Harusame escrita por nandahh


Capítulo 1
Chuva de primavera


Notas iniciais do capítulo

Foram retiradas algumas falas de outros mangás e feitas alusões sobre certos assuntos. Vocês encontrarão no final do capítulo, nos asteriscos*, as explicações de tudo.

Enjoy and arigatou~



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“De repente começou a chover...

Mesmo ainda sendo primavera...”

 

         Lealdade, disciplina, coragem.* Valores que ele sempre deveria seguir. E pregar. Em pleno período feudal japonês, as coisas não eram tão, digamos, “rotineiras” quanto parecem. Servir ao senhor feudal, treinar, lutar incansavelmente nas batalhas em que retornar delas vivo seria o mais importante. Realmente, a vida de um samurai não era daquelas de se ter inveja.

         Ken era seu nome. Achava irônico o fato de seu próprio nome significar ‘espada’. A katana era a ferramenta mais importante para um samurai. E não era fácil manejá-la. Um árduo treinamento era preciso, todos os dias, durante várias horas.

         Muitos podem achar que por ser um guerreiro que mata o inimigo sem piedade, o samurai era um ser frio, sem sentimentos. Ora, mas eles também eram humanos... certo? Ken não era diferente. Ao contrário, era o mais descontraído e sorridente do grupo de jovens samurais que iniciava seu treinamento.

         Mas por trás de um sorriso, pode esconder-se uma história triste. Ou trágica. Ken havia perdido os pais ainda muito mais jovem do que é agora. Foram assassinados, bem à frente de seus olhos. Por muito pouco, ele também não fora morto. Muitos pensariam que aquele pobre garoto não iria sobreviver sozinho, e, com todo aquele sangue manchado em seu ser, não conseguiria viver em paz. Mas Ken decidiu por se tornar forte. E vingar seus pais.

         Talvez esse fosse o sentimento que ele mais queria esconder.

 

         Honra...

 

         Dizem que um samurai deve nomear sua espada. A maioria dos guerreiros, amigos de Ken já haviam feito isso. Ele ainda não. Não tinha idéia do nome que colocaria em sua espada. Não estava muito preocupado com isso, talvez.

         Sem dúvida, os treinamentos eram pesados. Especulações de que uma batalha estava por vir faziam com que seu mestre os preparasse amargamente. Nem por isso, Ken deixava de sorrir. Seus “colegas de classe” não entendiam o porquê de tanta alegria.

         Ken apenas respondia:

         - Se você tem algum problema, sorria para ele. Assim, ele entenderá que você tem força para combatê-lo.

         Era seu lema.

         E esse lema tinha uma explicação, afinal. Como qualquer ser humano, Ken também amava. Sim, amava. Uma sacerdotisa que residia em um templo próximo. Seu nome era Hanna. Ele ainda achava irônico como uma mulher como ela tinha um nome que significava algo tão belo, tão doce e ele, um guerreiro, com um nome manchado na mais rubra cor existente.

         Mesmo assim, ele a amava.

         E ela, correspondia.

         Ken a conheceu quando entrou para aquele grupo de samurais. Ela, sempre sorrindo, indicou qual era o caminho para a casa onde eles residiam. O sorriso daquela jovem misteriosa encantou nosso samurai.

         Um dia, Ken voltou para vê-la. Queria saber quem era, o que fazia. Hanna espantou-se com tão inesperada visita. Mas também queria conhecer aquele jovem guerreiro. Seus olhos expressavam profunda tristeza. Era o que ela percebia. Conversando com ele, Hanna descobriu sobre a tragédia que envolvia seu passado.

         - Então, você se tornou samurai para vingar seus pais?

         - Sim.

         - Me diga... Você acredita que a vingança vai mesmo satisfazer seu espírito? – Hanna perguntou.

         - Talvez assim eu consiga viver em paz...

         -Está errado.

         Era a primeira vez que alguém discordava tão rápido de Ken. Apesar de jovem, ele já possuía a fama de exímio espadachim. Era temido. E muitos ainda não sabiam disso.

         - O que disse?

         - Você está errado.

         - O que você sabe sobre isso?

