Herança de Amor escrita por Lewana


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Bom pessoal, essa é a minha primeira fic. por aqui e espero realmente que gostem desse capitulo e continuem acompanhando a história de Laura e Carol.
Confesso que eu caprichei nesse e postei um bem grande de inicio.

Espero que gostem...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/96163/chapter/1


 
     A cabeça de Carolina Brolin doía e ela jamais sentira tanto frio em toda sua vida. Gemeu e tentou girar o corpo, uma das mãos procurando puxar as cobertas. Então, sentiu algo molhado na orelha. Seus olhos abriram de súbito e focalizaram o interior de um carro. O que viu fez seu coração bater acelerado de terror. Estava dentro d'agua até o pescoço!
    Um pânico cego ameaçou dominá-la, mas lutou contra ele. Lentamente, ergueu a cabeça e olhou pela janela, temendo o que iria ver. Mas o nível de água dentro e fora do carro era o mesmo. Seu medo maior era infundado. O carro não estava submerso. Ainda.
    Notou que a porta do passageiro estava aberta e uma série de imagens passaram por sua mente: o som do pneu estourando, sua cabeça batendo no pára-brisa, a água gelada entrando quando o carro caíra no córrego; sua consciência ameaçando apagar enquanto lutava com o câmbio de marchas para colocá-lo em ré e gritava para Dudu ir buscar ajuda. "Por favor, Deus, que seu filho estivesse bem!"
    Virou-se para olhar pelo vidro de trás quando uma dor forte no pé esquerdo a fez gemer. Afundando na água, deslizou a mão pela perna. Seus dedos encontraram uma peça de metal na altura do tornozelo. Tentou movê-la, mas não conseguiu.
    Emergindo novamente, Carolina enxugou o rosto. O pânico voltou a tentar dominá-la quando percebeu a gravidade da situação. Estava presa como um animal numa armadilha e não havia como se soltar. Nenhum motorista que passasse iria parar para ajudá-la, porque não se podia ver o córrego da estrada. Sua única esperança era um garoto de sete anos a quem sempre proibira até mesmo de ir sozinho para a escola.
    Imaginar Dudu, assustado e molhado, andando sozinho pela estrada enquanto a noite se aproximava a fez chorar de modo incontrolável. E se ele não tivesse conseguindo chegar à margem do riacho?
    Fechou os olhos e apertou as mãos com tanta força que enfiou as unhas nas palmas. De alguma forma a dor pareceu ajudar. Tinha que pensar de forma positiva. Tinha que aguentar.
    Quase recuperara seu otimismo característico quando o brilho de um raio e o som de um trovão encheram o céu. A chuva começou a cair, forte, parecendo um dilúvio. Enquanto a escuridão aumentava, também crescia o nível da água ao seu redor.
     Carolina olhava sem ver para o vidro rachado e uma dormência provocada pela água gelada subia por seu corpo e invadia seu espírito. Então, era assim? Era assim que sua vida ia terminar?
     Voltou a pensar em Dudu. Caso ela se afogasse ali, não haveria ninguém para cuidar dele. Ela estava com doze anos quando seus pais haviam morrido e crescera numa série de lares adotivos, sem jamais ter uma verdadeira família. Agora seu filho estava condenado ao mesmo destino. Não era justo!
     De súbito ouviu um barulho mais alto do que a chuva. Parecia...parecia uma voz!  
     Carolina desceu o vidro, rezando para que a voz não fosse apenas uma ilusão causada pelo desespero.
     Ouviu barulho na água, em seguida uma série de palavrões dirigidos contra a água gelada do córrego seguidos por uma única pergunta:
      - Tem alguém nesse maldito carro?
     Sim! Não era sua imaginação, era a voz de uma mulher que soava grave no meio de toda aquela chuva.
     Um soluço de alívio escapou da garganta de Carolina e ela ergueu o queixo acima da água.
      - Estou aqui! - gritou o mais alto que pôde. - Meu pé está preso. Não posso sair!
     Houve um momento de silêncio, como se a desconhecida não estivesse esperando realmente por uma resposta. Quando falou de novo, seu tom era quase gentil:
      - Certo, moça. Apenas fique calma. Estou indo.
     Ela ouviu mais barulho na água e então a mulher se materializou diante da cortina da chuva. Carolina percebeu que ela usava um chapéu Stetson de aba larga, mas era difícil discernir-lhe o rosto.
     O córrego dava na cintura dela, quando inclinou-se para olhar para dentro do carro, pela porta aberta.
     - Você está sozinha aí? Alguém foi procurar ajuda?
     - Eduardo, o meu filho. Você deve ter passado por ele na estrada!
     Carolina notava o desespero na própria voz. A lógica dizia que se Dudu tivesse encontrado aquela mulher, estaria com ela. Mas queria acreditar que seu filho é que avisara a desconhecida.
     
