Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 57
Capítulo 57. In Constância - parte i: Vlad


Notas iniciais do capítulo

Merry Christmas!!!!!

Música de hoje: Birds and boats, Gregory and the hawk.



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If you be my star
I'll be your sky
You can hide underneath me and come out at night
When i turn jet black and you show off your light
I live to let you shine
I live to let you shine

But you can skyrocket away from me
And never come back if you find another galaxy
Far from here with more room to fly
Just leave me your stardust to remember you by

If you be my boat
I'll be your sea
A depth of pure blue just to probe curiosity
Ebbing and flowing and pushed by a breeze
I live to make you free
I live to make you free

Dia 1

Pela primeira vez em muitos anos, Vlad acordou não por causa de seus pesadelos, não por causa dos primeiros raios da manhã lhe incomodando, mas com batidas em sua porta. E seu primeiro pensamento da manhã não foi em como ele tinha conseguido ter a primeira noite realmente tranquila em anos (séculos), mas em que curioso era morar em um lugar tão pequeno que da cama ele podia ouvir as batidas na porta da frente!

Saiu da cama, contando os passos para cruzar o quarto (oito) e a sala (doze), para finalmente chegar até a porta e atendê-la, apenas para encontrar uma pilha de móveis esperando para serem entregues no apartamento da frente (o dele). Felizmente, Mihaella veio ao seu socorro, ordenando os trabalhadores de forma que me menos de surpreendentes 30 minutos os móveis estivessem de seu (da Mihaella) agrado e, principalmente, dentro do apartamento.

E só depois daquela bagunça toda, a moça se lembrou que Vlad estava ali e que ela ainda não havia falado com ele.

– Bom dia, eu estou... – Mihaella começou a falar, mas parou ao erguer os olhos e focá-los em Vlad.

– Você está? Mihaella? – Vlad perguntou, espremendo os olhos ao procurar em suas feições algo que lhe indicasse porque ela parou no meio da frase.

– Eu nunca, em quase seiscentos anos de vida, vi alguém tão descabelado! – Ela murmurou, indicando com as mãos sua própria cabeça, ironicamente com os fios imaculadamente presos por uma fivela, mesmo depois de tanta confusão tão cedo.

Vlad levou suas mãos aos cabelos, tentando arrumar alguma coisa, apenas armando mais os fios.

– Incrível, parece que vai se expandir ao infinito! – Ela murmurou de novo. – Pare, pare! Está piorando! Céus! Se não quer mesmo cortar, acho que vou precisar trazer alguns cremes!

“Cremes?” – Pensou Vlad, tentando fazer sentido daquela situação toda ainda não tendo realmente acordado.

– De qualquer forma. – Continuou Mihaella. – Eu estou saindo para trabalhar. Antes de se mudar, deixei algumas coisas básicas na sua geladeira e tem alguns folders de restaurantes em cima da mesa, que entregam caso prefira. Talvez você queira rearranjar alguma coisa que esses desajeitados não conseguiram arrumar. Ah! E precisamos comprar cortinas. Eu volto antes das oito, então podemos jantar juntos se quiser.

– Cortinas... Espera! É você quem vai fazer o jantar? – Vlad perguntou, ainda passando as mãos pelo cabelo.

Mihaella apenas ficou olhando para ele. Depois de alguns segundos, ela simplesmente aproximou-se dele, deu um beijo em sua bochecha e disse que tinha que trabalhar.

E assim Vlad se viu pegando sua mala e cruzando o hall até estar sozinho em seu novo apartamento, às oito da manhã, pensando em o que ele deveria fazer primeiro.

(No final, voltou a dormir, acordou às onze, comeu uma tigela de cereais com leite e ficou até a hora em que Mihaella chegou alternando entre assistir televisão e cochilar no sofá. E se Mihaella deixou uma mala atrás de sua porta quando o chamou para dividir uma pizza que havia pedido, ninguém comentou nada naquele dia).

Dia 2

– Quantos anos você tem? - Vlad perguntou para uma Mihaella que estava muito concentrada (só que não) fazendo chá.

– Nasci em 1476, faça as contas.

Dia 3

– Sente falta de seu violino? - Mihaella perguntou, enquanto trocava a ordem da louça de Vlad no armário.

– Sim. Mas não sei se Sir Hellsing está disposta a abrir mão dele. - Vlad respondeu, sentado em sua cadeira.

– Se ela te deu ele não é seu? Bom, vou ver o que posso fazer. Talvez deva visita-la no fim de semana.

