O Livro dos Mortos escrita por Juan Roca


Capítulo 1
Ótimo jeito de começar a pior semana de minha vida




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/95801/chapter/1

 

            Se eu pudesse voltar no tempo e apagar os últimos dias de minha memória, juro que o faria. Mas não me culpe por pensar assim! Você não pensaria o mesmo se toda sua vida, tudo em que você acredita e o que conhece mudasse em apenas uma semana?

            Meu nome é Jason Carter. Tenho quinze anos de idade, e possuo o poder de trazer pessoas de volta á vida. Sim, eu sei que é estranho. Mas nunca quis esse poder! Não nasci com ele, não o mereci e, mais importante, não pedi para tê-lo. Simplesmente o recebi, na forma de um livro! Um maldito livro preto...

            Bem, garanto que entenderá melhor! Acho que, se me lembro bem, tudo começou numa segunda-feira...

 

 

 

                            Segunda-feira, 12 de Fevereiro

 

 

 

            - Vai! Adivinha! – Cody disse, enquanto dava socos em meu ombro. Bufei. Cody Hunter era meu melhor amigo, mas às vezes podia se tornar realmente insuportável! Naquele momento, estávamos em frente à porta escancarada de meu armário, no corredor do Ensino Médio.

            - Não! Sei! E realmente não tenho muita vontade de saber! – resmunguei irritado.

            - Ah, vai! É tão fácil! – Ele continuou me irritando. Permaneci calado, com o rosto imutável. Respirei fundo para tentar me acalmar. Peguei o grosso livro de História de dentro do armário e bati a porta com força, para ver se o fazia calar a boca. Cody obviamente não entendeu o sinal, pois, após aproximadamente um minuto e meio depois daquilo, ele falou de novo:

            - Realmente não vai dizer nada?! Eu queria tanto que você ouvisse essa! – Não soube o que dizer. Não queria magoá-lo, mas não estava no humor certo para outra das piadas dele. Pensando bem, eu nunca estava!             Você provavelmente está perdido agora, então me deixe explicar. Não sei como, nem por que, mas Cody decidiu de repente que queria ser comediante, apesar de levar tanto jeito para a coisa quanto minha avó (ela tem 80 anos de idade e é semi-surda)! E ele também decidiu que eu seria sua cobaia.

            Todo dia, no colégio, ele me vinha com uma de suas piadas - que, acredite, nunca são boas! - e eu tinha simplesmente que sorrir, fazer um sinal positivo e tentar responder da forma mais absurda possível (que, quase sempre, era a correta).

            Voltando ao assunto: Naquele dia, meu humor estava pior do que nunca! Eu sempre ficava assim nas segundas-feiras – tanto que, de vez em quando, minha mãe me comparava com um gato – mas, naquele dia em especial, e eu juro que não sabia o porquê, estava simplesmente irritado. Com o quê?! Não sei! Com tudo! Era como se uma crise humorística tivesse me atacado. E, acredite, num dia como aquele, foi ainda pior ouvir a piada do Cody. Nem me lembrava mais qual era, mas sabia que não era nada bom.

            Eu não sabia o que responder. Exatamente naquele momento, o sinal do fim do intervalo tocou.

            Agradeci que iríamos ter aulas diferentes agora. Ele iria para Biologia e eu, História.

            - Ah, que droga! – exclamou Cody. – Bom, no final da aula eu te digo a resposta. Tchau, cara! - E foi se afastando na direção oposta da que eu iria.

            “Mal posso esperar!”, pensei sarcasticamente, não podendo conter um sorriso, enquanto ia para a sala de História.

 

 

 

            Aula de História do 10º ano. Para muitos, fortemente interessante (Esses eram os nerds da sala, como o Artie Finkle, o garoto de 13 anos que senta no fundo da sala e mexe no nariz a cada cinco minutos). Para mim, uma perda de tempo! Acho que sentar naquela sala de aula por uma hora e assistir uma palestra sobre o clima seriam a mesma coisa.

