamento quando resolvi voltar. Ele continuava sentado na cama. Aproximei-me em silêncio e abracei-o pelas costas, dando-lhe um beijo estalado no ombro.

  - Você não tava atrasada? – ele riu.

  - Não o suficiente pra deixar de te dar um beijo antes de sair. – sorri e nós nos beijamos longamente. – Ok, agora eu tô atrasada. – ri, quebrando o beijo.

  - Te vejo de noite. – disse, quando me afastei.

  - Uhum, se cuida. – e então eu finalmente rumei ao meu tão esperado compromisso.

  Sentada lá, ouvindo idéias e exigências, eu pensei no quanto aquelas próximas semanas seriam atribuladas, no quanto eu teria de trabalhar, nas noites que eu teria de passar em claro; e então por um momento eu desejei só ter de me preocupar com flores, buffet, bolo, convidados e um vestido. Não que eu não gostasse do meu trabalho – pelo contrário -, mas de alguma forma eu me vi ansiosa demais com a perspectiva de me casar, ao ponto de achar o trabalho desinteressante. Mas aí eu pensei em certas decisões que tinha de tomar. Casar no Japão ou na Itália era uma delas.

Essa questão era bem mais profunda que Kouyou imaginava. Casar no Japão significava me estabelecer por definitivo aqui, oficializar a minha relação de sentimental com esse lugar, mas também significava enfurecer os Giordano. Meu avô nunca aceitaria completamente isso. Sei que no fundo ele e toda a família ficaram desapontados com o meu noivado, a salvar pelo meu pai, é claro. Mas a verdade era que eles ainda esperavam que eu voltasse pra lá com o rabo entre as pernas, pronta pra casar com o Fredo. Se duvidar ainda esperam. Se duvidar torcem culposamente pra que algo aconteça e o casamento com Kouyou nunca aconteça e eu vá viver a vida que eles traçaram pra mim. E se nós nos casarmos na Itália, conhecendo o poder persuasivo do meu avô, inevitavelmente, a uma altura da vida, nós nos mudaríamos pra Sicília e ficaríamos presos àquele lugar até o último dia de nossas vidas. Casar na Sicília significava assinar um compromisso com aquela ilha, criar um elo com a terra de modo que nunca nos veríamos livres dela. E isso eu não queria. Eu não nego que gosto da Itália, mas mesmo que goste, o Japão é meu lugar. Eu simplesmente pertenço a esse lado do mundo. O fato era que de uma forma ou de outra, nós precisávamos tomar essa decisão. E eu já tinha feito a minha escolha e sabia que Kouyou não discordaria. O difícil seria encontrar a melhor maneira de impor essa decisão sem causar atritos de nenhumas as partes. Praticamente impossível eu diria.

Passaram-se algumas semanas até que tanto eu quanto Kouyou tivéssemos tempo para ir até a casa dos pais dele para discutir a proposta do meu avô, a data e todos esses detalhes que eu jurava que eram chatos mas que me surpreenderam quando me vi ansiosa, apressando o loiro para irmos até lá. Descobri gostar mais daquilo do que pensava, enquanto tagarelava no caminho até a cidade natal de Uruha, sobre que tipo de cerimônia teríamos. Ele riu de mim, e eu sabia exatamente o que ele estava pensando. Kouyou havia conseguido, como sempre, me manipulara com doçuras e palavras bonitas até que eu mesma me convencesse de algo que na verdade só ele queria fazer. Mas já não importava mais. De fato eu havia me convencido de que estaria casando por livre e espontânea vontade, e me sentia muito feliz com isso.

Nós chegamos à casa dos Takashima e fomos recebidos por abraços calorosos da dona da casa, que sorria largamente, como sempre fazia ao ver o filho mais novo. Yuri estava em casa também, desta vez sem a filha Nanako. Veio nos cumprimentar e acompanhamos as duas até a cozinha. Haruko serviu chá e nos fez perguntas triviais sobre como havíamos passado aquelas semanas. Minutos depois, o pai de Kouyou apareceu na cozinha, distribuiu "olás" cordiais e juntou-se à nos na mesa para tomar chá.

  - E então... Como foi a viagem pra Itália? - perguntou o senhor, enquanto adoçava seu chá.

  - Foi ótima. - Kouyou respondeu, sorrindo.

  - É tão bonito quanto dizem por aí? - Yuri interveio, gentilmente.

