Catturato escrita por Lhamelet


Capítulo 2
Inconformado


Notas iniciais do capítulo

Ooooooooooi de novo :D



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Inconformado

 

Não foi até o domingo da próxima semana que minhas perguntas foram respondidas.

A aquela altura eu tinha conseguido criar uma rotina perfeitamente normal para mim, embora ainda não tivesse começado a trabalhar. Isso, sendo sincero comigo mesmo, era culpa de Ian.

Meu hospedeiro não tinha paciência para trabalhar com qualquer coisa que envolvesse estar sentado em uma cadeira durante mais do que três minutos e eu, admito, dava mais importância a suas opiniões do que era saudável

Eu tinha finalmente conseguido escolher um nome para mim, pelo menos. Meu nome, Luz Solar, tinha sido escolhido a partir de uma conversa absolutamente estranha, como era comum quando eu conversava com Ian:

-       Argh! A o sol está na minha cara. - Ian

-       O sol é bom – Eu, me lembrando de quando vivia como flor e precisava do sol.

-       Não quando está nos meus olhos. - Ian

Eu não respondi, mas fechei os olhos para fazê-lo calar a boca.

-       Luz do Sol – disse Ian de repente, brincando com as palavras. – Não, Luz Solar.

-       Que?

-       Seu nome. Você ainda não escolheu, não é? O que você acha de Luz Solar?

-       Hmm... Bom, eu acho.

E acabou ficando esse mesmo.

Eu também não tinha conseguido quaisquer outras informações concretas sobre a vida de Ian antes de eu chegar a esse planeta, apenas detalhes desconexos. Às vezes um rosto ou um lugar se desenhava na minha mente, mas sempre sumia rapidamente, quando meu hospedeiro me via analisando a imagem. O rosto da menina loira, como percebi, era um dos mais bem guardados, embora eu quase pudesse sentir meu hospedeiro pensando nele.

E aquilo tudo era... Frustrante.

Por Deus, já era difícil o bastante se acostumar a esse corpo e a suas milhares de variações de humor sem uma voz rebatendo e discutindo tudo o que eu pensava!

De qualquer forma, a noite em que minhas respostas chegaram havia sido anormalmente calma.

Ian não tinha dito uma única palavra durante todo o dia e eu conseguia sentir onda após onda de ansiedade vindo dele e se chocando diretamente contra o meu estômago. Decidi confrontá-lo sobre aquilo quando estávamos jantando.

'' O que você tem?'' Perguntei.

Ele demorou um segundo para responder, como se minha voz chegasse lentamente até ele.

'' Nada'' Mas por seu tom distraído, eu sabia que alguma coisa não estava certa.

'' Ah, vamos, você pode me contar se quiser. Eu não vou dizer nada a ninguém, prometo''

Ele deu um suspiro trêmulo.

'' Que dia é hoje?''

Levantei uma sobrancelha para o frango que descasava no meu prato. Que espécie de pergunta era aquela?

'' Hmm, quinta, eu acho''

'' Não, do mês''

'' 7 de abril.'' Respondi um pouco decepcionado. Era claro para mim que ele só tinha começado aquela conversa estranha para me distrair. Me perguntei o que ele diria agora. Talvez me perguntasse do clima ou sobre minha cor favorita se eu insistisse no assunto.

Ao invés disso ele soltou outro suspiro trêmulo e eu senti uma onda de decepção me acertar.

'' Nove meses hoje'' Murmurou.

 Franzi as sobrancelhas, confuso.

'' O que aconteceu há nove meses?'' Uma ponta de malicia se espremeu entre as emoções de Ian e foi rapidamente sufocada pela ansiedade.

Como sempre acontecia quando eu tentava acessar qualquer informação sobre a vida passada do meu hospedeiro, não houve resposta. Suspirei resignado.

'' Você não vai me contar, não é?''

'' Hmm... Não, acho que não''

'' Por quê? Inferno, eu prometi que não contaria a ninguém''

'' Eu também'' Eu quase podia ver seus lábios se contraírem num sorriso triste.

'' Isso é injusto'' Gemi, mas a única resposta que tive foi o silencio de Ian.

