Joke And Poison escrita por Pedro_Almada


Capítulo 3
Persuasão




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/96720/chapter/3

<!--[if gte mso 9]> Normal 0 21 false false false MicrosoftInternetExplorer4 <![endif]--><!--[if gte mso 9]> <![endif]--><!--[if !mso]> <! st1\:*{url(#ieooui) } --> <!--[endif]--><!--[if gte mso 10]> <! /* Style Definitions */ table.MsoNormalTable {mso-style-name:"Tabela normal"; mso-tstyle-rowband-size:0; mso-tstyle-colband-size:0; mso-style-noshow:yes; mso-style-parent:""; mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-para-margin:0cm; mso-para-margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:10.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-ansi-language:#0400; mso-fareast-language:#0400; mso-bidi-language:#0400;} --> <!--[endif]-->

Capítulo 3 – Persuasão

 

            A noite densa cobria o céu uniformemente, onde nem mesmo a lua era capaz de exibir seu perfil crescente e prateado. Somando-se aquele aspecto com o vento invernal, as fuligens das fábricas e o cheiro de urina impregnado nas ruas, o cenário se tornava mórbido e cheio de presságios ruins.

            Gothan já mostrava os primeiros indícios de caos se instalando. Havia uma movimentação anormal nas ruas, mas era organizado e bem planejado, em vários pontos estratégicos da cidade. Hera estava colocando seu plano em prática.

            — Acha que vai dar certo? – perguntou Arlequina.

            — Depois do que fizemos naquele barzinho meia-boca, eles não irão nos negar esse favor. Eles sabem que são alvo-fácil e, por isso, Batman não os faria nenhum mal... Pelo menos é o que esperamos. De qualquer forma, o nosso morcegão terá outros problemas com o que se preocupar, terá que lidar com aqueles badidinhos bêbados, drogados e encrenqueiros. Nesse momento estaremos nas docas, esvaziando os contêineres do nosso amiguinho Scarface... Você já pensou em como vamos fazer isso?

            Arlequina salto do muro com uma pirueta circense bem elaborada. Hera riu, satisfeita em ver sua velha amiga em perfeita forma.

            — Tenho uns truques na manga, além de alguns brinquedinhos. - ela lançou um olhar desinteressado para o outro lado da rua – como você me pediu, preparei uma das nossas melhores demonstrações de humor.

            — Ok, mas tome cuidado, Harleen. Não podemos deixar pegadas. Se Batman conseguir nos ligar com Scarface, adeus Curinga... Não podemos deixar aquele palhaço no Asilo de Arkham nem mais um segundo. Depois que ele foi detido, Gothan nunca mais foi a mesma.

            — Eu sei o que quer dizer, o “Reinado do Morcego”... Ele está se tornando mais forte...

            — E mais velho. Não vai hesitar em matar, penso eu. Chega dessa conversa, não podemos perder mais nenhum minuto. Onde estão os apetrechos?

            Arlequina apontou para a esquina onde estivera olhando minutos atrás.

            — Bem ali. Está tudo dentro do carro, do outro lado daquele muro.

            — Carro? Você conseguiu um.

            — Roubei, na verdade. Um Camaro vermelho, ano 85. Igual ao que meu Pudinzinho tinha antes do que aconteceu.

            Elas caminharam, calmamente, até o local em que Arlequina indicara. Precisavam manter o anonimato, embora os trajes com cores bem características gritassem seus próprios nomes. Era parte da personalidade delas. Nada estava acima de um bom equipamento ou roupas sexy. Mas havia algo novo nelas, algo extraordinário e assustador, que mudara completamente: o planejamento. Não havia mais jogos, nem emboscadas. Eram ofensivas, silenciosas e extremamente determinadas. Sem querer, elas haviam descoberto o ponto-fraco dos vilões mais sádicos e, com isso, haviam reparado, nelas, o erro que mandara Curinga para o manicômio.

            Saltaram o muro, caindo na terra fofa do terreno baldio. Vários sacos de lixo, jornais e um gato preto ocupavam o lote abandonado. Arlequina fez um ruído estalando a língua e o gato sumiu de vista, chiando.