– Estarei rezando por sua alma mortal. Aliás, por que está trocando todos os meus copos de lugar? Eu gosto do lugar onde eu os pus!

Mihaella ignorou completamente o fato de Vlad ter feito uma piada e mudado de assunto apenas para não enfrentar seus sentimentos em relação à Integra. No lugar disso, colocou todos os copos onde antes estavam os pratos e todos os pratos no balcão, fora do armário. Seria um bom exercício para Vlad colocá-los de volta no lugar.

Dia 5

Vlad-san. Tem certeza de que é uma boa ideia? - Celas perguntou, enquanto ajudava Vlad a vestir seu casaco.

– É a melhor ideia que eu tive durante o ano todo, Celas. Eu fiquei dias preso no hospital e dias preso neste apartamento. Que mal pode haver em dar uma volta?

– O mal que eu vejo é que você mal consegue dar uma volta no apartamento sem ficar ofegante. E sinceramente? Este apartamento é minúsculo! Como será quando chegar até a rua? E depois?

– E é exatamente por isso que está me acompanhando, Celas. Porque quando eu me cansar, poderá me fazer companhia até estarmos prontos para voltar. Sim?

– Não devíamos esperar por Ella?

– Ela precisa trabalhar. E depois não vamos fazer nada demais, só uma volta no parque. É exercício, é leve, é bom para mim. Agora vamos logo! - Disse Vlad, abrindo a porta e saindo.

Celas sorriu. Havia uma vontade em sair de casa, uma certa alegria em estar vivo no olhar de Vlad que Celas não se lembrava de ter visto antes. Vlad queria sair para dar uma volta, queria respirar ares diferentes do de sua casa, queria alguma coisa. Uma coisa simples, é verdade. Mas alguma coisa. E Celas estava feliz em acompanhar um Vlad já ofegante pela rua.

Dia 7

Mihaella bateu na porta do apartamento de Vlad. Quando ele a abriu, sem entrar ou dizer nada, ela lhe entregou seu violino, mais roupas e um bilhete. Cruzou o corredor e entrou em seu próprio apartamento deixando um Vlad abobalhado para trás.

Vlad entrou em seu apartamento, fechou a porta e colocou suas coisas no chão. Depois de olhar para o bilhete por alguns minutos, decidiu que seria melhor lê-lo sentado no sofá e assim o fez.

O bilhete dizia:

"Quarta-feira às 5h da manhã. Eu sei que estará acordado. A magrela me deu seu endereço. Não se esqueça de preparar café.

ps: acho que a diaba está engordando."

Vlad saiu correndo porta a fora para perguntar a Mihaella o que tinha acontecido na mansão e tantas outras coisas, mas deu de cara com uma porta trancada por uma Mihaella no banho. Quando finalmente conseguiu falar com ela, a moça simplesmente sorriu e nada revelou.

Dia 9

Vlad passava os canais de sua televisão sem encontrar nada que lhe cativasse o interesse. Uma busca pela internet também não se revelou interessante.

Vlad desligou a televisão e acabou passando o dia deitado em seu sofá, olhando para o teto.

Dia 10

– Eu achei que estava melhorando... Seguindo com a minha vida. Achei que estava dedicando tanto do meu tempo e de minha atenção para Integra que não tinha tempo para descobrir o que queria. Mas agora que não a tenho mais por perto para focar, acho que não sei o que fazer.

–Ninguém disse que ia ser fácil, meu jovem. Mas creio que estas respostas virão com o tempo. Vai encontrar algo que lhe chame atenção. Agora, diga-me... Qual é a da magrela?

– Se por magrela está se referindo a Mihaella, aparentemente ela faz parte da minha família.

O velho Johann levou sua xícara de café aos lábios, continuando com sua pergunta:

– Descendente?

– Na verdade não estou certo.

– Não está certo?

– Ela nasceu em 1476. Eu já estava morto neste ano.

O velho Johann levou um susto tão grande com aquela frase que se engasgou com café, espirrando o líquido negro e quente por toda a sala de Vlad.

Dia 16

– Amanhã cedo você tem outra consulta com o seu psicólogo, não é? - Mihaella perguntou, sentando-se ao lado de Vlad no sofá.

– Sim. - Vlad respondeu, inclinando-se para frente e apoiando os antebraços em seus joelhos ossudos.

– Algum problema? - Mihaella perguntou, claramente preocupada com a reação dele.

– Semana passada ele me perguntou se você era minha descendente. Não soube o que responder.

Mihaella pousou a mão direita sobre o ombro de Vlad. Ficaram em silêncio por alguns minutos, quando a moça resolveu falar:

– Eu pensei que estivesse se lembrando.

