Na Escuridão das Bestas escrita por CuteMari


Capítulo 1
Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/98414/chapter/1

A princesa estava presa na escuridão há tanto tempo que nem lembrava mais qual era a sensação da luz. Como nada enxergava, andava o tempo todo com as mãos estendidas, mas jamais encontrou um apoio ou parede. Nunca soube para onde ir, mas também nunca parou de andar. É verdade que não sabia o caminho, mas tinha o mais importante, esperança.

"Ele vai voltar. Ele vai voltar." Era só isso que conseguia repetir para si mesma, embora nem soubesse de quem estivesse falando. Sua mente se mantia nebulosa, tornando difícil o acesso a suas raras lembranças fazendo com que ela nem mais se conhecesse. Algumas vezes ela chegava a cair, como se seu volumoso vestido e seus sapatos de cristal fossem um fardo pesado demais a carregar. Quando isso acontecia, ela permanecia um tempo incontável sentada no chão abraçando seus próprios joelhos. E as lágrimas escorriam sem permissão, abundantemente.

Quando ela levantava de novo, era porque estava imersa em medo. Mesmo sem ver nada, ouvia sussurros por todo o lado, respirações e ganidos estranhos. Nunca nada tinha encostado nela, mas ela sabia que não estava sozinha onde quer que estivesse. E temia ver a forma dos monstros que lhe espreitavam todo o tempo.

Até que certo dia a princesa caiu e não pôde mais se levantar. Soluçava desesperada e tentava tampar seus ouvidos com as mãos, cansada dos ruídos à sua volta. Como se percebessem que a menina fraquejara, as feras passaram a rugir, e suas vozes ecoavam alto, ferindo-lhe os ouvidos. Mesmo estando no escuro, fechou os olhos com força, como se isso fosse evitar que as criaturas lhe atacassem. E quando já havia desistido de tudo e seu choro foi diminuindo em redenção percebeu que o silêncio finalmente reinava ao seu redor.

Tinha medo de abrir os olhos, e quem sabe, descobrir-se morta. Mas depois de pensar por um instante, preferiu realmente estar morta. Mesmo assim não pode deixar de sentir uma claridade sendo filtrada por suas pálpebras. Surpresa, abriu os olhos de uma vez, mas teve de fechá-los novamente, pois a luz ofuscou sua vista. Enquanto sua visão se acostumava à iluminação forte, ela sentia que estava sendo transportada do seu labirinto escuro para um lugar totalmente diferente.

Quando finalmente conseguiu enxergar, em sua frente havia apenas um belo corredor branco, ornamentado de ouro, com um tapete carmin no meio. E mesmo não sabendo onde ele daria, a garota começou a correr, sentindo-se simplesmente feliz por ter um caminho a seguir. Em certo ponto, abaixou os olhos e notou que sua roupa estava inteira rasgada e suja, seus sapatos estavam lascados e havia arranhões por todos os seus membros. Se surpreendeu, pois nunca sentira realmente nenhum deles.

O ritmo de sua corrida diminuiu, pois depois de um tempo, a princesa achava que não chegaria a lugar nenhum e que aquele caminho era só mais uma ilusão. Mas então, viu despontar no fim do corredor a figura de um homem. Mesmo não distinguindo seus traços a garota sabia que o conhecia e não hesitou em ir ao seu encontro. A medida que se aproximavam, percebeu que ele também corria para perto dela e lentamente ela sentiu que todo o seu corpo se preenchia de um calor confortável que há muito não experimentava.

Mesmo não tendo nenhuma referência, seu instinto dizia que era por ele que tanto esperara e por nenhum momento ela achou que duvidar seria uma boa opção. Aos poucos, enxergou em seu tronco um cinturão com dezenas de dentes retorcidos incrustrados. Suas roupas, assim como sua espada, estavam cobertas de um sangue negro e viscoso se misturando com seu sangue puro e de cor vívida que escorria de uma profunda perfuração em seu ombro. Em seu rosto haviam vários cortes profundos e espalhados, todos em diferentes fases de cicatrização. Mas ele não parecia sentir nenhum deles, pois seus olhos pareciam sorrir ao segui-la pelo caminho.

Então, no momento em que se encontraram e se deram as mãos, todas as chagas de ambos sumiram instantaneamente. Quando se olharam de novo, se viram vestidos em roupas totalmente novas e limpas. Dos machucados não restava nem cicatriz nem dor a ponto de jurar-se que nunca estiveram lá. Os olhos dele brilharam e ele abriu um sorriso cativante que a princesa, inevitavelmente, correspondeu com a mesma intensidade.

