Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 11
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Trilha sonora

Fuel - Metallica

Alooow caros leitores. Tudo bem?
Já perceberam como estou bem disciplinadinha, postando toda semana? Acho que mereço algumas reviews por tanta dedicação, não é mesmo? Hehehe.

chegouris - chegou
Okeiris OK
Protetoris protetor
Deuris Deus
broncaris bronca
deuris - deu
deixaris - deixa
esseris - esse
Allyris Ally
gatinhoris gatinho
achouris - achou
acheiris - achei
amiguinharis amiguinha
gostadoris gostado
interessadaris interessada
conversaris - conversa
gatoris gato
rock n rollris rock n roll
desculparis - desculpa
Combinadoris combinado
licensaris licença
refrescaris refrescar
tranquiloris tranqüilo
granderis - grande
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/96962/chapter/11

Ally PDV

Ao analisar o envelope com mais atenção, percebi que era um envelope diferente do que eu havia enviado, não tinha minha letra escrita, mas sim uma espécie de ‘garrancho’ quase incompreensível.

Corri para meu quarto e tranquei a porta. Estava quase surtando de emoção. “Não acredito que recebi uma carta de ROGER PETERSON! Ai meu Deus, ai meu Deus!”

Meu coração disparou. Eu pulava de um lado para outro do quarto, excitada demais para conseguir ficar parada. Não consegui conter gritinhos de satisfação, que acabaram despertando a curiosidade de minha mãe, que veio bater em minha porta.

- Ally, tudo bem com você?

“Ops, preciso inventar uma desculpa qualquer, agora!”

Peguei o controle rapidamente, liguei a TV e coloquei um DVD do Metallica pra rodar. Aumentei o volume e comecei a dançar loucamente. Escondi o envelope dentro da bermuda, por baixo da camisa e abri a porta, deixando minha mãe entrar. Ela examinou o quarto disfarçando o interesse e eu respondi na maior cara de inocente:

 - Ah não é nada, é que eu estava mudando os canais e dei de cara com um show do Metallica passando na TV. – Minhas bochechas estavam vermelhas, denunciando minha excitação, mas para minha sorte Ísis caiu na conversa do show do Metallica.

- Hum, ok. Mas você não acha que o volume está alto demais? Daqui a pouco vou receber reclamações dos vizinhos.

- Ih, é verdade. Desculpa. – Dei um sorrisinho sem graça e me dirigi à porta, em um sinal claro de que queria que ela me deixasse em paz.

Ela passou pela porta, e antes que eu a fechasse, comentou:

- Você está parecendo uma adolescente enlouquecida pinotando desse jeito! – E caindo na gargalhada, trancou-se de volta em seu quarto.

Abri o envelope apressadamente e quase o destruí, na ânsia de ver o seu conteúdo. Deparai-me com um cartão semelhante ao que eu havia enviado, porém a imagem era diferente.

Meus olhos brilhavam marejados de felicidade, era quase impossível ler os garranchos, pois as lágrimas só me permitiam enxergar grandes borrões. Enxuguei os olhos, me acalmei um pouco e sentei em minha cama para ler a tão esperada resposta.

“Cara (ou será ‘caro’) A.C.,

Você tem razão, não consegui lembrar quem você é. Sinto muito.

Muito obrigado por me perdoar, me sinto aliviado, porém me sentiria ainda melhor se você explicasse exatamente qual foi meu crime. Inúmeras idéias me passaram pela cabeça e estou mortificado só de imaginar o que posso ter feito.

Bem, não sei se você é homem ou mulher, espero que seja mulher, não estou afim de me corresponder com um ‘lad’. Sua foto indicou muito pouco de quem você possa ser, mas falou muito da pessoa que você é por dentro. Você tem bom gosto! Não entendi alguns dos títulos, qual idioma você fala? Português? Pelo selo no envelope, sua carta veio do Brasil?!

Eu nunca estive no Brasil. Como nos conhecemos?

Há uma desigualdade aqui, você sabe muito mais sobre mim do que eu sei sobre você. Isso precisa ser equilibrado.

Aguardo ansiosamente uma resposta.

R.P.

