Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 66
Capítulo 66. Paz


Notas iniciais do capítulo

Música de hj, "Comfortably Numb", do Pink Floyd (sério, se vc não conhece vá ouvir música música).



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Hello
Is there anybody in there?
Just nod if you can hear me
Is there anyone at home?

Come on now
I hear you're feeling down
Well, I can ease your pain
And get you on your feet again

Relax
I'll need some information first
Just the basic facts
Can you show me where it hurts

There is no pain, you are receding
A distant ship's smoke on the horizon
You are only coming through in waves
Your lips move but I can't hear what you're saying
When I was a child I had a fever
My hands felt just like two balloons

Now I've got that feeling once again
I can't explain, you would not understand
This is not how I am
I have become comfortably numb

I have become comfortably numb

Em seus mais apavorantes pesadelos, nunca imaginou que todo seu propósito seria consumido por neve, fogo e fuligem. Correu por entre a multidão, tentando em vão afastar as chamas para salvar um corpo que sabia não existir mais. Não conseguia sequer chegar perto da casa, como salvaria o conde? E sem ele, sem aquela figura de puro poder que permeava seus sonhos, sem os olhos vermelhos que olhavam para o mundo como se tudo fosse mesmo tão banal, tão efêmero, sem a promessa da eternidade... O que ele faria de seus dias? O que faria com o vazio em seu peito?

Em meio a multidão que havia incendiado a casa de seu (como ele queria) mestre, ele não sabia o que fazer. Acabou ajoelhando-se em meio a neve que derretia fazendo poças de lama sob seus pés, procurando na sujeira seu reflexo, encontrando apenas mais fuligem. O resto do mundo se tornou algo distante que ele percebeu mas não se importou, como os gritos da multidão, quando o conde saiu pela porta da frente, em meio às chamas, com metade do crânio exposto e a mandíbula sem apoio, macabramente aberta até o peito. Nem sentiu alívio quando a pele desse mesmo crânio se regenerou. Não correu quando as sombras vieram e cobriram tanto o céu quanto a cidade. Apenas ficou a procurar por seus olhos azuis na imunda poça d'água.

Em meio à escuridão, Vlad sentia apenas frio. Vlad não entendia porque o frio era reconfortante, ou porque sentia-se seguro na escuridão. Então lembrou-se do fogo e lembrou-se da claridade que a falta de pálpebras não o permitiam extinguir. Pálpebras que abriram para contemplar a lua cheia sobre sua cabeça. Sentiu a neve acariciar seu rosto e mãos e fechou os olhos em estase, por ter pele mais uma vez. E então lembrou-se que aquele lugar não deveria lhe trazer conforto. Sua alma era seu inferno, afinal.

Levantou-se o mais rápido que pode e olhou novamente para o céu limpo, perguntando-se de onde vinha a neve se não do próprio céu. Sem entender sua própria alma, olhou para o horizonte e acabou encontrando seu castelo. Sozinho em meio à neve, onde antes havia toda uma cidade. Sem escolha, decidiu-se por ir até ele.

Caminhou por dias antes de chegar até seu castelo, até que achou que não resistiria ao frio ou à dor que a neve causava em sua pele. Quando lá chegou, todas as portas e todos os portões se abriram sem que ele fizesse algum movimento consciente para isso. Antes que ele se desse conta, estava em seus aposentos, sua poltrona vazia e a lareira acesa. Onde antes havia um caixão negro havia agora vinho, pães e frutas. Não havia ninguém perto da janela. E por mais que Vlad não tivesse encontrado ninguém no castelo, havia música e risos que vinham pelas paredes, de outros aposentos. Na parede, havia um espelho. Ao olhar para esse espelho, dentro de seus olhos ele podia ver refletido tudo o que foi e tudo o que poderia ter sido. Memórias e sentimentos de todas as vidas que ele ou Alucard tocaram. Um espelho que refletia sonhos desfeitos, mas sonhos mesmo assim. Um espelho onde Vlad viu uma criança escondida nas sombras, implorando para ser notada, implorando para ser salva. Uma criança de olhos azuis amedrontados, coberta por sangue.

Mas aquilo era um espelho, aquilo era o passado. Vlad não precisou tocar a superfície do objeto para saber que não havia nada que ele pudesse fazer além de viver seus próprios sonhos, na esperança de que aqueles sonhos ali despedaçados fossem vividos também por seus olhos.

