Em Um Solstício escrita por Tsuki_no_Hika


Capítulo 1
Em uma noite...


Notas iniciais do capítulo

As frases en itálico são as frases da menina e as em negrito são as do menino.
Itálico e negrito são os dois falando em conjunto. ^-^



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Ele tinha feições diferentes, estranhas. Seu sorriso não era uma curva para cima, era uma linha reta, sem expresso alguma. Seus cabelos desgrenhados, bagunados, presos em um rabo-de-cavalo mal cuidado. Roupas estranhas e negras, gande demais no comprimento, porém caiam como uma luva em seus ombros e quadris. O óculos jogado torto no rosto. Olhos negros levemente avermelhados completavam aquela estranha criatura.

Mamãe o olhava e falava para eu não olhar. Dizia que era uma má influncia. Mas eu achava que não.

Ele tinha personalidade única. Nunca conversava com ninguém, sentava em uma carteira isolada no fundo da sala em uma ilha. Ninguém o conhecia. Mas eu queria.

Só sabia que ele fazia alguma arte marcial durante as tardes de quarta e sexta-feira. Eu vi seu corpo sendo definido ao longo dos anos do ensino médio. E eu tinha curiosidade de conhecer aquela curiosa criatura que no expressava seus sentimentos.

Mamãe dizia para manter distância dele, mas como poderia eu, se me sentia como um pólo positivo de um ímã sendo terrivelmente atrado pelo pólo negativo de outro ímã? Mas disso mamãe não sabia. Nessas horas me perguntava se mame já havia amado.

Queria conhecê-lo mais. Foi então que comecei a segui-lo.

Por que essa guria precisava ficar me olhando? Ela era estranha. Cada dia vinha com os cabelos loiros amarrados de algum jeito diferente, com uma fita de cor diferente. O esmalte sempre comido, metade da unha pintada de roxo, metade na unha pura. Sentava na primeira carteira, se afundava nos livros e durante as aulas fitava e perguntava aos professores até no poder mais. Só tirava os olhos deles no intervalo de aulas para me olhava rapidamente.

Aquilo me irritava. Ela era irritava. Mas algo de diferente havia naquela estranha da primeira carteira.

Quando ela não me olhava, meus olhos eram atraídos por aquela curiosa criatura, que embora me irritasse, deixava-me curioso.

E logo notei que ela comeava a me seguir.

Estudava todos os dias a tarde, menos nas quartas-feiras. Fazia prova nesses dias e depois saia, corria para pegar o mesmo ônibus que ele e sempre descia um ponto depois, na esperana de que ele não me notasse.

Bobagem.

Descia no ponto e de novo corria atrás dele. Aquela mochila explodindo de livros me pesava nas costas, mas não me importava. Corria atrás de uma esperança de futuro.

Ele entrava na aula s 16:30 e saia s 18:00. Eu o esperava comendo um sanduíche caseiro na praça ao lado da academia de artes marciais, enquanto ouvia músicas de MPB para me acalmar. E descascava minha unha recém pintada de púrpura.

Quando ele saia, escondia-me. Tinha vergonha e medo que me visse.

Bobagem.

Meu rosto corava, mas felizmente o céu escuro de outono fazia com que as outras pessoas não vissem.

Seguia-o e pegava o ônibus dois pontos depois dele, para evitar novamente que me descobrisse. Descia um ponto antes, pois sabia que morava logo ao lado, cinco quadras exatas da minha casa.

Mamãe me perguntava onde estava, dizia que ficara na biblioteca municipal estudando.

Eu contava quanto tempo fazia que aquela guria me seguia. Dois meses e pouco. Ela tentava disfarar descendo e subindo em pontos diferentes, mas era inútil. Eu reparava. Anos de kung fu ajudaram a melhorar minha percepção.

Eu sabia que ela sempre trazia o mesmo sanduíche de ovo com alface e comia-o ouvindo músicas brasileiras.

Naquele parque ficava sentada toda quarta-feira até eu sair do treino. Quando eu saia ela se escondia, corria na frente para pegar o ônibus dois pontos depois de mim. E eu fingia não perceber.

Aquilo me irritava, mas, no fundo, achava aquilo curioso e meigo.

Porém um dia algo aconteceu.

Era o primeiro dia definitivo de inverno, no solstício onde a noite é mais longa.

Na semana seguinte seria meu torneio de kung fu e por conta disso o treino se estendeu.

Meu relégio bateu 18:00, mas ele no apareceu. Bateu 18:10, 18:18, 18:45, 19:30. Ele não apareceu.

Não conseguia sair da sala. 20:00 e ela ainda estava na praça, nervosa e angustiada.

Só uma sala estava com a luz acessa e eu rezava para que ela logo apagasse e ele aparecesse.

O mestre não me deixava sair nem para tomar água. 20:30 e ela a me esperar sozinha naquele noite fria.

Pensei em ir embora, mas não conseguia. Queria ver aquele estranho naquele dia.

21:00 e o treino finalmente acabou. Sai correndo e me troquei o mais rápido que pude.

21:00 e a luz se apagou. Levantei ansiosa. Queria vê-lo, mas a luz da praça queimara e o breu me cegou.