  - Ah é sim... E muito mais. - respondeu o caçula - É tudo grande e pomposo.

  - Ah eu imagino... - comentou Haruko, sonhadora, tomando um gole de chá.

  - Não é tanto assim. - sorri - Quer dizer... Comparado com as casas do Japão, as de lá são grandes sim. Mas tá longe de ser pomposo.

  - E quanto à sua família Anna, como eles receberam a notícia? - perguntou Yuri.

  - Bem, muito bem. - disfarcei, escondendo-me atrás da xícara.

  - O avô da Anna sugeriu que a gente se case na Itália. - completou Uruha, me fazendo corar por algum motivo.

  - Mas nós não vamos. - finalizei o mais rápido que pude.

  - Mesmo? - a mãe dele pareceu surpresa.

  - Sim. Disse que pagaria as passagens pra nossa família e pros nossos amigos. - o loiro serviu se de mais uma xícara de chá.

  - Minha nossa... - a senhora Takashima largou a xícara sobre o pires. - Parece tão elegante, casar na Europa.

  - Mas meu avô quer que seja do jeito dele, cerimônia católica e tudo mais. - tentei fazer o encanto acabar. - E como o Kouyou não é batizado, não vai ser possível, não é mesmo querido? - belisquei-lhe o braço por debaixo da mesa, forçando-o a acordar para a realidade.

  - É, claro. Nós preferimos uma coisa mais simples. - sorriu sem graça.

  - Menos... Pomposa. - acrescentei. - Do jeito do meu avô seriam convidados demais, comida demais, flores demais, festa demais, alarde demais.

  - Entendo. - os olhos de Haruko pareceram perder um pouco do brilho. - Então vocês vão casar no Japão?

  - Sim. Preferimos desse jeito, mais discreto. - sorri.

  - Mas vocês vão ter uma cerimônia religiosa? - perguntou o pai de Kouyou.

  - Hum... Não. - Uruha pareceu hesitar um pouco. - Nós preferimos só o jurídico.

  - Faz sentido, já que vocês preferem algo mais discreto. - comentou Yuri.

  - É. Vamos escolher um lugar bonito em Tokyo, ou até mesmo aqui, que combine com um casamento na primavera. - completei.

- Na primavera? Ah que bonito <3 - Haruko sorriu docemente - Então vai ser ao ar livre?

  - Ãhn... - Kouyou me olhou - Não sei.

  - Ainda não discutimos isso. Mas é provável que sim. Não faz casarmos na primavera se ficarmos dentro de um clube enquanto as sakuras estão floridas. - eu sorri.

  - Tem razão. <3 - as duas sorriram em resposta.

  - Filho, diga-me uma coisa... - o senhor Takashima dirigiu-se ao filho mais novo - Vocês não pretendem continuar morando no mesmo apartamento depois do casamento, pretendem?

  - Ãhn... - mais uma vez, diante de um assunto que ainda não havia sido discutido, o loiro me olhou - Não sabemos.

  - Quero dizer... Se for assim, a festa não vai mudar absolutamente nada. Ao meu ver, para que vocês realmente se sintam marido e mulher, vocês deveriam se mudar para uma casa com jardim, dois quartos, uma cozinha maior e tudo mais. Afinal, presumo que meu terceiro neto não tarde a vir ao mundo. - ele sorriu alegremente.

  - Mudar não é uma má idéia, otousan. - Uruha sorriu e eu tive certeza de que ele percebeu o meu nervosismo perante à perspectiva de dar aos Takashima mais um neto.

  - Sugiro que você procure logo um corretor, assim vocês têm tempo de decorar a casa do jeito que querem até o casamento. - aconselhou o senhor, dando tapinhas carinhosos no ombro do filho.

E então a conversa continuou por longas horas. Haruko serviu bolo e nós discutimos detalhes pequenos e outros nem tão insignificantes assim. Estava mesmo acontecendo, eu ia me casar. Não havia mais volta. Mas eu estava mais do que feliz com o caminho que escolhera e especialmente o homem que escolhera. Só não sabia se gostava de todas as condições que aquele fato impunha. Mas até onde eu sabia, casamento era aprender a ceder. Eu admito, sempre tive dificuldade com essa coisa de dar o braço à torcer, mas Kouyou sempre me teve nas mãos. Não seria difícil para ele.

