For Once In My Life escrita por hatsuyukisan


Capítulo 2
Flor da idade




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 O dia seguinte era o dia do jantar na casa do Aoi. Assim que a noite caiu, nós saímos de casa e fomos até o prédio do Shiroyama. Uruha e eu fazíamos previsões sobre Nagasawa-chan enquanto subíamos as escadas, rindo alto com as bobagens que dizíamos. Nos calamos e ele tocou a campainha. Aoi veio atender com sorriso de orelha a orelha estampado no rosto. Por cima de seu ombro pude ver a moça que colocava pratos de aperitivos sobre a mesinha de centro: Nao Nagasawa.

     — Uru! Anna! Entrem. – Aoi soava animado.

     — Oi, Yuu. – retribui o abraço que Aoi me deu.

     — Nao-chan, - Aoi chamou a namorada, que se aproximou – Esse é o Uruha.

     — É um prazer revê-lo, Takashima-san. – ela sorriu e fez uma reverência e eu senti uma leve agulhada de ciúmes em algum lugar dentro de mim.

     — E essa é a Anna, namorada do Uruha. – Aoi se referiu à mim e eu sorri discretamente.

     — Eu sei quem você é. – ela sorriu abertamente alongando as vogais – Acompanho a sua carreira, Anna-san. Tenho que dizer que te admiro muito. – e fez uma reverência frenética.

     — Ah, obrigada, Nagasawa-san. – correspondi.

     — Pode me chamar de Nao, e sem san por favor. – ela sorriu.

     — Tudo bem. – agarrei-me ao braço de Uruha, por algum motivo, tentando não rir.

     — Yuu-chan, pode vir me ajudar na cozinha um minutinho? – a voz dela ficou um tanto mais aguda e ela fez um biquinho ao falar com Aoi. Meu estômago embrulhou e deu um solavanco.

     — Claro. – Aoi sorriu e acompanhou a namorada à cozinha.

     — Me pergunto se ela tá usando calcinha hoje. – cochichei e Uruha caiu na gargalhada, se sentando no sofá e me puxando com ele.

     — Uma cerveja, Uru? – Aoi apareceu na porta da cozinha.

     — Claro.

     — Anna?

     — Óbvio. – então Aoi sumiu de novo, voltando minutos depois com três cervejas, seguido de Nao e mais uma bandeja de canapés.

     — Então o nosso Yuu-chan tomou rumo na vida? – Uruha usou aquele tom debochado que usava constantemente quando queria irritar Aoi e lhe deu um tapinha no joelho.

     — Pois é. – Aoi ignorou a provocação e passou o braço em volta dos ombros da namorada.

     — E lá se vão meus cinqüenta dólares. – resmunguei.

     — Cinqüenta dólares? – o Shiroyama pareceu confuso.

     — É, eu tinha apostado cinqüenta dólares com o Satou do staff que você era gay. – respondi, calmamente, e Nao engasgou-se com um gole de água.

     — Minha sexualidade virou motivo de aposta?! – Aoi apenas ria.

     — Eu tinha certeza que ia levar essa. Sabe, por várias vezes eu pude jurar que te vi olhando pro “pacote” do Uruha. – a água escorria pelo nariz de Nao.

     — Isso se chama “comparar”. – respondeu Aoi, tomando um gole grande de cerveja.

     — Não, isso se chama “se humilhar”. – rebati, ouvindo Uruha rir baixo do meu lado.

     — Tá dizendo que eu sou pouco favorecido anatomicamente? – o moreno riu.

     — Não, só tô dizendo que o Uruha é favorecido demais. – e dei um tapinha na coxa do Takashima.

     — Bom, isso não dá pra negar. – Aoi deu de ombros.

     — Yuu! Depois você não quer que ela pense que você é gay! – Nao o repreendeu.

     — Ué, eu já vi ele pelado! – Yuu se encolheu tentando se justificar.

     — Hey! Eu ainda tô aqui viu? – Uruha levantou o braço, rindo.     

    — Eles tão brincando, Nao-chan, não se preocupe. Esses dois são assim mesmo. – Aoi apertou a namorada nos braços e beijou-lhe a testa.