            Pelo menos eu não perdia completamente meu tempo. Havia sempre alguém que perdia esse tempo comigo. Alex Cole.

            Vou dar um pequeno resumo de minha vida com ela: Minha mãe e a da Alex eram melhores amigas desde a pré-escola. É sério! Não estou exagerando! A mãe dela pediu um lápis de cor para minha mãe, ela emprestou, e elas se tornaram amigas. Sim, eu sei que isso não é normal!

            Elas faziam tudo juntas, desde ir ao shopping até lavar a roupa uma da outra! Estranhamente, ambas descobriram que estavam grávidas no mesmo dia, e o nascimento estava marcado também para o mesmo dia.

            Não me pergunte se foi ação do destino ou não, só sei que assim nascemos eu e Alex. No mesmo dia, no mesmo hospital, lado a lado na maternidade. Somos inseparáveis desde então. Sempre que um de nós ficasse separado do outro no colégio, nossas mães faziam um estardalhaço e a pessoa em questão mudava de turma!

            Minha mãe ficava ressaltando como ela era bonita e legal, tentando fazer com que passássemos para mais do que amigos. E ela sempre recebia a mesma resposta, dada com uma voz impaciente e irritada: “MANHÊ! Para com isso! Nós somos só amigos! É como se ela fosse minha irmã, já falamos sobre isso!”. E ela sempre fazia o mesmo gesto como resposta, levantando as mãos em frente ao corpo, em sinal de desistência. O problema era que, gesto ou não, ela nunca desistia!

            - História é “suave, baby”! – Me inclinei e sussurrei a brincadeira dentro do ouvido de Alex, que estava sentada ao meu lado. Ela não conseguiu conter o riso. O Sr. Boschner, o professor, se virou para ver o que estava acontecendo, o que só a fez gargalhar mais.

            Você provavelmente não entendeu qual foi a tal graça de minha piada. Para começar, vamos deixar gravado que o Sr. Boschner não era o professor mais “boa pinta” do colégio, se é que me entende. À beira de seus cinquenta anos de idade, ele tinha 1.50 metros de altura, pesava aproximadamente 130 quilos e tinha o cabelo absolutamente branco.

            A graça de minha brincadeira foi exatamente esse cabelo, que, no momento estava arrumado em um topete fajuto. Como explicara na aula de sexta-feira (essa fora a única parte da aula em que eu realmente prestara atenção), ele havia ido ao cabeleireiro semana passada, e acho que ele não fora muito com a cara do Sr. Boschner, pois fizera nele um topete estilo Elvis Presley, com um gel bem forte, aliás. Ele ia reclamar pedindo outro corte, mas o homem falou que o horário dele havia terminado, e que eles só teriam outro horário aberto duas semanas depois. O humor do Sr. Boschner estava dos piores nesse tempo, mas em compensação o nosso estava nas nuvens, por ter sempre uma piada diferente para fazer sobre o cabelo dele.

            - Então, o que acha da festa do Cody? – perguntou Alex, animada com a ideia. Cody completaria quinze anos na sexta-feira, e eu e Alex estávamos planejando fazer-lhe uma festa surpresa.

            Eu ia responder que ia ser a melhor do ano, mas percebi o olhar do Sr. Boscher sobre nós e me segurei. Quando ele pegava alguém falando sobre algo que não fosse a matéria durante a aula dele, mandava direto para a diretoria. Decidi tentar enrolá-lo, fingindo conversar sobre outra coisa.

            - Er... Histórica! Bem, bem histórica! – Levantei a voz quando disse isso, para ele me ouvir. Ele levantou uma sobrancelha, mas fingiu que havia caído naquela e virou-se de volta para o quadro negro. A parte engraçada era que ele não chegava nem à metade do quadro, então vários de nós tinham que se abaixar para ler o que ele escrevia lá. Inclusive eu.

            Alex começou a rir de minha resposta.

            - Nossa! Tão boa assim?! – brincou, ainda rindo. Não pude me conter e comecei a rir também. Alex sempre conseguia me fazer rir.