     Laura Bittencourt tentou inutilmente ver o rosto da mulher. Pela voz, ela parecia estar a ponto de perder o controle. E a última coisa que queria era ter de lidar com uma mulher histérica. O melhor era dizer-lhe que o filho estava bem, pelo menos até conseguir tirá-la do carro. Mas então ela própria lembrou-se como era ruim confiar e depois saber que fora traída. Não foi capaz de mentir e disse:
     - Eu não vi ninguém. Vi apenas seu carro no riacho. E mesmo isso foi muita sorte, nessa chuva.
     O que restava de calor no corpo de Carolina sumiu ao pensar no filho andando sozinho na chuva.
     - Escute, moça, qual é seu nome? - perguntou a desconhecida.
     - Carolina...Carolina Brolin.
     - Bem, preste atenção, Carol, meu irmão esteve cavalgando nesta área a tarde toda. Ele deveria vir encontrar comigo aqui no riacho ao pôr-do-sol. Já passou da hora e ele ainda não apareceu. Provavelmente encontrou seu filho e deve estar tratando de
levá-lo para um local abrigado o mais depressa possível.
     O uso do apelido de infância teria feito Carolina sorrir em melhores circunstâncias, mas todos seus pensamentos estavam focados em Dudu. Tentou enxergar os olhos da desconhecida através da chuva. O tom de voz dela era baixo e controlado. Sua voz era suave e levemente rouca... "Que voz linda!" - pensou.
     Balançou a cabeça tentando afastar aqueles pensamentos. Não era momento para aquilo.
     Gostaria de acreditar no que a desconhecida dizia, mas não estava convencida. Retrucou:
     - Você não pode ter certeza se meu filho foi encontrado por quem quer que seja.
     A outra não se moveu nem falou por vários segundos; aproximou-se tanto que uma gota de água escorregou pela aba do seu chapéu e caiu no rosto de Carolina. Quando por fim ela respondeu, foi com a voz intensa:
     - Carol, se eu não tirar você daí logo, vai se afogar ou morrer de frio. Seu filho provavelmente está a salvo numa cama quente a essa hora. O melhor que você pode fazer por ele é cuidar de si mesma.
     Carolina considerou o que ela dissera, mas não concordou e agarrou-lhe a mão:
     - Por favor, você tem que ver o que houve com o Dudu! Preciso ter certeza!
     Laura teve de fazer força para não recuar ao ser tocada. Isso porque aquele simples toque lhe causou algo que ainda não soube definir, mas a deixou assustada.
     Segurando a pequena mão entre as suas, ela notou a suavidade da pele de Carolina, e limpando a garganta para manter a firmeza na voz continuou:
      - Eu vou procurar o garoto, sim, nas só depois de tirar você daí.
      Carolina aceitou o acordo, sabendo que não havia como contestar.
      - Então ande logo! Tem que ir procurá-lo depressa!
      Laura sabia que tinha de se apressar, por causa de Carolina e do garoto. Ela mesma não iria aguentar muito mais agora que a temperatura estava baixando depressa.
      Relutante, soltou a mão dela:
      - Calma, moça. Isso não é algo que possa ser feito num minuto. Preciso ver o que a está prendendo.
      Afundou na água até os ombros e começou a procurar.
      Apesar de Carolina poder jurar que todos seus nervos estavam paralisados pelo frio, teve um sobressalto ao sentir a mão macia, porém firme de sua salvadora deslizando pela sua perna nua.
       - Calma, Carol. Apenas tenha calma. Não vou machucá-la.

      Carolina se emocionou com o tom reconfortante. Passara tempo demais sem receber gentilezas, de forma que aquilo a tocou.

      - Você está mesmo bem presa aí – observou a mulher. – Seu pé está doendo?

     Carolina fez que não, então lembrou que a desconhecida provavelmente não podia ver seu rosto.

     - Não, só doeu quando tentei soltá-lo.

     A outra praguejou baixinho e bateu de forma carinhosa no joelho de Carolina antes de se afastar.