– Não. Eu não me lembro. Eu sei que está lá, como um sonho que já se sonhou antes. Mas eu não sei o que é.

– Quer que eu te conte?

Vlad concordou com a cabeça, sem levantar o olhar.

– Você morreu em 1459.

Mihaella disse com certa apreensão, como se não soubesse como Vlad iria reagir àquilo. Vlad apenas murmurou:

– Aos 28. Executado por Radu.

Mihaella assentiu com a cabeça, e continuou a falar:

– 2 meses após a sua execução, você voltou para reclamar o trono. O massacre foi tão violento que ninguém ousou se levantar contra você até sua suposta morte em 1493.

– Mas eu não morri, pois já estava morto.

– Você já devia ter mais de 60 anos, mas ainda aparentava 28. As pessoas começaram a suspeitar. Sua familia foi o alvo principal.

Vlad pensou sobre aquilo por alguns segundos. Quando voltou a falar, sua voz estava tão baixa que se Mihaella não estivesse ao seu lado, não teria ouvido:

– Acho difícil acreditar que ele se importaria com sua família.

– Ele?

– Alucard.

– Vlad... Eu já disse que não sei o que é um Alucard.

– Alucard foi o nome que ele... Que eu assumi depois de morto. É o nome do monstro que me tornei.

– Você não se tornou um monstro Vlad. Você só viveu demais, carregando angústias que não deveriam ser suas.

Vlad deu um sorriso sem humor. Mihaella achou que aquele assunto específico podia ficar para outro dia. Voltou a sua narrativa.

– Quando você reclamou o trono, assumiu o título de Vlad III. E foi por este nome que eu o conheci e por este nome que o chamei até que nossos caminhos se separaram, em 1720. Se assim desejar, aceito me referir ao você após sua morte e até nossa separação por Vlad III e o você que Integra conheceu enquanto vampiro como Alucard.

E assim, um Vlad que nunca foi nada além de Vlad se tornou três pessoas. A figura conhecida como conde Drácula descartada porque não havia quem tivesse convivido com ele e ainda estivesse vivo.

– Então, após reclamar o trono...

– Vlad III se casou com uma jovem chamada Illona. Illona era muito bonita. Illona era jovem. Illona desejava viver um conto de fadas. Mas Illona se casou com um homem assombrado pelos horrores da morte e pelo eco dos horrores aprisionados nas almas do sangue que sugava para se manter vivo. Então a jovem rainha buscou conforto, romance e aventura nos braços de outros homens. E de um outro homem, ela engravidou de seu primeiro filho.

Vlad olhou para Mihaella pela primeira vez desde que começaram a conversar e a moça sentiu necessidade de continuar:

– Vlad III a tratava relativamente bem, mas Illona desejava paixão. E Vlad III desejava mais seu sangue que sua carne, mas ocasionalmente ainda cumpria suas... Obrigações de marido. Illona achou que um herdeiro passaria despercebido e que ela podia saciar seus vícios nos braços de outros homens sem preocupação. Ela não sabia que o que está morto, não pode gerar a vida. Nunca soube realmente o que aconteceu quando ele descobriu, mas sei que depois daquilo Vlad III nunca mais tocou no corpo de Illona.

Vlad fechou os olhos, lembrando-se de uma figura de cabelos vermelhos muito cacheados, seminua e atirada a seus pés, suplicando por perdão. Talvez esta memória seja uma melhor mantida esquecida.

– O que aconteceu com a criança? - Vlad perguntou.

– Nasceu homem e foi tido como herdeiro do trono. Vlad III não foi um pai muito presente, mas nunca maltratou as crianças de propósito. Ele as aceitou, uma a uma, enquanto Illona as pariu. Aceitou com a frieza e a cordialidade da época. Até que Illona deu à luz a uma criança albina. Esta criança de pele pálida e olhos vermelhos não podia ser tida como filha dele. A vinda de um suposto anti-cristo podia causar a destruição de uma família disfuncional, mas uma família.

– Uma criança que parecia um coelho... Você? Você é minha filha?

– Bom... Não. Na verdade, eu não sei quem é meu pai. O que não vem ao caso. O caso é que Vlad III estava decidido a matar a filha albina. Matar a mim. E ai, resolveu que não ia mais matá-la. Na mesma manhã em que estava disposto a sacrificar uma criança para salvar uma família, resolveu que se necessário fosse sacrificaria um reino para salvar uma criança. Eu fui a única criança que Vlad III aceitou em sua presença. Mas eu era uma criança frágil, com problemas tanto pela minha condição genética quanto por outras características físicas. E aos 6 anos de idade fiquei muito doente.