    — Fale por você, Aoi. Eu não tô brincando. – eu disse, vendo Uruha assentir com um aceno de cabeça. A campainha soou e eu me encolhi no sofá, esperando o pior.

    — Ah, deve ser o Kai e Miyazaki-chan. – Aoi levantou e foi abrir a porta. E para o meu desespero, ele estava certo. – Bem-vindos!

    — E aí, Aoi. – Kai deu um tapinha no ombro do guitarrista.

    — Konbanwa~ Yuu-chan! – aquela voz aguda e melosa soou como um apito alto e ininterrupto dentro dos meus tímpanos.

    — Konbanwa, Miyazaki-chan. – Aoi respondeu, sorrindo – Que bom que vocês chegaram, porque até agora a Nao-chan deve estar pensando que eu só tenho amigos malucos.

    — Eu vejo o porquê. – Kai entrou e riu ao nos ver sentados no sofá.

    — Konbanwa Anna-chan~ – aquele ser pequenino, alegre e barulhento saiu de trás de Kai como um cachorrinho abanando o rabo. – Há quanto tempo não nos vemos ne~

    — Pois é. – forcei um sorriso ao máximo, Uruha segurava o riso. – Como vai, Miyazaki-chan?

    — Bem melhor agora que o Kai-chan voltou ne – e agarrou-se ao Kai como uma menininha de cinco anos a um ursinho de pelúcia.

    — Nao-chan, esse é o Kai e a namorada dele e minha xará, Miyazaki Aoi-chan. – Aoi apresentou a namorada aos outros dois.

    — É um prazer conhecê-los. – Nao levantou-se e fez uma reverência.

    — Nee, Nagasawa-san, eu estava ansiosa pra te conhecer. Você é ainda mais bonita pessoalmente. – disse Miyazaki, com um tom de rosa colorindo as bochechas.

    — Obrigada, Miyazaki-chan. – Nao sorriu e encolheu os ombros – E igualmente. Quer vir me ajudar na cozinha?

    — Ah, será um prazer. – juro que se ela tivesse um rabinho o estaria abanando desvairadamente.

    — Nee, Anna-san, você também vem? – Nagasawa se virou para mim, sorrindo.

    — Ãhn, eu... – me encolhi debaixo do braço de Uruha como se pudesse fazê-las entender que eu não estava disposta a sair dali.

    — Vai, Anna. – Uruha sorriu cínico e deu uma piscadela. Eu quis matá-lo.

    — Vem, Anna-chan. – Miyazaki me puxou pela mão e me arrastou com elas até a cozinha.

    — Você cozinha, Anna-san? – perguntou Nao enquanto abria a tampa de uma das panelas e checava o conteúdo fumegante.

    — Ahn, não... Na verdade, não. – tomei um gole grande da cerveja que tinha na mão na tentativa de digerir com mais facilidade a situação toda.

    — É claro que cozinha, Anna-chan Não seja modesta ne ~! – disse Miyazaki, aproximando-se de mim e enganchando o braço no meu. – A Anna-chan faz o melhor missô que eu já comi

    — Não precisa exagerar, Miyazaki-chan. – balancei a cabeça, sem graça.

    — Claro que precisa. Anna-chan vai ser uma ótima esposa ne Muito melhor do que eu.

    — Que?! – o gole de cerveja que eu tinha começado a engolir resolveu sair pelo nariz.

    — Quero dizer... Você e o Uruha-san pretendem se casar, não pretendem? – ela fez aquele biquinho típico de quando falava com o Kai.

    — Ãhn... Não. Quer dizer... Não sei. – disfarcei.

    — Eeh... Vocês nunca falaram sobre isso? – indagou Nagasawa.

    — Não. Você e o Aoi falaram? – tentei disfarçar o espanto.

    — Ainda não. – ela sorriu sem graça, como se fosse uma coisa ruim não ter falado sobre casamento depois de pouco mais de um mês.