Quando chegamos em casa no final da tarde, sentei-me no sofá, Uruha abriu uma garrafa de conhaque e serviu duas doses em copos próprios. Entregou-me uma das taças e sentou-se ao meu lado. Tomou um gole e disse:

  - Então... Dois de maio hã?

  - Dois de maio. - murmurei, tomando um gole da minha bebida.

  - Não se preocupa, nada vai mudar. - passou um dos braços pelos meus ombros e beijou meus cabelos.

  - Ah vai... Se vai, Shima. - ri baixo.

  - O que você quer dizer com isso? - sorriu e arqueou uma sobrancelha.

  - Quero dizer que a gente vai se mudar daqui, a gente vai ter filhos, eu vou me tornar uma dona-de-casa meiga, você vai chegar em casa todo dia e dizer "Tadaima", as crianças vão correr até você sorrindo e dizendo "Okaeri", o jantar vai estar na mesa, nós vamos nos sentar como uma bela família e eu vou perguntar como foi o seu dia. Nós vamos nos estressar com as contas, eu vou gritar com você, vou fingir estar com dor de cabeça pra não ter que fazer sexo e eventualmente você vai parar de ter ereções.

  - Anna... - ele riu.

  - É sério. É assim que é.

  - Eu sei. - passou os dedos pelo meu rosto - Concordo que nós teremos filhos e seremos uma daquelas famílias bobas que usam agasalhos combinando. Mas quanto às contas, nós daremos um jeito. E lembre que se você gritar comigo eu estou autorizado a te dar um tapa na cara e te lembrar do quanto você me ama. - riu. - Quanto às dores de cabeça e as ereções... Vai demorar um bom tempo. Mas até lá...

  - Hey, eu tô confiando em você pra fazer com que o que a gente tem dure pra sempre. - toquei seu queixo com a ponta dos dedos.

  - Vou dar o meu melhor, prometo. - beijou-me brevemente - Anna, você tava falando sério sobre os filhos?

  - Ah não começa, Takashima. - suspirei. - Que urgência é essa em me fazer engordar vinte quilos?

  - Anna... Vai me dizer que você não quer nem um pouquinho?

  - Claro que quero. - eu ri.

  - "Claro que quero"? - abriu um sorriso de orelha a orelha.

  - Quer dizer, é instintivo. Então eu quero sim. Mas não logo.

  - Dois? Três? Hum... Quatro? - ele sorria, fazendo os números com os dedos.

  - Um. E só. Isso se você se comportar, do contrário nada feito moço.

  - Vou me comportar. - sentou-se reto no sofá.

  - Uru... Sobre o apartamento...

  - O que tem?

  - Sobre o que o seu pai disse... Você tem certeza de que quer mudar daqui?

  - Você não quer?

  - Não diria que não quero mas...

  - Eu sei o quanto você gosta daqui, Anna, mas meu pai tem razão.

  - Sei que tem. Mas será que nós podemos pagar por uma casa?

  - Bom, considerando que o aluguel daqui não é lá tão barato, dá quase na mesma.

  - Não sei não... Sabe quanto custa uma casa com dois quartos nessa cidade, não sabe?

  - Sei sim. Mas isso a gente vê depois ok? - levantou-se e eu senti que algo naquela história ia acabar mal.

Não que eu não concordasse que mudar dali seria o mais óbvio a se fazer, do contrário o casamento não teria sentido algum. Mas eu realmente achava que era arriscado comprar uma casa. Era um valor muito alto pra duas pessoas que não tinham salário fixo. Tudo bem que nossa renda mensal não era das piores, já que podíamos pagar por um apartamento bom em Chuo. Mas eu não sabia se estava pronta para assumir algo tão grande assim. Até mesmo cuidar de uma casa seria bem mais complicado. No fundo eu queria ter um lugar só nosso, que pudéssemos decorar do nosso jeito e tudo mais, mas como sempre eu tinha medo, que eu tentava mascarar como senso de responsabilidade.

Poucos dias depois, enquanto jantávamos, Kouyou me olhou e disse:

  - Qual é o seu próximo dia livre, meu amor? - "Iiih..." pensei, "Me chamou de 'meu amor', aí tem."

  - Hum... Na quinta eu não tenho nada marcado. Por quê? - lancei-lhe um sorriso doce, na tentativa de arrancar dele algum plano romântico.

  - Eu tava pensando... - engoliu em seco - De a gente ir à imobiliária, ver algumas casas.

