Anjo da Noite escrita por MsWritter


Capítulo 37
Capítulo 37. Tempestade


Notas iniciais do capítulo

Um, vejamos, um pouquinho de despropósito, alguns incompetentes, um assassinato, não, três assassinatos, um segredo revelado que nem devia ser tão secreto assim e... voalá! Capítulo 37 postado.
Música de hoje é "Elephant Gun" do Beirut. Espero que gostem! ^^



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If I was young, I'd flee this town
I'd bury my dreams underground
As did I, we drink to die, we drink tonight

Far from home, elephant gun
Let's take them down one by one
We'll lay it down, it's not been found, it's not around



Vlad já estava ficando nervoso. Na verdade, furioso seria o termo mais correto. Estava há horas esperando para ser atendido pelo advogado que leria o testamento e o corpo de Ileana nem havia sido liberado do necrotério ainda para o enterro (embora já tivesse sido reconhecido antes mesmo de ele chegar, o que foi um alívio, bem como saber que Ileana já havia deixado o enterro preparado). Vlad não conseguia entender o que estava tomando tanto tempo e não entendem mal, ele não estava com pressa. Só estava cansado. Muito cansado.

– Isso é sem dúvidas um ultraje. – Reclamou Integra, entregando um copo de plástico com café para Vlad. – Primeiro nos fazem ficar horas esperando. Depois temos que pegar nosso próprio café e agora não há sequer uma garrafa nesse prédio que tenha café sem açúcar!

Vlad, que nem tinha pedido café pra começo de conversa, não deu a menor importância. Aceitou o copo, quase queimando os dedos por fazê-lo sem prestar muita atenção (ai ele começou a prestar atenção) e tomou um gole, notando que o doce do açúcar era na verdade reconfortante.

– Obrigado. – Ele murmurou, tomando outro gole de café.

Integra soltou um longo suspiro, sentando-se ao lado de Vlad.

– Então. Ileana, não é?

– Isso.

– Ela era... A sua guia quando veio para a Romênia?

– Isso. – Mais um gole de café.

– Hum... E então...

–Ileana tinha leucemia, já em um estado avançado. – Mais um gole de café.

– Entendi. – Integra disse apenas, muito interessada em uma marca de sapato no chão de laminado daquele andar do prédio.

– Era apaixonada... – Mais um gole de... Opa, acabou o café. Respirou fundo e continuou a conversa finalmente olhando para Integra. – Ela era apaixonada pelo castelo de Bran. Por toda a história da Valáquia na verdade. Levando-se em consideração que muito da história tenha se perdido com o tempo, ela tinha conhecimentos bastante precisos de o que foi a minha vida, e do que eu e minha família nos tornamos depois.

Integra ergueu o olho. Vlad entendeu a pergunta implícita.

– Ela não sabia nada sobre Alucard, ou vampiros. Foi ela quem ajeitou os papéis para transformar o castelo em museu. E também foi ela quem me entregou os diários do meu pai. Bom, as cópias dos diários.

– Aqueles cadernos velhos que você estava lendo nesses últimos dias? Eles não são originais?

– Não. Os originais foram considerados patrimônio histórico há muito tempo. Parece que a família real resolveu mandar fazer uma cópia e manter em seu poder, acreditando que havia algo valioso naquelas páginas. Toda a obra foi roubada no começo do século passado e encontrada há pouco tempo. Como não há mais herdeiros, ficou em poder da fundação para a qual Ileana trabalhava.

– Hum. – Integra estava perdida com tantos detalhes, mas uma coisa ela entendeu bem. Havia algo nos diários. – Então, o que de valioso está nos diários? Você leu, não leu?

Vlad pareceu desconfortável e Integra imediatamente se arrependeu de ter perguntado. Quando ela ia começar a se retificar, a secretária mencionou que Vlad poderia entrar para a leitura do testamento. E só Vlad.


Após deixar sua incomodada noiva para trás e entrar no escritório, Vlad sentou-se na grande cadeira de madeira, apoiando as mãos sobre o tampão de vidro na mesa.

– Espero que não se incomode por termos deixado sua acompanhante porta afora, mas há uma cláusula no testamento que... – O velho advogado começou, mas Vlad prontamente o interrompeu.

– Quem é você?

– Sim, meu nome é Leonard Chevalier, sou o advogado encarregado do testamento da Srta. Dácia...

– Não. Quem é realmente você?

O homem, que estava enchendo um copo de água, parou o que estava fazendo para olhar para Vlad. Interessante.

– Muito perspicaz, conde. Sou Leonard Chevalier, trigésimo segundo líder dos cavaleiros da ordem do dragão. Ao seu dispor.

– A ordem do dragão está morta há muitos séculos, Chevalier. – Vlad retrucou, olhando-o com olhos ferinos, afiados e cintilantes.

– Não, caro conde. Apenas seus métodos mudaram, até mesmo seu objetivo continua intacto. A guerra santa nunca termina... – Um longo suspiro, um olhar atravessado e o velho retira a parte de cima do terno, desabotoa e começa a dobrar a manga esquerda da camisa, revelando uma tatuagem de um pequeno dragão logo abaixo do cotovelo.