            - Não, sério! O que você acha? – perguntou novamente, ainda recuperando-se do ataque de riso.

            - Vai ser legalzinha... – respondi, escondendo a animação que sentia em respeito àquilo só para irritá-la.

            - “Legalzinha”?! – seu rosto começou a ficar vermelho. Eu havia esquecido o quanto ela era sensível quanto àquela festa. Era ela que estava preparando tudo, e qualquer coisa ofensiva, até uma brincadeira, dita sobre aquela festa a irritava profundamente.

            - Desculpa, eu só estava... – meu pedido de desculpas foi interrompido por mais sermões.

            - Você é um garoto morto, Jason Lewis Carter! – ela exclamou em um meio sussurro – meio berro que soava estranho. Cerrei os dentes. Odiava meu nome inteiro! Além do mais, Alex era como uma mãe: Quando falava seu nome inteiro, você tinha uma razão para ficar com medo! Eu ia argumentar, mas ela não me deu tempo de fazê-lo.             - Você sabe o quanto estou ralando para fazer essa festa funcionar?! Hein! Sabe?! – ela continuou no mesmo tom de voz. – “Ei, Alex, porque não tenta ser mais amiga do Cody? Vocês seriam ótimos juntos!” – Alex fez uma voz esganiçada enquanto repetia as palavras que haviam saído de minha boca apenas alguns dias antes. – Eu estou tentando! E você acha minha ideia só “legalzinha”?!

            - Eu. Estava. Só. Brincando! Me desculpe! – eu disse, imitando o tom de voz que ela estava usando antes. – E minha voz não é assim, viu! – reclamei, engrossando a voz para parecer mais “macho”.

            - Pois faça outra brincadeira idiota que nem essa e garanto que sua voz ficará assim permanentemente! – ela ameaçou. Entendi perfeitamente bem o que ela queria dizer com aquilo. Achei melhor calar a boca.

            Ela se afundou na cadeira, respirou fundo e se acalmou, a cor voltando a seu rosto. Virei-me completamente para o lado na cadeira e perguntei:             - Se sentindo melhor?!

            Ela suspirou e revirou os olhos.

            - Aham, eu... – começou, mas interrompeu a si mesma e ficou olhando fixamente para a frente, parecendo preocupada. Seu rosto adquiriu um ar sério e seus lábios se tornaram apenas uma fina linha acima do queixo.

            - Alex! O que houve? – perguntei, ainda virado para o lado. Ela fez um gesto apreensivo para a frente com a cabeça, e eu me virei, ainda sem entender nada.

            Ao virar-me, dei de cara com o rosto nada belo do Sr. Boschner. Ele me fitava com um olhar de reprovação. Fiquei nervoso. Todos no colégio, inclusive eu, sabiam sobre a fama de mau do Sr. Boschner. Os únicos que ainda não a conheciam eram os nerds. Quando ele via algo na sala de que desgostava, mandava os envolvidos para a diretoria, ou era detenção direta, sem segundas chances.

            - Sobre o que eu estava falando agora, Sr. Carter? – ele perguntou, enquanto batia em minha mesa. Ele chegou mais perto, os olhos sempre colados aos meus. Chegou a um ponto em que podia sentir sua respiração em minha face. Devo admitir que fiquei com um pouco de medo. – O que houve, Sr. Carter? O gato comeu sua língua? – sua voz aguda ficava pior ainda quando a usava em tom de gozação.

            Eu já falei sobre a voz do Sr. Boschner? Não, tenho quase certeza de que não! Bem, a voz dele podia ser comparada ao som de dois pedaços de metal roçando um no outro. Aguda, estridente, esganiçada e, acima de tudo, irritante! Era mais uma razão para odiar aquela aula (e aquele professor)! Um dia, ele ficou irritado com a turma e começou a berrar frases enroladas e sem sentido. Lembrava muito um bule efervescente. Não foi nada bonito, pode ter certeza!