    — Não se preocupe, Nagasawa-san, tenho certeza que o Yuu-san não vai te deixar na mão. – Miyazaki encolheu os ombros e sorriu feito uma colegial – Quanto a você Anna-chan, você não pretende se casar o Uruha-san? Não me diga que você tem outro homem! Oh, não! Pobre Uruha-san~

    — Não, não, não é nada disso. Eu não tenho outro homem. – tentei não rir, mas era quase impossível – É só que casamento não está nos meus planos, não agora, nem em um futuro próximo.

    — Eeh... Mas... Quer dizer, o Uruha-san já tem quase 27 anos e bom, é melhor vocês se apressarem se quiserem ter filhos. – disse o pequeno poodle, como se desse o conselho mais precioso do mundo.

    — Filhos?! – me engasguei e tossi.

    — Você não quer ter filhos, Anna-san? – Nao me olhou, intrigada.

    — Não sei. Acho que não. Sei lá. – dei de ombros.

    — Eu acho que vocês deveriam ter filhos, sim. – ela sorriu – Quer dizer, eles iam ser lindos

    — A Nagasawa-san tem razão Sem falar que Uruha-san ia ser um ótimo pai. – Miyazaki levou os dois punhos ao queixo e sorriu.

    — Hey... Acho que o arroz já tá pronto. – desviei a atenção das duas, achando um esconderijo daquela conversa inconveniente.

    — Ah! É verdade! Miyazaki-chan, pode me ajudar a servir? – Nao tirou a panela do fogo e Miyazaki lhe alcançou algumas tigelas.

    — Eu vou ver se todo mundo já chegou. – murmurei e saí de fininho da cozinha, suspirando aliviada – Hey, cadê o Reita e o Ruki? – perguntei, ao chegar na sala. E como se eles tivessem brotado do meu pensamento pra realidade, o vocalista entrou pela porta, nervoso, seguido do baixista.

    — Ruki! Espera, vamos conversar! – e seguiu o baixinho até a sacada.

    — Acho que a minha pergunta já foi respondida. – sorri conformada e fui me sentar ao lado de Uruha. O loiro me olhou preocupado e eu devolvi o olhar.

    — Como foi a conversa de meninas na cozinha? – ele cochichou, cheio de ironia na voz.

    — Adorável. A senhorita no-panties já tá até pensando em casamento. – eu ri.

    — Sério? – Uruha riu também. – Primeiro a garota Knorr e agora isso.

    — Pois é. – respondi, sem prestar muita atenção, pois estava ocupada assistindo a discussão de Reita e Ruki pelo reflexo na tv.

  Não dava pra ouvir nada, afinal as portas de vidro eram à prova de som, só podia tentar supor o que eles diziam pelos gestos que eles faziam. Algo me dizia que aquela discussão acalorada dos dois tinha algo a ver com o que Uruha tinha me contado na manhã em que chegara da Europa. Reita esbravejava, fazendo o menor se encolher sob o peso de sua voz, Ruki rebatia em tom normal, até que em um momento, ele perdeu a cabeça e começou a gritar com Reita, como se lhe passasse um sermão. O baixista o olhava com uma expressão confusa, como se estivesse se sentindo diminuído pelas palavras de Ruki. O vocalista terminou de falar, pôs as mãos na cintura e ofegou, encarando os próprios pés. E então, do nada, Reita o abraçou com uma firmeza que fez os calcanhares de Ruki deixarem o chão. Só pude ver Ruki arregalar os olhos, espantado, e então empurrar Reita pelo peito furioso e voltar para dentro do apartamento, deixando a porta da sacada aberta. O vocalista passou pela sala e rumou ao banheiro, sem dizer uma palavra. Uruha respirou fundo e se levantou, murmurando:

     — Eu já volto. – e foi atrás do vocalista. E foi a minha vez de respirar fundo, levantar e ir até a sacada encontrar Reita. O loiro chacoalhava o isqueiro, em uma tentativa inútil de fazê-lo funcionar. Tirei meu isqueiro do bolso e acendi-lhe o cigarro.

     — Obrigado. – ele murmurou, tragando longamente. – Diga-me, Anna, o quão difícil é dizer para uma que você a ama? O quão difícil é engolir o próprio orgulho?

