Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 39
Capítulo 39. Bonança


Notas iniciais do capítulo

Estava eu aqui, pensando em o quanto o Carnaval é uma grande perda de tempo e me ocorreu que da mesma forma como "me gusta" ver uma atualização de uma fic que estou lendo quando estou em casa, outras pessoas também devem gostar (ou não né, mas fazer o que). Então, com toda a pretensão do mundo, achei que seria de bom tom atualizar Anjo, já que espero que outros autores façam o mesmo. Então aqui estou eu, escrevendo há horas para postar.
A música de hoje é "Once upon a december" e eu não tenho a mínima ideia de quem é, já que faz parte da trilha do filme Anastásia e eu não tenho o desenho pra ver nos créditos. Essa foi uma promessa que eu fiz há algum tempo e estava esperando o momento certo para colocá-la. Espero que esteja digno o suficiente. Boa leitura!



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Dancing bears, painted wings
Things I almost remember
And a song someone sings
Once upon a December

Someone holds me safe and warm
Horses prance through a silver storm
Figures dancing gracefully,
Across my memory


Quando Integra acordou, estava incomodada com um barulho repetitivo e irritante. Brigou com um raio de sol que teimava em ser refletido pela neve do parapeito da janela e atravessava a cortina, mirando exatamente seu olho azul ainda nublado e sensível de sono e depois se sentou no colchão. E o barulhinho ficou mais alto.

Quando colocou os óculos e olhou em volta, não sabia exatamente o que a deixou mais surpresa. Vlad sentado em uma poltrona com a camisa e o rosto completamente ensangüentados, parecendo um perfeito psicopata de cinema, ou o menino amarrado na cadeira a sua frente, com uma mordaça lhe cobrindo a boca e os olhos verdes arregalados olhando diretamente para Vlad, como se ele fosse ao mesmo tempo a morte e o demônio que negociaria sua alma por mais alguns minutos de vida.

Certo, Integra realmente tinha perdido alguma coisa.

– Ehr... Vlad?

– Milady?

E o menino começou a se debater mais e mais na cadeira e então Integra entendeu que aquele barulho irritante eram soluços e pequenos tremores do móvel contra o chão. Ela não culpava o menino, Vlad estava realmente assustador.

– O que exatamente você está fazendo Vlad?

– Uma escolha, Milady.

Integra começou a enfiar a mão por baixo do travesseiro, da forma mais discreta que pode, a procura de sua arma. Onde estava?

– Que tipo de escolha você está fazendo, Vlad?

Merda. A arma não estava ali? Onde estava a maldita...

– A escolha não é minha... É vossa.

E Integra teve certeza de onde estava sua arma e isso nunca lhe foi tão assustador. Ela estava na mão de Vlad, pressionada contra a testa no moleque.

– Vlad... O que você fez?

– Fui buscar...

– O que você foi buscar Vlad? – Integra já estava começando a ficar nervosa.

Vlad levou a mão ensangüentada ao bolso. No fundo da mente de Integra havia uma pequena preocupação sobre o fato de haver sangue sobre a mão previamente cortada, alguma coisa sobre doenças sexualmente transmissíveis, mas ter um assassino parado a sua frente com sua arma apontada para uma criança desesperada parecia muito mais preocupante para a parte consciente de sua mente. Ela viu algo capturar a luz e imaginou que fosse uma faca ou outra arma, mas então, ele mostrou timidamente um aparelho prateado e brilhante para Integra. Um celular. Um maldito celular.

– Vlad... Quantos você matou hoje por causa dessa porcaria de telefone?

– Ele a matou por causa dessa porcaria de telefone. Seria justo retribuir o favor.

– Ele quem... Vlad! Como você o encontrou? – E o mais importante, pra quê Vlad tinha trazido o assassino de Ileana para dentro do hotel, e como?

– Da única forma que conheço Milady, procurando.

– Você simplesmente saiu pela rua checando quem estava com o telefone da sua amiga?

– Ele fede a culpa e desespero.

E por um momento ela se lembrou de Alucard, com as narinas dilatadas e os olhos brilhando em estase por sentir o cheiro do medo emanando de suas vítimas. “Por um sangue com tons mais cítricos” ele dizia.

– Quantos você matou antes de encontrá-lo?

O silêncio de Vlad foi perturbador. Perdeu a conta?

– Vlad... Por quê?