            O Camaro estava atrás de um portão escuro, enferrujado, onde uma lona escura cobria parcialmente sua lataria escarlate. Elas se aproximavam do veículo e contemplaram o estofado bem-cuidado, a tintura um pouco fosca e um ar jovial. Dois dados de pelúcia estavam pendurados no retrovisor interno.

            — Não é isso o que eu chamo de discrição, mas... Realmente o carro é lingo.

            — Venha, Pamela. A melhor parte está no porta-malas.

            Arlequina abriu o porta-malas, deixando a mostra todos os apetrechos que havia coletado. Sorriu, triunfante, ao observar a expressão de espanto e euforia da amiga. Hera riu, como qualquer outro clichê do mal faria diante de um plano infalível.

            — Minha cara... Você acaba de subir muito em meu conceito.

            Harleen fez cara de muchocho:

            — Como assim? O que eu era em seu conceito?

            Hera pigarreou, fingindo distração.

            — O que é isso aqui?

            — Um explosivo “plastique”... Você ainda não respondeu...

            — E isso?

            — Minha marreta. Claro, ela é leve, por isso eu preciso dessas pontas afiadas.

            — Faz muito estrago. Não podemos usar tudo. Precisamos ser seletivas.

            Arlequina desistiu do interrogatório. Sabia como Hera podia ser escorregadia quando queria e, tentar bater de frente com ela não seria uma boa idéia para consolidar os planos de resgatar Curinga.

            Hera passou pouco mais de meia hora procurando o que poderia lhe ser útil. Sobre o capô do carro, ela havia selecionado algumas navalhas pequenas, uma adaga, uma corda, dois óculos de visão-noturna, seis explosivos de pequena proporção destrutiva, um esxplosivo “plastique” e uma espiral de tirolesa.

            — isso vai mesmo nos ajudar? – perguntou Arlequina – você ignorou as bombas de gás hilariante, os outros cinco explosivos “plastique”, as pistolas e o galão de ácido, isso sem contar o lança-chamas.

            — Tudo isso é sua marca registrada, querida. Ou melhor, a do Curinga. Batman pode facilmente chegar até nós. Tudo o que queremos é chamar a atenção de Scarface. Pegou os arquivos?

            Arlequina abriu a porta do carro e pegou no porta-luvas um envelope pardo e um leptop. Abriu o aparelho sem cerimônia, tirou um CD do envelope e inseriu-o no cd-rom. Uma imagem de maquetes e plantas de construções se abriram assim que o HD identificou os arquivos.

            — As plantas das docas – falou Arlequina, apontando para uma região em destaque das plantas – essa região é particular. Está no nome de uma empresa particular de tecnologia, mas Scarface usa essa região para o seu contrabando. Provavelmente deve ser o maior acionista da empresa.

            Pamela colocou a mão sobre o ombro da amiga, exibindo um sorriso de pura satisfação. Havia desejo naqueles olhos cintilantes, um desejo que ia além do poder ou da vingança contra o Cavaleiro das Trevas. Ela queria se auto-afirmar. Seu ego estava ferido e nada como um mafioso em xeque para alimentar sua já decadente auto-estima.

            — Dra. Harleen Quinzel... Prepare-se. Vamos reerguer nosso império. Gothan será nossa, novamente.

           

            A noite se tornou ainda mais negra, o que era comum em uma cidade cheia de sombras do passado, sombras que nunca permitiram a esperança como sentimento dominante. O medo estaria ali, para sempre.

            As docas estavam iluminadas por postes metálicos de mais de cinco metros de altura, algumas torres de guarida e oficiais da polícia com suas lanternas de longo alcance. Era comum esse tipo de vigília quando alguma embarcação se preparava para tomar o alto-mar. A luz, no entanto, não era absoluta. Nunca foi. Próximo a um contêiner de agrotóxicos, dois vultos permaneciam imóveis, silenciosos. Dois pares de olhos brilharam bem ali, fixos na movimentação dos homens de ternos que carregavam caixas de madeira e galões de metal.

            — Está quase na hora – murmurou Hera – Harleen... Você sabe o que fazer. Não demore.

            Ela assentiu, contendo um risinho esganiçado. Com duas bombas de baixa intensidade e o óculos de visão-noturna no bolso do sobretudo e algumas navalhas presas à cintura, ela saltou por cima do contêiner, se refugiando sempre nas sombras, de modo que ninguém pudesse notar sua presença.