         - A vingança não vai trazer seus pais de volta, Ken.

         Ele calou-se.

         - Ela apenas te levará em direção as suas próprias ruínas. A vingança é um caminho que guia o ser até o abismo. Esse não é um sentimento que um samurai deve carregar no coração.

         - Eu...

         - Se você lutasse para que sua tragédia não se repetisse com outras pessoas, tenho certeza que seu coração se livraria de todo o sangue que o mancha. Um samurai protege aqueles que ama.

         Ken estava com os olhos repletos de lágrimas. Há muito tempo ele não chorava. Como aquela jovem havia o atingido daquela forma? Mas suas lágrimas não eram sinal de fraqueza.

         - Ken, o que acontece quando a neve derrete?

         - Ela... se torna água?

         - Não. Chega a primavera.*

         Nessa hora, Ken viu o sorriso mais sincero que alguém já lhe havia dado. Hanna limpou as lágrimas do rosto do jovem samurai e fitou seus olhos azuis.

         - O amanhã sempre vai chegar. Viva para que ele se transforme num presente pleno e especial.

         - Hanna...

         - Sorria. Sempre, sorria. Se você tem um problema, mostre para ele que você tem força para combatê-lo.

         Desse dia em diante, Ken realmente entendeu o que sentia. A presença de Hanna aconchegava seu coração. Os dois viam-se com menos freqüência, pois seus treinamentos estavam cada vez mais freqüentes. Mas sempre que se encontravam, suas mentes eram tomadas pelo sentimento mais valioso que existe.

        

         Amor.

        

         E como Hanna havia dito, a primavera chegou. A casa de treinamentos, do senhor feudal e o templo estavam repletos das mais belas cerejeiras. As sakuras adornavam os jardins com seu belo rosa. O perfume exalava por toda região.

         Era a estação mais linda do ano.    

         Hanna adorava sentar-se embaixo daquelas cerejeiras. Ela amava suas flores e o lindo visual que ofereciam. Não é atoa que seu nome significa “flor”.

         Ken admirava sua beleza, toda vez que ela se dedicava a ouvir e a se integrar com a natureza. Ela sempre sorria, independente de como se sentia. O jovem samurai realmente entendeu que aquele sorriso não era sinal de refúgio. E sim, de honestidade.

         E apesar de tudo, Ken ainda não havia declarado seu amor à Hanna.

         Por que, vocês se perguntam?

         Porque se alguém descobrisse, Hanna poderia estar em perigo. Todos que se envolviam com um samurai estavam aptos a sofrer. E a última coisa que Ken queria era que Hanna sofresse por ele.

         Mas será que guardar esse sentimento em seu coração era o certo?

 

         (...)

 

         Quente. Realmente, era uma estação quente. Os treinamentos estavam cada vez mais duros. A ameaça que o senhor feudal sofria estava se tornando mais constante. A qualquer hora, poderia ocorrer uma invasão àquelas terras.

         E como dever do samurai, a lealdade com o senhor deveria sempre vir em primeiro lugar. A desonra fazia com que o samurai cometesse suicídio, atravessando a espada no próprio ventre.* A vida de um samurai não era fácil.

         Afinal, eles eram guerreiros.

 

         (...)

 

         Ken havia percebido que se não revelasse seus sentimentos para Hanna, um dia poderia ser tarde demais. Decidiu por ir até ela. E entregar seu coração àquela sacerdotisa. E mesmo que não fosse correspondido - o que não aconteceria, pois ela também o amava, ele permaneceria com aquele mesmo sorriso que, um dia, ele aprendeu a demonstrar.

         O dia estava um pouco nublado. Apesar de ser primavera, às vezes a chuva se revelava. Ken acordou, levantou-se e se vestiu. Estava ainda bem cedo, mas ele sabia que se fosse até o templo, encontraria Hanna acordada. Saiu e pôs-se a caminhar até lá.

         Hanna varria algumas pétalas secas que estavam ao chão, quando avistou Ken vindo em sua direção. Ela alegrou-se, colocou a vassoura de palha encostada em qualquer canto da parede e esperou que o jovem chegasse.

         Mas isso nunca aconteceria.