  - Sei... Tá, claro. - respondi, mecanicamente, voltando a comer.

  - Anna, se você fizer muita questão de ficar aqui... - disse pesarosamente.

  - Não. Ir lá ver não mata ninguém. - sorri. - Vamos sim.

  - Tem certeza? Não quero te obrigar a nada.

  - Tenho sim. A gente vai e dá uma olhada, a partir disso a gente vê o que faz.

  - Tá bom. Na quinta então?

  - Na quinta.

  - Hey... A propósito... Você tava certa. - disse, tomando um gole grande da sua cerveja.

  - É claro que tava. - sorri vitoriosamente - Mas sobre o que?

  - Sobre o Reita e a Anna.

  - Hum... O que você quer dizer com isso?

  - Ontem o Reita me contou que naquele mesmo dia ele pegou o telefone dela. E então, na semana passada, eles saíram juntos.

  - Mesmo? A Anna nem me contou, aquela vaca. Deve ter sido por isso que ela sumiu nos últimos dias. - levantei-me e levei os pratos à pia.

  - O Reita disse que foi ótimo. Ele tava precisando mesmo de algo novo e divertido, que desse uma outra perspectiva pra vida amorosa dele. - riu.

  - Eu te disse. Não nasci ontem, Shima. - encarei-o, arqueando a sobrancelha ao sorrir.

  - Tá mas você exagerou um pouco vai...

  - Talvez. Mas o que vale é a intenção, não é mesmo?

  - Os meios não justificam os fins, Osaki.

  - Ai Deus... - rodei os olhos - Cala boca e vem aqui secar essa louça, rapaz. - e foi o que ele fez.

Naquela noite eu sonhei que vestia um vestido rosa-claro rodado e um avental xadrez, e tirava biscoitos de Natal do forno enquanto umas sete crianças, todas tão parecidas com Kouyou que chegava a ser assustador, brincavam sentadas no chão da cozinha, vez ou outra vindo me puxar a saia e pedir alguma coisa. Eu usava o cabelo longo e enrolado nas pontas e uma flor de tecido branco presa do lado, eu sorria e piscava com cilios que pareciam postiços, estalando meus sapatinhos de verniz ao andar. Ouvi o barulho de um carro parando à frente da casa e então as crianças saíam em disparada até o portão. E lá estava Kouyou, de terno e sapatos lustrados, descendo de um conversível antigo, sendo rodeado pela prole barulhenta. Eu sorria feito uma Barbie e beijava-lhe o rosto, trazendo-os pra dentro e servindo o jantar. Devo confessar que este fora um dos sonhos mais horripilantes que já tive. Por sorte Kouyou me acordou antes que ele começasse a fatiar o peru, me fazendo suspirar aliviada ao ver que nós não estávamos nos anos 50 e eu não era uma dona-de-casa alienada que assiste à programas de jardinagem e borda toalhinhas de mão com o nome dos filhos.

- Anna, você tá pálida. - Kouyou me encarou quando sentei-me reta na cama.

- Tive um sonho muito... Estranho. - murmurei. - Eu era uma dessas esposas-troféu e nós morávamos numa casa amarelinha com margaridas no parapeito das janelas, você era um business-man e nós tínhamos sete filhos.

- Uau... - ele riu um pouco - Você... É meio maluca, Anna.

- Sério. Foi assustador. Tudo parecia feito de plástico, até as crianças. Elas tinham roupinhas engomadinhas e os rostos delas eram miniaturas do seu.

- Isso soa mesmo meio assustador.

- E eram sete! Pelas minhas contas pelo menos... Se duvidar elas faziam mitose e se multiplicavam infinitamente.

- Crianças não fazem mitose, Anna.

- Essas faziam. Pelo amor de Deus... Me diga que nós não vamos ter sete filhos.

- Não vamos. - riu de mim, me olhando daquele jeito que sempre olhava quando pensava que eu era lunática.

- Ok, melhor assim. - suspirei.

- Tenho que ir. - levantou e me deu um beijo antes de sair.

E eu fiquei ali um tempo, ainda aterrorizada pelas crianças mitóticas e seus rostos de plástico.


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Notas finais do capítulo

Desculpa a demora. Tô por aqui com essas histórias de Obama e quase sem tempo de escrever. ._.
Beijo gentem :* e reviews fazendo favor hein



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