Páginas Vazias escrita por Marcela


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Ouuuutra one pra coleção. Boa leitura! :D



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     Os relógios de Paris já marcavam meia noite naquela sexta-feira. Algumas ruas da cidade ainda continuavam com a passagem frenética de carros e outras se preparavam para dormir. A chuva tilintava na janela embaçada pela respiração pausada de Marie. As gotas escorriam lentamente pelo vidro até atingirem o chão ou darem lugar a mais e mais água. A morena suspirou uma última vez antes de se dirigir à escrivaninha e pegar um papel e uma caneta.

 

     Cher Henry,

 

     Não pense que não te amei.

 

     Escreveu apenas uma frase e parou. Fixou os olhos verdes nas palavras e deixou com que uma lágrima enodoasse a folha. Amor... Quem lhe dera dizer que amar alguém era a coisa mais fácil do mundo. Ainda mais quando se ama a pessoa errada. Ou a pessoa certa na hora errada.

 

     Marie largou a caneta em cima da mesa e se levantou, secando o rosto. Parou perante o espelho ao lado da cama e se observou. Cabelos castanhos e lisos desordenados pela face e caindo desjeitosos pelos ombros pequenos, olheiras rasas sob os olhos e lábios vermelhos. Reparou nas lágrimas que mancharam seu casaco vermelho. Lágrimas salgadas que não queriam cessar em cair desde que entrara em casa.

 

     Voltara do trabalho com um sorriso desenhado na face. Havia comprado um vinho no caminho, imaginando chegar em casa e preparar um jantar romântico para seu namorado, Henrique.

 

     Ao entrar, largou as chaves em cima da mesa com desdém e estas acabaram derrubando alguns papéis no chão. Agachou para pegá-los e notou serem algumas contas e uma passagem de avião que venceria em quinze dias.

 

     Quinze dias. Duas semanas para Henrique voltar ao Brasil. Apenas duas semanas.

 

     Ainda agachada e com as folhas nas mãos ela percebeu como um ano tinha passado muito rápido. Henry - como ela costumava chamá-lo - havia lhe dito que ficaria apenas um tempo na França, mas a moça nunca dera atenção a esse detalhe. Um tempo demoraria a passar, pensou.

 

     Voltou a se sentar e tornou a escrever.

 

     Outra única frase.

 

     Posso garantir que o amei o suficiente para permanecer feliz durante todo esse tempo.

 

     Parou com o barulho que a porta fez ao ser aberta e fechada logo em seguida. Não virou o corpo nem deu atenção a seu namorado.

 

     — Bonne nuit, ma chérie.

 

     Henrique olhou para o céu pela primeira vez naquela manhã de terça-feira. Fazia calor e o sol estava acima da linha do horizonte, sozinho. Não havia uma nuvem se quer em meio ao céu azul anil. Talvez um borrão branco em algum canto, que o moreno não reparou. Fechou a porta de sua casa e andou com passos apressados até o Délices Café.

 

     Era para lá que ele ia toda manhã antes do trabalho desde que chegara à França. Muitas vezes apenas comprava um café e corria para não se atrasar. Mas aquele dia fora diferente. Saíra mais cedo de casa sem saber o motivo. Talvez quisesse aproveitar a paisagem enquanto andava. Não procurou achar respostas.

 

     Ao virar a esquina avistou a padaria e acelerou ainda mais seus passos. Não entendia o motivo da pressa até o momento em que a viu. Morena, alta, dos cabelos compridos e lisos. Vestia um vestido florido de cores claras e usava uma tiara delicada na cabeça. Henrique sorriu ao vê-la e entrou no local.

 

     Dirigiu-se ao balcão e pediu o mesmo café de sempre, sem tirar os olhos da moça sentada na mesa perto da janela. A garçonete sorriu para ele, mas este nem se quer notou. Fora simpático, porém rápido.

