Sorrisos de Guache escrita por IsaS


Capítulo 15
CAPÍTULO 14º




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CAPÍTULO 14º

       O rádio ainda berrava Elvis Presley em meus ouvidos, o rock suave da década de sessenta passava por mim, e me deixava extasiada. Mas aquele não era um momento próprio para estar, ou ficar, extasiada. Eu estava na frente de um baú de memórias, grande, enorme, lotado de segredos, embolados, salgados em lágrimas. Não sabia se estava pronta. Mas pronta ou não, caminhei até um pequeno criado mudo que ficava ao lado de minha cama, na sala de estar. De lá, tirei uma caixa pequenina, de cor e aparência doentia, e com os dedos rápidos e estranhamente decididos, abri-a. Respirei fundo, e me perguntei o que estava fazendo. E a resposta veio como uma pancada em minha cabeça: o que deveria ter feito há muito tempo. Mas o quê, exatamente, eu não sabia. Imaginava aquela porta, a estranha e horripilante porta do corredor, escancarada, mostrando e esfregando meus medos bem na minha cara. Não me parecia justo, mas era bem pior continuar evitando-os. E enquanto caminhava de volta ao corredor, perguntei-me se tinha certeza do que estava fazendo. Mais uma pancada: sim, com certeza.

         Passei por Branca, tocando meus dedos finos e pálidos em sua cabeça, sentindo a maciez de seu pelo negro. Continuei calada, agora tocava The Animals no rádio. Em frente à porta, me perguntei mais uma vez se estava fazendo o certo, mas meu cérebro não se preocupava mais em me responder, apenas mandavam meus músculos destrancarem a porta. E assim o fiz, ainda cantarolando mentalmente Rising House of The Sun. Sorri, passando pela ridícula idéia de estar num filme de terror, acendi a luz. As formas se definiram em minha visão: um amontoado de caixas, uma sobre as outras, alguns móveis cobertos com um lençol branco. Lembrei-me de minha coletânea ‘Desventuras em Série’, no terceiro livro, em que os jovens irmãos Baudelaire se perguntam onde esconderiam coisas que não quisesse ver nunca mais. A resposta foi exata e clara: em baixo da cama. E, sinceramente, aquele piano não iria caber. Nem aqueles montes de caixas, porta retratos, fantasias, revistas, cadernos de anotação e mais um monte de coisas irritantes e úteis.

         Estava orgulhosa demais pela minha coragem. Mas ainda precisava de uma prova que estava curada, que não sentiria mais dor, e que poderia passar a usar tal cômodo, que era o quarto onde Jacob e eu dormíamos. Corri para a sala e desliguei o rádio. Lamentei, estava tocando The Beatles. Corri mais uma vez, agora até a porta do quarto, em meio ao corredor. E passei pelo batente da porta, caminhando, não correndo, preparada para qualquer dor, para qualquer monstro formado de lembrança. Com um só puxão, arranquei o lençol amarelado do piano, contemplei sua madeira brilhante e polida. Nem o tempo, ou a poeira haviam estragado seu glamour intacto. Sentei-me na banqueta e sorri para Branca, que olhava pra tudo quanto era lugar naquela sala abandonada a muito, tentando reconhecer alguma coisa.

         Era triste, porque nunca soube tocar piano. Havia comprado e dado a Jacob de aniversário, antes de morrer. Então, como uma burra, apertei qualquer tecla, como se fosse mais um botão do elevador. O som ecoou pelo quarto, ultrapassou aquela multidão de coisas, e parou no vidro da janela, ainda fechado. Fechado! Corri até a janela, e a abri, deixando entrar os sons da cidade no cômodo. E sorri ao pensar que sentia saudade de ouvir as buzinas de tal sala, porque pareciam menos insistentes, mais calmas. O vento que entrava ali era maravilhoso, sem contar os últimos raios de sol que se escondia ao horizonte.

­– Branca, apague a luz pra mim? – pedi, balançando a cabeça com o absurdo que havia acabado de pedir para minha cadela. E como se estivesse lendo meus pensamentos, Branca latiu, correu até o interruptor, pulou e bateu com a patinha certeira no botãozinho, apagando a luz. Encarei-a com a boca aberta. Se esperava que algo naquela sala me assustaria, não havia pensado que esse ‘algo’ seria minha própria cadela.