            Seu tamanco vermelho-preto fazia um leve ruído ao bater no concreto, não o suficiente para entregar sua posição. Olhou para trás. Hera já estava se mobilizando. O plano começara. Sem jogos, sem sandices. Apenas um ataque direto, certeiro.

            Arlequina rastejava sem ser detectada, era como um fantasmas, sagaz e cruel, não deixava pegadas, nem mesmo um rastro de sua existência. Havia aprendido com o velho herói da cidade como se tornar amigo da escuridão, como usar as sombras e a pouca visão ao seu favor. Viver nos bares da cidade e cultivar repulsa por Gothan serviram como combustível para seguir em frente com o seu plano. Acima de tudo, Curinga era o seu maior objetivo. Precisava ser prática. Estava sem o seu amo, seu o seu adorável clown. Precisava agir por conta própria.

            Sua primeira vítima estava a sua frente. Um policial desatento girava um cassetete de metal entre os dedos, enquanto mantinha a outra mão sobre a pistola automática. Arlequina invocou em sua mente os mapas das docas. Haviam mais dois galpões a sua frente, todos estariam sendo monitorados por uma equipe de segurança. Ela notara, estavam ficando frouxos. A queda dos vilões e a soberania de Batman haviam assustado os bandidos de qualquer espécie e, com isso, os grandes empresários não viam motivo em gastar tanto com uma equipe complexa de segurança. Naquele momento ela percebeu como seria fácil. E divertido.

            Num salto silencioso, Arlequina pousou ao lado do homem.

            — O que...

            Não houve tempo. Ela puxou a corrente com uma força bruta. A respiração do cão foi interrompida, o suficiente apenas para desmaiar o animal. Antes mesmo que o guarda pudesse tirar o revolver e chamar ajuda, Arlequina desembainhou uma navalha, cravando-a entre as costelas do homem. Sem nenhuma dificuldade, a lâmina atravessou a pele do homem e travou em algum osso.

            — Shh... – ela murmurou, ainda segurando a faca firmemente no corpo do homem. Olhou para o cachorro com certo remorso – sinto muito cãozinho. Dentro de alguns minutos vai estar melhor... E você, soldadinho... – Arlequina sorriu com falsa ternura em direção ao guarda – sabe o que te mantêm vivo? Essa navalha.

            O homem tentou gritar, mas foi impedido pelas mãos ágeis de Harleen.

            — Se você gritar, eu tiro a lâmina. Aí a hemorragia começa e você morre em questão de minutos. Mas, se for um menino bonzinho, eu deixo a faca onde está. Ela vai segurar a hemorragia até que você tenha o atendimento necessário... Então? Vai colaborar com a titia Haley?

            O guarda piscou duas vezes, seus olhos fixos e alarmados sobre a lâmina. Sim, ele havia percebido, seu sangramento não era assustador. O punhal da navalha mantinha a ferida fechada. Ele olhou, vagarosamente para Arlequina e, por fim, assentiu.

            — Ótimo – ela deu um tapinha amigável no rosto do homem – Agora... Eu preciso saber. Quantos homens vocês tem aqui?

            O guarda abriu a boca, falando com um sussurro assustado.

            — Vinte e três homens. E quatro cães.

            — Vinte e três homens? – ela arqueou a sobrancelha – Scarface está muito relaxado. Há mais alguma coisa que eu precise saber?

            O homem pensou, provavelmente cogitando uma mentira. Mas, olhando novamente a navalha atravessando sua pele, achou que seria uma idéia estúpida.

            — Todos armados... Os cães, eles obedecem com as ordens “Frontis”, significa pega... e “abstae”, significa fique...

            — Algo sobre o contrabando de Scarface? – ela perguntou em tom de sugestão.

            O Guarda hesitou. Sabia que não podia mentir. Era sua vida, ou o degredo do mafioso.

            — O verdadeiro contêiner com as armas está no galpão ao lado... Para desviar a atenção. Existem apenas câmeras de segurança lá dentro. Scarface tem três lutadores cuidando do lugar. São muito bons, você nunca vai...

            — Deixa que do resto eu cuido, fofo. – Arlequina segurou a mão do homem e pousou-a sobre o cabo da navalha – tome, segure isso direitinho. Não faça muita força, ou pode acabar fraturando alguma costela, e isso pode tornar sua respiração uma coisa desagradável.