– Para lhe dar uma escolha, Milady. Eu vou puxar o gatilho, eu vou derramar o sangue, mas a escolha será sua.

A voz grave, impassível, a lembrança da proximidade da fala... Ela se lembrava da pergunta. “Isso a excita? Mestre?”

Não responderia jamais aquela pergunta, mas o mesmo calafrio daquele dia desceu por sua espinha.

– Você o deseja, não é? Eu posso me tornar ele, se assim desejar. Eu posso servi-la. Eu posso ser e fazer o que quiser. Só deve dizer. E eu puxo o gatilho.

– E o que uma morte sem sentido vai mudar Vlad? Em que você quer se transformar?

Vlad baixou a arma, sustentou o olhar por exatos três segundos e depois desmontou sobre o próprio tronco, deixando a cabeça repousar por entre os joelhos.

– Tens razão. – Ele murmurou. – Eu não posso mais seguir o mesmo caminho, o que eu descobri, o que eu fiz...

Integra levantou-se da cama, aproximando-se de Vlad e tirando a arma de perto dele. Preferiu manter distância por enquanto.

– O que você fez, Vlad?

– Naquele dia... O que eu virei... Eu tinha superado meus medos, trancado minhas dúvidas, secado minha alma. Acho que não consigo mais... Perdoe-me...

Integra não via aquilo como fraqueza. Enfrentar seus próprios demônios era um ato de coragem, trancá-los sim era um ato covarde. Mas ela tinha problemas maiores para lidar.

– O que você fez Vlad? Quantos você matou antes de encontrá-lo? Por que esse você não matou?

Vlad pareceu perdido com a pergunta, tentando procurar a resposta em algum canto escuro de sua mente. Minutos depois murmurou:

– É engraçado de pensar... Eu não achei que houvesse vampiros aqui...

E pela primeira vez desde que acordou Integra conseguiu respirar de forma quase normal. Vampiros. Vlad havia caçado vampiros.

– Vá tomar um banho Vlad. A cerimônia fúnebre de Ileana é em poucas horas.

Integra não estava preocupada com a quantidade de sangue nas roupas de Vlad, ou com medo de contaminação: o sangue estava seco, Vlad já seria um vampiro se houvesse sangue o suficiente em contato com o seu.

Vlad apenas acenou com a cabeça e foi até o chuveiro. Enquanto Integra se ocupava de separar um terno, camisa e gravata negros para que ele vestisse, em seguida atirando as peças de roupas de volta nas malas, arrumando tudo. Não importava o que acontecesse, ela levaria Vlad de volta para Londres ainda naquele dia. Vestiu sua própria camisa e calças negras, percebendo que sua dor de garganta estava um pouco mais acentuada e que sua cabeça doía. Até ai nenhuma novidade, tendo em vista a situação pela qual acabara de passar.

O tempo de chamar um táxi e deixar as malas na frente da porta do quarto foram o suficiente para Vlad se vestir meio sem interesse. Integra arrumou a gravata dele, deixando que os cabelos ficassem desarrumados: não adiantava lutar contra as curvas que começavam a se formar.


Em silêncio Vlad a seguiu. As cinzas de Ileana seriam espalhadas em um local razoavelmente distante do hotel, e de lá seguiriam direto para o aeroporto.

A cerimônia foi bastante simples e, ao contrário do que Vlad havia pressuposto, dezenas de conhecidos de Ileana compareceram, sendo que um grupo de cinco moças conduziram de forma quase que coreografada os discursos e a liberação das cinzas. Sobre uma plantação de trigo, ao sul o bastante do continente que a neve não tinha conseguido destruir. Não tão exuberante quanto poderia ser, ainda não plenamente dourado, mas Integra era capaz de visualizar a beleza que seria na época certa, com as espigas douradas balançando ao vento.

Ao fim da cerimônia, provavelmente pensando a mesma coisa, Vlad falou (pela primeira vez desde que deixaram o hotel), segurando seu buque de rosas e ramos secos de aveia nas mãos:

– Campos de trigo são lugares belíssimos, mas sempre preferi os campos de aveia.

Aquilo chamou a atenção da Hellsing, que ergueu uma sobrancelha como que o intimando a continuar:

– Campos de aveia não são tão dourados, ou vivos, mas olhe para um ramo de aveia individualmente e para um ramo de trigo... Trigo possui pontas, quase espinhos. A aveia... É delicada, possui estes pequenos sinos e nuances... Se enxergar de longe é pálido, mas se olhar de perto... É especial...