– O que Vlad III fez?

– Vlad III recolheu a vida de mil inocentes e me deu. É dessa força vital que me alimento até os dias de hoje.

– Mil inocentes?

– Crianças, de recém nascidos até um ano de idade. Alguns arrancados de dentro da barriga de suas mães. Crianças quase sem memória, cujas angústias, sonhos e vícios não interfeririam na minha sanidade.

Vlad levou as mãos à boca, não conseguindo disfarçar o choque ou as lágrimas que teimaram em sair de seus olhos.

– Como você pode me perdoar? Como você... Como você sobreviveu?

Mihaella respirou fundo. Ficou muitos minutos em silêncio, quando uma lágrima fujona resolveu que seus olhos não eram mais um local adequado e resolveu cair. Mihaella achou melhor então tirar as lentes de contato verde, revelando seus olhos vermelhos para outra pessoa pela primeira vez em muitos anos. Depois de uma eternidade tentando encontrar as palavras certas, ela continuou:

– Ainda criança, eu não entendia o que essa ação havia significado. Eu apenas sentia o terror e o medo que as crianças e as mãe sentiram durante o ataque. Nada mais. Com o passar dos anos, entendi que estava viva as custas de centenas de outras vidas. Eu me mutilei, tentei me matar, mas foi em vão. Meu corpo tem força para se recuperar das agressões e eu nunca sofri nada sério o suficiente para uma morte súbita. Com os séculos, compreendi que se a vida daquelas pessoas era o que me mantinha viva, eu tinha que fazer com que estas vidas valessem a pena. Eu tinha que garantir que elas vivessem pelos meus olhos aquilo que jamais viveriam por conta própria. Eu me casei. Tive filhos. Deixei herdeiros para o trono que assumiram o nome Basarab de sua mãe e não o Dracul de seu pai. Herdeiros que governaram por mais dois séculos antes de serem dizimados.

Mihaella respirou fundo e Vlad achou que ela tinha terminado seu conto.

– Você viveu uma vida normal então? - Vlad perguntou, quase que com esperança nas voz.

– Até certo ponto. Eu parei de envelhecer com a aparência de 20 anos. Com o tempo, as mesmas suspeitas que levaram Vlad III a forjar sua morte fizeram com que eu tivesse que fazer o mesmo. Abandonei minha família e fui encontrá-lo na França. Naquela época, uma mulher não podia andar desacompanhada. Acabei assumindo o papel de sua esposa para os olhos mais curiosos e com o tempo isso se tornou verdade. Vivemos juntos por mais de 200 anos, viajando pela Europa, quando nos separamos. Eu constitui família mais uma vez e você se perdeu pela noite. Acompanhei remotamente seus caminhos, até Van Hellsing capturar o conde Drácula e criar a organização Hellsing. Achei que tivesse morrido durante a segunda Guerra Mundial e desde então não tive mais notícias. Até vê-lo na televisão. E é essa a história.

–Está me dizendo que passou 200 anos como esposa de um homem que lhe criou como filha? Isso é doentio... Da parte dele, quero dizer.

– Não sei porque. Eu já tinha mais de 60 anos quando nos tocamos pela primeira vez e antes disso Vlad III jamais sequer tocou minha mão. Eu cresci admirando um homem que era sim mais velho que eu, mas essa diferença se tornou mínima com o passar das décadas. E se ele era um vampiro eu também tinha um toque de imortalidade.

Vlad levou as mãos aos cabelos, jogando a cabeça para trás no sofá.

– Vlad?

– Eu estou enjoado. - Ele murmurou.

Mihaella decidiu que já era o suficiente e deixou Vlad sozinho aquela noite.

Dia 17

Às quatro da manhã Mihaella acordou com Vlad a sua porta:

– Se você pode perdoar e amar um monstro, creio que só posso agradecer por tê-la na minha vida.

E com esses dizeres Vlad foi se preparar para receber o velho Johann, que chegaria em uma hora para a sessão dos dois.

Dia 20

Vlad sentou-se no sofá ao lado de Mihaella, trazendo consigo uma bacia cheia de pipoca. Durante o filme que assistiam, perguntou, sem tirar os olhos da televisão:

– O que aconteceu com Illona?

– Morreu de sífilis. - Mihaella respondeu, enfiando um punhado gigante de pipoca na boca.