         Estalos foram ouvidos. Era o aviso. As terras estavam sendo invadidas. Ken parou bruscamente. Sabia que teria que voltar imediatamente para pegar sua katana e ir lutar. Ele virou-se novamente para a sacerdotisa que, sorrindo, fez sinal de positivo com a cabeça, indicando que Ken voltasse, para poder lutar. Ela conhecia o dever de um samurai. E tampouco o que aconteceria se esse dever não fosse cumprido.

         A última coisa que ela queria era ver Ken sofrer. Outra vez.

         Ken gritou para que ela e todas as outras sacerdotisas se escondessem. E com o olhar, comunicou-se com os olhos de Hanna, expressando sua promessa.

 

“Eu voltarei!”

        

         Pois ele havia prometido ao seu próprio ser que diria a Hanna tudo o que sentia...

         De fato, as terras estavam sendo invadidas. Cavalos, samurais e outros guerreiros atacavam e destruíam tudo o que podiam. Ken avistava seus amigos samurais a lutar e se juntou a eles. O céu estava cada vez mais nublado. É, ia chover...

         O sangue espalhou-se para todo o lado. Flechas atravessavam as armaduras dos guerreiros, enquanto espadas transpassavam seus corações. Os dois lados estavam perdendo, como em qualquer guerra. Com o tempo, Ken e os outros foram se afastando da casa principal, levando a batalha para longe de lá. Mesmo assim, era impossível deixar algum lugar livre de todo aquele rubro.

         A derrota era imperdoável para um samurai. Ken havia prometido que sua tragédia não seria a mesma de outras pessoas. Havia jurado lealdade ao seu senhor. Havia prometido se tornar um guerreiro forte, para proteger todos aqueles que amava. O sorriso de Hanna veio à sua mente. Lembrou-se do amor que construiu por ela. Tudo isso lhe deu forças para continuar aquela batalha, que parecia invencível.

         A força que ele tirou de seu coração foi maior do que a força bruta que os inimigos usavam.

         Foi assim que ele sobreviveu.

         Ele e mais alguns samurais.

        

         (...)

        

         Depois daquela incansável batalha, tudo o que viam ao seu redor resumia-se em uma única palavra: destruição. Com certeza, eles tinham conseguido proteger o senhor feudal. Mas muitos companheiros foram mortos em batalha. Empregados da casa também sucumbiram à fúria dos inimigos. Ken tentava refugiar-se em seu coração, vendo todo aquele sangue à sua volta. Lembrou-se da tragédia que assombrava seu passado e mesmo com a batalha acabada, ele sentiu medo.

         Os sobreviventes retornavam à casa principal, para ver o que tinha sobrado dela. Ou quem. Muita coisa quebrada, queimando. Animais e pessoas mortas. Muitos feridos. Ken guardou a katana manchada de sangue na bainha e correu para ajudar tais pessoas. Mas alguma coisa estava fazendo seu coração doer. Algo lhe dizia que Hanna estava sofrendo.

         Ao olhar em direção ao templo, viu fumaça. Ken avisou aos companheiros que iria até lá verificar tudo, e saiu correndo naquela direção. Mesmo ferido, correu com todas as forças. Seu coração estava apertado. E as primeiras gotas de chuva começavam a cair.

         Ken parou bruscamente ao ver que tudo que ele mais queria proteger estava destruído. O templo estava em ruínas. O sangue das sacerdotisas e de alguns samurais estava espalhado pelo chão. O samurai desesperou-se. Começou a gritar pelo nome de Hanna, incansavelmente. Correu de um lado a outro, em busca da jovem que tanto amava.

         Seu corpo ficou estático. Seus sentidos pararam. Seus olhos perdiam o foco ao ver o corpo de Hanna caído, ensangüentado perto da cerejeira que ela tanto amava. Ken não conseguia ter uma reação. Mas seu coração o impulsionou a encontrá-la. Ken correu em sua direção, caiu de joelhos ao seu lado e a pegou nos braços.

         - Hanna! Hanna! Não, não... Por favor, não me deixe... – Ken a envolvia em seus braços, tentando uma resposta.

