Joke And Poison escrita por Pedro_Almada


Capítulo 1
Joke & Poison




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/96720/chapter/1

O bar estava tomado pelo fedor acre da escória de Gothan. Toda a sorte de bandidos mesquinhos se confraternizavam naquela pocilga abaixo da cidade. O cheiro de álcool e vinagre se misturava no ar, não havia uma expressão que não causasse repulsa. Eram bandidos. Sem exceção.

            A música era um rock pesado, fazendo tremer os copos sujos sobre o balcão empoeirado. Não havia uma fresta que permitisse o vento gélido da noite entrar no recinto. Os copos tilintavam, os risos ecoavam assustadoramente.

            No fundo do salão decorado com mofo, próximo ao piano, uma mulher dedilhava as teclas do instrumento com determinada intimidade. Suas mãos eram delicadas, de dedos longos. Seu corpo, delgado e atraente, estava desenhado na silhueta de um vestido verde-oliva. Seu cabelo ruivo, quase escarlate por assim dizer, ondulava até as costas nuas. A mulher parecia entediada.

            Seus olhos negros dançaram pelo bar, ignorando os olhares lascivos, enquanto sua mente vagava, distraidamente, pelos corredores de seu passado. Lembrava-se do quão bom era ser cruel, como era quase indestrutível. Gostava de ser amada, mas seu fracasso tornara-a uma mulher frígida e, agora, decadente. Ainda assim, manter sua pose de vilã era parte de seu figurino. Preferia manter sua aparência intacta. Isso, o homem de capa preta ainda não tinha derrubado.

            Seus olhos, depois de tanto se perderem em cenas deploráveis, encontraram o que ela tanto esperava. Lá estava. Ela.

            Os cabelos louros, antes elaborados em duas tranças, agora estavam protegidos por um chapéu rubro-negro. Sua pele era pálida, embora houvesse um leve tom bronzeado em suas mãos nuas, que seguravam sem nenhum interesse um copo de wisky. Com um sobretudo vermelho e preto, combinando com o chapéu, não havia dúvida. Era a pupila do lendário clown du Gothan City.

            Sem delongas, ela atirou-se a frente do salão, a passos largos, em direção a jovem, que não percebeu a aproximação.

            Num movimento súbito. Hera agarrou Arlequina pelo pescoço, em uma chave-de-pescoço impecável. O espírito de luta aflorara.

            - Hei! – protestou Arlequina.

            Instintivamente, seus pés dançaram no ar. A bota de mescla vermelho-preto rasgou o ar com fúria, golpeando Hera bem na ponte do nariz. Ela cambaleou, afastando-se de Arlequina e se apoiando em uma cadeira próxima.

            Os ruídos estridentes cessaram. Todos encaravam, apreensivos, as duas mulheres. Estavam, agora, uma de frente para a outra, com olhares compenetrados e decididos.

            Hera não resistiu e, enxugando as gotas de sangue no nariz, cedeu aos risos. Arlequina suspirou, entediada.

            - É você. Achei que fosse alguém pior.

            - Você nunca baixa sua guarda, hein, garota.

            - O que posso dizer? Sou psicótica, esqueceu?

            - Que seja. Mas tente ser menos barulhenta da próxima vez, pode ser?

            - São tempos difíceis, Pamela. Não pode sair por aí surpreendendo vilões decadentes pelas costas.

            - Ai, que falta de humor, Harleen. Onde está a antiga Arlequina que conheci? Não que eu gostasse daquela versão mas... Você é entediante.

            - Quer saber onde está a antiga Arlequina? Pergunte ao Batman. Ele sumiu com todos nós.

            Hera puxou uma cadeira, sentou-se ao lado da amiga e acenou para o garçom, que compreendeu o sinal imediatamente.

            - Não há lugar melhor do que este para se beber, hein? – falou Arlequina, dando uma considerável golada.

            - Esse lugar é um lixo, Harleen. Precisamos de diversão.

            Arlequina revirou os olhos instintivamente. Esse tipo de reação era comum perto de Hera. A jovem palhaça conhecia muito bem os planos nonsense de sua amiga vegetal.

            - Não quero mais esse tipo de vida. Não que eu não goste de ser má. Eu sou sádica, psicótica. Mas... Até mesmo os loucos reconhecem que, em alguns momentos, precisam desistir. Posso viver sem ser perseguida por aquele morcego velho.

            Hera riu, como uma criança.

            - As vezes acho você tão antipática, Harleen. O que foi? Depois de pegarem o Curinga você desistiu de toda a sandice? Quer ser uma vilã recalcada?