Afastando-se da parede, Vlad sentou-se em sua poltrona e se permitiu aquecer-se junto ao fogo da lareira, até que o frio da neve fosse uma memória distante. De olhos fechados, era possível ignorar o espelho e assim ele o fez. O calor da lareira jamais vacilou e, finalmente acolhido em sua alma, apesar de sozinho, Vlad se permitiu descansar. Adormeceu em sua poltrona. Quando acordou, horas depois, estava em seu antigo quarto na mansão Hellsing, com uma lembrança que não era dele finalmente fazendo sentido.

.

.

.

Assim que colocou os olhos em Thomas, Integra perdeu a noção da realidade. Estava na mansão, cuidando de uns papéis. Deixou os papéis que sabia não existirem de lado, para olhar pela janela e ver o mundo ao redor da mansão sendo destruído por um tufão. Mas a mansão nem sequer tremia. Integra, no entanto, tremia, mas de frio e não de medo. Estava muito frio. Saiu mansão afora, procurar uma fonte de calor, apenas para descobrir todos os aposentos vazios, mortos. Foi para longe, até a cozinha, até as masmorras, mas não havia ninguém além dela. E então deu-se conta de que todos os espelhos estavam cobertos por um pano negro. Ao descobrir um dos espelhos, não encontrou neles seu reflexo, mas olhos vermelhos. Olhos vermelhos que pareciam julgar seu ser e encontrá-lo falho.

Integra piscou e estava novamente em seu escritório, com Thomas ajoelhado no chão e Vlad caído a sua frente. A Hellsing hesitou por um momento, lembrando-se de quem era Thomas e em o que um movimento em falso poderia resultar. Mas no final, o vampiro parecia tão derrotado que Integra acabou se aproximando de Vlad, encontrando-o inconsciente mas vivo.

– Ele vai acordar em algumas horas. - Thomas murmurou.

– O que você quer conosco? - Integra perguntou, acendendo um charuto para tentar disfarçar o nervosismo por ter Thomas no mesmo aposento que ela, com Vlad tão claramente vulnerável no chão.

– Algo que ele não vai me dar. - Thomas respondeu, erguendo as mãos unidas, com a cabeça baixa, quase que como esperando que Integra fosse algemá-lo. Apesar dela saber que não faria diferença, assim ela o fez.

Depois, muito depois, quando Thomas estava encarcerado em uma prisão que não o deteria caso ele quisesse sair, quando Celas estava nervosamente de guarda na mansão Hellsing, quando Vlad estava instalado em seu antigo quarto e Integra e Mihaella estavam tomando chá enquanto esperavam o conde acordar, Integra finalmente percebeu o quão ridícula e frágil aquela situação era. O quão ridiculamente fácil era acabar com a vida deles e o quão frágil essa própria vida era.

– Não... Não deveria estar com Vlad? - Integra perguntou para a Basarab. Não que Integra quisesse que ela estivesse, ou sequer que fosse necessária. Mas e se ela fosse necessária?

– Ele não precisa de companhia. - Ella, não, Mihaella respondeu, tristemente olhando para o fundo de sua xícara, já vazia.

Integra não quis perguntar como ela sabia, para não correr o risco dessa resposta mudar. Continuou a bebericar o próprio chá, quando um pensamento ingrato lhe ocorreu. Um pensamento que ela não conseguiu segurar dentro de si e acabou compartilhando com a moça a sua frente:

– É engraçado como Vlad e eu saímos mais ou menos do mesmo lugar... Do abandono e traição de nossa família, para um mundo de guerra e sangue e a despedida da pessoa amada... Mas no final, ele encontrou tantas pessoas que o amam ao longo do caminho e eu... Bom, e eu fiquei só.

"Apenas com a sombra de olhos vermelhos".

– Não saíram do mesmo lugar, condessa. A guerra contra os vampiros sempre teve um propósito, nunca houve motivos para duvidar de seu caminho. Mas a guerra contra os turcos? Acredito que Vlad nunca tenha entendido o real porquê de matar outras pessoas.

Integra acenou com a cabeça. Realmente, porque esperar qualquer coisa de Mihaella? E o que ela esperava? Pena? Compaixão? Qualquer que fosse o sentimento de Mihaella para com a Hellsing seria tratado com ódio e desprezo. Ela não precisava que sentissem pena dela. Ou será que precisava?