    - Não sei como posso puxar seu carro daqui só com uma corda e um cavalo, mas não há tempo para ir buscar ajuda. Quando eu gritar, coloque o carro no ponto morto e solte o freio de mão. Pode fazer isso?

    - Claro que sim.

    - Ótimo.

    Carolina sentiu a mão da desconhecida fazer uma breve carícia em seu rosto e as palavras pareceram sair de sua boca por vontade própria.

   - Diga-me seu nome.

   - O quê?

   Antes  de colocar sua vida nas mãos daquela mulher, parecia importante saber o mais possível sobre ela.

   - Por favor, não quer me dizer seu nome?

   - Laura – disse ela, num tom de tolerância e surpresa. – Laura Bittencourt.

   Em seguida virou-se, fechou a porta e se afastou, enquanto Carolina fazia imenso esforço para não chamá-la de volta: aquela sensação de abandono que sentia era tolice, mas não conseguia livrar-se dela. Esperou ansiosa pelo sinal.

   "Laura! Que nome lindo!"

   Então de súbito, ouviu:

   - Agora, Carol!

   Carolina colocou o câmbio em ponto morto e para seu horror o carro começou a andar para frente.

   - Laura! – gritou.

   Ao mesmo tempo em que gritava a corda esticou-se e o carro parou.

   - Calma, Carol, calma!

   Carolina ouviu-a incitando o cavalo a avançar, mas o carro permanecia no mesmo lugar. Depois de um instante ela gritou de novo.

   - Puxe o freio de mão.

   Mais barulho na água e logo Laura estava junto dela.

   - Tenho medo de pôr mais tensão na corda, Carol. Vou tentar ajudar empurrando o carro. Zack vai puxar mesmo sozinho, ele é treinado para puxar cordas.

  - E se ele não puxar? – perguntou Carol, horrorizando-se ao imaginar Laura presa em baixo do carro.

  - Aí, terei que empurrar com mais força – afirmou, depois de uma pausa longa demais para ser considerada confortável.

   Antes que Carolina pudesse formular mais objeções, Laura afastou-se. Segundos depois ela voltou a gritar:

   - Solte o freio!

   Com uma oração silenciosa, Carolina obedeceu.  Ficou esperando o carro avançar pelo menos um pouco e quando isso não aconteceu soube que era graças a Laura.

   Por um segundo aterrador, o carro ficou imóvel. Então, lentamente, ele começou a recuar.

   Quando o carro subiu um pouco e a água desceu até sua cintura, Carolina soltou a respiração, com um grito de triunfo. Mais um momento, o carro encontrou-se novamente em terra firme, Carol puxou o freio de mão e engrenou a primeira, a fim de mantê-lo no lugar. Então, apoiou a cabeça no encosto, fechou os olhos e respirou fundo.

   - Conseguimos, Carol! Conseguimos!

   A porta abriu-se e Carolina viu Laura ao seu lado. Sem parar para pensar no que fazia, ela passou os braços no pescoço de sua salvadora e a abraçou com força:

   - Obrigada – sussurrou.

   Na escuridão quase que total, os sentidos de Carol começaram a funcionar: pode sentir os cabelos macios de Laura tocar-lhe o rosto. Aspirou inconscientemente seu perfume.

   Era imensa sua felicidade, por estar viva e ser capaz de sentir. As mãos de Carolina, trêmulas por causa do frio, tocaram as costas de sua salvadora, sentindo o contorno de seus músculos.

   Depois da surpresa inicial, notou que as mãos de Laura também a tocavam. Sua salvadora puxou-a para mais perto e o calor do corpo dela que atravessou suas roupas molhadas foi imensamente bem-vindo.

   Então, os dedos de Laura seguraram-na pelos braços e afastaram-na com gentileza.

   - Deixe-me tirar você daqui, Carol, antes de nós duas morrermos de frio.

   A última coisa que Carolina desejava era perder aquela sensação de calor, mas foi forçada a atender a lógica da situação. Entregou a ela as chaves do carro e ouviu-a remexendo no porta-malas.

   No escuro, esperando que Laura voltasse para junto dela, Carolina começou a pensar como era incrível ter se tornado emocionalmente dependente de uma desconhecida tão depressa. Sempre se considerara uma mulher auto-suficiente, mas desde que Laura aparecera a sensação era outra. Porém, a situação era de perigo. Agora nada mais a ameaçava, então por que não conseguia afastar a sensação de vulnerabilidade que a enfraquecia desde que recuperara a consciência? 