– Meu De... – iria comentar alguma coisa, quando a campainha tocou. Corri, com medo de Branca, que – como uma boa amiga – me seguiu. Abri a porta esbaforida, e fui agarrada.

– Hm, tudo isso pra me receber? – Edward já me embriagava com seu cheiro, seus lábios perfeitos correndo sem limites por meu pescoço, meus ombros.

– Seu tolo. – respondi, tentando respirar. – Você não merece tanto.

         Ouvi a porta bater e tentei contar até dez mentalmente. Como se não tivesse ouvido nada, Edward jogou seu casaco em meu divã e arrancou os sapatos ao chutes. E como uma boa moça, corri até o corredor, sendo acompanhada mais uma vez por Branca, e tranquei novamente o quarto que eu estava re-explorando, escondendo a chave numa das gavetas do closet. Não podia esquecer que essa não era a única porta que mantinha trancada no corredor. Tentei não pensar mais nisso.

– Qual é, hein Branca?! Será que você está possuída? – agachei-me para sussurrar em seu ouvido, aproveitando para lhe dar um cafuné.

– Bella? – Edward me chamava da sala.

– Já estou indo. – desfilei pelo corredor mais uma vez. Deus, aquilo estava me cansando.

         A imagem do conforto: Edward, estirado em minha cama, como um deus grego, sem camisa, com um sorriso divino no rosto. Talvez eu estivesse babando, do tipo, literalmente. Controlei minha respiração, ou pelo menos, tentei fazer isso. Caminhei até a ponta da cama, e me sentei, sentindo minhas bochechas se avermelhar, e preferi acreditar que isso se dava ao calor. E, realmente, meu corpo parecia queimar, e com uma confusão latente, descobri que queimava porque Edward tinha uma de suas mãos debaixo de minha regata leve de algodão. Esse era o motivo do calor infernal que brotava, desde meus cabelos até a ponta de meus dedos.

– Você é quente. – sussurrou, apoiando-se no cotovelo, dando um jeito de ficar mais perto de mim.         Seu hálito vagava em meus braços, e eu sentia os pêlos se arrepiarem ao toque. Cerrei os olhos e me perguntei quando me acostumaria com aquela sensação que Edward me causava. Suas mãos eram frias, mas meu corpo, ao seu toque, se incendiava.

–Você é tão linda. – sorri, e abri os olhos para fitá-lo. Apesar de não transparecer nada além de meu sorriso, não pude deixar de ficar chocada ao ver sofreguidão em seus olhos. E, como não pude evitar, pensei naquela certa vez, depois de reencontrar meus pais, em que concluí que Edward escondia alguma coisa de mim. Se era apenas uma dúvida, agora, eu tinha certeza.

– Não quero ser convencida, mas - consegui ofegar, e colocar um sorriso em seu rosto. – fiz compras com Alice por esta manhã.

– E no que isso pode acrescentar em sua beleza? – perguntou, com um sorriso torto nos lábios, e eu não soube se aquilo era um elogio.

– Um jeans da Calvin Klein pode mudar bastante coisa na minha vida. – tentei imitar a voz de Alice, mas não tive sucesso. E com aquele assunto, sem pé ou cabeça, rimos como duas crianças.

         Nossos corpos nus tinham uma ligação incrível. Não era apenas sexo, não era apenas atração. Tratava-se do jeito em que nossos olhos se encontravam em todo o processo; de como nossos braços se encontravam no meio da confusão, como se quiséssemos salvar um ao outro; como nossos odores se misturavam, como sabíamos o que fazer e quando fazer. Transar com Edward nunca foi, apenas, transar. E eu sabia disso, depois de toda a tormenta, de todos os movimentos, quando ficávamos abraçados, olhando um nos olhos do outro.

– Gostaria de ir comigo, amanhã, à Incrível Máquina dos Sonhos? – perguntou-me, o rosto grave, com uma paciência acolhedora, como se estivesse observando uma flor. Sorri.

– Sim. – sussurrei e o puxei pra mim. – Eu vou até o inferno com você. – respondi, não me preocupando em ficar sem graça, nem me preocupando com minha promessa, porque, eu sabia que iria.