P.S.: Copiei sua idéia. A foto mostra um pouco de mim. Decifre-me. :-) “

Li cada palavra da escrita tumultuada de Roger incrédula de que aquilo estava acontecendo comigo.

“Ele achou que eu poderia ser um garoto? Ou será que com seu senso de humor britânico está só brincando comigo?” Hesitei. “Ah, claro, em nenhum momento em minha carta, eu especifiquei que era uma garota. Ele deve ter visto o DVD do Metallica na foto e pensado que eu poderia ser um garoto.” “Que fofo! Ele está com receio de fazer papel de bobo!”

Quanto mais eu lia e relia a carta, menos eu acreditava que o próprio Roger tivesse me enviado a tal correspondência.

Seria possível que um mega-astro de Hollywood se daria mesmo ao trabalho de responder uma carta atrevida e sem sentido de uma fã? Será que ele ao menos abria as cartas que recebia para lê-las? Não, isso não faz o menor sentido. Imagina só a quantidade de correspondência que ele deve receber diariamente, não acredito que ele vá reservar tempo de sua agenda super-requisitada para responder cartinhas de fãs.

Esse pensamento me entristeceu e desencadeou uma reação de negação que não me permitia mais acreditar que aquilo era real.

“Isso só pode ter sido algum engraçadinho se divertindo às minhas custas. Olha só essa letra ridícula! Tenho certeza que Roger não escreve assim, ele foi educado em uma excelente escola em Londres.” Havia lido sobre isso em sua biografia no site de fãs brasileiro.

“Alegria de pobre dura pouco...” Pensei desanimada. Só de imaginar que o próprio Roger Peterson tocou no mesmo papel que eu. Que ele viu minha foto e achou minhas coisas legais e até deduziu de onde eu vinha e que idioma eu falo... “É demais para meu coraçãozinho. Isso não pode ser real.”

Recostei-me na cabeceira da cama imaginando inúmeras hipóteses do que poderia ser de fato aquela carta. Decidi tomar uma ducha terapêutica para refrescar as idéias. No banho, massageei a raiz do meu cabelo lentamente, liberando a tensão que estava acumulada lá. Sempre que me vejo em situações de extremo desgaste emocional e extrema excitação, meu couro cabeludo dói, fica tão tenso que só em mexer nos cabelos já sinto a dor na superfície da pele.

Quando a água escorria entre os fios do meu cabelo, eu automaticamente começava a relaxar, descansando também os músculos do pescoço, ombros e coluna. E então, quando estava completamente relaxada, conseguia refletir com mais clareza.

Por mais que eu tivesse quase plena convicção de que a carta não havia sido enviada por Roger, algo dentro de mim dizia que eu precisava responder, seguir com essa loucura até ver onde iria parar. Afinal de contas, trocar correspondências com um desconhecido não poderia fazer mal. Ao contrário, estava sendo um bom divertimento.

Meus neurônios já estavam bolando mil possibilidades de resposta. Irei fingir que acredito que foi Roger que me escreveu, porém, sem dúvida alguma, exigirei provas de que ele é quem diz ser.

“Isso vai ser divertido.” Meditei animada. “Mas só vou quebrar a cabeça elaborando uma resposta amanhã. Quem sabe durante o sono tenho alguma inspiração.”

Olhei para o relógio, passava das oito da noite, mas eu já estava muito cansada. Queria encontrar com as meninas amanhã, aproveitar que era sábado para ter algumas horas de diversão com minhas amigas loucas, e atualizar os acontecimentos recentes.

Daisy havia viajado com o namorado Luciano. Liguei para Anita, que concordou imediatamente e se encarregou de avisar para Helena. Ficou acertado então, reunião do Euro Trio Feliz na praia amanhã pela manhã.

***

Na manhã seguinte.

Enquanto eu tomava café-da-manhã com minha mãe, ela lia o jornal atentamente tomando leves goles do café quente, que estava cheirando muito bem. Distraída entre meus pensamentos, ora refletindo sobre as palavras de Davi em nosso encontro ontem, ora listando os assuntos que conversaria com minhas amigas mais tarde na praia, ora lembrando do cartão de Roger – e nessa momento meu coração subitamente palpitava de felicidade, meus olhos percorriam os quatro cantos da sala de jantar do apartamento, onde tomávamos nosso desjejum. De vez em quando eu flagrava o olhar curioso de Ísis por trás do jornal, estudando cada movimento que eu fazia e cada expressão em meu rosto.