Vlad baixou novamente os olhos, falando toda aquela teoria sem sentido por precisar expressar outras coisas mas não encontrando como. Integra pegou a mão dele na sua enluvada, fazendo pequenos círculos com o dedão, percebendo o corte da noite anterior já fechado, embora não cicatrizado. Subitamente feliz por ser um pé de aveia. Aveia, aquele diferente do trigo.

De lá seguiram para o aeroporto. A viagem foi silenciosa para ambos. Um pouco antes de pousar, no entanto, Vlad murmurou:

– No fundo, tudo isso serve para nos mostrar que não importa o quanto estejamos preparados, ou se temos ou não sonhos e vontades, alguma coisa sempre pode acontecer, pelo motivo mais idiota imaginável, então temos que aproveitar o agora.

Integra não precisou de explicações mais detalhadas para entender que ele falava da morte de Ileana, que de um jeito tão simples, ainda que trágico, estava ensinando mais uma lição: o tempo é curto, efêmero e nós somos frágeis demais para tentar enfrentá-lo. Não temos tempo para sermos o que queremos no futuro, devemos ser felizes no agora.

Horas depois, já confortavelmente acomodada em seus próprios aposentos, Integra ligou para a polícia romena, informar que seu quarto de hotel havia sido invadido. Tendo em vista que os funcionários tinham ordem para não entrarem lá tão cedo, ela tinha quase certeza que o celular de Ileana somado ao trauma recente seria mais que o suficiente para que o rapaz fosse condenado. E tinha razão.



Em seu quarto, Vlad fechou os olhos, mas não conseguiu mais dormir. Não que estivesse tentando de verdade. Desde o momento em que baixou a arma, estava pensando em sua vida, nas escolhas que fez, nas possibilidades, no que deixou para trás, em quem havia se tornado, aos poucos entendendo e aceitando que o monstro que Alucard se tornou foi algo que ele mesmo se deixou tornar, a forma como ele escolheu seguir sua vida em pequenos atos, em sentimentos negligenciados, em pessoas que partiram, em conselhos que não ouviu, em amizades que deixou morrer enquanto se fechava dentro de si, freneticamente tentando findar o terror e a guerra, criando apenas mais em virtude de sua própria obsessão e depois castigado a viver eternamente carregando seus pecados.

Vivendo morto em vida e vazio na morte.

Alucard não lhe era mais um estranho, era só a prova de sua covardia, em se fechar em seu mundo ao invés de confrontar seus demônios, se deixar viver.


E naquele momento ele chorou uma única lágrima não por quem ele foi, mas por quem ele se obrigou a tornar, porque ele imaginou como se sentiria após anos vagando vazio, carregando lacrados em seu peito todos os demônios de uma vida sem sentido: trazendo a morte para os outros para manter sua “vida” que não deseja. Desejando a própria morte, mas imortal. E ele chegou a desejar aquilo de novo, em um momento de fraqueza. Seria tão mais fácil, tão mais simples se ele pudesse deixar de se importar, se ele pudesse ser o que Integra queria que ele fosse, se ao menos Integra tivesse certeza do que queria. De qualquer forma, ele sabia que não podia.


Um dia. Integra esperou um dia inteiro por Vlad. Durante quase trinta horas Integra não viu o rapaz e não deixou que ninguém o incomodasse. Problema de Celas se ela queria fazê-lo.

E por um dia inteiro, Vlad ficou quieto em sua cama, tentando se entender com sua mente. Um tempo para pensar, encontrar sentido em sua vida. Divisão por zero.

Ele não conseguia concluir ou racionalizar, mas pensar sobre aquilo tudo parecia consertar sua mente aos poucos. No fundo, ele sentia algo se acalmar dentro dele. E estava grato, imensamente grato por ninguém tê-lo interrompido.

Ouvia os sons característicos de alguém deixando água ou comida em sua porta, mas não tinha apetite nenhum, o pensamento em sair da cama e ir até a porta jamais lhe cruzando a mente.

E por um dia inteiro ele não se importou em ficar daquela forma. Mas no dia seguinte ele percebeu que não podia continuar daquele jeito. Com vagar, saiu da cama, meio tonto por ter passado tanto tempo sem ingerir uma única caloria. Banhou-se e se vestiu, tomando cuidado em não apenas ficar apresentável, mas arrumado também. Quando estava terminando de arrumar os cabelos que teimavam em cachear naquele comprimento, ouviu duas batidas suaves na porta, atendendo-a para encontrar Integra na porta de seu quarto.