Dia 24

– Estive pensando... Você me disse que morreu aos 28? - Johann murmurou, enquanto tentava encontrar a combinação de teclas que destravaria seu celular.

– Sim. - Respondeu Vlad, enquanto terminava de tirar a poeira da estante.

– Mas guardou a imagem que tinha de você aos 25.

– Isso.

–AHA!

Vlad parou sua "pseudo-faxina" e olhou para o velho, contente como uma criança.

– Isso quer dizer alguma coisa?

– Quer dizer que eu consegui destravar meu celular! Agora é só descobrir como faço para ouvir a caixa de mensagens...

Vlad estendeu a mão para o velho, pedindo o aparelho para que ele pudesse ajudá-lo. Vlad viveu numa época em que um banheiro moderno seria uma maravilha tecnológica que muito se assemelharia a um milagre. Mas Alucard acompanhou as mudanças vindas com os séculos e Vlad, bem ou mal, acompanhou aquilo tudo como que em um sonho distante.Isto resultou em um Vlad que apesar de não sentir a total necessidade e ocasionalmente se assustar com o poder que as novas tecnologias ofereciam, estava confortável em utilizá-las, mesmo que com pouca naturalidade e muitas explicações de Celas e Integra em muitas das tardes que passou na mansão.

Conseguindo colocar nas mensagens (Johann não se deu ao trabalho de mudar a senha padrão 1234) Vlad devolveu o aparelho para o psicólogo, que após ouvir a notar uma receita inteira de pães de batata voltou ao assunto:

– Então. 25. Por que?

Vlad resolveu que não havia necessidade de limpar o apartamento inteiro às 5h15 da manhã e sentou-se em sua poltrona, para focar no que estava sendo dito:

– Ele me disse que foi porque foi o último sentimento humano que tive.

–Ele? Bom... Você se lembra que sentimento foi esse?

Vlad fechou os olhos. Buscando em suas melmórias, a última coisa que ele se lembrava era de uma manhã fria de inverno, logo após ele ter retomado o castelo de seu irmão, anos antes do ataque que lhe tirou a vida. Sua mãe havia saído de seu quarto (era prisioneira no castelo, constantemente vigiada, mas era sua mãe afinal) e estava olhando pela janela. Vlad sentou-se na poltrona em frente ao fogo, permitindo-se apreciar aquele momento como se fosse um outro. Um momento normal.

Alguns minutos de silêncio e sentiu os dedos de sua mãe acariciando seus cabelos. O gesto foi tão inexperado que não conseguiu reagir, apenas abriu os olhos, espantado. Sua mãe murmurou "Estou tão feliz que tenha finalmente assumido seu lugar como senhor do reino..." E Vlad fechou novamente os olhos. Sua mãe estava feliz por ele? Ela nunca havia lhe demonstrado nenhum sinal de afeto, não importava o quanto suplicasse... Ele estava tão feliz. Seu peito explodia pela alegria de receber o carinho que almejou por toda sua vida. E então sua mãe continuou: "finalmente está cumprindo seu destino, Radu".

– Eu senti a alegria de pela primeira vez me sentir amado por minha mãe. - Vlad respondeu.

Quando ergueu os olhos, viu um sorriso no rosto de Johann. Ele sabia que o sorriso não duraria após concluir a frase, mas era necessário.

– E então descobri que ela achava que eu era outra pessoa.

E como previsto, o sorriso no rosto do velho psicólogo caiu.

Depois de alguns segundos em silêncio, o velho resolveu falar:

– Você considera esta uma memória que vale a pena manter?

– Acho que sim. Foi um momento intenso. Digo, antes de perceber que minha mãe não sbia quem eu era, teria sido uma das melhores lembranças da minha vida.

– Hum... Você acha que poderia ter escolhido a exata sensação que gostaria de manter?

– Acho que sim, por quê?

–Digo, se quisesse, podia não se lembrar da decepção?

– Sim. - Vlad parecia extremamente interessante com o rumo da conversa.

– Interessante. No fundo, você já sabia que a dor faz parte da vida. Já sabia que precisaria daquilo um dia.

Vlad assentiu com a cabeça, finalmente encontrando um sinal de sabedoria no ser que se tornou quando morreu.

Dia 29

Vlad chegou em seu apartamento cheio de sacolas. Receberia Mihaella e Celas para o jantar no dia seguinte e estava atarefado: tinha que arrumar o apartamento, tinha que pensar no que serviria para a moça e tinha que conservar o sangue para a vampira. Bom, arrumar o apartamento era melhor ele começar ainda naquele dia.