Dei uma mordida na torrada com mel e quase engasguei quando o telefone da sala começou a tocar insistentemente. Fingi que não estava percebendo o toque agudo do aparelho enquanto juntava os farelinhos da torrada em cima da mesa, até que minha mãe perdeu a paciência e correu para atender o telefone. Mas era tarde demais, antes que ela alcançasse o fone, o toque cessou.

Ísis voltou-se para mim franzindo o cenho e questionou contrariada:

- Por que você não atendeu o telefone?

“E agora? O que eu poderia responder? Não podia pagar o mico de contar a verdade, meu motivo ridículo.”

- Ah...hum-hum... eu estava comendo, ué. – Me fiz de desentendida.

- Filha, guarde suas desculpas esfarrapadas para outra pessoa. Eu lhe conheço muito bem, você está escondendo alguma coisa de mim, que eu sei. Vamos, fala logo.

- Mãe, não sei do que você está falando. – Desviei o olhar para que ela não percebesse a mentira que estava óbvia, escrita na minha testa.

- O que é? Você está fugindo de cobranças? Está devendo dinheiro a alguém? – Indagou preocupada.

- Não mãe! Que loucura, não é nada disso. – Esbravejei chocada.

- Então é melhor você começar a explicar o que está acontecendo porque eu não sou boba e já percebi a muito tempo que você anda estranha ultimamente, trancada nesse seu quarto sem falar com ninguém, sempre evitando atender o telefone. Você só vai sair daqui depois que me disser o que está se passando.

Encolhi os ombros querendo abrir um buraco no chão e desaparecer, de tanta vergonha que estava sentindo. Minha mãe é uma pessoa super-discreta, não gosta de se meter na vida de ninguém, muito menos na dos seus filhos. Não tiro sua razão por ter ficado preocupada comigo, pois eu realmente tenho agido de forma estranha desde que cheguei de Londres e briguei com o Davi. Mas nunca contei a ela nem ao Max o que aconteceu.

Não que eu não confiasse neles ou que eles fossem me repreender de alguma forma, era mais por puro medo de expor meus sentimentos e parecer ridícula, ou de deixá-los desconfortáveis com a situação, especialmente Max, que era melhor amigo do Davi. Então a melhor forma que encontrei para lidar com os acontecimentos, foi ocultando os fatos da minha família.

Contudo, diante dessa abordagem surpresa de minha mãe, dessa vez eu não tinha como escapar da Santa Inquisição de Isis. O único jeito de acabar com essa situação altamente embaraçosa era contando a verdade para ela.

“Quem sabe se eu falar só o essencial ela me deixe em paz de uma vez por todas? Vamos lá...”

Suspirei profundamente e comecei minha explicação.

- É... não sei bem por onde começar. Não é nada sério mãe... – Tentei uma última vez convencê-la que não valeria a pena embarcar nesse assunto.

- Não importa, eu sou sua mãe, quero saber o que se passa na sua vida. Eu posso não ser útil para muitas coisas e você pode até discordar das minhas idéias, mas quem sabe, com minha experiência de vida, eu possa lhe oferecer um ponto de vista diferente sobre seu problema... podemos pensar em uma solução, juntas.

Ok. Modo “vergonha no último grau” on. Eu realmente não estava acostumada a conversar assuntos sentimentais com minha mãe. Não que eu tivesse algum preconceito, só não me sentia à vontade para isso. Mas não custava nada tentar, ela estava sendo tão gentil, eu sabia que sua intenção não era se intrometer em minha vida, e sim participar, ser mais minha amiga.

- Tudo bem. É que... bem, eu tive uma discussão com o Davi. – Fitei rapidamente seu rosto, à procura de algum sinal de repreensão e encontrei um sorriso terno, maternal. Desviei rapidamente o olhar.

- Como foi isso exatamente? Você discutiu com ele, ou ele discutiu com você?