– Hum... Bom dia, pensei que ainda estaria na cama... – Integra murmurou, imaginando onde Vlad poderia estar indo.

Ele queria. Mas ele sabia que ficar ali não resolvia nada. Como ouvir música triste quando já se está triste: receita certa para depressão. Se Vlad queria viver, não tinha escolha a não ser sair da cama e começar a viver. Ficar trancado com seus próprios demônios não ia resolver. Um dia. Por um dia inteiro ele se lamentou, amaldiçoou e se permitiu o luto pela própria vida sem sentido. Mais que aquilo, seria como dar corda em um relógio cujo único bem seria o ponteiro parar de girar. Ele não precisava se afundar ainda mais em seus medos.

– Estou com fome. – Ele murmurou, já despreocupado com a etiqueta, quando percebeu que não estava com fome, mas precisava comer alguma coisa. E dormir. Mas precisava de um sono encorpado, com peso, destes que só se consegue depois de um dia em que tanto o corpo quanto a mente tiveram bom uso, não quando já se está na cama e tudo o que consegue é alguns minutos de um sono leve que se mistura com a realidade.

– Sim... O café da manhã está servido lá embaixo...

– Estou descendo.

E em poucos minutos, Vlad estava sentado a mesa, bebericando sem entusiasmo sua xícara de chá, com muito mais creme que o líquido âmbar e uma quantidade absurda de açúcar, principalmente ao se levar em consideração que o conde geralmente tomava seu chá puro e forte. Já que ia se obrigar a ingerir algo, que fosse uma fonte aceitável de calorias, já que tinha a impressão que qualquer outra coisa com mais consistência que aquilo iria chatear seu estômago, há dois dias vazio.

Integra percebeu sua dificuldade em comer, mas achou melhor não comentar. Ele estava tentando. E depois, ela tinha quase certeza que mais ia atrapalhar que ajudar.

– Estou pensando em arrumar um emprego. – Vlad murmurou de sua xícara de “chá”. Integra apenas ergueu os olhos. Emprego?

Silêncio mais uma vez. Vlad ficou alguns segundo olhando pra aquela bomba de açúcar em sua mão, antes de continuar a falar:

– Vou precisar de uma ocupação, mas não sei bem o que posso fazer.

Integra pensou em alguns segundos sobre o que Vlad poderia fazer. Ele não era burro, podia aprender uma profissão nova. Especializar-se em algo, até mesmo voltar a estudar. Por que não? E então a realização caiu sobre sua cabeça como uma bigorna em desenho animado: fazer Vlad aprender outros truques era como ensinar uma águia a andar: passe anos treinando e ela melhora, mas sempre será desengonçada. Vlad sabia voar.

– Você podia ajudar a treinar as tropas. Desde a guerra elas não são boas ou coordenadas o bastante.

Vlad encarou sua xícara por um tempo. Ele podia fazer aquilo?

– Você não precisaria ir aos campos de bata... Digo, você não precisará ir a campo, se não quiser. De qualquer forma, se for muito cedo, você pode fazer outra coisa. Dar aulas de esgrima, cavalgar profissionalmente. Mesmo com o Joseph fora, ele ainda é o favorito para competir em nome da Inglaterra. Não seria legal dar uma lição nele em seu próprio jogo?

Vlad continuou olhando para o redemoinho de leite que se criava no centro de sua xícara. Naquele exato momento ele não queria nem sair da cama. Treinar para competir não parecia uma boa ideia.

– Vlad?

– Eu acho que... Eu gostaria de voltar a tocar.

Integra ficou olhando alguns minutos para Vlad, enquanto o conde se forçava a terminar o chá, já frio. Acenou com a cabeça e voltou a se concentrar em seu café da manhã. Muito bem.

Integra não viu mais seu noivo durante o resto da manhã, dedicando-se a analisar alguns casos de ataques após uma ligação telefônica que colocou metade da Inglaterra em polvorosa. Integra queria um Stradivarius, não importava quantas cabeças tivessem que rolar por isso. Mais ou menos no horário do almoço, sua cabeça e peito pesavam tanto que ela mal conseguia manter a postura em sua cadeira. Quando estava quase caindo em cima dos próprios papéis, uma mão fria segurou sua testa, ao mesmo tempo em que uma outra enfaixada segurava seu tronco dando apoio às clavículas:

– Está com febre, Milady. – A voz de Vlad soou baixa em seus ouvidos.