 

     Sentou-se em uma mesa não muito longe da moça. Sentiu seu coração se acelerar e tomou um gole do café, o que fez esse ofegar ainda mais. Henrique notou que a morena não tomava nada, apenas brincava com a flor do enfeite da mesa e tinha o olhar perdido. Então ela se levantou para pedir um café também. O homem fora atrás, esquecendo sua bebida na mesa.

 

     Parou atrás da moça depois de a ouvir dizer um obrigado à garçonete. Ela tinha a voz fina e aveludada. Henrique pigarreou para começar a dizer alguma coisa quando a morena se virou e esbarrou o copo de café no peito do que estava atrás dela.

 

     — Ai meu Deus, pardon!

 

     — Não tem problema! — Henrique respondeu rapidamente enquanto a moça procurava por algum guardanapo para consertar o estrago feito.

 

     — Te dei um banho de café e você nem se importa!? — a morena perguntou atônita.

 

     — Nem um pouco. Estou precisando ficar acordado mesmo. — ele riu, se divertindo com a situação.

 

     A moça havia ficado muito constrangida, o que fez o sangue subir em seu rosto. Tentou sorrir com a resposta do homem, mas falhou. Pediu perdão uma outra vez e pensou em sair correndo dali, mas sabia que só ia piorar a situação. Ficou calada, esperando ele quebrar o constrangimento.

 

     — Deixe-me lhe pagar outra bebida.

 

     — O quê? Não! Claro que não! — sua voz saiu falha e ela começou a tremer de tanta vergonha.

 

     — Ora, por que não? — o moreno franziu a testa enquanto falava.

 

     — A culpa foi minha. Você não deve me pagar nada.

 

     Henrique sorriu mais uma vez, ignorando-a completamente. Virou-se para o balcão e pediu outro café. A moça queria morrer de tanto constrangimento.

 

     — Pronto. E não se desculpe mais uma vez, senão deixo sua roupa igual a minha.

 

     Os dois riram juntos. O moço olhou no relógio e notou estar muito adiantado para o trabalho. Então convidara a bela mulher para dar um passeio. Felizmente, ela aceitou.

 

     — Não quero ficar conhecida como a moça desastrada do café. Portanto, me chamo Marie.

 

     O moreno riu. — Henrique. — estendeu a mão para cumprimentá-la.

 

     Atravessaram a rua e começaram a caminhar em direção à Torre Eiffel. O sol brilhava mais forte e Marie teve que segurar os cabelos por causa do vento.

 

     — Você não é daqui, não é? Quero dizer, seu sotaque francês é um tanto quanto diferente. — a morena perguntou enquanto andavam no jardim perto da Torre.

 

     — Sou brasileiro. Vou passar um tempo aqui por causa do meu emprego.

 

     Acabou que nenhum dos dois tomou seu respectivo café e Henrique perdeu a hora do trabalho.


          — Marie? — a voz de Henrique preencheu a sala à procura da namorada.

 

     Esta, porém, não respondeu. Sabia que, se pronunciasse qualquer palavra, sua voz sairia trêmula. Ainda estava sentada na cadeira da escrivaninha. Tinha o olhar perdido como no dia em que se falaram pela primeira vez.

 

     Aquele homem conseguira mudar sua vida em apenas algumas horas. Fora amor à primeira vista. Um tanto quanto irônico dizer que acontecera em Paris, a cidade do amor. Mas era a verdade.

 

     Depois daquele acontecimento, os dias passaram rapidamente, de forma que ambos tentaram aproveitar ao máximo cada momento, cada detalhe. Usufruíram juntos do calor do verão, das folhas do outono e também dos flocos de neve do inverno rigoroso da França. Estavam na primavera, curtindo as chuvas.

 

     Henrique fora encontrá-la imóvel no quarto. Aproximou-se lentamente sem dizer mais nada. Os pés vagarosamente encostaram-se no carpete e as gotas de chuva pingaram do seu cabelo até o chão. Seus olhos azuis observaram a morena quieta. Ele tocara seus ombros delicadamente e ela estremecera.

 

     — Mon amour?