            - Eu só não quero parar naquele maldito manicômio outra vez.

            - Mas... Você ficaria perto do seu amor... – Hera deslizou o longo dedo sobre o rosto pálido de Arlequina, sorrindo maliciosamente – Curinga vai ficar feliz em ver você.

            - Não, ele não vai... Estão mantendo-o sedado em tempo integral, agora. O cérebro dele deve ter virado pasta de amendoim... Nunca mais será o mesmo.

            - Só tem um jeito de sabermos.

            Arlequina fitou a amiga. Temia ouvir o que esperava ouvir, então arriscou a pergunta:

            - O que você pretende fazer, Pamela?

            Hera pegou o copo de Arlequina, sorvendo o resto do líquido.

            - Vamos tirar o Curinga daquele maldito lugar. Vamos transformar a vida do Batman no antigo inferno que era.

            Por um momento, Hera percebeu os olhos de Harleen cintilarem, cheios de esperança. Havia um amor sádico e doentio naquele expressão. A paixão masoquista e letal de uma jovem psicótica estúpida por um homem frio, manipulador, um psicopata de alto calibre. Hera sabia que tocar no assunto era atiçar uma fera que não poderia ser domada, por isso, nunca exagerava em suas provocações, ou seria mais uma vítima da monstruosa palhaça de Gothan.

            - Como espera tirá-lo daquele lugar? – Harleen arqueou uma sobrancelha, permitindo que seus olhos azuis brilhassem com ligeiro tremor de excitação.

            Hera Venenosa havia conseguido seu intento.

            - Eu tenho alguns contatos que me sobraram. Além do mais, posso ter sido derrubada uma dúzia de vezes... Mas é como dizem, eu sou uma erva daninha... Quando pensam que me podaram, eu volto ainda pior.

            - Batman está pior... É capaz de nos matar. Ele está ficando velho, não vai se dar ao luxo de nos estudar, ou de fazer joguinhos.

            - Ele não joga, Arlequina. Ele ganha... É exatamente por isso que tenho um novo plano... Sem jogos.

            - Sem jogos? Mas qual seria a graça?

            Hera riu.

            - Ai, Arlequina. Você se tornou tão patética. Vamos, tenho que despertar o monstro adormecido dentro de você. Antes que ele morra de tédio nessa carcaça. Aliás, você está bonita.

            - Obrigada, eu tenho me esforç...

            - Foi uma piada, Arlequina. Céus, aonde vai parar o mundo do crime?

            Arlequina bufou, enfezada. Sabia que estava perdendo o pique, suas piadas eram horríveis e o seu humor estava começando a se afogar em um copo tosco de wisky barato em um bar sujo. Se não fizesse algo, cedo ou tarde se tornaria só mais uma mulherzinha medíocre sem nenhuma expectativa.

            - Você tem um plano? – perguntou Harleen.

            - Não... Mas eu sei quem tem – Pamela sorriu, vitoriosa – conhece Peyton Riley?

            Arlequina arqueou as sobrancelhas, surpresa e igualmente incomodada.

            - Scarface ainda está vivo? – Arlequina mordeu o lábio inferior, frustrada – odeio aquele boneco.

            - Não podemos nos dar ao luxo de nos odiar, Arlequina! Não quer se reerguer? Ou quer continuar nesse buraco com esse monte de ratos nojentos?

            Hera socou a mesa com força. Seu discurso ofensivo em voz alta chamou a atenção dos grandalhões a volta.

            O silêncio, novamente, tocou conta do recinto. Mais de uma dúzia de homens musculosos e peludos se levantaram, segurando toras de madeira ou garrafas vazias. Quatro mulheres atléticas, a poucos metros de distância, se levantaram, sentindo que a ofensa também estava direcionada a elas. Arlequina bufou mais uma vez.

            - Ótimo, deixou essa gente irritada. Vamos ter que sujar as mãos.

            - Vai ser bom. – Hera deu de ombros – faz tempo que não fazemos nada juntas.

            Então Harleen riu. Ela jogou o chapéu para o lado, recolhendo duas fitas vermelhas do bolso. Enquanto os grandalhões se aproximavam, Arlequina fazia dois rabos de cavalo laterais, sem usual estilo antes da queda de Curinga.

            - Sabe, você tem razão – Arlequina se levantou, ao passo que Hera já estava de pé – Esse lugar é um lixo. Mas acho que eles são o problema.

            - Uma limpeza, cara amiga?

            - Me chame de camareira de bordel, Hera.

            Arlequina saltou por cima da mesa, gargalhando infantilmente, sadicamente. Começara a travessura.

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!