- Nós discutimos. Foi estranho.

- Não estou conseguindo imaginar você discutindo. Você costuma ser tão calma. Mas estou orgulhosa. – Abriu um sorriso, contente.

- Orgulhosa? Como assim?

- Sim. Durante muito tempo vejo você sair de casa feliz para encontrar seus amigos – incluindo o Davi – e voltar triste, chateada com alguma coisa. Eu sei que você gosta dele.

“Meu mundo caiu! Como minha mãe sabe disso? Vou fazer picadinho daquelas minhas amigas traíras!”

- Hã? Como.... quem disse isso pra você?

- Alicia, enquanto você vai com o milho, eu já venho com a pipoca, minha filha. Está escrito em sua testa. Perdoe o que vou dizer, mas perto do Davi, você parece um filhotinho de cachorro, mal consegue conter a alegria. Ele é um menino bom, é um bom amigo para seu irmão, mas não gosto de ver você sofrendo pelos cantos por causa dele.

Fiquei pasma por alguns segundos, formulei em minha cabeça algumas teorias sobre minha mãe ser bruxa, vidente, algo do tipo... ela sabia de tudo o tempo inteiro?

- Éee...então, você sabe... – fechei os olhos refletindo um pouco e respondi rapidamente, tentando encerrar o assunto – Pois bem, eu cansei de ser boba, foi isso. E ele aparentemente não reagiu muito bem.

- Sei... ele também já sabia que você, que você alimentava esse sentimento por ele. – Ísis perguntou, mas soou mais como uma afirmação.

- Sabia... nós nunca tínhamos conversado sobre esse assunto. Mas depois que nós discutimos na casa dele no dia do meu encontro com as meninas, ele mudou de comportamento completamente. Parecia outra pessoa... e ontem..

As palavras ditas na ponte ontem, ao pôr-do-sol, voltaram à memória como uma avalanche, me deixando confusa novamente. Não consegui concluir o pensamento, foi preciso que minha mãe me ajudasse a retomar a linha de raciocínio.

- E ontem? O que aconteceu ontem? Você saiu com ele?

- Foi, ele insistiu para conversarmos e colocarmos os “pingos nos is”. Só que a conversa, no final das contas me deixou mais confusa. Mãe, não quero mais ficar falando sobre isso.

- Eu sei que você não gosta de se abrir... sempre respeitei isso, você sabe. – Aproximou-se de mim e segurou uma de minhas mãos entre as suas, pressionando levemente.

- É, eu sei. É que, parece estranho, mas eu já estava acostumada com o jeito bruto dele. Eu nem me importava mais, pra falar a verdade.

- Mas como é que uma pessoa pode se acostumar com brutalidade? – Percebi seus olhos arregalados impressionada com minha resignação.

- Aceitando que ele é como é, e nunca vai mudar. Procurando valorizar o que há de bom nele e percebendo que existem qualidades e sentimentos nobres por trás dessa armadura que ele veste.

Assisti a expressão de minha mãe mudar de perplexidade para admiração, ela me fitava atentamente com verdadeira satisfação.

- Minha filha, estou muito orgulhosa em tê-la como filha.  – Ela disse com a voz meio embargada. – Por mais que você não tenha muita experiência em relacionamentos, parece ter um admirável discernimento e maturidade, difícil de encontrar em muita gente vivida por aí.

Eu não sabia o que responder àquele elogio inesperado. Eu não me enxergava daquela forma, na verdade sempre me achei uma pessoa completamente perdida quando se trata de relacionamentos, eu sigo meus instintos e, na maioria das vezes acabo me ferrando, sempre tentando agradar os outros. Mas depois de ouvir a opinião sincera de minha mãe, passei a analisar minhas idéias através de outra ótica. 

- Obrigada? – Respondi enrolando os dedos na barra da entrada de banho, não sabendo que outra coisa dizer. – Mas agora ele bagunçou tudo mãe!

- Como assim ‘bagunçou tudo”?