Antes que ela pudesse reagir, Vlad tinha virado a cadeira e a erguido em seus braços, carregando-a do escritório até seu quarto.

– Eu posso andar Vlad! Só estava com sono! Hey” – Ela se debatia com o nariz pressionado no vão entre o pescoço e o ombro do rapaz.

– Eu sei que pode andar, só acho que não vai andar para o lugar certo se eu a colocar no chão. Milady, está doente. Um dia de descanso, é pedir demais?

E assim que disse essas palavras, Vlad a depositou gentilmente na cama. Integra se sentou no colchão, ainda claramente de mal humor. Vlad ficou ali, olhando a por inteiros cinco minutos, antes de Integra explodir:

– VAI FICAR AI ME OLHANDO? VÁ BUSCAR A PORCARIA DO REMÉDIO! OU VOCÊ ACHA QUE ISSO VAI SE RESOLVER SOZINHO?

Apesar de ter feito uma careta em virtude do volume da bronca, Vlad não se moveu muito além daquilo.

– Acho sim. Se parar para descansar um dia ou dois. A febre não está tão alta e você conseguiu comer razoavelmente bem hoje de manhã. É só um resfriado. Você deve se sentir melhor depois de algumas horas de sono.

Integra se virou na cama, irritada por ele ter razão, mais irritada ainda por estar resfriada. Vlad que havia ficado na neve, Vlad que estava passando por uma crise emocional, Vlad que estava sem apetite e quem fica doente era ela? Inadmissível! Justo ela que tinha tanto a fazer?

– Não vai adiantar nada fazer birra. Vou sair por dois minutos e pegar um suco de laranja e quando voltar espero encontrar a senhorita na cama, entendeu?

Integra praticamente grunhiu com aquela ordem. E se ela quisesse sair? Ela saia! Ela era livre para fazer o que quiser! E o que ela queria naquele exato momento era... Ficar na cama.

Exatos dois minutos depois, Vlad estava novamente no quarto, com um copo grande do tal suco de laranja (que pelo visto ele mesmo havia espremido, já que não era de caixinha), uma caixa de lenços, um copo de água e os benditos remédios que Integra havia mencionado, mas bem mais leves do que ela tinha pensado antes.

O conde lhe passou o copo de suco, murmurando sobre ela tomar os remédios só depois, com a água. Integra acabou obedecendo só por falta de costume de ficar doente e ter alguém cuidando dela, apesar de Vlad estar fazendo tudo, menos paparicando-a.

Alguns minutos depois, a Hellsing acabou adormecendo, acordando de novo com um roçar de unhas em sua porta, único ruído que Vlad fez antes de entrar, carregando uma tigela de canja de galinha.

Infelizmente para a Hellsing, ela quase não sentiu nem o cheiro e nem o gosto do prato, mas nas poucas vezes que seu nariz desentupiu o suficiente para que ela tivesse um vislumbre, percebeu que o prato estava muito bom, apesar de suave. Perguntou-se mais de uma vez se fora o próprio Vlad quem o tinha preparado, mas acabou não perguntando nada.

Vlad recolheu a louça em silêncio quando ela terminou, voltando alguns segundos depois com outro copo de suco, que ele não a deixou tomar, afirmando que a sopa estava muito quente e que era melhor esperar um pouco.

– Então, que horas são? – Integra perguntou, resignada a se encostar em seus travesseiros e esperar até sua majestade o Dr. Conde decidir que era uma boa hora para ela beber o tal suco.

– Quase meia noite. Ele murmurou.

– Quase meia noite Vlad? Isso é hora de trazer sopa?

Agora Integra tinha certeza que foi Vlad quem fez a tal sopa, não havia um único serviçal na casa acordado àquela hora.

– Em primeiro lugar, levando em consideração que foi dormir era quase meio dia, sim, é o horário perfeito para tomar sopa e mais da sua tão valiosa medicação. Em segundo lugar, eu me distraí. Sinto muito por não tê-la acordado mais cedo.

– Você se distraiu? Com o que diabos você se distraiu?

– Com o seu trabalho.