            Após ele fazer a pergunta mortal, fiquei calado, sem saber ao certo o que responder-lhe. A verdade é que não havia prestado atenção nem em uma palavra que ele havia dito naquela aula. Alex, um pouco mais estudiosa do que eu, tentou me ajudar:

            - O senhor estava falando sobre... – mas foi interrompida.

            - Srta. Cole! Não se meta! Deixe o Sr. Carter responder minha pergunta. Ele com certeza saberá a resposta. Não é, Sr. Carter? – e fez um gesto em minha direção, um sorriso zombeteiro bem visível em seu rosto.

            - Er... S-s-sobre... Sobre... – gaguejei com o nervosismo.

            - Sobre... – ele continuou irritando-me.

            Decidi finalmente aproveitar a situação para me divertir um pouco.

            - Sobre os mendigos! – exclamei, um sorriso desafiador se formando nos cantos de minha boca.

            Ele me fitou com uma mistura de seriedade, raiva e desapontamento. Toda a classe havia começado a rir.

            Ele se virou e gritou para a turma:

            - Basta! Parem de rir! O que o Sr. Carter fez não foi nada engraçado! Foi um desrespeito! E ele será punido! – após dizer isso, olhou somente para mim e falou com os dentes entrecerrados. – Oh, sim, será!

            Não sabia se deveria rir ou ficar com medo. Engoli em seco. “Punido” não me parecia lá muito legal.

            Antes do aviso do Sr. Boschner, toda a turma gargalhava. Agora, toda a turma segurava a mão na frente da boca, para esconder o riso. Uma dessas pessoas era o Artie Finkle, que aproveitou para mexer no nariz de novo (aquele garoto é realmente nojento!).

            O Sr. Boschner me chamou até a mesa dele, onde ele havia se sentado após passar aquele sermão. Ele me passou um outro, em particular, falando sobre respeito ao professor e blá, blá, blá... Durou aproximadamente uns cinco minutos. Ele me mandou para a diretoria. Olhei para trás, para a carteira da Alex. Ela me lançou um olhar de solidariedade. Saí da sala ainda olhando para trás, para a turma contendo o riso. Claro! Eles riam, e eu pagava!

 

 

            Andei lentamente pelo corredor abafado e que não possuía janelas, tentando fazer o tempo fora de sala de aula durar, e perder o resto da aula de História. O escritório da diretora ficava no fim do corredor Leste. Já fora lá diversas vezes quando menor, já que ela era diretora também para o Ensino fundamental. Eu era um pequeno demônio. Algumas de minhas brincadeiras mais famosas foram pendurar Artie Finkle (que já era de minha turma) na persiana e levantá-la, no 2° ano, e colocar uns explosivinhos de nada na cadeira de nosso professor do 4º ano, o Sr. Finnley. Tiveram que levá-lo ao Hospital e refazer a estrutura óssea de seu traseiro, e eu levei uma suspensão. Bons tempos.

             A diretora começou a me odiar desde o episódio do Artie, a primeira de muitas outras visitas que fiz à sala dela nesse meio-tempo. Era uma velha detestável, chamada pelas costas de “Demônio de Senior High”.

            Virei à direita no corredor. Enquanto andava, pensava no que ela faria comigo. Suspensão? Talvez. Detenção? Muito provável. Gritar até meus ouvidos ficarem vermelhos? Confirmado.

            Cheguei ao fim do corredor. Respirei fundo e bati três vezes na porta. Ouvi uma voz dócil me dizendo para entrar. Abri a porta. O escritório da diretora era como um consultório médico: havia uma sala anterior, uma sala de espera, que naquele momento estava vazia. Isso queria dizer que eu entraria direto no escritório. Maravilha, pensei sarcasticamente.

            - Bom dia, Jason! – disse Nelly, secretária da diretora, animada.