            Arlequina abandonou o homem e o cão, se permitindo, mais uma vez, ser devorada pelas sombras.

 

            Hera estava refazendo o seu trajeto mentalmente. Estava atrás de um galpão, a menos de dez metros de distância do navio com a carga de Scarface. Atrás dela havia três homens amarrados do tornozelo até os pulsos. Suas bocas entreabertas estavam ocupadas por explosivos de baixa intensidade.

            — Hei, rapazes – disse Hera, olhando para o trio apavorado – É melhor não abrirem a boca. Se o fizerem, o explosivo cai, vocês são carbonizados, e o patrão vai ter um bocado de trabalho para limpar tudo.

            Ela caminhou até um deles, removeu o explosivo cuidadosamente, e fitou-o com interesse. O homem pensou em gritar, chamar por reforços. Mas sabia que, se o fizesse, seria a última coisa que faria na vida.

            — O carregamento de Scarface... Quais caixas? – ela perguntou, séria – e é bom não bancar o espertinho, ou eu volto aqui e explodo todos vocês.

            — No galpão ao lado – o homem murmurou sem hesitar. Era, provavelmente, o mais covarde do grupo. Hera estava com sorte – mas há dois lutadores lá, muito bons, fora as câmeras de segurança. Você vai ser pega.

            Hera esbofeteou o homem, que grunhiu como um animal assustado.

            — Não me venha com essa, homem. Eu sou Hera. Quantas vezes você e essa gentinha ficaram a minha mercê? Quem te deu o direito de falar assim? É bom manter a boca fechada, rapaz.

            Ela enfiou novamente o explosivo entre os dentes do guarda.

            — Bom conversar com vocês, rapazes – ela sorriu – vejo vocês em breve.

            Ela deu uma piscadela e desapareceu de vista, correndo por entre os caixotes de madeira.

           

            A noite, cada vez mais fúnebre, domava os sentidos dos guardas. Um a um, foram imobilizados. A estratégia da navalha usada por Arlequina surtira efeito na maioria, enquanto Hera se encarregava de amordaçá-los e lançar ameaças, que tão bem lhe caía.

            O último guarda havia notado a ausência de seus companheiros. Mas era tarde demais, Hera já o encontrara.

            — Alô, rapazinho... – a voz de Hera soou sedutora.

            O guarda se virou, cauteloso. Deparara-se com uma bela mulher vestida de verde, um saiote rodado com listras escuras na costura, um volumoso cabelo escarlate e um sorriso irresistível. Sua aparência, no entanto, não fora revelada, as sombras projetadas pelos caixotes altos e as luzes deformantes dos poste não permitiam sua identificação.

            — Senhorita, é bom se afastar. Não deveria estar...

            — Estou perdida – sua voz soou amável, quase inocente – não poderia me ajudar?

            — Er... – ele não soube responder, seus olhos estavam perdidos nas curvas sinuosas e tentadoras – eu... Acho que posso sim.

            Ela se aproximava sorrateiramente, irradiando seu sorriso. Ele não podia perceber, mas o corpo da mulher cintilava, cheio de feromônios. Bastou um único beijo. O guarda estava completamente à mercê de Hera.

            — Como faço para entrar no galpão dos arsenais de Scarface? – ela falou diretamente.

            O homem estremeceu, mas continuava encantado pela sensualidade da mulher.

            — Olha, eu não posso...

            — Por favorzinho... – ela deslizou o dedo indicador sobre o lábio do rapaz – um favorzinho em troca de outro?

            Foi como tirar doce de uma criança. Não, era ainda mais fácil e divertido.

            — Há três grandalhões. Corpos quimicamente alterados. Só tem um problema. O galpão é completamente esterilizado, pois a menor partícula de poeira pode acabar com os nervos deles. A radioatividade causou estragos durante a mutação. Basta um pouco de pó para enlouquecer o sistema nervoso deles.

            — Hum... Então, além de contrabandista, Scarface trabalha com anabolizantes superdesenvolvidos?

            — É... Acho que sim...

            — Ótimo. Espere-me no hotel Louisianne, na avenida principal. Estarei lá em cinco minutos.