 

     Marie continuou taciturna, mas rolou os olhos verdes para o amado. Possuía um olhar mórbido e murcho que assustou Henrique.

 

     Este selou os lábios em sua bochecha, depois na outra, no nariz, em sua testa. Beijou também seus olhos, sentindo o gosto das lágrimas salgadas que tornaram a cair. Enfim beijou seus lábios vermelhos. Porém, o beijo não fora correspondido.

 

     — O que está acontecendo, Marie?

 

     Nenhuma resposta.

 

     Derrotado, Henry se dirigiu ao banheiro. Retirou as roupas e ligou o chuveiro.

 

     Marie continuava olhando a folha em sua frente. Pegou a caneta mais uma vez e ouviu o barulho da água vinda do banheiro.

 

     Eu poderia lhe escrever mil páginas, embora meu coração já chore de saudades, mas quero que tenha pelo menos as minhas singelas palavras e o meu cheiro nesse papel.

Meus lábios já não podem mais pronunciar um “eu te amo”, mas minhas mãos ainda podem escrevê-lo.

 

     Amassou o papel com as mãos e o apertou contra o peito.

 

     Levantou-se e foi em frente do espelho mais uma vez. Retirou o casaco vermelho e a blusa de baixo, lhe restando apenas as roupas íntimas. Forçou um sorriso para si mesma. Deslizou os pés até o banheiro e abriu a porta lentamente.

 

     O vapor da água grudou em sua pele branca. Suas mãos abriram a cortina do Box com delicadeza. Viu as costas de Henrique. Os ombros largos, os braços fortes. A água escorria pelo seu corpo. O moço se virou para ela. Ambos os olhares se cruzaram em um encontro frenético.

 

     Então ela avançou, beijando-o urgentemente. Os lábios dançando em sua boca, em seu pescoço, mordiscando a linha do maxilar. Henry não demorou a pegar o ritmo da moça. Segurou-a em seu colo. As pernas se enrolaram em sua cintura e as mãos apertaram-lhe o pescoço, subindo para o cabelo e descendo pelas costas.

 

     Ele deixou que ela comandasse. Como se fosse a última vez.

 

     Lembrou-se da primeira noite de amor que teve com Marie. De seu corpo colado no dela. Do calor da pele da moça transpirando junto com o seu. Do barulho do vento na janela do quarto. O cenário cândido lá de fora. A neve, os fogos de artifício celebrando um ano novo. Uma nova vida. Para os dois.

 

     Sentia como se cada parte do corpo de Marie, cada célula, pedisse por amor, por compaixão. Ele sabia o motivo das lágrimas da amada. Por mais que odiasse admitir, sabia que foram derramadas por causa dele, por sua culpa. Ela ainda chorava, mas a água do chuveiro se misturava com as gotas em seu rosto.

 

     Henry terminou de despir a moça. Encontrou seu sexo e o seduziu vagarosamente como na primeira vez. Sentiu Marie ceder aos poucos. Ela era sua. Ele sabia disso. Sabia desde o momento em que a viu na padaria, pela primeira vez, desde que ela derrubara café, enodoando sua camisa preferida. Nada fora em vão.

 

     O papel em que Marie escrevera frases de despedida estava jogado no chão do quarto. Amassado e cheio de lágrimas. Não havia mais importância naquelas palavras. Elas não mudariam nada.

 

     O que restaram foram apenas páginas vazias, dois amantes sob a água e a chuva batendo na janela.


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Notas finais do capítulo

Finalmente voltei a escrever! Escutem os sinos dos anjos! HAHAHAHAHA Brincadeira.
Espero mesmo que tenham gostado de mais uma one shot minha! :D
Confesso que demorei para pensar em um enredo decente. Tantas idéias que não cabiam mais na minha cabeça, mas lá permaneciam. Até que fui juntando alguns detalhes e VOILÁ! Surgiu esse conto. HAHAHAHA!

Enfim, comentem aí, galera! Beijos!



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