            - Bom dia, Nelly! – respondi no mesmo tom. Nelly era uma das pessoas mais legais que eu conhecia. Todas as vezes que ia para aquela sala (e foram muitas, acredite), conversávamos sobre nós mesmos. Assim, eu sabia que ela tinha 37 anos de idade e morava sozinha com um gato. Sabia todos seus gostos e desgostos. Sabia os nomes de todos os namorados que já tivera. E também os gostos e desgostos deles! Enfim, eu sabia tudo sobre a vida dela, e ela sobre a minha. Às vezes, mesmo não havendo sido chamado ao gabinete da diretoria, ia até lá só para conversar com ela, desabafar. Para mim, Nelly era como um confessionário.

            - Se meteu em problemas? – perguntou ela em um tom autoritário-brincalhão.

            - Er... Podemos dizer que sim!

            Ela revirou os olhos.

            - De novo... Bem, a Sra. Mosch já irá falar com você. - Eu ri baixinho enquanto assentia. O sobrenome da diretora do colégio sempre me fizera rir.

            Nelly foi até a porta do gabinete e bateu suavemente. Uma voz rascante se fez ouvir lá de dentro:

            - Entre! – disse.

            Engoli em seco. Agradeci à Nelly e adentrei a sala. Sempre me impressionara com o tamanho do lugar. Enquanto cada sala do Ensino Médio tinha aproximadamente o tamanho de uma quadra de Baseball pequena, a diretora trabalhava em um cubículo. O único que havia na sala era uma estante com troféus de Concursos de Soletrar (realmente deveriam ser mostrados pois, naquele colégio, eram raros), e um escritório carmesim.

            Numa cadeira atrás desse mesmo escritório estava sentado meu inimigo natural. A Sra. Mosch era uma senhora de aproximadamente 70 anos de idade, com rugas cobrindo-lhe toda a face. Seus olhos no momento estavam fixos na tela de um computador clássico em sua escrivaninha.

            Ela tirou os olhos do computador e me encarou com um olhar de puro desgosto. Esquadrinhou o resto da sala (o que, cá entre nós, não levou muito tempo), como para ter certeza de que havia vindo sozinho.

            - Sr. Carter. – cuspiu as palavras com desprezo em sua irritante voz, que fazia doer os ouvidos. Se a voz do Sr. Boschner já era ruim, a da Sra. Mosch não podia ser descrita. Podia ser perfeitamente comparada ao som de uma gralha. Era aguda e rascante, e penetrava nos seus tímpanos, deixando marcas.

            Tomei aquilo como um cumprimento.

            - Shirley. – respondi simplesmente. Apesar da sociabilidade dela e de Nelly ser incomparável, eu também havia descoberto algumas coisas sobre a vida dela, inclusive seu primeiro nome, o qual usava para irritá-la. Irritar a diretora era com certeza um risco. Mas valia a pena. Oh, sim, valia!

             Ela me mandou o olhar de mais pura mistura de raiva, fúria e (mais uma vez) desgosto que conseguiu. Ela manteve os olhos fixos em mim daquela maneira pelo que me pareceu um bom tempo, até que finalmente disse:

            - É diretora Mosch para o senhor, Sr. Carter! Não ouse me desrespeitar! – disse com voz furiosa. Revirei os olhos.

            Ela se calou novamente e voltou a olhar para o computador. Passamos uns 20 minutos daquela maneira. Agradeci por estar perdendo tanto tempo assim de aula. Nesse meio-tempo em que ela não prestava atenção, tentei sair da sala de fininho, mas recebi um “Volte aqui agora ou será expulso, Jason Carter!”. Decidi ficar quieto.

            - Não vai me chamar para sentar? – quebrei o silêncio com a brincadeira sarcástica. Eu com certeza iria para a detenção. Talvez levasse uma suspensão. A coisa não poderia ficar pior, poderia? Decidi usar isso para meu benefício.