   - Aqui, vista isso.

   Carolina reagiu à voz de Laura com um alívio que apenas aumentou sua perturbação. Laura vestiu uma jaqueta em Carol que estava pesada, quase tão molhada quanto a roupa dela, porém era mais uma barreira entre ela e o vento.

   - Mas...

   Começou a protestar ao perceber que era a jaqueta de Laura, que ela tirara para agasalhá-la.

   - Você precisa mais dela que eu.

   Lágrimas de gratidão subiram-lhe aos olhos e nesse momento percebeu como seu equilíbrio emocional era instável.

   - Só achei duas  sacolas e uma chave de roda no seu porta-malas – dizia sua salvadora. – Vou ver se consigo usá-la para soltar você.

   Laura abriu a porta do lado dela, com dificuldade, ajoelhou-se no chão e examinou a lataria amassada.

   - Me avise se eu a machucar.

   Carolina ouviu o ruído da chave contra o metal quando Laura fez força, mas tudo o que sentia era frio. Laura gemeu com o esforço e praguejou com raiva quando a chave de roda escapou e caiu no chão.

   - Mas que droga!

   Carolina moveu a perna com cuidado e ficou surpresa ou ver que estava solta.

   - Deu certo! Laura,estou livre!

   Feliz por estar livre, Carolina virou-se, colocou as pernas para fora e ficou de pé. Sentiu uma dor violenta um instante antes do tornozelo ceder e teria caído se Laura não a tivesse segurado.

  Laura ficou por um instante com Carolina entre seus braços. Pode constatar o quanto seu corpo era macio. Decidiu sem hesitar que aquela era uma mulher que gostava de ter nos braços mesmo com uma chuva congelante desabando sobre elas.

  Ignorando totalmente seus pensamentos, pegou-a no colo e carregou-a com facilidade.

  Laura viu-se imaginando a cor dos olhos e dos cabelos de Carolina, "Como seria seu rosto?". Então, tratou de afastar aquelas idéias da cabeça. As poucas mulheres que conhecera depois de Anne tinham sido apenas corpos quentes que usara sem pensar. Só conseguia lembrar de alguns nomes, poucos rostos e nenhum sobrenome. E era exatamente assim que preferia que fossem as coisas. Além disso, a mulher que carregava não ficaria perto dela tempo bastante para fazer qualquer diferença se sua aparência era boa ou não.

  Carolina começou a tremer de frio.

  - Eu consigo andar – disse ela, com os dentes batendo. – Não precisa me carregar como um bebê.

  - É mais rápido assim – informou Laura sem diminuir o passo.

  Incapaz de argumentar contra aquilo, Carolina deixou o orgulho de lado. Estava meio gelada. Quando chegaram perto de Zack, sentia-se tão miserável que não ligava mais a mínima a quem a carregava, desde que continuassem indo.

  Laura colocou-a sentada de lado na sela e montou atrás dela. Carolina gemeu, sentindo mais frio sem o corpo de sua salvadora para proteger o seu. Laura devia estar gelada, com a camisa molhada...Antes que mudasse de idéia, Carolina tirou a jaqueta e deu-a a ela.

  - O que você acha que está fazendo? – perguntou Laura.

  - Vista a jaqueta e eu lhe mostro.

  Assim que Laura a obedeceu, Carolina aninhou-se junto ao corpo dela. Percebendo a idéia,Laura puxou as laterais da jaqueta ao redor de Carolina. Colada a sua salvadora, Carolina não pôde evitar de notar o quanto corpo dela era forte sem deixar de ser feminino,pois percebeu com admiração curvas em lugares que qualquer um poderia se perder.

  Quando Carolina ouviu os cascos do cavalo batendo no asfalto da estrada o curso de seus pensamentos mudou. Virou o rosto para o vento e começou a chamar pelo filho. Gritou até ficar rouca, sem ter resposta.

  - Descanse, Carol. Deixe que eu faço isso.

  De novo ela aceitou a ajuda e sentia as vibrações do corpo de Laura quando gritava o nome de Dudu. Estava com tanto frio que não podia deixar de tremer. E sentia-se tão cansada! Se pudesse dormir alguns minutos...

  Lentamente, seus olhos se fecharam.

 

 

  - Acorde, Carol. Chegamos.