Integra não sabia se ficava irritada ou não com aquilo. Depois de alguns minutos, ao descobrir que Vlad tinha decifrado todo o padrão e rabiscado uma estratégia de ataque, nada pode fazer além de decidir por o plano dele em ação, no começo da manhã seguinte: Vlad tinha nada mais nada menos que descoberto o ninho dos vampiros, exatamente para onde eles deveriam voltar na manhã. Maldito. Integra ainda não sabia se estava irritada ou não com aquilo.

Cerca de meia hora depois, Integra finalmente pode beber seu suco, mas não estava com sono, tendo na verdade acabado de acordar, e Vlad parecia disposto a ficar ali, conversando com ela. Ao longo da madrugada, o assunto aos poucos foi se transformando dos ataques do vampiros, às loucuras da rainha, chegando finalmente, ao casamento deles, que de uma forma ou de outra, eles precisavam discutir.

– Não quero nada muito grande, mas se não dermos um baile, vai ficar estranho para a Tabula e os tablóides. Se bem que eu queria mais que eles se explodissem!

– A gente pode até dar o baile. Precisamos ficar nele? – Vlad perguntou, já sentado na cama ao lado de Integra, em virtude do tempo que estava lá.

– Na verdade... – Assuou no nariz no meio da sentença. – Eu não tinha pensado nisso. Se sairmos depois da recepção, só vão pensar que estávamos ansiosos para... Bom, você entendeu.

– Entendi sim.

– Temos mais coisas a decidir, como a data e tudo mais. Acho que de esperarmos algumas semanas, seria o tempo para seus hematomas sumirem e podermos agendar o tal baile. Vão achar que eu estou grávida, no entanto.

Vlad pensou em retrucar que as marcas negras abaixo dos olhos de Integra estavam mais marcantes que as dele, que de fato havia levado um soco, mas deixou pra lá. Ela estava mesmo doente e, além de não adiantar nada, ele não estava realmente no humor para nada daquilo. Ele só queria sumir, se livrar dele mesmo naquele instante.

Integra percebeu Vlad ficar tenso ao seu lado, resignando-se a encerrar o assunto daquele jeito mesmo. O rapaz obviamente não estava no humor para brincadeiras, muito menos um assunto tão sério. Ela foi obrigada a se lembrar que apesar de ele estar agindo de forma quase normal, em seu interior ele ainda se sentia vazio, destruído. E assim ficaria por algum tempo. Como uma erva daninha que se arranca do solo: continua verde por alguns dias antes de secar. Tudo bem, desde que não a plantassem de novo na mente do rapaz.

– Eu vou aceitar o que decidir, Milady. – Ele murmurou depois de alguns minutos de silêncio. – Afinal, nem vai ser um casamento de verdade.

Integra ponderou aquilo por alguns instantes, não sabendo o que responder.

– Os votos serão verdadeiros, de minha parte pelo menos, mas não precisamos fingir que o fazemos por pura vontade.

– Vlad. Se fossemos pensar bem, é o natural a ser feito. Somos bons amigos, gostamos da companhia um do outro. Você é o mais perto de um companheiro que já tive.

– Nada disso significa amor, Milady.

– Você está sendo injusto comigo. E um pouco hipócrita, na verdade. Afinal, você também não amava Doamnei quando...

E Integra mordeu a língua antes de terminar aquela frase, mas não antes de perceber que o estrago já havia sido feito. A expressão de Vlad se fechou imediatamente e em menos de meio segundo ele já estava longe dela, sentado na beira da cama.

– Tens razão. Afinal, minha vida toda foi uma grande hipocrisia. E já que tocou nesse assunto, Milady, não, não estou cobrando nada da senhorita. Não espero nada, tampouco.

– Vlad... Eu não quis... Eu sei que ela o amava e que você tinha seus motivos para...

– Motivos? Motivos?Então se não for muito hipócrita da minha parte, o que diabos fez você se apaixonar pelo Alucard? Quais os seus motivos?

Aquela pergunta pegou Integra de surpresa. O que havia sido? Definitivamente não era a atitude dele, ou seu sorriso sarcástico, ou a aparência. Eram pequenos momentos em que ele estava calmo, quieto, introspectivo, momentos em que ele lhe parecia quase humano, que alimentavam a esperança de que o vampiro sentisse algo, tivesse algo mais dentro dele. O que ela amava era uma esperança, um sonho, uma ilusão. Mas ela não estava pronta para admitir aquilo. Nunca estaria.