            - Não! – foi minha única resposta por ora. Encostei na parede para não ter que ficar de pé, já que percebi que não conseguiria tratamento melhor. A Sra. Mosch evidentemente acabou o que estivera fazendo de tão importante naquele computador, pois se ajeitou na cadeira, mexendo também na corda dos óculos de lentes quadradas que usava. Limpou a garganta e começou:

            - Sr. Carter, não vou convidá-lo para se sentar por dois motivos. Primeiro, porque não lhe devo esse respeito! – Muito gentil, não? – E segundo, porque o que vamos conversar aqui vai levar apenas um minutinho... – e um sorriso zombeteiro tomou conta de seu rosto.

            Suspirei. Um minutinho para um membro do corpo docente era o mesmo que meia hora para nós, humanos normais. Deslizei minhas costas na parede, criando uma cadeira no ar. A Sra. Mosch começou a falar.

            Não prestei atenção ao que estava falando, mas consegui fisgar as palavras “falta de respeito”, “idiotice” e “expulso”, então imaginei que não fosse nada bom. Só prestei atenção às últimas palavras que disse. Ela ajeitou os óculos e se ajeitou na cadeira, as rugas balançando. Não foi nada bonito.

            - Olhe bem! As autoridades do Estado da California não me permitem, infelizmente, bater em meus alunos. – aquelas palavras gelaram minha espinha. Agradeci silenciosamente ao Estado da Califórnia por aquilo.

            – Então só vai levar uma detenção! – continuou ela. Suspirei aliviado. Eu já estava esperando um “Saia deste colégio agora, Jason Carter!”. Sim, eu sei que era um pensamento muito precipitado para uma brincadeira em sala de aula mas, naquele show de aberrações que era meu colégio, você poderia esperar qualquer coisa.

            - Mas fique sabendo que eu poderia fazer muito mais!- Ela me lançou um olhar ameaçador, um sorriso malicioso se formando nos cantos de sua boca. OK, agora estava oficialmente traumatizado!

         - Amanhã, 5 horas, minha sala! – cuspiu as palavras. Após isso, fez um gesto brusco com o punho em direção à porta. Tomei aquilo como um “Vá embora daqui agora ou eu quebro as leis californianas, sr. Carter!”

            Saí da sala dando passos lentos. Agradeci a Nelly e me despedi dela. Olhei para meu relógio de soslaio. 3:43. Já era quase o final da aula. Ainda tinha que voltar para a sala do Sr. Boschner para pegar minha mochila.

            Grunhi para mim mesmo. Odiava aquele cara! Eu o odiava desde o primeiro dia de aulas. Eu jogara um aviãozinho de papel em seu olho. Ele teve que ir ao hospital fazer um transplante de córnea (muitos professores foram ao hospital com minha presença em suas aulas). Deixe-me explicar: eu não havia mudado nada desde que era pequeno. Continuava sendo o mesmo demônio, só que maior. Por essa razão, eu segurava um avião de papel em minhas mãos, esperando que Artie ou algum outro nerd entrasse na sala, para dar-lhe umas “boas-vindas calorosas”.

            De repente, Eugene Wiggins, outro nerd da sala, entrou na mesma, seguido de um homem baixo e gordo. Não sabia quem era o homem, então me arisquei e joguei o avião no Eugene. Eu errei. Foi então que descobri que aquele era nosso professor que eu havia acertado. E assim nasceu nosso ódio mútuo um pelo outro.

            Fui andando relutantemente até a sala dele. A porta ainda estava fechada, apesar de faltar apenas um minuto para o final da aula. Hesitei, mas bati na porta três vezes. O Sr. Boschner abriu com um largo sorriso. O sorriso se dissipou quando viu quem estava à porta, transformando-se num olhar de raiva.

            - Ah... É você, Sr. Carter... – disse ele, misturando raiva e desapontamento em seu tom de voz. Acenei com a cabeça rapidamente (e, também, com raiva). Fui até minha mesa ao lado da de Alex. Ela já estava em pé, a mochila sobre os ombros. Peguei a minha própria do chão e coloquei-a nas costas. Não tive que guardar nada, pois nem tivera que tirar nada da mochila naquela aula.

            - Problemas? – Alex perguntou solidária. Suspirei.

