For Once In My Life escrita por hatsuyukisan


Capítulo 3
Redenção


Notas iniciais do capítulo

Resistir é que não dava né gente? 8D



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Acordei com o som de passos pelo quarto, abri os olhos e lá estava ele, enfiando uma camiseta pela cabeça com a escova de dente na boca. Sentei-me na cama e lembrei das coisas que ele me dissera na noite passada, lembrei-me de ter concordado com a idéia de me casar com ele. Ele andou até o banheiro, sem notar que eu havia acordado, enquanto eu pensava no que aconteceria conosco, pensava nos meus pais e em tudo que aquela decisão envolvia. Eu era o tipo de pessoa que costumava enjoar fácil das coisas. Persistência nunca foi uma das minhas melhores virtudes. Tinha medo do que poderia ser dito eterno. Perguntei-me se era aquilo mesmo que eu queria. Perguntei-me se estava disposta a comprometer-me a entregar minha eternidade nas mãos de uma só pessoa. Temi os anos a frente de nós, temi as mudanças que esses anos trariam, temi perder o que eu e ele tínhamos agora, temi me tornar exigente e intolerante, temi me tornar a pessoa que mais me apavorava na vida: minha mãe.

  Minha mãe sempre fora do tipo que se importa demais com o que os outros pensam. Só casou com o meu pai porque naquela época a família dele adquiriu mais da metade das ações de uma das maiores fábricas de motores da Itália. Hoje em dia ela adora discursar sobre o quanto é importante valorizarmos nossas raízes e sermos quem realmente somos. Mas eu não sou cega e sei que na frente das suas amigas da alta sociedade ela tem vergonha de dizer que cresceu numa fazenda de oliveiras no interior. Tudo que ela sempre quis foi ser reconhecida, como a maioria das garotas do interior, mas ela – diferente das outras - tirou a sorte grande e arranjou um cara rico pra casar. Ela nunca gostou dos japoneses, no entanto se casou com um. Foi a primeira a se opor quando eu resolvi me mudar pra Tokyo. Nos primeiros dezessete anos da minha vida tudo que ouvi dela foram os planos que ela tinha pro meu futuro, tudo que ela desejava que eu fizesse. Por algum tempo ela até conseguiu me convencer de que eu também queria aquilo. Mas aí eu cresci e comecei a me opor a tudo aquilo que ela me impunha. O fato de eu não querer me casar com o herdeiro de uma família italiana tradicional e me tornar mais uma das bellas donnas, a revoltou profundamente. E a minha decisão de vir para o Japão coroou tudo isso. Resultado: não nos falamos há sete anos. Não que me fizesse falta de fato. Minha avó sempre esteve lá para suprir a falta da figura feminina maior nos sete últimos anos.

     - Anna... – Uruha se sentou na cama do meu lado.

     - Ãhn?

     - No que tá pensando?

     - Nas coisas que dissemos ontem, na minha mãe.

     - Sei. – ele abaixou a cabeça.

     - Eu tenho medo, Uru. – e ele era única pessoa no mundo que jamais me ouvira dizer isso.

     - De que?

     - De ser como ela.

     - Você não vai ser. – sorriu docemente.

     - Hey... Prometa pra mim que se eu gritar com você, se eu reclamar de você, se eu me tornar frígida, você vai me dar um tapa na cara, me mandar calar a boca e lembrar do quanto eu dependo de você.

     - Isso não vai acontecer. – aproximou-se de mim e acariciou-me as costas.

     - Como você pode ter tanta certeza? Tá no meu dna.

     - Tá bom, eu prometo. Mas eu ainda acho que isso não vai acontecer.

     - Você não vai deixar acontecer. – abracei-o apertado.

     - Não vou. Prometo. – beijou meus cabelos – Agora deixa eu ir que eu tenho uma reunião na gravadora e eu já tô atrasado.

     - Vai lá. – soltei-o e ele se levantou.

     - Tem tempo pra almoçar comigo hoje?

     - Acho que não. Tenho uns assuntos pra discutir com o Takumi e nós vamos usar a hora do almoço pra isso.

