Estava clareando. Umas cinco horas da manhã, ou algo do tipo. Eu não conseguira dormir a noite toda graças à dor. Eu sabia que era hoje, 21 de setembro, que tudo ia acabar para mim. Eu só o estava esperando. Ele não demorou a aparecer. Uma meia hora depois de minha última olhadela para o relógio ele surgiu do nada, bem ao lado da cama do meu quarto do hospital.

“Está doendo muito?” Perguntou-me.

Eu gemi. “Só um pouquinho”

Ele sorriu. Aquele sorriso branco e brilhante que contrastava com o cabelo escuro que caía sobre seus olhos vermelhos e nariz pequeno.

“Você é forte. Já vai passar” ele disse.

“Eu sei” respondi “Mas, Farrell, você não vai deixar que eu vá sem realizar meu último desejo, vai?”

Ele sorriu calorosamente. “É claro que não. Eu não faria isso por outras pessoas comuns, mas sou um anjo da morte que gosta de uma determinada garota”

Eu sorri com meus lábios ressecados. Ele realmente gostava de mim! Mas eu precisava saber se o suficiente para realizar meu pedido.

“Beije-me” falei. Seu sorriso se foi e ele me encarou com o olhar vazio.

“É sério? Esse é seu pedido?” perguntou. Quando eu assenti, ele olhou para o outro lado do quarto. “Sabe que não devo. Anjos não podem se envolver com humanos”

“Você prometeu” exigi. Ele balançou a cabeça e eu continuei com voz fraca. “Farrell, desde que você veio me ver da primeira vez eu não consigo te esquecer. E eu vou morrer de qualquer jeito, esse câncer não vai regredir. Qual o problema de me conceder o último desejo?”

Ele se virou para mim, olhou-me atentamente por alguns segundos e então se aproximou, com o rosto a centímetros do meu. “Eu disse que não devia, não disse que não queria”

Então ele me beijou. A sensação morna de seus lábios nos meus me fez esquecer a dor por longos segundos. Eu me apaixonara pela causa do meu falecer. Um anjo da morte, um demônio, uma criatura de outro mundo. E isso não o impedira de se apaixonar por mim também.

Quando ele começou a se afastar, eu me impulsionei para frente, ignorando as pontadas de dor em meu abdômen. Querendo mais. Era meu último momento viva e eu não ia deixá-lo acabar rapidamente. Ele parou de se afastar e me beijou mais intensamente. Senti algo molhado encostar minha bochecha e constatei, sem abrir os olhos, que era sua lágrima de tristeza por ter de me levar.

“É agora, Lynn” disse quando nos afastamos. Sua voz parecia mais fraca que a minha.

“Eu te amo” disse a Farrell.

Ele me olhou atentamente. “Eu também”

Então a dor cessou. Minhas pálpebras caíram. Eu senti meu corpo desabar. E acabou para mim.

Eu morri.