  Carolina afastou o rosto do morno abrigo que era o pescoço de Laura e olhou para a cabana escura diante delas. Parecia deserta, mas Carolina não conseguia pensar em nada: tinha vontade de chorar ao pensar em comida, em calor, em abrigo. Mas notou que havia algo errado.

   - Eduardo! E o Eduardo?

   As mãos de Laura deixaram a cela e tocaram os quadris de Carolina.

   - Percorri o quanto podia da estrada, Carol. A casa do rancho é o local mais próximo com telefone, porém fica longe demais para alcançarmos, nesta tempestade. Agora, venha. Temos de entrar.

  Seu filho estava em perigo e aquela mulher não ia fazer nada para ajudá-lo! Passou por sua cabeça fugir dela e procurar por seu filho sozinha. Mas estava tão fraca que mal conseguia sentar-se sem ajuda. Quando sua salvadora a puxou da sela, Carolina deslizou, inerte, e Laura quase caiu ao ampará-la. Foi então que Carolina notou que ela também estava a beira da exaustão.

   - Não! – murmurou, achando que gritava.

   Queria sacudir Laura, obrigá-la a continuar procurando, mas tudo o que conseguiu foi se agarrar na jaqueta dela sem nenhuma força. Apoiou a cabeça no ombro de Laura numa admissão de incapacidade.

   Laura abriu a porta com um chute violento, que serviu também para descarregar parte da frustração. Deu uns passos para dentro e depositou Carolina numa cama pequena.

   - Carol, aqui não há eletricidade. Você precisa tirar as roupas molhadas.

   - Tenho que procurar o Dudu!

   - Moça, eu tentei.

   - Se aconteceu alguma coisa com ele... Deus, vou me culpar para sempre!

    Essas palavras trouxeram velhas lembranças de acusações e de culpas antigas em Laura. Lembranças que era melhor não despertar. Xingando-se por ter entrado em contato com aquela mulher, Laura pegou-a pelos braços e colocou-a sentada. Puxou-a até que se apoiasse em seu ombro e começou a tirar-lhe o vestido com as duas mãos. Carolina tentou evitar, mas a paciência e as forças de Laura estavam no fim:

   - Pare com isso agora mesmo ou a deixo vestida e você vai congelar!

   Com uma energia que não sabia possuir, Carolina empurrou-a  e se levantou. Deu um passo para frente e desabou no chão.

   Xingando abertamente, Laura usou o resto das forças para colocá-la outra vez na cama.

   Conseguiu tirar o vestido de Carolina pela cabeça e jogou-o no chão. Em seguida, tentou repetidas vezes abrir o sutiã dela com os dedos que o rio havia tornado insensíveis. Por fim, Laura parou de tentar e arrancou o sutiã de Carolina com um puxão. Ao fazê-lo, esbarrou acidentalmente em um dos mamilos.

    Para Carolina o contato não foi apenas chocante: estava tão rígida de frio que o esbarrão causou dor e ela gemeu.

   O gemido fraco acabou subitamente com a raiva de Laura. Murmurando pedidos de desculpas, deitou Carolina cuidadosamente na cama e tirou-lhe a calcinha. Então pegou um cobertor e uma colcha em um baú.

   Carolina suspirou quando o calor espalhou-se pelo seu corpo. Mas não parava de pensar no filho. Ele talvez não tivesse sequer um cobertor e ...

   Sentiu uma mão suave acariciar-lhe o rosto e a voz de Laura soou na escuridão:

   - Vou acender o fogo e tentar chegar à casa do rancho. Se Eduardo não estiver lá, eu ligo para a policia e eles organizam uma busca. Mas você, moça, vai ficar quietinha nessa cama.

   Qualquer ressentimento que Carolina pudesse ter foi removido por essas palavras. Então, Carol caiu em si e indagou, insegura:

   -Você vai sair de novo? Mas está tão cansada quanto eu!

   - Esta preocupada comigo, Carol? Aprecio sua preocupação, porém não é possível ter tudo. Mais alguém para quem eu deva ligar? Pais? Marido?

   - Não, meu marido morreu. Eduardo é toda a família que me resta.

   - Lamento... – disse Laura, com educada falta de sinceridade.

   Ela percebeu que resgatar aquela mulher a deixara estranhamente possessiva em relação a ela.

   Carolina sentiu que Laura erguia-se da cama e escutou seus passos se afastando; em seguida, houve barulho de madeira, de papel amassado e de um fósforo sendo aceso. Pouco depois viu água  pingando de uma goteira no teto e a silhueta de uma mulher ajoelhada diante de  uma lareira.