Fui dormir cedo naquela noite, esperando abafar a ansiedade silenciosa do meu hospedeiro e, enquanto me deitava, um pensamento me ocorreu. Meu curandeiro, Pétalas Brilhantes, tinha me dito que os sonhos humanos eventualmente poderiam vir carregados de algo que tivesse me preocupado durante o dia. Me perguntei se a preocupação de Ian se meteria no meio dos meus sonhos naquela noite ou se nossas consciências eram individualizadas o bastante para ele se manter devidamente afastado.

'' Não funciona desse jeito'' Respondeu Ian parecendo receoso '' Pelo menos eu acho que não''

'' Como funciona, então?'' Eu perguntei sem estar especialmente interessado, com os olhos fechados.

'' Eu... E-eu...''  E estávamos inconscientes antes que ele pudesse terminar.

 

'' Senti o sol no meu rosto e levei a mão à frente do rosto enquanto fechava os olhos por instinto. Não havia qualquer som chegando aos meus ouvidos, os ouvidos de meu hospedeiro, e eu franzi as sobrancelhas para aquilo. Eu morava em uma cidade enorme que nunca parava, mesmo de noite. O silencio não me era familiar, mas ao mesmo tempo era.

O vento chacoalhava minhas roupas e o ar estava seco. Estranhamente seco. Familiarmente seco. 

Abri meus olhos hesitante e a cena que se infiltrou através das minhas pálpebras ainda meio espremidas me surpreendeu.

Um enorme manto de areia, bege e escaldante, se esgueirava por todos os cantos que meus olhos alcançavam e, embora eu tivesse certeza de que nunca havia estado ali antes, eu conhecia o lugar como a palma da minha própria mão. A mão do meu hospedeiro. Nossa mão.

Olhei para frente de novo e ofeguei.

Eu estava de frente para uma estrutura negra e irregular, que se erguia imponente, como se estivesse estado ali no último milhão de anos.

Mas não estava. Não da última vez que eu olhei.

Meu coração, o coração dele, se encheu de alegria e conforto com a visão da caverna. A caverna que eu nunca tinha visitado.A caverna em que ele morara nos últimos dois anos. Fiquei surpreso por conseguir acesso a tal informação. Onde estava Ian para erguer aquele maldito bloqueio?

Minhas pernas me impeliam para frente quase instintivamente, em direção ao lugar estranho, ao meu lar, e eu não quis impedi-las. Eu queria estar ali. Meu corpo queria estar ali.

A sensação de entrar ali, antecipada por várias memórias anteriores, passou pela minha cabeça como um filme. Minha casa.O lugar em que eu nunca havia pisado.

Senti a euforia assim que meus ombros deixaram de sentir o toque do sol e uma sensação de frescor se espalhava por meus pulmões. Adentrei a câmara escura e segui correndo, quase automaticamente, até o que parecia ser um saguão grande e bem iluminado. Eu esperava encontrar alguém. Quem?

Encontrei a resposta sendo iluminada por uma fresta no teto da caverna e perdi o fôlego.Era ela!

A menina loira me olhou com um sorriso absurdamente feliz e eu senti meu coração parar por um bom par de segundos. Deus, como era linda! Eu já havia a visto tantas milhares de vezes e nunca conseguia deixar de admirar sua beleza. Não, meu hospedeiro não conseguia. Eu a tinha visto uma única vez.

Ela correu para mim e meus braços se abriram por reflexo, ansiando por sentir o calor de seu pequeno corpo. Eu estava ocupado demais memorizando seu rosto, por isso não me preparei para o que estava por vir.

Ela se atirou em meus braços, nos braços de meu hospedeiro, e por um momento eu me esqueci completamente do que estava fazendo. Ah, era maravilhoso ter seu corpo tão perto do meu! Seu cheiro anestesiava meus sentidos, me deixando completamente à mercê de suas vontades, mas eu não me importava. Porque ela nunca me feriria, eu sabia.

Não, meu hospedeiro sabia. Eu não a conhecia.Tinha que me lembrar disso.

Ela afastou seu corpo do meu, deixando apenas um ponto pressionado contra meu tórax, mas antes que eu pudesse investigar, ela segurou meu rosto entre suas mãozinhas mínimas e encostou seus lábios nos meus.