- Ele está diferente, gentil, atencioso...paciente. Quer dizer, ontem nós conversamos abertamente sobre essa situação. Foi muito bom, tirei um peso que vinha carregando no meu coração a tanto tempo. Mas de repente ele ficou bravo de novo, só porque eu me recusei a... a beijá-lo.

- Ahhh... – Ísis riu como se finalmente tivesse captado o fio que conectava toda a história. – Então ele estava sendo gentil tentando conquistar você!

- Me conquistar? Mas ele já sabia que eu gostava dele! – Repliquei mais-que-obviamente.

- Sim, mas ele sabia que você estava magoada também. E tentou ser gentil para ganhar sua confiança novamente. Como Davi tinha a certeza de que você gostava dele, achou que facilmente seria perdoado.

- Como você sabe?

- Por que as pessoas são previsíveis minha filha. Ninguém muda da água para o vinho como Davi mudou em poucos dias. É claro que ele reconheceu a besteira que fez e estava tentando se desculpar.

- Mas por que logo depois dele se desculpar, voltou a agir como antes? – Minha cabeça estava girando, as teorias de minha mãe estavam me confundindo ainda mais.

- Por que é o instinto natural dele. O esforço que ele fez para se desculpar e ser gentil com você é louvável, pois demonstra sua boa intenção. Mas você precisa ter um pouco de paciência se quiser que ele mude de verdade.

- Aí é que está o grande problema: eu não sei mais se quero. E depois de passar tanto tempo desejando a mesma pessoa, de repente estou me sentindo completamente vazia, traindo a mim mesma por não querer mais ficar com ele. Como se estivesse perdendo a oportunidade da minha vida.

Minhas pálpebras, que estavam contendo as lágrimas a muito tempo, não conseguiram mais controlar o rio que se formou por trás dos meus cílios e transbordou. Era um alívio poder chorar e ter o colo de minha mãe para me confortar. Raramente me permitia levar pelo choro, e só o fazia escondido de todos. Ísis me abraçou ternamente, recostou minha cabeça em seu ombro e afagou meus cabelos, me embalando como se fosse um bebê.

- Querida, você precisa relaxar e não levar isso tão a sério. Você vive fugindo de tudo com medo de se magoar e sofrer. Mas é disso que a vida é feita. Cada cicatriz que se forma em seu coração é uma prova de que você sobreviveu aos obstáculos.

- O que eu faço? – Perguntei entre soluços.

- Não se force a tomar uma decisão agora. Se ele gosta mesmo de você saberá esperar. Afinal, você esperou até agora.

Aos poucos fui me acalmando, depois de abrir meu coração para minha mãe senti um grande alívio e renovei a autoconfiança a qual tinha esquecido que possuía.

- Obrigada por me ouvir, mãe. - Sorri para era enxugando as lágrimas do meu rosto com as costas das mãos. – Preciso me apressar, as meninas já devem estar esperando na praia.

***    

A barraca estava lotada como sempre. Para sorte de minhas amigas – e para meu azar – elas chegaram cedo o suficiente para ficar nos guarda-sóis bem em frente ao mar, sem nada além dos transeuntes, jogadores de frescobol e exibicionistas atrapalhando a bela vista do mar, que neste sábado quente e sem muito vento, estava claro como as águas do Taiti. Uma pena não estar ventando o suficiente para os kite surfers praticarem seu esporte – era uma verdadeira exposição de esculturas masculinas para todos os gostos.

Não foi difícil localizar a mesa do Euro Trio Feliz, ouvia a voz fanha de Anita a metros de distância. Por falar em Anita, hoje ela não escaparia de umas broncas. Não esqueci a palhaçada que ela aprontou comigo no M Bar, apenas não tinha tido oportunidade de falar com ela pessoalmente.

Aproximei-me da mesa, Helena estava sentada na sombra, tomando refrigerante concentrada, com o semblante triste. Anita estava estatelada em uma cadeira de tomar sol, lambuzada de protetor solar.

-  Anitz, você sabe que horas são para estar expondo essa sua pele de lagartixa ao sol? – Esbravejei sem ao menos me sentar. Anita deu um pulo da cadeira.

- Allyris quelhida, enfim você chegouris! Estávamos precisando muito de você. – E olhou de relance para Helena, indicando que havia alguma coisa errada com ela.