– Mas, há um milagre comum na vida de ambos, se me permite dizer. Em meio à solidão, em meio à guerra e o vazio, ambos tiveram o privilégio de serem amados. E me parece que ambos irão desperdiçar esse amor.

Integra chegou a abrir a boca para retrucar, mas Mihaella continuou:

– Esse Vlad de hoje em nada se parece com o Vlad que eu conheci. Aquele Vlad tinha um espírito jovem, imaturo. Era incapaz de lidar com as dores de sua alma e por isso desistiu dela. Por isso não se permitiu amar quando teve a chance. E apesar de tê-lo amado, não sei se já me apaixonei por ele alguma vez. Aquele Vlad que está repousando lá em cima, é um espírito antigo, que viveu todas as dores do mundo e está agora aproveitando como pode sua segunda chance. Que apesar de amar sem ser correspondido, ama assim mesmo, porque sentir é valioso demais por si só para não fazê-lo, mesmo que doa às vezes. E é por essa força que nós nos apaixonamos. Celas, eu, os funcionários do haras, os soldados... Todos os que cruzam o caminho dele, por mais desesperado ou frágil que ele pareça. Não se engane jamais, condessa, ele não é frágil.

Integra olhou para o fundo de sua xícara, repassando em sua mente as palavras de Mihaella, o que ela disse diretamente e o que ela deixou claro, apesar de não dizer: que Integra só estava sozinha porque queria. Porque afastou Vlad de si. Porque afastava todos de si.

– Mas eu quero. Eu quero muito o Vlad na minha vida. O que eu... - Antes que Integra pudesse completar o que dizia, foi interrompida por Vlad, que descia as escadas enquanto terminava de dar o nó em sua gravata.

– Onde está o Thomas? - Vlad perguntou, tentando vestir a parte de cima do terno e olhar para as duas ao mesmo tempo.

– Em uma cela na Hellsing. Vlad, você está bem? - Integra perguntou, enquanto Mihaella tentava desfazer o nó que Vlad tinha feito com os próprios braços para tentar ajeitar a roupa dele.

– Sim sim, claro, por que não estaria? Eu preciso falar com o Thomas. - Vlad respondeu quando sua roupa estava finalmente em ordem.

– Porque isso deu tão certo da última vez... - Integra suspirou, enquanto pegava as chaves do carro.

No final, foram os quatro para a Hellsing (Celas não aceitou um não como resposta). Lá chegando, no entanto, as moças se resignaram a ficar um passo atrás, tanto para não chegar perto da figura repulsiva que era Thomas, com sua pele ferida e necrosada, quanto porque aquele parecia um momento do qual elas não deveriam fazer parte. Vlad, no entanto, prostrou-se contra as grades da prisão, conversando com o vampiro, que havia se sentado em um banco com suas pesadas correntes e lá ficado. Quase que como se aquela cela fosse realmente uma cela para ele e não apenas mais um lugar para estar.

– Você veio até mim em busca de esperança. - Vlad disse.

– Baffled King... Deixou bem claro que não há esperança para alguém como eu. - O vampiro respondeu, erguendo os olhos para encontrar os de Vlad, mas sem erguer a cabeça.

"Se há esperança para alguém como eu, por que não haveria para ele? Se eu tive uma segunda chance... Por que não ele?"

– Não procuro uma segunda chance, majestade. Procuro paz. Pensei que o senhor, melhor que qualquer um, entenderia o que isso quer dizer.

Vlad se lembrou das ruínas da alma de Thomas, do fogo que a tudo consumia. Mas lembrou-se também de uma flor de lótus. Aquela não era prova de que a alma de Thomas podia ser reconstruída? Não bastava que Thomas deixasse a luz entrar? Por que Thomas precisava de Vlad?

Naquele momento, Thomas se levantou, desfazendo-se de suas correntes como se elas fosse fios de uma frágil teia de aranha, como se elas nem estivessem ali. O vampiro se ajoelhou em frente aos pés de Vlad.

– Eu não sabia outra forma de pedir, além de lhe mostrar o que restou de mim. E o que restou de mim a tudo consome, a tudo corrói.... Fazê-lo sofrer, destruir seu corpo e sua alma, o objetivo jamais foi esse. O objetivo nunca foi esse. Eu... Eu te amei tanto...

