Meu nome é Haruhana Mizuki. Tenho um hobby que é considerado por alguns como um vício: filmar e gravar o que presencio. Isso pode parecer estranho mas se for pensar bem, não há nada demais, nada de anormal nisso, pelo menos não havia.

No final do ano passado, na formatura, fiquei encarregada de tirar algumas fotos da festa e fiz questão de filmar também. Pensei: "minha vida social não é lá grande coisa mesmo, melhor me ocupar com algo que eu gosto de fazer".

Mas o que parecia ser um dia de felicidade e realizações se tornou uma tragédia que custou muitas vidas. Sobreviventes?eu e dois integrantes do grupo de fotografia da escola. Não se sabe explicar o que houve, tentamos sair do lugar mas parecia impossível. De alguma maneira eu desmaiei e quando acordei estava em um hospital. Por que só nós sobrevivemos?Para entender precisamos voltar ao dia de viagem da turma do último ano.

Era manhã de primavera. Eu até comprei uma câmera especial para registrar aquele momento, que por sinal me custou dois meses de salário, mas, isso não importa agora. Cheguei atrasada no local, pra variar:

- uf uf..obrigada por esperarem! - disse, ofegante.

- Tem sorte de sermos legais com você - Keitaro, amigo de infância e integrante do clube de fotografia da escola.

- Há, tá bom!só me esperaram porque eu sou a melhor fotógrafa dessa escola!e esse dia tem que ser bem registrado

- Só nos seus sonhos...

Entramos no ônibus e sentei-me ao lado dele, Hikari Keitaro. Bonito demais para ser de um grupo de nerds anti-sociais como nós e talentoso demais para não ser.

- Ei, Mizuki!que câmera é essa?

- Gostou?é uma raridade!comprei hoje de manhã!

- E isso aí funciona? - riu, duvidando da capacidade da máquina.

- É claro que sim! - irritada ao extremo

- Desculpa, é que parece que comprou em uma loja de antigüidades..essas coisas só enganam as pessoas.

- mas eu comprei em uma e ela funciona sim!

- pera...você comprou mesmo?

- As câmeras são caras e eu ganho pouco. Foi o melhor que eu consegui!Aprecie, é um clássico!

- Ham, sei não hein

- Você vai ver quando chegarmos!

Ao meio-dia chegamos em uma pousada. O lugar era lindo, o aspecto antigo trazia elegância e a primavera o deixara mais encantador ainda. Mal pude esperar para descer do ônibus. Puxei Keitaro comigo e logo tirei uma foto do jardim. Mostrando a ele que a velha polaroid[1] ainda funcionava. Depois de deixar as bagagens no quarto, fui explorar o lugar. Os outros preferiram o banho quente antes do almoço. Depois de ver quase tudo, eu, Keitaro e um amigo dele, Fujimoto, fomos barrados pela anfitriã.

- Nesta sala é proibido visitantes. Existem peças raríssimas que valem mais do que a vida de todos vocês, por isso, façam o favor de voltar para seus quartos e aguardem o horário de almoço.

- Nós não vamos comer os quadros!só queremos ver... - disse, tentando alcançar a porta.

- Senhorita, se insistir serei forçada a chamar o motorista para levá-la para casa.

- Vamos Mizuki, melhor não insistir! - dizia Keitaro enquanto tentava me tirar de lá

- Melhor irmos antes que ELA nos coma - disse Fujimoto, apontando para a senhora que nos olhava atentamente.

- Ham!

Fui insatisfeita até a varanda. Fujimoto aproximou-se de mim e disse em meu ouvido:

- Assim que chegar a hora do almoço aquela velha vai sair de lá e poderemos entrar pra tirar algumas fotos

Olhei para ele com um misto de alegria e espanto. Fujimoto sorriu e fez sinal para que eu mantesse segredo.

A hora do almoço chegou e todos estavam lá, menos nós. Ninguém deu por nossa falta. A não ser Keitaro, claro, que teve que inventar uma desculpa pra que as garotas o deixassem em paz.

- Ainda acho que isso é uma péssima idéia.. - disse Keitaro

- Nós só vamos entrar lá..não vamos quebrar nem levar nada!o que tem de mal nisso?

- Haruhana!trouxe a câmera?

- Sim!

- E você, Hikari?trouxe a filmadora?dizem que as pinturas se desgastam com flash..

- É, tá dentro da minha mochila

- Ótimo!

Forçamos a porta mas ela não se abriu.

- Tá trancada. Haruhana!você tem um grampo de cabelo aí?

- Tá brincando que você vai abrir a porta com um...

- Eu sei o que tô fazendo - ele sorri

- pff...espera

Por sorte eu sempre prendia a franja com um grampo, entreguei a ele e depois de alguns instantes tentando, a porta se abriu. Era uma sala de estar. Haviam quadros nas paredes, bem como a anfitriã havia dito. A sala era um pouco escura, Fujimoto pediu a Keitaro que ligasse a luz da filmadora para iluminar melhor.Tirei muitas fotos e Keitaro filmou cada detalhe. Quando ele apontou a câmera para mim, fiquei um pouco envergonhada.