- Oi Helens, tudo bem? Você parece triste... – Indaguei em um tom amigável, sentando-me ao seu lado.

- Tudo mais ou menos, amiga. – Ela sussurrou. – Eu e o Ricardo terminamos.

- Poxa vida, sinto muito Helens. Você quer conversar sobre isso? – Eu conhecia minha amiga, sabia que ela era bastante reservada e estava sofrendo, mas não queria demonstrar.

- Não, acho melhor não. Obrigada. Sabe como é, não quero ficar lembrando. – Respondeu vagamente olhando para o mar.

- Tudo bem, não vou insistir, mas não vai ficar aí bancando a durona. Eu sei que você está sofrendo. Se quiser chorar, gritar, conversar, nós estamos aqui, certo?

- Eu sei Alix. Obrigada amiga. – Ela deu um tapinha em meu ombro e voltou a fitar o mar.

Virei-me para Anita e continuei ao sermão que tinha começado sobre superexposição solar:

- Anitz, sua saicow – mor, já passou das dez da manhã, você é muito branca pra ficar pegando sol a essa hora, sai daí e vem pra sombra agora!

- Okeiris, okeiris. Mas eu estou usando protetoris fator 30 tá? – Replicou cheia de razão.

- Não importa, o sol daqui é forte demais pra essa sua pele de lagartixa. – Brinquei, ainda em tom de censura. – Senta aqui, quero falar com você.

- Ai meu Deuris, vai me dar mais broncaris? O que deuris em você hoje?

- Nada, só me preocupo com sua saúde e bem-estar, alguém tem que se preocupar, já que você não dá a mínima né?

- Ahh... me deixaris ser feliz!

- Ok, recado está dado. Enfim mudando de assunto. O que deu em você naquele dia do M Bar pra melar meu quase-esquema com o gato rock n’ roll?

- Gatoris rock n’ rollris? Quem é esseris? – Indagou sem a menor idéia do que eu estava falando.

- O deus grego que eu estava quase ficando quando você me puxou pra apresentar aquele pentelho amigo do Michel.

- Ahhh o Eric! Mas Allyris, ele é maior gatinhoris também, você não achouris?

- Acheiris Respondi imitando seu português distorcido – mas ele é o maior Zé Mané que eu já conheci. Inconveniente, chato, tem mau gosto para música... um verdadeiro pentelho!

- Me desculpa amiguinharis...eu não sabia que você não tinha gostadoris dele. – Ela fez beicinho e cara de inocente. – Mas você parecia interessadaris na conversaris dele.

- Não mesmo! Estava só tentando ser simpática e não estragar a noite mais ainda, já que tinha perdido meu gato rock n’ roll.

- E esse gatoris rock n’ rollris, quem é?

- Não sei o nome dele. Só sei que ele era um deus grego, curtia Alice in Chains, estava lá comemorando o aniversário de uma amiga e estava afim de mim. Foi só o que consegui saber dele antes de você fazer sua ‘intervenção’ desastrada.

- Eu já pedi desculparis. – Anita afirmou confiante.

- Tá bem, não vamos mais falar sobre o assunto. Da próxima vez que você quiser me apresentar um maluco qualquer, me avise com antecedência para eu me preparar psicologicamente.

- Combinadoris!! Dá licensaris, vou cair no mar para me refrescaris. Tá tranquiloris, sem ondas granderis!

E saiu em direção ao mar, saltitante, desviando dos banhistas e dos jogadores de frescobol.

Helena estava absorvida na leitura de algum livro técnico de direito, nem levantou a cabeça enquanto eu conversava com Anita.

Preferi não incomodá-la. Recostei-me no espaldar flexível da cadeira de plástico e repousei os pés cruzados sobre a mesa de madeira. Fiquei alguns minutos distraída observando a paisagem, tentando adivinhar como Helena estava se sentindo e o que deveria fazer, como amiga, para ajudá-la a enfrentar esse fim de namoro inesperado.

Estava cansada de pensar em problemas, em sentimentos pesados, já tive minha cota de drama hoje cedo. Decidi deixá-la à vontade para se abrir quando julgasse apropriado. Não a forçaria a pensar sobre algo que com certeza a faria sofrer ainda mais.