     — Passa longe de ser fácil, Suzuki. Antes de tudo você tem que se livrar da máscara que você usa pra tentar fugir dos seus próprios medos e angústias. É inútil tentar acobertar a solidão com mil amores avassaladores de uma noite só, meu caro Reita. Eu sei como você se sente. É difícil pra uma pessoa como eu e você, cheia de orgulho cômodo, mergulhada no próprio ego, admitir que tudo que precisa na vida é alguém para proteger e sentir-se protegido. Sabe, eu me lembro bem de quando eu conheci o Uruha. Eu não tinha ninguém, eu me enfiava de cabeça no meu sonho, tentando mostrar pro mundo que eu era a garota mais feliz do mundo apenas por ter conseguido realizar um sonho de infância. Mas quando eu chegava em casa, não tinha ninguém lá pra perguntar como tinha sido meu dia e dividir uma caneca de chá. E aí ele veio, naquela noite fria e estúpida, me olhou nos olhos e me tomou nos braços, o calor do corpo dele me atingindo como um tapa na cara, dizendo que era disso que eu precisava. Eu perdi o equilíbrio, o chão se abriu sob os meus pés, tudo que eu conhecia não importava mais, o que importava era o que eu estava para conhecer. Os dias ruins acabaram. Eu aprendi do melhor jeito possível o quanto é bom depender de alguém e saber que essa pessoa está lá quando você precisa. Aprendi que a vida é uma bobagem diante da eternidade do amor de quem realmente te ama. – as cinzas queimavam sozinhas entre os dedos de Reita enquanto ele encarava a cidade ao longe – Reita, diga-me... Você tem medo de ficar sozinho? – ele não respondeu – Porque eu tenho. Não sou ninguém sem o Uruha. E sabe, essa é uma das coisas de que eu mais me orgulho na vida. E agora, Reita? Faça algo de que você se orgulhe.

  Ele me olhou nos olhos, abriu a boca como se fosse dizer algo e então eu sorri para ele. Reita sorriu de volta e então eu o deixei, com um tapinha no ombro. Voltei para a sala e o jantar já tinha sido servido, os outros dois casais estavam sentados no sofá, tagarelando alegremente e comendo aperitivos. Instantes depois, Uruha apareceu no corredor, trazendo um Ruki de olhos inchados e vermelhos debaixo do braço. O baixinho fungou e então Aoi lhe alcançou uma cerveja, ele tomou um gole grande e jogou-se na poltrona, encarando os joelhos. Uruha veio me abraçar pela cintura e então me olhou, como se dissesse que estava tudo certo. Reita voltou para dentro da sala, livre do cigarro e com as mãos nos bolsos. Seus olhos pousaram sobre a figura do vocalista atirado na poltrona parecendo miserável demais até pra se mover. Aproximou-se dele, decidido, porém cauteloso, e tocou seu braço, chamando a atenção do menor.

    — Podemos conversar? – ele engoliu em seco – Lá dentro.

  Ruki lançou um olhar a Uruha, como se lhe perguntasse se devia mesmo ir conversar com Reita. Uruha sorriu discretamente e então desviou o olhar. E então Ruki se levantou e sumiu pelo corredor, seguido de Reita. O silêncio absurdo e uma tensão evidente tomou conta do ambiente. Eu passei os olhos por todos os rostos, procurando neles alguma evidência de consciência sobre o que se passava entre o baixista e o vocalista. Tudo o que encontrei foram olhares vagos e intrigados, como se ponderassem sobre o ocorrido, supondo motivos e desfechos. Uruha e eu éramos os únicos suficientemente informados sobre o assunto e cabia a nós desviar a atenção dos outros dois – sim, dois, Aoi e Kai, afinal as duas respectivas namoradas tagarelavam mostrando as unhas e cabelos uma a outra – daquela situação incômoda.

    — Ah... – hesitei por uns instantes, chamando a atenção dos quatro – Vamos comer? – e sorri, disfarçando.

    — Mas... O Reita e o Ruki... – disse Kai, do alto de toda sua ingenuidade. Eu não sabia que desculpa inventar.