Vlad esticou um dos braços por entre as grades e pousou a mão sobre a cabeça de Thomas, percebendo passado e presente se unindo através do toque. Não apenas conhecia a alma de Thomas, como conseguia entendê-la. E na unicidade dos medos e anseio dos dois, Vlad entendeu o que precisava fazer e que estava disposto a conceder o milagre que Thomas almejava.

– Você amou o poder que viu emanando do vampiro, mas não reparou que o que via não era poder. Você amou uma ilusão, que você mesmo criou para amar. E agora que essa ilusão se foi... Que séculos de dor e desespero fizeram com que você visse a verdade...

– Eu não desejo uma segunda chance, meu senhor. Eu não saberia o que fazer com ela.

Vlad assentiu com a cabeça e retirou a mão do vampiro, que pareceu desmontar com a perda do toque. Retirou um canivete do bolso do terno e fez um fino corte no dedão, do qual apenas uma gota de sangue escorreu.

– O meu sangue... Há uma cura? - Vlad perguntou, por fim.

– Nada nesse mundo terreno é imutável, meu senhor. Mas necessariamente precisamos arcar com as consequências de nossos atos.

Vlad assentiu com a cabeça e ofereceu a única gota de sangue para Thomas, que a aceitou como se ela viesse do próprio santo Graal. Como se fosse algo sagrado.

Os olhos de Thomas brilharam azuis por um segundo e então se tornaram pedra. A primeira brisa que passou pela janela transformou seu corpo em pó.

Duas semanas depois, Vlad se encontrou com Helena para o chá. Não precisou dizer nada para a vampira sobre Thomas, já que ela soube de tudo ao olhar para ele. Apesar do susto inicial, Helena logo aceitou seu erro de julgamento e pediu para que Vlad se sentasse. A menina bebericava alegremente sua taça de sangue, enquanto dizia:

– Assim como o sangue dos vivos alimenta os mortos, parece-me que o sangue daquele que vive após a morte é capaz de trazer vida. Mas como pode uma alma morta voltar a viver, a menos que a alma esteja ainda viva? Como foi poderoso o rei...

Quando Vlad estava se despedindo, Helena comentou:

– Fico feliz que tenha encontrado um lar, majestade.

E Vlad apenas sorriu. Afinal, por mais que estivesse sempre nevando, havia um lugar junto ao fogo em sua alma. E em algum lugar, mesmo que ele não soubesse onde ou como chegar lá, as pessoas estavam felizes, a cantar, e isso era o suficiente. Depois de tantos anos, isso era mais que o suficiente.

Ok
Just a little pin prick
There'll be no more
Ah!
But you might feel a little sick
Can you stand up?
I do belive it's working, good
That'll keep you going, through the show
Come on it's time to go.

There is no pain you are receding
A distant ship's smoke on the horizon
You are only coming through in waves
Your lips move, but I can't hear what you're saying
When I was a child
I caught a fleeting glimpse
Out of the corner of my eye
I turned to look but it was gone
I cannot put my finger on it now
The child is grown
The dream is gone
And I have become
Comfortably numb


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Notas finais do capítulo

R&R

Estou com vampiros na mente. Assisti "Dracula untold" (Dracula: a história nunca contada) e "only lovers left alive" (amantes eternos) esses dias. E confesso ter uma estranha fascinação por ambos os filmes. No caso de Drácula, eu confesso q n estava esperando muito do filme, mas fui ver mesmo assim. E gostei muito, apesar de achar o roteiro fraco e a personalidade do Luke Evans no filme repetitiva (sério, eu pisquei e n era mais O Hobbit). Mas existe uma certa harmonia na filmagem que me cativou. Agora, Only lovers left alive ganhou meu coração: é simples, elegante, sem grandes pretensões e tem O Tom Hiddleston (issomermo, O TOM HIDDLESTON) como personagem principal. Eu quase cai do sofá quando comecei a assistir e percebi que o filme é de 2013. Só eu não conhecia? Caso alguém não conheça, acho sim que vale a pena. A história em si é razoavelmente simples, sem grandes acontecimentos eas complexidades foram exploradas de forma suave. O filme tem a cadencia de o que teria, na minha opinião, uma fanfiction perfeita: contada com o tempo que ela merece.



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