         Todos os sons pararam para Ken. Ele só queria ouvir a voz de sua amada novamente. Chorava, desesperadamente em seus braços. Até que por um ínfimo sinal de força, ela chamou seu nome.

         - K-Ken...

         - Hanna! Você... está viva!

         - Ken, eu...

         - Não, não fale! Fique quieta, eu vou te tirar daqui e chamar alguém para te ajudar. Então—

         - Ken... – ela já não tinha forças para falar. Estava sangrando muito – A minha vida nesse mundo chegou ao fim...

         - O quê? Não! Você não vai morrer! Hanna!

         - O-obrigada por tudo que você me fez viver... – Ela cuspia sangue pela boca.

         - Hanna! Por favor! Não... – Ken chorava. Suas lágrimas caiam no rosto de Hanna.

         - Ken, não chore... Eu... eu quero que você seja muito feliz... Prometa para mim... que você vai ser muito feliz... – Sua mão encostou no rosto de Ken, como que para limpar suas lágrimas.

         - Han—

         - Eu te amo...

         Seus olhos perderam o brilho. Ela sorriu pela última vez e sua mão escorregou do rosto de Ken.

         - Hanna? Hanna!!!!!

         Ken chorava com todas suas forças. Abraçava o corpo da mulher que amava, tentando se desculpar pela promessa que não cumpriu. A chuva já começara a cair. Tudo silenciou-se. Só o barulho da água podia ser ouvido.

         - De repente começou a chover, Hanna... Mesmo ainda sendo primavera...

         A água da chuva misturou-se com suas lágrimas. Ken ainda segurava o corpo de Hanna. Estava sem expressão facial. Por alguns segundos, todos os momentos que ele passou com a sacerdotisa atravessaram-lhe a mente. E seu sorriso foi a última coisa que ele conseguiu ver.

         Ele a havia perdido. O último pedido que ela lhe havia feito é de que ele fosse feliz. Como ele poderia ser feliz sem ela?

         Mas de uma coisa ele sabia...

         Hanna ficaria muito triste se ele também estivesse triste.

         A chuva foi ficando mais fraca. E cessou. A água que escorria do rosto de Ken já não eram suas lágrimas. Uma sakura caiu sobre o rosto de Hanna. Mesmo depois de todo o ocorrido, aquela flor ainda mantinha-se viva. Assim também seria com o espírito de Hanna, que permaneceria por toda a eternidade vivo no coração jo samurai.

         Era o que Ken também iria fazer.

         - Eu te amo, Hanna...

         E Ken também sorriu. Pois cumpriria a promessa de ser feliz.

         Ken deixou o corpo de Hanna ao chão. Outras sakuras caiam sobre ela e sobre Ken. Flores tão belas, que sobreviveram àquela batalha. Ken decidiu-se: iria viver.

         Viver e continuar a sorrir. Tudo que Hanna lhe havia mostrado e ensinado. Ela fez com que o jovem samurai prometesse que aquela tragédia não aconteceria com outras pessoas. E para isso, ele deveria viver. E lutar, incansavelmente...

         - Chuva de primavera... - Disse Ken, ao virar seu olhar para o céu.

         Não era muito normal chover na primavera. Talvez tudo aquilo tinha ocorrido para limpar definitivamente o coração e o espírito de Ken. Ele retirou a espada da bainha, olhou para Hanna, para as cerejeiras que ainda estavam vivas, sorriu e finalmente, decidiu o nome de sua katana.

 

         Harusame.*

 

 

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*¹ - "Bushido" é o conjunto de valores pregado pelos samurais

*² - Essa fala foi retirada do volume 2 de Fruits Basket - Capítulo 12

*³ - "Haraquiri" é o nome dado a esse ritual de suicídio

*³+¹ - Harusame foi o nome que Amida Maru (Shaman King) deu à sua katana, por ter chorado sobre ela, em uma de suas primaveras (Daí, 'chuva de primavera')


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Notas finais do capítulo

Waaaaa, me desculpem pelo final trágico T_T

Espero que tenham gostado mesmo assim :D

Arigatouuu por ler~~
Reviews?!

Tks a todos -q