Finalmente, enquanto a garota ainda lhe fitava e viu-se refletida pelos olhos claros e cristalinos dele, foi que suas lembranças vieram à tona e também a certeza que era por ele que ela tanto esperara.

– Obrigada. - Disse, ficando nas pontas dos pés para alcançar-lhe os ouvidos.

– Eu te amo. - Sussurrou como se tal razão dispensasse qualquer agradecimento.

Ela apertou as costas do guerreiro num abraço forte, seus delicados braços em contraste com suas costas muscolosas. Ela encostou sua cabeça em seu peito, pois seu ritmo forte e seguro fazia com ela se acalmasse. Aos poucos, seu coração disparado se ajeitava ao ritmo do dele, enquanto ele pacientemente acariciava seus cabelos compridos e dourados. Mas não demorou muito até que suas lágrimas voltassem a molhar a roupa dele.

– Não chore mais, por favor. - Ele pediu calmamente, embora sua voz oscilasse por sentir a dor dela.

– Não parta novamente... Não me deixe... sozinha. - Disse ela entre soluços. O ar faltava em seu peito e ela mal conseguia falar.

– A única coisa que eu posso prometer é que, não importa o que me arranque daqui, e nem o que eu tenha que enfrentar para vir a seu encontro, eu sempre voltarei. - Ele tinha tanta confiança enquanto falava, que a princesa se sentiu melhor.

Delicadamente, ele levantou o rosto dela pelo queixou e fez com que ela o olhasse nos olhos. Com cuidado, limpou-lhe as lágrimas. Puxou-a para o seu ombro e sussurrou em seu ouvido:

– Eu só preciso que você seja forte.

A garota suspirou e enconstou a bochecha na dele, que era macia e agradável. Fechou os olhos novamente e desejou que ele nunca mais tivesse que ir embora. Ambos respiravam juntos. Não achavam necessário falar mais nada. De novo ela se concentrou no som do coração dele. Estava tão feliz quanto insegura, mas queria acreditar que tudo daria certo.

De repente, o príncipe dá um ganido baixo e rápido. Rapidamente a princesa abriu os olhos apenas a tempo de sentir todo o calor que envolvia seu corpo se dissolver num frio cortante. E as mãos que antes a amparavam, se tornaram garras que se enfiavam entre suas costelas causando uma dor aguda e lascinante que, aos poucos, sugava todas as suas forças. A claridade ofuscante do corredor branco tinha se tornado numa iluminação opaca e ela tinha certeza estar sendo levada de volta aos tortuosos corredores anteriores.

Com terror ela percebeu que quem a segurava com as unhas, evitando qualquer reação, era a bruxa de quem a garota era prisioneira. Sentiu seu pulmão ser perfurado e começou a ofegar. Seus braços tremiam de frio, e a respiração da bruxa em sua orelha a fazia se arrepiar e sentir repulsa.

Olhou para os lados e enxergou milhares de feras amontoadas em todas as paredes, as feras que sempre ouviu ao seu lado. Desejou que, como antes, não pudesse vê-las. Eram bestas. Aberrações de muitos olhos, tentáculos, presas e garras. Olhavam para ela fixamente, como se imaginassem o momento em que a devorariam. Seus olhos brilhavam na escuridão apenas parcial, se destacando num vermelho maligno e ávido.

A bruxa então a libertou do abraço mortal e a dor foi tanta que a princesa não pôde evitar gemer. Totalmente fraca, caiu ao chão assim que não teve mais o apoio do corpo gelado da bruxa. A cada respiração, seu peito latejava e seu coração batia mais fraco. Sabia que tinha que ser forte, mas quando viu as feras se rastejando para se aproximar dela, ela não pôde evitar a vontade de desistir,

Começou novamente a chorar novamente, e então a bruxa, senhora das profundezas, sussurrou seu nome, tal palavra tão obscura e cruel que embaçou seus pensamentos e fez com que a princesa se esquecesse de tudo que se lembrava. Novamente o breu dominou o ambiente e novamente a princesa estava perdida na escuridão, tremendo de medo toda vez que as feras repetiam entre sibilos o nome de sua soberana: "Solidão" .


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Na Escuridão das Bestas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.