- Por que você prende a franja?seu cabelo solto fica melhor, até parece uma modelo! - Keitaro sorri

- Olha, não vou nem comentar.. - quase cavando um buraco de tanta vergonha.

- AAAAAAAH!!!!! - grita Fujimoto, sentado no chão depois de ter caído para trás.

Nos viramos e ele estava apontando para o espelho.

- O que foi?até parece que viu um fantasma! - falei enquanto sorria

- É que ele se viu e o choque foi grande - Keitaro entrou no clima

- N..Não..era eu! - Fujimoto quase não emitia som

- É claro que era você, isso é um espelho!

- Não!Não era eu!não era meu reflexo!!

Nos entreolhamos por um instante e Fujimoto abriu a porta.

- Vamos!esse lugar é bizarro!

- Você insistiu pra ficarmos aqui. Isso de outra pessoa no espelho é insano! - disse Keitaro.

- EU VI!

- Deve ser coisa da sua imaginação.Você deve ter ficado com medo do lugar e sua mente criou uma coisa que não existe. Isso é normal

- EU VI, TÁ LEGAL?!não venha me dar alguma explicação lógica porque eu tenho certeza!Quem usa óculos é a Haruhana!não eu!

- Dá pra falar mais baixo, Fujimoto?Keitaro, vamos logo sair daqui antes que nos peguem!

- Só um instante. Me empresta sua máquina!

- Ah não...o que vai fazer?

Keitaro foi até o espelho e tirou uma foto de seu reflexo nele.

- Tá vendo só!é o meu reflexo!

- Mas pode não estar mais lá!

- Não viaja..não tem nada lá!

- Porque já foi!ou você é protegido sei lá..você freqüenta o templo, acredita em coisas e..

- Mizuki!

- oi?

- Vem cá!

Keitaro fez o mesmo, tirando uma foto do meu reflexo no espelho.

- Tá vendo?!e ela não sai nem de casa!só pra revelar fotos e ir pra escola. Agora deixa de ser bobo e volta aqui!

- Keitaro..é melhor não.

- Não!eu não volto aí!

- Se você não encarar seu medo isso vai se tornar um trauma e só vai te trazer coisas ruins no futuro

- Eu já vi o que tinha que ver!

- Vem logo!é só uma foto!Eu posso até ficar perto de você

- Eu não quero que você fique perto de mim!!

- Tá bem, então a Mizuki fica!

Instantes depois:

- Tá bem!

- Mizuki, por favor?

- Por que vocês têm que me envolver nisso??!!

Fujimoto fechou os olhos, segurou em meu braço e eu o guiei até o espelho. Keitaro então tirou a foto e mostrou a ele que tudo estava normal.

- Tá, ele acredita...agora vamos logo!

O chão treme e os móveis balançam.

- O que tá acontecendo? - disse Keitaro

- Será que é um terremoto?mas não avisaram nada na tv!! - respondi, confusa

- Esse lugar é esquisito, vamos embora! - Fujimoto, ainda segurando meu braço

- De novo essa?eu já disse que foi coisa da sua imaginação!

Mais um tremor.Dessa vez a luz falha, o espelho tomba e quebra.

- Não tô gostando disso... - Fujimoto em completo desespero

- Droga!Vamos sair daqui antes que culpem a gente! - Keitaro, colocando a câmera de volta na mochila.

- Tá!Vamos Fujimoto!

Juntei meu grampo de cabelo do chão e chamei mais uma vez por Fujimoto.Ele não reagiu. O levamos para fora, encostamos a porta e passamos discretamente para a varanda. Ninguém nos notou.

- Parece que acabou... - Keitaro, sentando-se em uma cadeira

- Espero que aquela mulher não vá até aquela sala antes de irmos embora. Senão vai saber que nós entramos e vai nos culpar pelo espelho.

- Realmente. Fujimoto!você tá bem?

Fujimoto continuava quieto. Parecia estar preso em um mundo paralelo dentro de seu ser.

- Fujimoto???

- Eu disse que era melhor não insistir com aquilo do espelho...

- Eu só queria ajudar e mais, eu não queria nem ter entrado lá. Vocês que insistiram.

- Mas as fotos ficaram ótimas, né?!Viu só como ela funciona??!! - acariciando a câmera antiga.

- Tenho que admitir..

- e as filmagens?

- Vai ser surpresa!Vou editar e quando estiver pronta, mostro a vocês!

- Mas pra quê tudo isso??

- Quero fazer surpresa

- Mas se você conta que é uma surpresa isso não se torna mais uma surpresa, não acha?agora deixa eu ver! - tentando pegar a mochila do colo de Keitaro

- Não!Espere até ficar pronto!

- Ai, como você é chato!!!Não acha, Fujimoto?

Ele, mais uma vez, nada disse, e foi assim o dia inteiro. Como aquele vidro, a paz de Fujimoto parecia ter sido quebrada em mil pedaços. Ele foi o único de nós que acreditou que aquele era o início do fim.

Continua...