    — Acho que eles não se importam. – Uruha interrompeu o funcionamento das minhas engrenagens na árdua tarefa de achar uma saída – Quer dizer, eles têm alguns assuntos importantes pra resolver, não acho que eles vão sair de lá tão cedo. – e sorriu como se não fosse nada de grave.

    — Por acaso vocês dois sabem de algo que a gente não sabe? – o baterista nos apontou.   

    — Não. – dissemos, em uníssono, quase imediatamente.

    — Tá. Claro. – E eis aí uma expressão no rosto de Kai que eu nunca tinha visto: a sarcástica.

    — Nee... – soou o alarme Knorr, depois de um curto silêncio – Se é assim, vamos comer~

    — Claro – Nao se levantou e Miyazaki a seguiu, enquanto colocavam os copos na mesa.

  Uruha soltou um suspiro aliviado, gêmeo do meu, quando os outros quatro finalmente se sentaram à mesa. Eu mastigava um pedaço de camarão, completamente alheia à conversa, assim como o loiro ao meu lado, ambos imaginando se os dois dentro do quarto teriam finalmente chegado a uma solução para o “problema”.

    — Nee, Uruha-san... – a vozinha aguda chamando Uruha me fez despertar do meu quase estado de transe – Eu estava falando com a Anna-chan sobre o casamento de vocês ~

    — Vocês vão casar?! – Aoi tossiu e engasgou.

    — Nós vamos casar? – Uruha me olhou rindo.

    — Não, quer dizer... Não é nada disso. – eu ri também.

    — É claro que vocês vão – completou Miyazaki.

    — Aoi-chan, não seja indelicada. – Kai ria, tentando conter a namorada. – Se eles não querem casar, não cabe a nós convencê-los.

    — Eu nunca disse que não quero casar. – disse Uruha, tranquilamente, enfiando um pedaço de cenoura na boca.

    — Que?! – meu joelho bateu na mesa e fez os talheres tilintarem.

    — Quer dizer, uma hora ou outra isso vai ter que acontecer. – ele engoliu o pedaço e sorriu calmamente, enquanto eu continuava pasma.

    — Não. De jeito nenhum. Casar é colocar o relacionamento na geladeira. E eu não quero parar de tocar você, pelo menos não até você parecer uma tartaruga. – Aoi e Kai riam, mas as duas garotas pareciam chocadas demais com a minha posição.

    — Minha mãe me mata se eu não casar em pelo menos três anos. – o loiro argumentou – Pense o que será da senhora Takashima se ela não viver para ver o seu caçula se casando?

    — Olha, eu adoro a sua mãe, mas ela vai arruinar a nossa vida sexual. – um curto silêncio se fez – Uau, isso soa bem estranho fora do contexto.

    — Só vai se você deixar. Por mim a gente casa e a libido continua a mesma. – Uruha tomou um gole de água e esticou-se na cadeira.

    — Só falta você me dizer que quer ter filhos também... – arqueei a sobrancelha e cruzei os braços.

   — Por que não? – ele deu de ombros. – Eu adoraria ter uma mini-você correndo pela casa, quebrando vasos e desenhando nas paredes.

   — Que fofo ne~ – Miyazaki interveio, cheia de doçura.

   — Uma menina?! Se ao menos fosse um menino. – bufei, enfiando um talo verde na boca – Isso é broto de bambu!?

   — É. – Nao respondeu, sem graça, enquanto eu cuspia a pasta verde parcialmente triturada em um guardanapo. – Algum problema?

   — Ela é psicologicamente alérgica. – respondeu Uruha, passando a mão nas minhas costas, enquanto eu tomava um copo de água o mais rápido que podia.

   — Como assim?

   — É mais ou menos assim, eu como uma vez, detesto e então meu cérebro bloqueia e para de aceitar esse alimento. – respondi, calmamente. – É assim com grão-de-bico também.

   — E ameixa-seca. – completou o guitarrista ao meu lado.

   — Exato. – balancei a cabeça.

   — Ah, me desculpe, Anna-san. – Nao corou.