Cheguei praça e nada enxergava. Olhei para frente, para os lados, para trás, mas não a via.

Nada enxergava, mas sentia e ouvia. Algo me tocou. Outro algo me tocou. Eu gritei.

Ouviu gritos vindos do outro lado da praça. Minha visão começava a se acostumar.

Minha visão começava a acostumar. Vi-me cercada por quatro homens grandes com cara de assassinos...

...ou estupradores. Eles cercavam-na cada vez mais. Iriam "atacá-la". Corri.

Gritei. Um deles me segurou por trás e tapou minha boca. Me debati. Outro segurou meus braços.

Corria rápido, mas parecia que não saia do lugar. Vendo eles quase tirando suas roupas. Tive medo.

Tinha medo. As lágrimas escorriam de meus olhos. Chamava, gritava por ele em minha mente.

Gritava por ela em minha mente. Corria o mais rápido que podia, mas meus músculos estavam cansados.

Os homens me seguravam com fora e falavam coisas estranhas em meu ouvido. Eu gritava.

Eu gritei. Os homens pararam imediatamente e tentavam identificar de onde vinha minha voz.

Ouvi um grito. Uma voz conhecida. Os homens se distraram e pararam de segurar com força.

Eu cheguei perto e implorei que a soltassem.

Era ele. Chegou perto e pediu para que os homens me soltassem.

Eles riram da minha cara e falaram que não.

Eles riram da cara dele e disseram que não, voltaram-se para mim e com mais força. Gritei.

Soquei. Fechei meu punho e acertei as costas de um deles. Ele caiu e no chão ficou.

Assim os outros me soltaram e foram para cima dele. Fiquei paralisada.

Ela parada e os outros trás vinham para cima de mim. Mandei-a correr para longe.

Ele me mandou correr, mas não conseguia. Minhas pernas não me obedeciam.

Ela não se movia e os armários vinham para cima de mim. Tive que terminar o "trabalho".

Ele pulava e ataca os homens com força e jeito. Finalmente descobrira qual arte marcial fazia.

Minha mente vazia só pensava em defender aquela pequena estranha indefesa.

Minha mente vazia só admirava aquele estranho forte que me protegia.

Após algum tempo os quatro estavam no chão e eu "moído".

Após algum tempo os quatro estavam no chão e eu imóvel.

Um deles começava a acordar, foi então que peguei na mão dela e corri até o ponto de ônibus.

De repente, acordando-me do choque ele pegou minha mão e saiu correndo.

O ônibus chegou logo que chegamos ao ponto.

Subimos rapidamente e ele pagou minha passagem em um impulso.

Levei-a até os últimos assentos do ônibus e ali sentamos.

Nossas respirações estavam ofegantes. Eu o olhei e pela primeira vez vi-o tão de perto.

Seus olhos eram verdes. Nunca havia reparado.

Seus óculos estavam mais tortos que o normal por causa da luta.

Ela chegou com a mão próximo do meu rosto. Seu olhar era aconchegante, mas estranho.

Ele hesitou. Afastou em um impulso o rosto. Reparei em um corte sobre sua sobrancelha.

Ela continuou a mover as mãos e tirou meus óculos.

Tirei um paninho da mochila e limpei-os, pois estavam cheios de sangue e grama.

Fiquei a fitá-la enquanto limpava meus óculos. Era a primeira vez que a olhava tão de perto.

Quando terminei peguei outro paninho e aproximei de seu rosto novamente. Hesitou novamente.

Ela tinha uma loja de tecidos na mochila, só podia. Chegou próximo com outro pano de meu rosto e eu afastei.

Não me importei e continuei a avançar com a mão, encostei em sua testa e limpei o sangue.

Mãos gentis ela tinha. Com calma e compaixão ela limpou minha testa e sobrancelhas. Devia ser sangue.

Olhei em seus olhos assustados e duvidosos, guardei os paninhos e devolvei os óculos para ele.

Ela era estranha. Peguei-os com calma e os coloquei lentamente. Olhei em seus olhos meigos.

Nossos olhos se olhavam por breves instantes que parecia eternidade. Via-se a alma um do outro ali naquele ônibus às 22:00 daquele solstício de inverno. Como pólos de cargas opostas de ímãs não conseguíamos nos afasta. Quase tão forte quanto neodímio, nossas almas se atraíam cada vez mais e mais. Nossos rostos iam se aproximando, sem uma palavra sequer. Os olhos pararam de se olhar e fitavam agora para o resto: lábios, pescoço, cabelo, coração. Aproximando-se aos poucos naquele ônibus vazio, nossos lábios se aproximavam contra parte de nossa vontade. Aquilo ainda era estranho para nós. Nunca trocamos uma palavra sequer. Mas as almas não se importavam com isso, só queria se amar.

Os lábios tanto se aproximaram que se tocaram.

Um beijo selou nosso futuro.

Um beijo naquele ônibus selou nossos futuros para sempre.

Mamãe tinha dito para eu manter distância dele. Pois ainda bem que não a escutei. Posso ser meio estranha, mas foi bom terem roubado meu coração.

Nunca tinha pensado que iria amar. Pois ainda bem que estava errado. Posso ser meio estranho, mas ainda bem que roubaram meu coração.


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