Eu esqueci de tudo.

Minha cabeça acumulou tanto sangue que me deixou tonto, meu coração explodiu em batimentos acelerados por felicidade e meus braços correram por suas costas, juntando seu corpo ao meu novamente.

Não sei por quanto tempo seus lábios adocicados ficaram em contato com os meus, mas no que me pareceu um segundo depois, ela se afastou com os olhos brilhando como o par das mais brilhantes estrelas que podiam ser vistas e me ofereceu aquele sorriso absurdamente feliz de novo.

'' Eu sabia que você voltaria a tempo'' Ela sussurrou, com a voz cheia de euforia. '' Sabia que não perderia isso por nada'' Nesse momento ela pegou minha mão e a conduziu até um ponto um pouco abaixo de suas costelas que, eu percebi,era o mesmo que estivera encostando no meu estomago antes.

Abaixei o olhar curioso, e arregalei os olhos.

Sua barriga estava inchada, redonda e dura, como se uma enorme bola tivesse se alojado em baixo da pele pálida. Eu já tinha visto aquela imagem antes, é claro, mas nunca ligada a aquela linda e frágil criatura.

Aquilo me assustou. Como alguém como ela poderia sobreviver ao parto? Ao parto em uma remota caverna, longe de qualquer civilização e de qualquer tecnologia? Ela sentiria tanta dor! Sangraria! Eu queria puxá-la para mim de novo e fazer aquela pequena vida humana desaparecer de seu organismo. Não, eu queria levá-la comigo. Ah, eu tinha insistido tanto para que ela fosse até a cidade! Doc nunca seria capaz de fazer aquilo sozinho. Eu já tinha até decorado as 17 palavras que compunham sua resposta usual: ' Eles vão tentar inserir uma alma no corpo do bebe. Quero que ele cresça com a cabeça dele. '

Não! Eu nunca tinha ouvido aquelas palavras! Elas vinham do lado de Ian, então? Por que ele se importaria? A memória veio quase imediatamente e meu queixo caiu.

'' Meu filho?'' disse em choque

Ela riu, parecendo não ter notado minha expressão.

'' Sempre tão distraído! É claro que é seu filho. ''

Era verdade? Deus, como poderia? Meu hospedeiro era um humano selvagem e ela era uma alma! Não deveria haver mais do que distancia entre eles. 

Uma estranha escuridão fez as cores de seu rosto se misturar com as da caverna. 'Não' Eu queria gritar 'Não vá, eu preciso te perguntar uma coisa. ', mas já era tarde demais. ''

Ofeguei e arregalei os olhos para o teto.

Demorei um segundo ou dois para me localizar. Tinha sido um sonho, só um sonho estranho e assustador. Deus, tinha sido tão real! Meus lábios formigavam de levinho e eu quase conseguia sentir o calor dela contra a minha palma.

As palavras de Ian voltaram a minha cabeça e eu senti um frio que nada tinha a ver com a temperatura invadir minhas células.

'' Ian?''

Ele preencheu um segundo com receio antes de responder.

''Oi?''

'' Nove meses... Isso não quer dizer o que... o que eu acho que quer dizer. Certo?''

Nenhum som veio dele, o que era resposta mais do que suficiente para mim.

Eu me sentei e enfiei meu rosto nas palmas, horrorizado demais para responder. Como isso poderia ter acontecido?Ian pensava mais ou menos a mesma coisa, embora se perguntasse como poderia ter deixado essa informação chegar até mim.

Bufei. Como se eu fosse o problema.

'' Você... Você não vai nos entregar, não é?'' Perguntou Ian hesitante.

'' E o que você sugere que eu faça? A deixe morrer por causa de um parto?'' Aquilo era tão ridículo que chegava a ser cômico.

'' Ela não vai morrer '' Respondeu meu hospedeiro aparentando uma segurança que estava longe de sentir.

'' Ah é? E como você pode garantir isso?'' Eu estava furioso. Como ele esperava que ela desse a luz sendo ajudada só por um curandeiro humano em uma caverna no meio do nada e vivesse para contar a história?

'' Várias mulheres já deram a luz assim'' Defendeu-se Ian.