            Ela deu uma piscadela. Foi o suficiente para convencer a mente ingenuamente infectada pelo feromônio. O homem correu sem questionar. Provavelmente passaria o resto da vida dentro de um quarto, esperando eternamente sua donzela.

           

            Arlequina alcançara o galpão ao lado, o mesmo usado para o contrabando. Estava prestes a entrar, quando uma mão tocou o seu ombro, vinda da escuridão.

            Seu pé girou no ar, mas outra delicada mão segurou o golpe.

            — Hera, sua imbecil! – sibilou Harleen – É a segunda vez que faz isso!

            — Shhh – chiou Hera – os caras aí dentro são do tipo anabolizados. Fortes o suficiente para nos esmagar.

            — Vamos arrancar as cabeças deles, então.

            — Não. – Hera revirou os olhos – pense em algo mais sutil. O galpão é esterilizado, ao que parece, os grandalhões não podem com poeira.

            — Alguma alergia bizarra?

            — Essa foi boa... Não, não é alergia. Partículas de poeira podem enlouquecê-los, as intensas exposições à química provavelmente comprometeu o sistema nervoso central deles.

            — Com o sistema nervoso central desorientado, eles perdem a aptidão pela luta. Serão apenas máquinas de destruir sem controle, nem tática.

            — Adoro quando você banca a doutora, Harleen.

            — Eu SOU doutora, Pam... Muito antes de ser comediante.

            Os olhos de Arlequina pousaram em um carrinho de carga movido a eletricidade. Vários sacos de esterco orgânico e ração animal estavam empilhados de forma perfeccionista. Foi como um estalo brilhante em sua mente.

            — Hera... – Arlequina começou a caminhar em direção ao carrinho – abra a porta, vamos dar uma coisinha para os nossos amigos transgênicos.

 

            O galpão estava guardado por três homens. Apenas uma luz branca e fosca iluminava o recinto estéril, mortiço. Várias caixas de metal inoxidável compunham o cenário, além de inúmeros contêineres de plástico e pequenos cubos de vidros, preenchidos com um líquido esverdeado, presos a tubos alimentados por um tanque fixo no teto.

            Os três homens caminhavam pelo patamar superior, fazendo o chão metálico ressoar de forma assustadora, como se estivesse chovendo blocos de concreto. Os mutantes tinham os braços inchados, músculos protuberantes ligados a fios fixos no córtex cerebral. Seus rostos estavam cobertos por um capuz preto, embora os olhos quase fora da órbita do crânio não pudessem ser escondidos.

            — Está calmo-calmo... Lá fora... Fora – um deles sussurrou. Um ruído de ar comprimido assobiava de suas narinas a cada palavra, como se falar fosse um grande esforço.

            — Não há preocupação-cupação... Damos conta... Do recado... Recado.

            — Silêncio... Demais – o terceiro observou, se mostrando o menos irracional do trio.

            Num baque surdo, o portão gemeu, cedido por uma explosão externa. Os homens fitaram o exterior, olhando, atônitos, o mar revoando como uma grande mancha negra viva.

            — Poeira... Fecha... Porta-porta...

            Um dos homens tentou correr em direção à porta, mas um vulto surgiu no caminho bem a tempo.

            — Ora, crianças! – Hera sorriu, radiante – Não sejam tão tímidos. A noite está linda. Não querem levar duas damas para um passeio de barco?

            — Mulher-planta-planta...

            A mão grotesca foi erguida com uma velocidade bruta, os ossos cantaram como pneus no asfalto molhado. Obviamente não eram apenas orgânicos, Hera logo percebeu. Ela se esquivou a tempo, mas precisou se afastar para não ser atingida pelo segundo homem, que parecia correr rápido demais para o seu corpo graúdo.

            — Hera! – gritou Arlequina.

            Harleen entrou no galpão com o veículo de carga, girando-o e parando próximo ao grupo. Ela enfiou a mão no bolso e puxou três explosivos, lançando-os dentro dos sacos de esterco e ração.

            — A coisa vai feder aqui, Pamela. Proteja os olhos!

            A explosão aconteceu tão rápido a densa nuvem de pó se espalhou.

            O carrinho estourou com o impacto, arremessando pneus e pedaços de metal em várias direções. Um dos homens segurou a roda antes de acertar-lhe o rosto. Mas não foi o suficiente.