– Não importa, não importa mais.

Vlad fez um ruído com a garganta, quase como se rindo da ironia. Claro que para ela não importava. Mas importava para ele. Integra pegou a irritação no ar, retrucando logo em seguida:

– E você? Já que acha que essa é uma resposta tão simples, por que gosta de mim?

Aquilo pegou Vlad de surpresa. Ele olhou fixamente para o olho azul de Integra, sem responder, antes da loira começar a falar:

– Alucard podia ser insensível, estúpido e sacana, mas também era leal e tinha outras qualidades – que ela não conseguiu se lembrar para listar naquela hora. – No fundo, ele tinha algo humano dentro dele. Quando gostamos de alguém, aceitamos o pacote todo, e não trocaríamos seus defeitos por qualidades, pois não seriam mais a mesma pessoa. Amamos também por seus defeitos.

– Isso está errado. – Vlad murmurou, quase que em seguida. – Porque eu a amo com todos os seus defeitos, qualidades e espinhos. Amo o brilho de seus olhos, amo a paixão de suas palavras. Não nego que às vezes és teimosa e ríspida, mas a amo mesmo assim. Mas se algum dia, por qualquer motivo que fosse, esse brilho e essa paixão se esgotassem, faltasse energia ou mesmo atitudes, se algum dia Milady for triste, abatida, derrotada, não souber mais quem sou, ou quem é, ainda sim vou amá-la, porque não a amo pelo que faz ou deixa de fazer. Apenas amo.

Vlad voltou os olhos novamente para a porta. A mente cansada de Integra procurou em seu passado se Vlad já havia dito, de forma clara e sem subterfúgios ou figuras de linguagem, que a amava. Não conseguiu se lembrar.

Puxou o conde pela camisa, fazendo-o se deitar novamente ao seu lado, não mais dizendo nada ao se aproximar dele, buscando calor e conforto para voltar a dormir.

Vlad aceitou o contato. Não estava nem um pouco preocupado em ficar doente também, e por mais que se negasse, estava mesmo precisando de contato humano, um pouco de ajuda para por a cabeça em ordem.

Pensou por alguns instantes, antes de adormecer, que se Integra amava Alucard por sua humanidade, a maior de todas as ironias estava escancarada em sua cara: Integra amava Alucard porque no fundo via nele qualidades e emoções que foi Vlad quem pôs lá, mas não amava Vlad porque ele não era Alucard. Foi quando ele percebeu que só estava se machucando mais e não tinha como lidar com aquilo naquele momento. Sabia que não estava sendo muito sincero consigo mesmo, mas realmente? Muito menos Integra estava.


– Eu fiquei tão preocupada. Tão triste por ver suas escolhas. Mas está tudo bem agora. Você está aqui e eu posso mais uma vez cuidar de suas feridas. Estamos finalmente bem. Meu senhor? Por favor, não se entregue a ele, não há mais necessidade de lutar! Fique comigo, onde é quente e tranqüilo... Não há mais necessidade de sofrer... Vlad... VLAD!


Vlad acordou em um sobressalto na cama, a imagem de Doamnei ainda ecoando em sua mente. O que diabos?

Foi desperto de seus pensamentos ao perceber que Integra se encolhia entre suas cobertas. Colocou a mão sobre a testa dela, irritado por encontrar a febre mais alta que na noite anterior. Acabou decidindo por ir buscar outro comprimido e compressas de água fria, murmurando pequenas canções em romeno enquanto Integra se acalmava e voltava a dormir um sono mais tranquilo.

A quase lembrança foi apagada de sua mente e acabou ficando por isso mesmo. Tudo o que importava era que Integra estivesse confortável, naquela fria manhã de dezembro, enquanto Vlad, aos poucos, reaprendia a viver.


Someone holds me safe and warm
Horses prance through a silver storm
Figures dancing gracefully,
Across my memory

Far away, long ago
Glowing dim as an ember,
Things my heart used to know
Things it yearns to remember

And a song someone sings,
Once upon a December



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Notas finais do capítulo

^^
Estou sentindo falta do review de várias pessoas que costumavam ler a fic. Será que elas desistiram no meio do caminho?
Para você que continuam firmes e fortes, meus sinceros agradecimentos! São o único motivo desta fic possuir mais do que 5 capítulos (que era minha ideia inicial). Até o próximo!



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