Dia 30

Vlad estava cochilando no sofá, mas acordou o suficiente para ouvir uma parte da conversa das moças, jogando damas.

– Ele era um negociante então? - Celas perguntou.

– No fim, era isso o que ele era. A única coisa que ele fez foi decidir para quem a balança da vida penderia, tirando a vida de um e entregando-a a outro.

– Mas para você ele deu um presente lindo. A possibilidade de uma vida normal. Sem mortes, sem horrores. Sem os medos e sonhos daqueles de quem se alimenta. Mas para mim...

– Seu dom não é tão ruim, Celas. - Ouviu Mihaella comentando. - Para você ele deu uma escolha. Você pode escolher entre viver ou morrer. A você ele deu o poder de transformá-lo, agora que apenas seu lado humano existe. Ele te deu a oportunidade de tornar eternos aqueles a quem ama.

– Ella... Fala como se o seu dom não fosse fantástico. Pode comer, ter filhos...

– E vê-los morrer com o tempo. A mim ele tornou uma companhia livre e por tempo limitado. A ti ele tornou um ser com escolhas, mas presa a ele pela servidão de mestre e vampiro.Não sei o que se passou pela cabeça dele quando a criou, mas certamente suas necessidades eram diferentes.

Vlad fechou os olhos, não se dando ao trabalho de assimilar a conversa ouvida.

Dia 31

Johann chegou naquela manhã carregando pães de batata. Ele e Vlad conversaram por quase duas horas sobre assuntos diversos. Vlad revelou seu amor por cavalos e Johann perguntou se ele ainda montava. Naquela tarde, Vlad conversou com Mihaella sobre a opnião dela em ele comprar um cavalo e voltar a cavalgar. A moça gostou da ideia. Mencionou alguma coisa sobre ter algumas economias e que suas crianças gostariam de passear em um pônei. Vlad não entendeu bem nada do que ela disse, mas sabia que se a moça queria um cavalo ela não precisaria pagar por ele. Não com a fortuna que Vlad tinha.

Dia 35

Baron entrou em contato com Vlad aquela tarde, perguntando se podia passar no apartamento depois do expediente. Parecia um assunto importante. Vlad aceitou que ele viesse. Se durante a noite conversaram dez minutos sobre vampiros e quase uma hora sobre mulheres (especialmente Celas, o que na verdade configurava em falar sobre vampiros), tudo bem. É o que homens fazem... Só que não. Às 21h30 pediram pizza. às 21h50 Mihaella juntou-se aos dois e o assunto virou cinema moderno.

Dia 40

Vlad levou Mihaella até um terreno gigantesco, fora da cidade. Quando Mihaella perguntou do que se tratava, o rapaz lhe disse que ali funcionava um haras e que o havia comprado. Teria cavalos dele e aulas de equitação e hipismo. E cuidaria de cavalos de outras pessoas também. Mihaella secou uma lágrima e sorriu.

Dia 55

Mihaella chegou em casa para encontrar uma foto em cima de sua mesa. Na foto, havia quatro ponêis (um branco, um preto e dois malhados) e um cavalo de pelo amarelado. No verso estava escrito "para você e suas crianças. Espero que seja o suficiente". Mihaella ficou tão feliz que atravessou o corredor correndo e bateu na porta de Vlad. Quando o conde finalmente a abriu foi para encontrar a moça romena em seus braços e os lábios dela grudados nos seus. No susto de ser beijado, mal soube como reagir. Mihaella agradeceu mais uma vez e voltou para seu apartamento, com a foto junto ao peito. Ninguém nunca fez sequer um comentário sobre aquele momento.

Dia 56

Vlad se viu mais uma vez sentado em frente à rainha. Negociar um cavalo não deveria envolver tanto chá ou tantos palpites da velha monarca quanto ao estado de seu casamento falido.

– Pensei que a amasse. - Comentou a rainha, bebericando seu chá sem açúcar.

– Nem só de amor se faz uma relação Milady. Mas também de maturidade e segurança. Eu não estou pronto para me doar para alguém e acredito que Sir Hellsing também não. Estou criando propósito, tentando sonhar e realizar sonhos. É por isso que desejo o cavalo. Creio que será uma boa aquisição para o haras.

Vlad respirou fundo, torcendo para que sua tática funcionasse: revelar o suficiente de sua vida pessoal e estado emocional para que a rainha não sentisse necessidade de perguntar novamente e voltar ao assunto que desejava discutir.

– É um cavalo difícil de ser domado. De raça e porte, eu concordo, mas não sei se uma aquisição tão importante.