            Suas mãos começaram a tremer, incapacitadas. Era como se não pudessem mais controlar seus próprios movimentos.

            — Foi rápido – falou Hera.

            — Sinais sinápticos são extremamente rápidos. Não demora para perderem o controle.

            — Isso é muito...

            BUM!

            Hera não teve tempo de responder. Um braço gigante, soando o mesmo cantar de pneus, acertada o seu abdome e a lançara quase dez metros a frente. Seu corpo se chocou em um monte de contêineres. A dor a fez cuspir um bocado de sangue.

            — Hera! – urrou Arlequina, correndo em direção à amiga – Sua auto-confiança realmente não ajuda!

            — Eu... Estou bem... Cuidado!

            Bem a tempo. Arlequina saltou contra a parede, esquivando do golpe do segundo homem. Naquele momento, Harleen pode notar dois enormes parafusos presos à superdesenvolvida omoplata girarem como engrenagens. Logo em seguida o homem girou, sem direção, desequilibrou-se e caiu sobre um cubo de vidro. Ela havia encontrado o calcanhar de Aquiles.

            — Hera! Os músculos são grandes demais, os tendões não suportariam os movimentos!

            — Em que essa informação ajuda, Dra. Gênio?

            — São articulações hidráulicas! Os fios são a fonte dos movimentos. Sem eles, cortamos o suprimento de estimulo cinético!

            — O que estamos esperando? Vamos logo acabar com essas porcarias!

            Antes de qualquer outro movimento, vários holofotes se acenderam, iluminando o galpão com uma luz branca intensa. Arlequina e Hera se aproximaram, uma cobrindo a retaguarda da outra. Elas estavam no foco das luzes.

            — Chega, é o suficiente! – uma voz rouca e grave ecoou.

            Um segundo depois, os três homenzarrões cederam, caindo no chão, imóveis, inanimados.

            — O que... – Hera chegara ao ponto de falar, mas silenciou-se com a cotovelada urgente da amiga. Arlequina apontara para o patamar acima, onde estava uma linda mulher loura, com um homenzinho de madeira em seus braços.

            Peyton não tinha nenhuma expressão, mas o sorriso de Scarface era atormentador.

            — Por favor, não avariem minhas criações. Ainda estão em fase experimental, mas prometo que serão oponentes à altura, logo, logo.

            — Scarface – Arlequina firmou um sorriso – que desprazer ver essa sua cara-de-pau bem aqui.

            — Dra. Harleen Quinzel... – murmurou o boneco de madeira – Já ouvi essa piada antes, e não gostei dela na primeira vez.

            — Talvez você só não estivesse de bom humor – foi a vez de Hera sorrir também.

            — O Que vieram fazer aqui? – perguntou ele, sem delongas – Estão pedindo para morrer jovens? Porque isso é uma pena, conheço um bar aqui que paga cinco dólares a hora por donzelas belas que façam, digamos, de tudo um pouco.

            — Não estamos interessadas em dinheiro, Scarface – avisou Arlequina, caminhando em direção à um dos homens grandalhões. Segurou delicadamente um dos fios, e puxou. Não pode deixar de notar a cara de Scarface se contorcer com uma frustração raivosa.

            — Está fazendo um belo serviço aqui – comentou Hera, casualmente – Imagine se Batman soubesse...

            — O que? Vai me dedurar? – falou Scarface – Isso é medíocre demais, não acha? Até mesmo para vocês duas.

            — O dia em que me ver confraternizando com aquele maldito homem-morcego – falou Arlequina com seriedade – quero que enfie uma bala na minha cabeça.

            — Não preciso de um motivo para te matar, Dra. Quinzel.

            — Mas tem bons motivos para me querer viva. – Ela respondeu renovando seu sorriso sádico e infantil – está vendo esse estrago no galpão? Não se engane, posso fazer coisa pior. O seu navio, aquele lá na frente, no horizonte...

            Os olhos de Scarface cruzaram as águas negras até o imperial navio. Arlequina notou a alteração no olhar do homem de madeira.

            - Acabamos de plantar uma bomba lá. Uma "plastique", para ser exata. Agora, se nao quiser ver a sua mercadoria decorar o alto-mar, sugiro que nos sirva leite, cookeis e um sofá confortável. Vamos falar de negócios.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!