     - Claro. Te vejo de noite então. – sorriu e veio me beijar antes de sair apressado.

  Depois de ter passado a manhã correndo atrás dos últimos detalhes da produção de mais um vídeo clipe, encontrei Takumi, diretor de fotografia da minha equipe e meu melhor amigo. Se houvesse alguém que me conhecia tanto quanto Uruha essa pessoa era Takumi. Conhecemos-nos na faculdade e desde então somos como irmãos. Mas eu ousaria dizer que mesmo ele não me conhecia tão bem quanto Kouyou. Era diferente. Aos olhos de Takumi eu era forte, decidida e intrépida, boa o suficiente para comandar uma equipe de homens sem perder a graciosidade. Mas aos olhos de Uruha eu era frágil e confusa, e não me envergonhava disso.

    - Anna! – ele acenou da mesa onde estava sentado.

    - Tacchan! – andei até lá e me sentei com ele.

    - Tudo bem?

    - Meio cansada, mas tudo bem. E você?

    - Ótimo. Eu finalmente consegui os shojis coloridos que eu tinha te falado.

    - Ah, que ótimo. – disse, sem muito entusiasmo.

    - Tem certeza de que tá tudo bem?

    - Tenho, tenho. – balancei a cabeça.

    - Sei não, hein. O Uruha já voltou de viagem?

    - Sim. E... – eu tinha que falar pra alguém – A gente vai casar.

    - Quê?! E o apocalipse é quando? Semana que vem?

    - Eu sei, eu sei.

    - Então é isso que tá acontecendo... Mas você devia estar feliz, não devia? Quer dizer... É o Uruha, o homem dos seus sonhos e blá blá blá.

    - Eu sei. Mas e se eu virar a minha mãe?

    - Ah, e isso... Sei. Escuta, Anna, sinceramente, eu te conheço há deus sabe quanto tempo, e eu juro eu nunca conheci um cara que fosse tão perfeito pra você feito o Uruha. Ele foi praticamente moldado e enviado pra você como um presente dos deuses. – eu ri do comentário dele – Ele é tão descomplicado. Não tem o que dar errado, Anna.

    - Você acha?

    - Tenho certeza. Eu sei que você sempre confiou na idéia de que casamento tem tudo pra dar errado, já que foi desse jeito que você viu as coisas acontecerem, mas essa é a sua chance de provar pro universo que ele tá errado e que pode sim dar certo.

    - Nunca pensei que você fosse ser tão a favor disso tudo.

    - Não, eu não sou a favor do casamento, só sou contra essa conspiração universal que insiste em decidir o que é certo e o que não é.

    - Temos que lutar contra eles, não temos? – eu ri.

    - Com certeza. – ele riu também – Mas hey... Não se preocupa, vai dar tudo certo.

    - Acho que sim. – suspirei e comecei a ler o cardápio. – Hey, por falar nisso, eu vou convencer o Uruha a passar a lua-de-mel no Taiti. – ri de trás do cardápio.

    - Vaca! Eu ia pra lá!

    - Ia, não vai mais. Não antes de mim.

Comemos juntos enquanto discutíamos coisas do trabalho e eu tentava manter minha mente longe do assunto “casamento”. Concentrei-me o máximo que pude no trabalho daquela tarde. Mas mesmo que eu tentasse, as predições me assombravam a cada linha de pensamento. A verdade era que eu estava completamente apavorada com tudo aquilo. Era tudo tão absurdo e insensato de acordo com os meus princípios. Mas por algum motivo que poderia até ser poético se não fosse patético, quando Kouyou me olhava nos olhos e dizia que ia dar tudo certo, eu não conseguia deixar de acreditar. Mesmo que eu estivesse enlouquecendo com a idéia de matrimônio, eu era fraca demais pra negar algo a ele. Era estranho que meu amor por ele me fizesse mais forte, e ao mesmo tempo mais fraca. Kouyou era meu calcanhar de Aquiles, minha fonte de força e meu ponto fraco. A maior verdade de todas ainda era a de que eu o amava profundamente e não queria perdê-lo. Apenas a sombra do pensamento de vê-lo me deixando por uma outra mulher que estivesse disposta a ser a senhora Takashima, fazia um nó apertar minha garganta e um grande cubo de gelo se instalar no meu peito.

