Rainha do gelo

Outrora existia em um reino de inverno, uma Rainha,

Rainha com “R” maiúsculo, Rainha, Rainha do gelo

Seu olhar cativava, conservava, congelava, congelava

Com seus olhos cor do céu, e cabelos negros como a noite, que ondulavam no vento

O vento acabava com a noção de tempo porque o tempo se esquecera de rodar

Vendo os cabelos dela dançando no ar

Haviam pessoas que a amavam, como amavam a beleza e o frigor

Outras a odiavam, como odiavam a escuridão e o breu nada acolhedor

Mas todos conheciam, a Rainha, Rainha do gelo

Seu coração era um coração de inverno eterno,

Suas lágrimas eram lágrimas congeladas,

Que nunca caíram sequer uma vez.

E por causa de tudo isso ela não sentia, não sabia, ela não conhecia,

Nenhum sentimento ou coisa parecida,

Porque assim como em seu reino, seu coração era eterno, mas era gelado,

Frio, como o inverno.

Ela não conhecia o ódio, nem ciúmes, amizade, alegria, tristeza,

Ela não conhecia o amor,

Pobre Rainha, Rainha do gelo.

Até que em seu Reino de inverno, frio como gelo,

Chega um peregrino viajante em um garanhão dourado,

Que queria um conselho,

De qualquer alguém, menos de ninguém,

E andando pelos bosques congelados, com seu vestido comprido de estrelas eis que encontra alguém que tiraria sua dúvida

E lá estava a Rainha, Rainha do gelo.

O Peregrino estava numa busca,

Seu coração estava sempre flamejante, ardendo em chamas,

Chamas insanas, insanas.

Que evaporaram suas lágrimas e derretiam tudo ao seu redor,

Pessoas, animais, plantas, além de sentimentos,

Raiva, companheirismo, egoísmo, bom-humor,

Tudo era reduzido a pó.

Inclusive o amor.

Pobre Peregrino, Peregrino das chamas insanas.

Não conhecia o amor, e era isso que procurava, e perguntava para a

Rainha, Rainha do gelo.

Ela disse que também não sentia, nem sabia

Pra que aquela palavra existia,

Porque seu coração era um coração de inverno, vivia no gelo eterno

E suas lágrimas estavam congeladas.

Ela conta que era uma Rainha, a Rainha do gelo,

E era a única que sentia-se assim.

O peregrino, Peregrino das chamas intensas, segura a mão branca e fria,

da Rainha, Rainha do gelo.

E os dois sentem algo diferente,

Inexplicável, inigualável, insuperável,

Sentimento verdadeiro, resposta para a busca de ambos:

Eles encontraram o que tanto procuravam,

Encontraram o amor.

E no reino dela começou a nascer o sol,

Pela primeira vez, em tanto tempo,

No reino da Rainha, Rainha do gelo e do peregrino, Peregrino das chamas intensas

         O calor do coração das chamas intensas esquentava o coração de inverno eterno,

E o coração de inverno eterno esfriava o coração das chamas intensas.

E dois viraram um só,

Porque eles eram assim como o Sol e a Lua,

Ah, sim, eles eram o Sol e a Lua.

E contente então ficou

a Rainha, Rainha do gelo.

Um tempo se passou e o tempo esquentou,

E o reino todo celebrou,

Porque o manto frio do inverno talvez dessa vez fosse desaparecer,

E alegria pela primeira vez ela sentiria nascer,

A Rainha, Rainha do gelo.

E no último dia daquele inverno fatal,

a Rainha soube,

 que alguma coisa estava mal,

seu coração doía tanto,

e seu corpo o mesmo tanto,

beijou seu marido,

Pressentindo algo errado, e foi-se a varanda,

Olhando o céu estrelado e sem Lua, mirando-o.

E chorou uma lágrima,

Quando sentiu seu coração derreter aos poucos,

Pobre Rainha, Rainha do gelo.

 O dia está quase a amanhecendo quando o Peregrino, Peregrino das chamas intensas

Não encontrou sua Rainha,

                                                     E chorou uma lágrima,

Quando viu sua amada no céu cintilante e cheio de estrelas,

Uma linda noite de Lua Cheia chegando ao fim.

Assim como a beleza

da Rainha, Rainha do gelo.

Pois a Rainha derreteu,

Assim como seu coração de gelo,

E se juntou a nevasca,

Que mais tarde também teve um final assim,

Derretendo, originou a chuva,

Mas a chuva, essa não teve fim,

Pois um poeta certa vez disse

Que os círculos da chuva são como lágrimas,

Podem se romper, mas nunca irão ter um fim.

O peregrino das chamas intensas,

 não foi gentil como a noite, revoltou-se com a agonia da luz.

Subiu aos céus também.

E assim continuou a busca infinita um pelo outro, no céu dia e noite.

Mas eles nunca se encontravam,

 Só as poucas vezes que o peregrino, peregrino das chamas intensas corria mais que sua própria alma, ou quando andava mais devagar,

A Rainha, Rainha do gelo.

Porque eles eram assim como o Sol e a Lua,

Ah, eles eram o Sol e a Lua.