         Entrei em seu carro luxuoso, ainda tendo cuidado com todas as parafernálias e rezando para que Branca não mijasse no banco de couro importado do homem. Era manhã, e o sol tocava nossas peles pelas janelas, enquanto seguíamos a linha do trem. Quando a máquina grandiosa e velha passou, me curvei pela janela, sentindo os cabelos voarem com o vento, me misturando, juntando as pontas que estavam soltas. O cheiro de carvão queimado, e outro odor que não consegui reconhecer, levemente metálico, entravam por minhas narinas, passavam por meus pulmões, aceleravam o meu coração. E descobri, naquela hora o motivo de viver, do meu coração bater, além de Edward.

         Eu vivia pelos raios de sol. Eu vivia pelas flores lindas que vi em nossa trilha. Eu vivia por aquela energia que as árvores altas e majestosas exalavam, que penetrava em minha pele, que se misturava em meus cabelos. Eu vivia porque podia respirar, mas principalmente, porque podia sentir. Podia sentir com todas as forças a amor nascer dentro de mim quando me lembrava de minha família, dos Cullen, de Jacob... eu vivia, mas não porque me era conveniente. Eu vivia porque precisava procurar algo que ainda não havia encontrado, algo que sempre pareceu estar escondido nas coisas mais simples da vida: a felicidade. Vivemos procurando a felicidade, e ela pode ser sentida de várias formas. Pode ser sentida através do amor, do dinheiro, da natureza, dos raios de sol, da energia das árvores, de um all star novo, de uma lasanha ao molho branco, de um número a menos na balança... O próximo desafio para se viver, é manter essa felicidade.

         E com esses pensamentos felizes, a dor. A dor de saber que talvez os segredos de Edward pudessem me machucar, e os raios de sol não fossem o bastante para me manter viva. Afinal, sentia uma dor por Jacob. Edward me mostrou como deixar de ser Bella de Jacob. Mas agora, eu era Bella, de Edward. Se o perdesse...

– Chegamos. – sorriu, e abriu a porta para que eu saísse.

– Obrigada. – resmunguei, e sorri, tentando não passar meus sentimentos ou meus pensamentos por minha expressão. Senti sua mão na minha, e caminhamos entre as árvores, com Branca pulando atrás de nós.

– Sabe, Alice é uma maldita às vezes. – comentou Edward. Eu franzi o cenho com tal constatação. Sim, eu concordava, mas por que isso agora?

– Hm. – assenti.

– Você vai matá-la hoje. – deu de ombros. Ele continuou andando, mas eu parei, vendo seu braço esticado, seu corpo um pouco mais à frente do meu, sua mão segurando a minha com firmeza. Ele olhou em meus olhos, e ficamos assim durante um tempo.

– O que houve? – perguntei intensa. Ele sorriu, tentando amenizar a tensão que havia se formado entre nós dois, e deu de ombros. – O que houve?

– Alice contou a toda a família que estamos... hã, bem... – e ficou subentendido.

De repente, as árvores claras e bonitas tornaram-se escuras e amedrontadoras, Edward tinha sumido e o céu tornou-se escuro. Mas eu não estava com medo do bicho papão, porque na verdade, eu havia virado o bicho papão. (:

– Co-como assim! – berrei, sem realmente perguntar. Ele riu sem graça, me abraçando forte. Ao sentir sua respiração rente á minha, percebi que minha visão parecia mais clara, as árvores voltaram para seus devidos lugares com suas devidas cores. Eu havia acabado de ter um siricutico de raiva, estava irritada, enormemente irritada, mas Edward tinha o dom de me acalmar. Fiquei acolhida, ali, esperando que meu surto de raiva num cenário digno de Tim Burton passasse. Respirei fundo, e soltei o ar pelo nariz.

– Feliz aniversário, meu bem. – sussurrou em meu ouvido.


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Notas finais do capítulo

Demorei, mas aí está. Apesar de ser um pouco curto - esse capítulo - eu o achei lindo. De verdade. Adorei escrevê-lo. O próximo já está sendo matutado em minha cabeça levemente oca. ;D
Espero que tenham gostado. Até o próximo. ;*