  Fui pra casa ainda perdida em pensamentos, filosofando sobre as minhas vontades e sobre o quanto eu estava disposta a abrir mão de mim por ele. Subi as escadas deliberadamente devagar, temendo encontrar o apartamento coberto de flores, balões vermelhos, um Uruha incrivelmente bonito dizendo “Quer casar comigo?” e me oferecendo um anel de noivado. Girei a maçaneta e entrei, aliviada pela aparente ausência de flores e balões. Tirei os sapatos, larguei a bolsa no sofá e fui até a cozinha. E para minha surpresa, encontrei Uruha sentado na mesa, vestindo um moletom confortável, óculos, lendo o caderno de esportes do jornal com uma cerveja do lado.

    - Hey... Tava te esperando. – ele colocou o jornal de lado e sorriu.

    - Oi. – tirei o casaco e me sentei. – Chegou cedo.

    - Você que chegou tarde demais. São nove e meia. – riu um pouco, se levantou e andou até mim. – Nem me deu um beijo. O que houve?

    - Tô cansada. – suspirei.

    - Trabalhou demais?

    - Também.

    - É sobre o que nós falamos ontem? – deixou de parecer alegre e soou docemente preocupado.

    - É. – temi magoá-lo. – Tenho medo.

    - Eu sei. – abaixou-se ao meu lado e tocou meu joelho.

    - Já era pra eu ter fugido de tudo isso. Mas eu não quero fugir. É tão estranho que eu me sinta tão bem com a idéia de passar a eternidade do teu lado. Se fosse outra pessoa, eu já teria pirado e sumido pra nunca mais voltar. Mas não. É tudo tão diferente do que já vivi. Tão ao reverso. Ao invés de fugir, a sua proposta me faz querer ficar. Mesmo com medo, eu ficarei, porque eu sei que meu medo é infantilidade pura e você vai afastar todos os meus receios como sempre fez. – toquei-lhe o rosto. – Não procure outra mulher, Kouyou, eu serei sim a sua senhora Takashima.

  E agora eu tinha deixado meu coração falar, tinha silenciado a voz da minha mãe na minha cabeça e tomado a decisão certa. Eu queria aquilo, meu ego não queria. Mandei meu ego pro inferno e decidi que mudaria de cenário, esqueceria do que fui e vivi antes de Kouyou, não me oporia ao senso comum que dizia que quando duas pessoas se amavam do jeito que nós nos amávamos elas não deveriam se opor ao fato predestinado de que ficariam juntos até a morte.

  Kouyou envolveu-me em seus braços e eu deixei meus olhos se fecharem, meu corpo cedendo ao calor confortável do dele. Eu sinceramente duvidava que outra pessoa no mundo pudesse me fazer sentir tão segura daquele jeito. No final das contas, se era pra casar, que fosse com ele. Ele me olhou e sorriu, retribuí o sorriso e recebi um beijo em troca.

    - Obrigada por me fazer tão dependente de você. – eu ri, passando os dedos pela sua bochecha.

    - De nada. – beijou-me a ponta do nariz em gesto infantil. – Tá com fome?

    - Não. Eu comi no trabalho. Você já comeu?

    - Não, eu tava te esperando, mas já que você já comeu...

    - Ah, desculpa, amor. Se eu soubesse não teria...

    - Não tem problema. – sorriu – Você parece bem cansada. Por que não vai tomar um banho quente e me espera na cama enquanto eu como alguma coisa?

    - Não quer que eu prepare alguma coisa pra você? – levantei-me.

    - Não precisa. Eu me viro. Pode ir tomar banho. – beijou-me a bochecha.

    - Tá. – bocejei, peguei o casaco e fui para o banheiro enfiar-me debaixo da água quente.