Fitei meus pés sujos de areia sobre a mesa, ao lado de um côco gelado com canudinho, um prato de batatinhas fritas e uma jarra de suco e imediatamente lembrei da foto maluca que Roger havia me mandado. Ri sozinha imaginando a cena. Ele só podia estar bêbado quando tirou aquela foto esfumaçada, com aquele tênis inconfundível, um cigarro na mão e uma long neck entre os pés. Bem que ele podia parar com esse vício horrível. Não queria ver meu ídolo lindo envelhecendo precocemente por causa de cigarro, nem que contraísse alguma doença pulmonar. Ele é tão jovem, tão adorável, não pode, não merece sofrer em conseqüência desse veneno.

Então a foto me serviu de inspiração para o próximo cartão que enviaria para ele com minha resposta.

Rapidamente abri minha bolsa, excitada com essa nova idéia, e peguei minha câmera, companheira de todas as horas e uma caneta porosa de ponta grossa, azul claro.

Peguei um guardanapo da mesa e escrevi com a caneta azul no papel fino:

“Please stop smoking. :-)”

Ajustei a posição do côco e dos demais objetos sobre a mesa, em torno dos meus pés, segurei o guardanapo com a mensagem próximo do côco e bati a foto.

A imagem ficou muito bom, com meus pés e o recadinho no guardanapo em primeiro plano, e o restante dos objetos um pouco desfocados com o mar ao fundo. Minhas unhas, que estavam pintadas em um tom vermelho pitanga, faziam contraste com o branco do papel e o azul da tinta da caneta combinava com o tom claro da água do mar.

“Perfeito!” Cumprimentei a mim mesma pela idéia brilhante. “Vejamos o que Roger Peterson responderá dessa vez.” Pensei animada. “Será que ficará irritado com minha audácia de pedir que ele pare de fumar, sem ao menos conhecê-lo?” Questionei em dúvida.

“Ah, dane-se, nem sei se foi ele mesmo que me escreveu. Pode ter sido um maluco qualquer que pegou essa foto na internet e resolveu tirar onda comigo. Pois bem, também vou tirar onda com ele.”

Guardei a câmera contente justo quando Anita voltava do banho de mar. O restante do nosso dia na praia foi divertido, tentamos ao máximo entreter Helena e animá-la, falamos muitas bobagens – eu e Anita juntas éramos imbatíveis! – brincamos e contei sobre minha conversa com Davi.

Não via a hora de chegar segunda-feira para enviar minha resposta para Roger.

(***)

Dezembro – duas semanas depois

Roger PDV

Londres, UK.

Cheguei à casa dos meus pais exausto. O intenso dia de treinamento do elenco para meu novo filme foi extenuante. A história se passava no século dezoito, então tivemos que passar por vários workshops para aprender os maneirismos, modo de falar, de movimentar o corpo, conhecer o tipo de roupa e cultura da época. Tudo isso para compor nossos personagens com a máxima fidelidade possível.

Todo esse processo de aprendizado era bastante divertido, mas por isso mesmo, me dediquei tanto que mal percebi o tempo passando. No final do dia, o corpo grita por descanso.

Estava ansioso para o encontro que tinha marcado com minha cama. Não via a hora de tomar um banho quente, relaxar e dormir para recarregar as baterias.

Aparentemente não tinha ninguém em casa, a menos que meus pais estivessem trancados no quarto. O silêncio imperava e poucas luzes estavam acesas. Subi preguiçosamente para meu antigo quarto e quase morri de susto ao dar de cara com Cathy em pé no meio do ambiente, de frente para a porta olhando para mim com um olhar inquisitivo e um envelope azul na mão.

“Putz, esqueci completamente que ela chegaria hoje em Londres!” Tratei de disfarçar meu espanto e corri para dar-lhe um beijo e paparicá-la, para compensar o esquecimento.

- Oi amor! Que surpresa boa, estava com saudades de você. – Exclamei oferecendo meu melhor e mais sincero sorriso de boas-vindas.