            - Nem imagina! – respondi raivoso. Não queria usar aquele tom com Alex, mas simplesmente me deixei levar. Ela deve ter percebido a raiva também, porque não disse mais nada enquanto saíamos da sala.

            Chegamos ao grande pátio na frente do meu colégio. O sol de meio-dia surpreendentemente ainda brilhava no céu. Botei a mão acima dos olhos, procurando alguém. Achei a pessoa que queria. O garoto estava parado de costas para onde estava, ao lado da fonte no meio do pátio. Seus cabelos loiros brilhavam ao sol. Disse a Alex que falava com ela depois e corri até ele.

            Andei sorrateiro, com a intenção de assustá-lo. Ele se virou na hora em que eu estava chegando.

            - Ah, que saco! Você sempre faz isso! – reclamei.

            Ele não disse nada, apenas riu.

            - Oi, Jason! – disse ele depois de um tempo.

            - E aí, Codes! – respondi. Codes era um apelido que inventara para Cody, não sabia ao certo por que.

            - E então, como foi com a Moss? – Indagou Cody, rindo novamente. Moss era outro apelido que dávamos pelas costas da Sra. Mosch. Em inglês, significava “musgo”. Todos achavam que caía bem nela.

            Fiquei encarando-o, estarrecido. Como ele ficara sabendo?!

            - Er... Como voc... - comecei, mas ele me interrompeu:

            - Está brincando, não é?! Está todo mundo falando sobre como “o Carter se ferrou”! – disse ele, ainda rindo. Cerrei os dentes. Odiava essa mania de só chamar as pessoas pelo sobrenome, apesar de aderir a ela também. Fiquei encarando-o com uma expressão de desentendimento.

            - Mas como ficaram sabendo na sala de Biologia, se eu estava no meio da de História?! – perguntei, cada vez mais irritado. Sempre odiara não saber de algo que todos os outros sabiam, nunca soube por que.

            - Jenna viu você indo para a sala da Moss. – Entendi tudo de repente. Cerrei os dentes novamente. Jenna Finnley (filha do traseiro-consertado) só tinha um propósito na vida: me irritar eternamente. Ela fazia tudo quanto possível para me irritar a ponto de eu explodir e ir para a diretoria. Eu nunca soube a razão, mas já ouvira diversas vezes, de diversas pessoas diferentes, que era para tentar esconder uma queda por mim.

            Está bem, tinha que admitir que Jenna era bem bonita, com seus cabelos pretos longos e seu rosto frágil, mas era uma patricinha fresca, o tipo de garota que dava raiva. E, além do mais, eu nunca fora muito do tipo “Se não pode com eles, junte-se a eles.”! Eu era mais do tipo “Se não pode com eles, ignore-os, ou simplesmente destrua-os.”!

            Cody não precisou dizer nem mais uma palavra para eu imaginar o ocorrido. Jenna chegara na sala radiante por ter uma nova fofoca. Contara para uma de suas amigas cor-de-rosa o que vira. Esta contou para outra, e assim em diante. Dessa maneira, em menos de 20 minutos a sala inteira já sabia o que acontecera. Inclusive Cody. Decidi continuar a conversa e esquecer a parte onde imaginara Jenna Finnley sendo devorada por um urso selvagem.

            - Bem, não aconteceu muita coisa. Pelo menos não na parte em que eu estava prestando atenção! – ele riu de minha brincadeira. – Mas, levei uma detenção! – deixara o pior para o final. Ele fez uma expressão estranha, como se entendesse minha dor.

            - Por que mesmo foi que tudo isso aconteceu? – indagou ele. Suspirei.

            - Longa história! Envolve mendigos. Te conto outra hora! – ele me olhou com um ar de desentendimento. – Só... Esquece!

            Ele assentiu, ainda com a mesma expressão no rosto. Começamos a andar em direção aos portões duplos de metal que separavam Hollywood Senior High School do asfalto negro de North Highland Avenue, Los Angeles.