   — Tudo bem, Nao, você não sabia, e além do mais foi distração minha. 

   — Você sabe tudo sobre a Anna-chan, não sabe, Uruha-san? É tão adorável nee – disse Miyazaki, apoiando o queixo nas mãos.

   — Não seria seguro não saber. – ele riu.

  Reita e Ruki apareceram no corredor, o vocalista vinha na frente, acendendo um cigarro, e o loiro o seguia, mãos enfiadas nos bolsos e ombros encolhidos. Um silêncio desconfortável tomou o ambiente nos instantes que se seguiram e eu percebi que as coisas não tinham saído exatamente do jeito que eu planejara.

    — Ãhn, Uru... Você vai demorar muito pra ir? – perguntou Ruki, um tanto titubeante.

    — Não, acho que não. Você quer carona?

    — Se você não se importa, eu quero sim.

    — Claro. Vamos, Anna? – Uruha se levantou e eu o segui.

    — Vamos. – me levantei e parei ao lado dele.

    — Mas já? Ainda é cedo. – Aoi se levantou também.

    — Nem tanto. Nós temos reunião amanhã de manhã. – Uruha apalpava os bolsos a procura da chave.

    — Parece o Kai falando desse jeito. – ele riu.

  Despedimos-nos de todos e seguimos até o carro em um trajeto silencioso e amargo. Ruki entrou atrás e afundou-se no banco, de braços cruzados, encarando um ponto qualquer pela janela. Uruha deu a partida e assim que paramos no primeiro sinal ele encarou o menor pelo retrovisor.

    — Ruki...

    — Hm? – resmungou o outro.

    — O que houve?

    — Você já sabe de tudo, não é, Anna? – perguntou Ruki.

    — Sei. – engoli em seco.

    — O Uruha confia em você.

    — É.

    — O que você disse pro Reita? – ajeitou-se no banco.

    — Nada de mais. Só alguns conselhos cabíveis a alguém tão orgulhoso quanto ele. – respondi.

    — Ele disse que quer tentar. – Ruki olhou pela janela tristemente.

    — E o que você disse? – perguntou Uruha.

    — Disse que ia pensar. Ele ainda parece muito confuso. Não sei se quero arriscar me machucar tanto assim. Vou deixar ele pensar mais sobre o assunto.

    — Você fez a coisa certa, Ruki. Não que eu ache que ele venha a desistir da idéia, mas é bom pra vocês dois que as coisas não aconteçam de forma tão abrupta. – comentei.

    — Tem razão. Não que tenha sido fácil dizer não, mas era coisa certa a se fazer, não era? – disse o baixinho mexendo nos cabelos.

    — Era sim. Não se preocupe, Ruki. Tenho certeza de que vai dar tudo certo. – disse Uruha, tentando animar o vocalista, enquanto estacionava na frente do prédio deste. – Anime-se, Ru-chan.

    — Vou tentar. – ele desceu do carro procurando as chaves.

    — Até amanhã. – disse Uruha e o outro respondeu com um aceno. – Se cuida.

    — Você também. – e entrou pelo portão.

    — Você acha que vai dar tudo certo? – o loiro me encarou parecendo desanimado.

    — Não vai ser rápido e muito menos indolor, mas vai dar tudo certo sim. – consolei-o, afagando seus cabelos enquanto ele dirigia para casa.

  Chegamos em casa e Uruha largou-se no sofá, sentei-me ao seu lado e liguei a tv.

    — Anna, escuta... Sobre aquele papo todo de casar, você tava falando sério?

    — Você quer dizer sobre não casar né? – eu disse, sem tirar os olhos da tv.

    — Por que não?

    — Não é o que eu quero pra nós.

    — Já parou pra pensar no que eu quero pra nós?

    — Uru... Por que é que você quer tanto isso? É só uma festa e um par de alianças, não muda nada.

    — Se não muda nada então por que não?

    — Porque depois que a festa acaba tudo perde o sentido.

    — Tudo o que?

    — Nós. Nossa maneira de pensar. Sabe, a gente vai começar a fazer planos e vamos desperdiçar nossas vidas tentando realizá-los.