'' E várias morreram antes de repetir a história. ''

Um calafrio, meu e dele, desceu minha coluna vertebral como uma faca gelada.

Eu levantei e comecei a me trocar, ignorando a escuridão lá fora.

'' Aonde você vai?'' Questionou Ian, subitamente alerta.

'' Onde você acha? Ela precisa de um hospital''

'' Você pretende ir até a caverna? É isso?''

'' Claro que não, sua colônia nos mataria''

'' Minha colônia?'' Exclamou Ian espantado, procurando em suas palavras anteriores o que poderia ter denunciado aquele detalhe.

'' Eu conclui isso por mim mesmo. ''

'' Como?''

'' Você não estava sozinho quando foi pego e estaria muito mais preocupado se aquela menina fosse dar a luz sozinha. ''

Ele se calou por um momento, como se pensando no que eu tinha dito.

'' Espera, onde estamos indo então?'' Ele perguntou de repente, enquanto eu girava a chave na fechadura.

Não me preocupei em responder, apenas deixei que ele visse meu plano.

'' O que?!'' Gritou ele, fazendo meu cérebro oscilar '' Você não vai chamar Buscadores, eu não vou deixar!''

'' É mesmo? '' Senti meu coração pulsando com força, impulsionado pela raiva. '' E o que exatamente você pretende fazer?''

Como se em resposta a minha pergunta, o dedo com que eu tentava apertar o botão do elevador se desviou sem a minha permissão.

'' Como você fez isso?!'' Exclamei arregalando os olhos para as portas de metal.

Uma ponta de arrogância veio dele, só por um segundo, antes de ele murmurar em tom conciliador.

'' Olha, vamos conversar ok? Só me deixe explicar o meu lado. ''

Bufei impacientemente.

'' Tá bom, fala''

'' Lá dentro?''

'' Não é como se alguém fosse ouvir''

'' Minha perna esta doendo. ''

Dei de ombros e voltei para dentro, trancando a porta atrás de mim.

'' Ok, fala'' Insisti, enquanto meu corpo afundava no tecido vermelho do sofá.

'' Bom, você não pode levar os buscadores até lá por duas razões'' Começou Ian e eu podia sentir seu cérebro trabalhando a todo vapor para inventar algo plausível. '' Primeiro: Eles vão feri-la. Segundo: Eles vão... ''

'' Perai, por que eles a feririam?'' Interrompi '' Só humanos machucam como punição. '' Embora fosse um modo de vida absolutamente estranho aquela garota não estava fazendo nada que nos prejudicasse. Um pensamento levitou em minha mente, mas Ian o puxou de volte antes que eu pudesse ver. '' O que?''

'' Eu não estou falando de punição.'' Ian respondeu, prontamente ignorando a minha pergunta. '' Se acontecer uma luta lá dentro, e vai acontecer, qualquer babaca pode atirar nela por engano ou ela pode tentar fugir e, sei lá, cair de algum lugar. ''

Era possível.

Mais do que possível, era provável. Mas eu não ia me deixar levar por uma possibilidade, ela ia se machucar com toda certeza se ficasse ali.

'' Eu não disse para você não ir, só para não levar um zilhão de buscadores com você''

'' E o que você espera que eu faça? Vá sozinho? Sua colônia nos mat...''

'' Não, eles não nos machucariam''

'' Ian, você não é mais igual a eles. Eles não hesitariam nem um segundo antes de nos matar''

'' Não, olha, tem uma história que eu acho que você deveria ouvir.''

Um rosto moreno e feminino se coloriu na minha cabeça ao mesmo tempo em que Ian começava a falar.


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Notas finais do capítulo

Geeeente, alguém percebeu? 7 de abril do ano que vem cai numa quinta feira o/
*Essaéaparteemquevocêpergunta'edai?'
*Ignoorem, a autora tem produção execissa de serotonina :D

Emfim, a autora queria agradecer as cinco pessoinhas iluminadas e que com certeza tem uma passagem comprada para o céu, que escreveram um review para ela :D
Só lembrando, a autora NÃO posta sem reviews, mesmo se o capitulo estiver pronto, ok?

Beeijoooos e mande a sua opinião ;)