            - Ah! Agora lembrei o que queria te dizer! – disse Cody, animado.

            - O quê? – perguntei, minhas expectativas altas, achando que fosse algo interessante ou legal.

            - A resposta daquela piada que te contei hoje mais cedo! – E lá se foram novamente minhas expectativas. Grunhi para mim mesmo.

            – E aí?! Descobriu a resposta?!

            - Não! – me segurei para não gritar em sua cara. Aquela era a parte do dia que sempre me deixava irritado. Eu costumo chamar de “a Hora Cody”. Tento evitá-la tanto quanto possível, mas ela sempre aparece em algum ponto de meu dia, para piorá-lo mais ainda.

            - Que isso! Mas é tão fácil! – Cody continuou irritando.

            - Nem me lembro mais da piada! – disse, achando que iria fazê-lo desistir. Pelo contrário, só piorou as coisas. Ele limpou a garganta e se preparou para contá-la de novo. Senti que poderia chorar.

            - Qual é o cúmulo... – ele fez uma pausa nesse momento, visando que fosse dramática. Revirei os olhos e fiz um gesto para que ele continuasse. Quanto mais rápido aquilo acabasse, melhor! – Ei, dê a um artista seu tempo! – Outra revirada de olhos. Mais uns segundos de espera, e ele finalmente terminou a piada:

            - ...do fotógrafo?! – Não acreditei. Sério?! Era aquela mesmo a pergunta?!

            - Não sei! – respondi novamente, ficando mais irritado com ele a cada segundo.

            Ele suspirou.

            - Ainda não foi revelado! – disse, rindo freneticamente. Fiquei encarando-o por alguns segundos, e dei uns risinhos falsos e idiotas para que ele pensasse que gostara da piada.

            Naquele momento, senti uma mão em meu ombro. Pulei, dando um grito que saiu com uma voz fina demais para meu gosto. Alex apareceu então, à minha frente, rindo sem parar. Quando Cody percebeu o que acontecera ali, começou a rir também. Claro! Eu fingia que ria das piadas horríveis dele, e ele me retribuía rindo de minha cara. Me recuperei do susto.

            - Você gritou como uma garota! – zombou Alex, ainda rindo. Tentei recuperar, ao menos um pouco, minha masculinidade e minha reputação:

            - Er.. Não, não gritei! Você deve ter se confundido! Eu gritei ao mesmo tempo que uma garota do 6º ano que passou.

            - Jason, o 6º ano saiu do colégio há 45 minutos! – Cody não conseguia parar de rir. Droga de horários diferentes de saída! Desisti de lutar por minha reputação no colégio, e simplesmente saí andando. Meus amigos me seguiram.

            - Calma aí, Jason! Não era pra tomar tão a sério! Foi só uma brincadeira! – tentou se reconciliar Alex, ainda se recuperando do ataque de riso. Suspirei.

            - Eu sei!... Mas preciso ir para casa de qualquer jeito! – disse, me despedindo. Saí andando novamente. Foi só após alguns segundos que percebi alguém andando ao meu lado. Virei-me e vi Alex sorrindo para mim. Lancei-lhe um olhar interrogativo.

            - Vamos juntos para casa! Se esqueceu?! Sempre fomos! Desde a pré-escola! – Ela não entendera o olhar. Realmente me esquecera daquele detalhe. E realmente o fazíamos desde a pré-escola. Minha mãe levava ambos em seu carro, pois morávamos na mesma rua, a Rosewood Avenue, a poucos quarteirões do colégio.

            Sorri para ela em resposta, e fomos andando juntos para casa.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Isto é apenas um "teste". É uma história que estou tentando escrever, e queria ver se ela iria gostar. Estou trabalhando no próximo capítulo mas, mesmo que o acabe logo, não vou postar se não tiver no mínimo dez comentários positivos.

Obs: Críticas são bem-vindas e não me importarei de recebê-las. Afinal, ninguém é perfeito, não é mesmo?!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Livro dos Mortos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.