Deu certo, com aquilo Vlad sabia lidar:

– Então concorda comigo que não é um espécime que a interesse em seus estábulos, Milady? Eu posso domá-lo. Adoraria tê-lo em meus estábulos.

– Aquela moça... Ella Basarab... Eu a vi nos jornais quando o conde saiu do hospital.

Pois é, não deu certo.

– Ela é da linhagem real? Descendente direta dos Dracul?

–Sim. - Vlad confirmou. Aquilo não deixava de ser verdade, afinal.

– E sua parente. O que você é conde? De verdade?

– Eu sou o filho do dragão.

Vlad respondeu tão rápido que só depois de muitas horas ele se daria conta do peso de suas palavras. De como aquela era a prova definitiva de quem ele aceitava sua herança, as escolhas de sua família e seu destino. De que ele estava pronto para decidir o que faria de agora em diante, sem jamais esquecer de suas origens, mas não mais acorrentado por elas.

A rainha sorriu.

– Então você é mesmo um duque.

E com alguns papéis, assinatura e um murmúrio de "nada lhe custará. Considere como seu presente de casamento" Vlad finalmente era o dono de um cavalo negro, teimoso e difícil de domar.

Dia 62

Vlad chegou em casa exausto. Noir, seu cavalo negro, assim batizado pela rainha, era realmente um cavalo difícil, mas entre ele e os empregados que havia contratado para ajudar com os cavalos, Vlad estava conseguindo aos poucos se entender com ele. Não queria domá-lo, não queria que o cavalo perdesse sua personalidade, mas queria que o animal confiasse nele. Enquanto os funcionarios cuidavam dos outros animais, Vlad ficava quase que apenas com o animal. Havia conseguido montar nele hoje e pela primeira vez de fato galopar sem ser derrubado. Estava cansado, mas muito feliz.

Sem se dar ao trabalho de trancar a porta, deitou-se em seu sofá e lá mesmo dormiria se não fosse pelas batidas em sua porta. Sem nem ao menos erguer a cabeça, pediu para que a pessoa entrasse.

Mihaella o fez, com o celular preso entre o ombro direito e seu rosto:

– Estou pedindo comida chinesa. Quer alguma coisa?

– O que você for pedir. - Vlad murmurou. Realmente estava cansado demais para ter que decidir inda o que ia comer.

Depois que Mihaella desligou o celular, a moça se aproximou da cabeça de Vlad que descansava sobre braço do sofá. Quase que naturalmente, passou os dedos pelos cabelos de Vlad. O rapaz apenas murmurou sua apreciação.

– Deve estar realmente cansado, se não encontra em si forças para repelir meu toque.

– Hum... é só cabelo...

– Mas nós dois sabemos que não é só cabelo... Sabe Vlad, reconstituir seu corpo pode ter sido um dos primeiros truques aprendidos por Vlad III, mas modificá-lo foi algo que demorou pelo menos um século. Eu conheço as cicatrizes em sua cabeça. Sei que foram feitas por um escudo cortado. Sei que são severas. Mas também sei que as pessoas não olharão para elas duas vezes neste século, mesmo com seu cabelo curto.

Vlad acabou acordando um pouco com aquela afirmação. Se desviando do toque suave de Mihaella, sentou-se no sofá. Respirou fundo e começou a falar:

–Não são as cicatrizes. São o que elas significam.

– E o que elas significam, Vlad?

– Elas são a prova de que não pude salvar meu pai. São marcas recebidas pela culpa de saber antes que deveria ter morrido naquele dia, hoje de saber que meu pai odiou meu irmão toda sua vida por acreditar que ele carregava uma maldição que era minha. Saber que meu irmão me odiou por eu ter vivido uma vida que deveria ser dele. São marcas das quais não me orgulho, que trazem lembranças melhor esquecidas.

Mihaella pensou naquilo por alguns minutos. Resolveu pegar um cacho fujão dos cabelos de Vlad com as pontas dos dedos.

– Mas são lembranças que você mantém com você, com ou sem as cicatrizes. Não são? Eu vivi contigo por quase três séculos. Eu sei que você jamais vai esquecer.

– Não me entenda mal, Iepuroaică. Eu já me conformei com meu passado. Sou grato por ter recebido uma nova chance. É só que...

– Vlad. Apenas você e eu sabemos o que estas cicatrizes significam. E nós sabemos disso com ou sem elas a mostra. Deixe-me cortar seus cabelos. Você precisa desta prova de que está deixando seu passado onde ele deve estar. No passado.