  O vapor embaçou o espelho e tomou o banheiro como uma cortina branca e fina, enquanto eu pensava nas coisas que dissera à Uruha, na maneira confusa com que eu entreguei o controle nas mãos dele. Sempre agi assim, quando deveria mergulhar de cabeça, eu fugia, mas não mais. Resolvi não deixar o lado fraco de mim tomar as decisões. Era hora de parar de agir feito criança.

  Quando saí do banheiro, ele já estava deitado na cama, prestes a pegar no sono. Mas eu o interrompi, sem querer. Kouyou abriu os olhos e se sentou reto na cama quando me viu sentar ao seu lado.

    - Tá se sentindo melhor? – encostou a cabeça no meu ombro.

    - Tô sim. Só preciso dormir um pouco. – bocejei.

    - Vem cá... – deitou-se novamente – Vou te ninar então. – riu.

  Eu ri também e fui me aconchegar em seus braços. Ele me beijou os cabelos e acariciou minha pele, e eu me senti ceder ao sono e à sua ternura. Uruha era assim, tão doce e gentil quanto podia ser. Um pouco imaturo, é verdade, mas eu também era. Eu juro que poderia me acostumar com a vida de que eu levava do lado dele. Ele me trazia café na cama, me acordava com beijos, achava que eu tava linda mesmo que meu cabelo estivesse uma bagunça, se eu pirava ele entendia, ele gostava dos filmes que eu gostava. Se houvesse um lado negro dele, eu não tinha visto. E tudo vinha tão naturalmente. Eu perdi o reflexo de resistir. 

    - Quando você pretende contar aos seus pais? – perguntei, em um momento de clareza em meio aquele carinho inebriante.

    - Quando você preferir. – respondeu, soando sonolento.

    - Pode ser nesse final de semana?

    - Já?

    - Pra que adiar?

    - Esse final de semana então. Eu ligo pra minha mãe e aviso que nós vamos lá no domingo. Combinado?

    - Uhum. – meneei, fechando os olhos.

  E depois disso: silêncio. Nós pegamos no sono e acordamos na manhã seguinte com o som do despertador, nos achando na mesma posição em que adormecemos. Levantei-me custosamente, resmungando sobre ter que trabalhar logo cedo, enquanto Uruha ainda se revirava na cama. Beijei-lhe a bochecha antes de sair para trabalhar, amaldiçoando aqueles produtores de bandas que marcavam reuniões tão cedo. Quando cheguei ao lugar combinado encontrei meu confidente fiel, Takumi, mas mal pude lhe dizer bom dia, já que os membros da banda chegaram ansiosos para definirem as idéias para o vídeo.

  Ao final da reunião, finalmente pude conversar com Takumi:

    - Então tá tudo certo? – ele perguntou.

    - Uhum. Sem mais conspirações. – eu ri.

    - É assim que se fala.

    - No domingo, nós vamos até a casa dos pais dele pra fazer o anúncio.

    - Mesmo? Nervosa?

    - Não, na verdade não. A mãe dele me adora e espera por essa notícia desde a primeira vez que ele me levou lá.

    - E a irmã megera?

    - Não me preocupo com ela. Quer dizer, Kouyou já não é mais um garoto. Por fora. – eu ri – Ele tem quase trinta anos, idade suficiente pra tomar as próprias decisões.

    - É verdade. Mas sabe, se ela disser alguma coisa, engole em seco e pensa que esse é o pequeno preço que você vai ter que pagar pelo “felizes para sempre”.

    - Tem razão. – eu sorri, pensando no “felizes para sempre” ao lado de Kouyou.

    - Agora vamos, chega de conversa, temos que achar um set até o final do dia. – ele disse, arrancando-me dos meus devaneios e me fazendo entrar no carro.

  Aquela semana passou tranqüila, sem pensamentos negativos, só expectativas reconfortantes. E Kouyou fazia tudo aquilo parecer tão fácil e simples, e ao mesmo tempo romântico e intenso, como uma canção de Sinatra.


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Notas finais do capítulo

Reviews gente... Não me desapontem *chora* *-*