Mas Cathy não é o que podemos considerar uma pessoa que perdoa facilmente. Ela não estava com uma cara muito feliz por me ver. Ela negou-se a retribuir meu beijo e insistiu em esfregar o tal envelope azul em minha cara antes mesmo de dizer “oi”.

- O que significa isso? - Cathy balançou o envelope no ar, exigindo uma explicação.

Não estava com energia para discutir e estava com saudades da minha namorada. Estava feliz por tê-la perto de mim e podermos ficar juntos, especialmente após um dia exaustivo de trabalho, nada melhor do que namorar e dormir de conchinha com minha garota.

- Não sei, posso ver? – Repliquei inocentemente.

Difícil seria desfazer sua cara amarrada, que estava chateada – com razão – por eu ter esquecido de ligar para ela e de ir encontrá-la no hotel, justo no dia de sua chegada, após quase um mês sem vê-la.

- Como você não sabe o que é, se o envelope estava bem em cima de sua mesa de estudo?

Gelei dos pés à cabeça ao lembrar do que se tratava a carta, fiquei envergonhado sem saber como explicar o que significava aquilo. Provavelmente minha mãe viu o envelope endereçado a mim na caixa de correio e o deixou aqui no meu quarto.

“Que droga!” Resmunguei em silêncio, notavelmente aborrecido por estragar minha noite com uma coisa tão boba. Mas ao mesmo tempo fiquei morrendo de curiosidade para desvendar o mistério da garota do envelope azul. Eu sabia que era dela, a cor e o formato do envelope eram idênticos ao do primeiro que recebi.

Para encerrar a discussão antes que ela começasse, dei uma resposta curta e franca.

- Acho que é alguma carta de fã. Minha mãe sempre traz para meu quarto quando chega alguma correspondência que não venha da agência.

- E por que essa correspondência especificamente não foi para a agência.

- Baby, não faço a menor idéia. – Respondi dando o máximo para disfarçar minha curiosidade. – Vem cá. Eu te devo desculpas. – Puxei-lhe pela mão e a envolvi em um abraço e beijei-lhe com vontade, para tirar o atraso dos últimos dias sem vê-la.

A princípio ela de fez de difícil, mas não conseguiu segurar a fachada de durona por muito tempo e se rendeu às minhas investidas.

Ponto para mim! Consegui inverter o jogo. Namoramos o restante da noite agarradinhos em minha cama. Desde que fiquei famoso, meus pais me liberaram da restrição de não trazer garotas para dormir em casa, pois sabiam que o lugar mais seguros para eu me esconder do assédio da mídia era justamente em sua casa. E como eles consideravam qualquer namorada minha como parte da família, abriram essa exceção para Cathy, com quem eu tinha um relacionamento de mais de um ano.

Conversamos muito antes de dormir, colocamos os assuntos em dia, ela me contou os progressos das gravações de seu novo filme em Nova Iorque, reclamou que estava se sentindo muito só na cidade, pois todos os nossos amigos estavam em Los Angeles ou em qualquer outro lugar filmando ou fazendo turnês com suas bandas. Quanto a isso eu não podia reclamar, já que podia ver meus melhores amigos quase que diariamente aqui em Londres.

Contei-lhe sobre os workshops para as gravações do meu novo filme, que começarão daqui a pouco mais de um mês, após o recesso de final de ano.

No entanto, durante toda conversa, eu não conseguia tirar da cabeça o pequeno envelope que esperava por mim. Estava me consumindo de curiosidade, mas precisaria esperar Cathy adormecer para poder finalmente ver o que a garota misteriosa tinha para me dizer, para que eu pudesse encaixar mais uma peça desse quebra-cabeças.

Conversamos, fizemos amor e eu esperei pacientemente até que Cathy rendeu-se ao sono e à diferença de fuso horário, adormecendo em meus braços.

***


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ufa! As trocas de correspondência estão ficando mais intensas.
Quero ver onde essa brincadeira inocente de Ally e Roger irá parar. E vocês, o que acham? Quero opiniões.

Façam uma autora feliz, deixem seus comentários relatando o que gostaram mais e menos gostaram no capítulo!

Mega-beijo e até o próximo capítulo.