Vlad assentiu com a cabeça. Mihaella sorriu. Depois, muito depois de a comida ter chegado e eles terem jantado, Mihaella pediu para que Vlad lavasse os cabelos e, mecha a mecha, ela os cortou.

Apenas na manhã seguinte, olhando para o espelho, Vlad percebeu o quanto estava mais leve. Quão mais jovem ele se sentia.

E ninguém pode culpar um homem por se apaixonar por seu próprio nariz, valorizado pelo corte de cabelo, nunca antes tão curto. Pode?

Dia 65

Ouvindo suas mensagens de voz, Vlad acabou se deparando com a voz de Integra, há dois meses não ouvida. Ela queria conversar com ele. Vlad respirou fundo. Depois de quase uma hora sentado no sofá, decidiu que não adiantava ficar sentindo pena se si mesmo e resolveu que era melhor ir até o haras. Passar um tempo com os cavalos, coversar com Noir (por mais que o animal não respondesse ou desse sinais de que se importava, Vlad achava o ato reconfortante e conversar com o cavalo estava se tornando um hábito) e dar uma volta com os pôneis. Mihaella, que tinha acabado por revelar que era professora voluntária em uma escola para crianças especiais (um orfanato, na verdade, que abrigava crianças em sua maioria mental ou fisicamente debilitadas), desejava levá-las para conhecer os pôneis e se possível deixá-las montar. Vlad queria se assegurar de que os pôneis estavam treinados o suficiente para isso.

Dia 66

Vlad passou o dia com os pôneis e fazendo contas e planejamentos sobre se era melhor comprar o orfanato em que Mihaella trabalhava ou se era melhor ser apenas uma espécie de patrocinador. Quando chegou em casa, não se lembrou de retornar a ligação de Integra.

Dia 67

Vlad estava ajudando uma criança a montar no pônei branco (Joy, como uma criança a batizou. O outro pônei negro recebeu o nome de Wisdom, a fêmea malhada de Hope. O macho malhado foi batizado como Rocambole. O fato de as crianças terem concordado em nomes de sentimentos tão poderosos para três dos pôneis e ter dado o nome de um doce para o quarto era motivo de infinito divertimento para o conde) quando seu celular apitou indicando uma nova mensagem de texto.

Quando um dos funcionários pegou as rédeas e levou o pônei para a trilha a ser percorrida, Vlad finalmente leu a mensagem. Era Integra, perguntando quando eles poderiam se encontrar.

Vlad respondeu a mensagem com o dia, horário e endereço. A encontraria na semana seguinte, no próprio haras.

Dia 68

Vlad não conseguiu dormir naquela noite. No haras, sorriu para as moças que vieram treinar com seus cavalos e garantiu para um nobre qualquer que seu cavalo estaria sob bons cuidados e lhe explicou o programa de treinamento do animal. Naquele dia não montou e não conversou com Noir. Naquela noite, mal soube como responder aos comentários entusiasmados de Mihaella, que tagarelava sobre como as crianças adoraram o haras e que seria bom para o desenvolvimento delas se elas pudesse retornar.

Vlad apenas murmurou que tanto Canela (a égua de pelo amarelo da foto) e que os pôneis eram de Mihaella para que ela pudesse decidir quem os montaria e quando. Mihaella deve ter percebido que a cabeça de Vlad estava em outro lugar e nada mais comentou.

Dia 70

Vlad bebeu meia garrafa de whisky aquela noite. Bêbado, finalmente conseguiu dormir. Seus sonhos foraam confusos. Acordou com muita dor de cabeça e preferiu não sair de seu apartamento naquele dia. Mal conseguiu dormir naquela noite.

Dia 71

As crianças estavam no haras naquela tarde, mas a cabeça de Vlad estava em outro lugar. Em algumas horas encontraria Integra pela primeira vez em mais de dois meses e não sabia como reagir.

O rapaz, sentado em um banco, olhando os jovens nobres correndo com os cavalos na pista de hipismo, respirou fundo e mais uma vez se perdeu em seus pensamentos. Integra estava vindo e ele não sabia o que pensar, o que sentir ou o que faria quando ela estivesse a sua frente.

But you can set sail to the west if you want to
And past the horizon till i can't even see you
Far from here where the beaches are wide
Just leave me your wake to remember you by

If you be my star
I'll be your sky
You can hide underneath me and come out at night
When i turn jet black and you show off your light
I live to let you shine
I live to let you shine

But you can skyrocket away from me
And never come back if you find another galaxy
Far from here with more room to fly
Just leave me your stardust to remember you by
Stardust to remember you by


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