    — O que tem de tão mal em planos?

    — Hoje é o casamento, amanhã é a casa, depois são os filhos, depois a casa maior, e aí o estudo dos filhos e por aí vai, e a gente se perde nisso tudo e esquece de viver. Não quero isso.

    — Anna, nada vai mudar. – me olhou nos olhos.

    — Vai sim. Nós vamos nos tornar pessoas chatas e bitoladas, e só vamos sair com nossos amigos casados pra conversar sobre coisas de casais, vamos brigar quase todo dia, eu vou jurar que não te aturo mais e aí quando nós fizermos vinte e cinco anos de casados nós vamos dar uma festa pra mostrar pra todo mundo quanto a gente se ama mas no fundo nós não somos felizes.

    — Por que é que você tem que ser tão negativista? – suspirou e passou as mãos pelos cabelos.

    — Porque eu sei que não dá certo, Kouyou. Eu cresci vendo tudo isso acontecer. Cresci vendo meus pais jogarem suas vidas fora por causa do casamento. Minha mãe gritava o tempo todo, nada era bom o suficiente, meu pai trabalhou à exaustão pra dar conforto pra família e não deu conforto a si próprio. Eu sei que soa muito romântico essa história toda de cerimônia, até que a morte os separe e tudo mais, mas acredite, Uruha, não é. As pessoas casam e depois passam as vidas tentando mostrar pros outros que são uma coisa que não são de verdade.

    — Pode ser diferente com a gente. – se aproximou de mim e passou os dedos pelo meu rosto, carinhosamente, tentando me persuadir. – Eu acredito em nós dois, Anna. Acredito no meu amor por você. Cegamente. E por isso eu acredito que nós vamos ser capazes de fazer tudo diferente, que vamos ser capazes de manter vivo o que nós temos hoje daqui a vinte anos.

    — Eu não sei, Uru. Tenho medo. – mordi o lábio inferior e tomei sua mão entre as minhas – Você é o que tenho de mais precioso na vida, Kouyou, não quero te perder por nada nesse mundo.

    — Então casa comigo.

    — Uru...

    — Eu prometo, Anna, que mesmo que você vire uma velhinha rabugenta eu nunca vou deixar de te achar a pessoa mais adorável do mundo. – e sorriu, me fazendo amolecer por dentro.

    — Idiota. Você sabe que eu não sei dizer não pra você. Te odeio por isso. – mordi-lhe a bochecha.

    — Isso é um sim? – ele riu, devolvendo a mordida.

    — É. Por enquanto. – torci o bico e ele me abraçou.

     — E os filhos? Quatro? Três meninas e um menino?

     — O quê?! Pera aí, Shima, não vai pensando que só porque eu resolvi deixar você colocar uma aliança no meu dedo que eu vou concordar com a idéia de ter um pirralho contigo, que dirá quatro!

     — Você vai querer. Tenho certeza. Uma hora ou outra você vai querer. – riu de mim e passou os dedos pelos meus cabelos.

     — Tá, vai nessa.

     — Vamos esperar uns dois ou três anos pra ver o que você acha até lá. – sorriu, convencido e eu não resisti a vontade de beijar-lhe os dentes.

     — Eu amo você. – sussurrei passando os dedos pelo seu rosto.

     — Não mais que eu amo você.

     — Claro que não. – eu ri.

     — Vem, vamos pra cama, já passou a hora de dormir mocinha. – levantou-se e me puxou com ele.

     — Dormir? Mas eu achei que... – murmurei, acariciando-lhe a barriga sob a camisa.

     — Vou pensar no seu caso. – ele sorriu pervertido e me arrastou aos beijos até o quarto.

  E então lá estávamos nós mais uma vez, envoltos nos lençóis macios, deixando que aquele sentimento febril tomasse conta de nós cada vez que nos tocávamos a pele e juntávamos os lábios. O carinho de Uruha, seus beijos quentes, a maciez de sua pele, o cheiro de seus cabelos, o veludo de seu olhar; as noites brancas em seus braços faziam a vida valer a pena.

 


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