– Tatuagens não provam nada. – Vllad apenas comenta, ainda encarando o velho como se ele fosse retirar uma espada e atacá-lo. – Qualquer um pode tatuar o que quer que seja onde desejar.

– Sim, mas e todo o resto? Como conseguiu seu título de nobreza se até alguns meses atrás nem mesmo possuía identidade, como recebeu os diários de V. Dracul, como não houve alarde quando a Hellsing apareceu com a escritura do castelo de Bran, como o testamento de Ileana ter sido alterado a tempo suficiente para você estar nele, em menos de um mês?

– Onde quer chegar?. – Vlad perguntou, apoiando a cabeça nas mãos sobre a tampa de vidro.

– Você sabe onde quero chegar! Demoramos séculos para encontrar fragmentos das memórias de Vlad Tepes, e quando estamos quase tirando-os das mãos de corruptos e gananciosos você aparece e literalmente leva o objeto às custas de um nariz quebrado!

– O crucifixo de Doamnei? O que quer? Se deseja as lembranças de Dráculea que leia seus diários! – Vlad levantou-se da mesa, quase erguendo o homem do chão quando o agarrou pelo colarinho.

– Os diários de Vlad Tepes não possuem valor algum! Só um relato infantil e melodramático de uma vida amaldiçoada! Você não entende não é? – O velho retrucou, empurrando Vlad com a palma das mãos. – O monstro deve ser detido! Objetos como aquele crucifixo carregam dentro de si o poder para recriar o demônio!

Vlad parou o que fazia para encarar o velho. Alucard? Eles estavam falando de Alucard? Até onde ele sabia o vampiro tinha ficado anos sob o poder da Hellsing e ninguém interferiu. Séculos atormentando a Europa e apenas Van Hellsing se deu ao trabalho de tentar impedi-lo. Aquele velho ou era completamente gagá, ou tinha muito o que explicar.

– Eu sei que você sabe do que estou falando, afinal foi você quem frustrou o ritual no mês passado. Ficamos imensamente gratos. Não tínhamos ideia de quem estava por trás disso ou em que país seria o ataque. Quando os genocídios coincidiram nos nossos sistemas já era tarde demais. Não me olhe assim, é claro que quando o túmulo de Radu, o Belo, foi arrombado nós imaginamos que havia algo errado. Tudo por causa de um maldito dente envolvido em ouro...

– Espera, você está me dizendo que a ordem do dragão continua viva com o único propósito de impedir o retorno de Alucard e além de ninguém ter nunca tentado impedi-lo não tinha uma única alma vigiando o túmulo do Radu? Vocês são o que? Inúteis?

– Conde. Em primeiro lugar, Alucard era um monstro já ensandecido e sem propósito que, além de muito além de nosso controle ou poder de destruição, não oferecia perigo real ao mundo, o perigo sempre residiu na possibilidade de alguém com propósitos nefastos controlar seus poderes, da forma como ele estava desenvolvido? Impossível, apenas o selo da Hellsing tinha esse poder. Aqueles da ordem que tentaram fracassaram categoricamente, até se unirem á Milennium e o resultado você já conhece.

– O quê? – Vlad começou a perguntar, mas decidiu que não valia a pena. Definitivamente não era algo que ele queria entender.

– Em segundo lugar, só se protege algo que se queira que dure. Digo, com Alucard morto, o mundo não mais acreditando em contos de fadas e lendas antigas, o fim do Last Battalion e os processos de reforma no Castelo de Bran, há muito tempo a vigília da ordem do dragão é algo inútil, se é que me entende.

– Ileana fazia parte da ordem? – Vlad perguntou por fim, não interessado em toda aquela bobagem.

– Claro que não. Compartilhava a paixão, mas não o segredo. O pai dela foi o líder antes de mim.

– Então o que isso tudo tem a ver com...

– Usamos a morte dela para atraí-lo. Não pareceu haver possibilidade melhor, já que parece estar tentando traduzir...

– Você me dá nojo. – Vlad soltou com desprezo. Tudo o que ele queria era sair dali.

– Sei disso conde. E é por isso que sou o último membro da ordem. Há séculos não somos mais necessários.

Agora Vlad estava realmente surpreso, o que não quer dizer que concordasse com alguma coisa.

– Permitimos que você ressurgisse dos mortos, e não, não quero saber o que aconteceu com seus registros anteriores, porque você claramente tem alguma relação com a antiga família real. Não sei como e nem imagino o porquê, mas deve ter o direito de saber o que a ordem descobriu ao longo dos séculos, como único descendente direto da Ordem original.

– Diga logo, então.

– Acredito que deva ficar com isso. – O velho disse, passando um pequeno pedaço de papel para Vlad. – Deve abrir algumas portas.

Vlad enfiou o papel no bolso sem nem ver do que se tratava.

– Iria esperar quanto tempo para me contatar se Ileana não tivesse falecido? Poderia demorar meses ainda, você sabe?

– Meses?

– Obviamente sabia que ela estava doente? Depois de toda essa pose de cavaleiro templário...