   - Que coisa! – exclamou Laura.

   - O que foi?

   O vulto ergueu-se e cruzou a sala até o canto mais escuro, onde Carolina estava deitada.

   - Achei um bilhete do meu irmão preso na lareira. Ele deve ter imaginado que eu pararia aqui. Ele encontrou seu filho há algumas horas e diz que ia tentar alcançar a sede do rancho com ele, antes da tempestade cair.

   Carolina pegou o papel, trêmula:

   -Aqui diz que Dudu está bem?

   -Não diz que não está. Olhe, se seu filho estivesse machucado, Rob mencionaria isso no bilhete.

   Laura esperou por uma resposta, que não veio. Sentia que Carolina por fim encontrava-se à beira das lágrimas e não saberia o que dizer ou fazer para reconfortá-la se começasse a chorar. Disse, então, que ia cuidar do cavalo e, escolhendo o caminho fácil da covardia, saiu para a chuva.Tinha esperança de que quando voltasse Carolina estivesse dormindo.

   Mas quando, finalmente,  entrou de novo na cabana depois de ajeitar Zack no telheiro ao lado, estava com frio de mais e cansada demais para se preocupar com o choro daquela mulher. Encostou-se no batente , tirou as botas molhadas; as meias, a jaqueta e a camisa seguiram o mesmo caminho. Depois de um instante de hesitação, Laura tirou sua roupa intima que estava ensopada e enrolou-se em outro cobertor que pegou no baú. Atravessou a cabana com passos lentos e foi até a cama. Carolina estava tão quieta, que imaginou que estivesse dormindo. Quando enfiou-se embaixo das cobertas e a abraçou, Carol tentou em vão afastá-la.

   Laura quase não conseguia enxergar naquela parte escura da cabana, mas mesmo com os cobertores que separavam seus corpos, percebia a maciez tentadora dos seios de Carol comprimidos contra o seus. A imagem vívida que sua imaginação insistia em produzir a teria excitado se não estivesse tão cansada e se a mulher em seus braços não estivesse tão indefesa.

   - Só quero conservar nosso calor, Carol – explicou tentando acalmá-la. – Aquele fogo na lareira não vai diminuir o frio quase nada.

   De súbito as tremendas pressões físicas e emocionais do dia exigiram alívio e Carolina começou a soluçar. Escondeu o rosto no ombro de Laura, incapaz de acreditar que aquilo estava lhe acontecendo.

   Laura odiava mulheres que se desmanchavam em lágrimas, e sem jeito, acariciou-lhe os cabelos molhados:

   - Pare com isso, sim? Não vou te atacar. Só tirei minhas roupas por que...

   - Eu sei! – disse Carolina, entre dois soluços.

   Laura franziu a testa: se Carolina soubesse o quanto ela apreciava o sexo feminino não teria dito aquilo com tanta convicção.

   - Então, por que está chorando?

  - Quero meu filho!

   As palavras angustiadas ecoaram na noite, removendo camada após camada as cicatrizes no coração de Laura até o ferimento ficar tão exposto e doloroso quanto no dia em que ela própria gritava essas palavras.

   - Carol – disse quando conseguiu falar - , se insistirmos em chegar ao rancho nessa tempestade, você provavelmente pegará uma pneumonia... Se isso acontecer, não vai ser bom para você nem para seu filho.

   - Sei disso, também – sussurrou em resposta – e não adianta! Não consigo parar de me preocupar com Dudu. Se tivesse um filho, você me entenderia!

   Laura pensou em contar a Carolina que a compreendia. Estavam abraçadas na cama estreita e de repente ela sentiu o impulso de também encontrar apoio emocional nela. Estava quase decidida a contar-lhe tudo quando a respiração de Carol tornou-se regular, demonstrando que afinal adormecera.

   Os lábios de Laura entreabriam-se num sorriso cínico. Laura já devia ter aprendido que sempre ficava tão solitária na cama com uma mulher como se estivesse sozinha. Somente Anne... Fechou os olhos fortes, dissipando este pensamento.

  Ninguém poderia lhe dar absolvição pelo que fizera porque ela mesma jamais se perdoaria.

  Uma das mãos tocou os cabelos molhados de Carolina. Laura fechou os olhos e deixou-se levar pelo suave esquecimento do sono.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Reviews?