– Conde. – O advogado fuçou em algumas coisas, passando o que parecia ser um laudo para Vlad. – Ileana não faleceu em virtude da leucemia. Foi assassinada.


– Vlad? Vlad... O que aconteceu? – Integra perguntava enquanto tentava chamar a atenção do conde, seguindo-o porta afora.

– Ileana morreu em um assalto. UM ASSALTO!

Integra parou no meio do corredor, obrigando Vlad a parar também.

– Como assim em um assalto? – Ela perguntou, incrédula. – Ela não estava doente?

Vlad chegou a pensar em retrucar que doentes também são assaltados, mas segurou a língua. Nada daquilo era culpa de Integra afinal.

– Estava. E depois de arrumar tudo, fazer planos, se preparar para uma morte lenta e dolorosa, ajudar um completo estranho a transformar um pesadelo em algo real para seu povo, ela é morta em um assalto, por um moleque com uma pistola. POR CAUSA DE UM MALDITO TELEFONE CELULAR! Um telefone! Até eu tenho um telefone! Quem não tem um telefone?

Integra ponderou aquilo por alguns instantes, tentando acalmar o rapaz com toques suaves em seu braço. Não Vlad, ninguém mata outra pessoa por causa de um telefone, nenhuma criança de primeiro mundo estraga sua vida por tão pouco. Foi um acidente. Um acidente que pode acreditar, custou muito mais que uma vida.

– Ela...

– Pelo menos ela teve como se preparar Vlad. – Integra murmurou, não sabendo outra frase de consolo. Quando Integra teve que consolar alguém em toda sua vida? Ela entendia a situação, entendia o sentimento. Já havia perdido seu pai por, como ela acreditava na época, uma doença lenta e dolorosa, já havia perdido seu fiel mordomo em um momento, já havia matado alguém por “um celular” (no seu caso, sua própria vida e toda uma organização). Daquela história, ela já tinha vivido todos os lados. – Quando é o enterro?

– Amanhã. O corpo vai ser cremado. Vão espalhar as cinzas amanhã.

– Certo. Vamos voltar para o hotel, sim?

E após um pequeno aceno de Vlad, Integra o conduziu para fora do prédio e ambos adentraram um táxi.

Integra observava Vlad atentamente, procurando em sua expressão corporal sinais de como o rapaz estava se sentindo. Sabia que Vlad não podia estar tão incomodado com a morte em si. Mal conhecia a moça e, por mais triste e frio que a frase parecesse em sua cabeça, já devia estar acostumado. Também não era a violência do ato. E então, quase como que lendo seus pensamentos, o próprio Vlad respondeu:

– Eu só não esperava. Não em tempos de paz. Não tão longe da guerra.

Integra pensou em tocá-lo, mas desistiu no meio do caminho.

– O que havia no testamento de Ilena?

– Nada. Apenas despropósito e infâmia.

E com aquilo, Integra se contentou em continuar o caminho em silêncio, observando os olhos âmbares olharem silenciosamente pela janela, até quase se fecharem. Chegaram ao hotel.

Vlad ficou em silêncio toda a tarde, enquanto Integra se ocupava de responder e-mails, procurar padrões sem prestar muita atenção, até acabar fazendo dois ou três (dependendo do ponto de vista) origamis. A loira olhava para o conde de vez em quando, esperando encontrá-lo adormecido, mas ele continuava acordado. E em silêncio. Quando o viu retirar um pedaço de papel do bolso e sair em um estalo, pensou em chamá-lo, mas ele já estava escondido do outro lado do quarto enorme, então ela continuou o que (não) fazia, desistindo alguns minutos depois e saindo para andar pelas ruas brancas da Romênia. Vlad mal respondeu quando ela avisou que ia sair.

Enquanto a loira vagava observando a neve caindo, Vlad tinha uma coisa muito simples a fazer: decifrar os diários de seu pai, cuja versão digital ele carregava consigo em seu telefone. Vlad pode ter apanhado para se familiarizar com toda aquela parafernália, mas não podia negar que adorava esse século. E lá estava o conde, com o telefone, um caderno, o pedaço de papel que o odioso advogado lhe entregara e uma caneta tinteiro (porque não encontrou pena e tinta para vender). Demorou um pouco para decifrar a chave, tendo em vista que além de embaralhada, havia alguns “buracos” na combinação de sessenta dígitos, que só fariam sentido para alguém fluente em romeno antigo e com acesso a alguns escritos que jaziam no palácio na época em que Vlad era criança, mas finalmente com a chave resolvida em mãos ele era capaz de decifrar os diários. Não todo o diário, mas uma parte dele que deveria ser a mais interessante.

E devia ser mais interessante porque o código estava em duas partes, ridiculamente mais difícil em trechos específicos, que eram pelos quais Vlad estava procurando e transcrevendo no caderno, em sua caligrafia imaculada que séculos, calos pelo uso da espada e acontecimentos recentes não conseguiram prejudicar.

Estava resolvido também. Só leria o conteúdo após decifrar boa parte dele, com medo de caso descobrisse alguns dos segredos de seu pai não tivesse mais paciência para terminar de traduzir.


Encontrar os trechos em específico foi fácil, tendo em vista eles sempre se iniciavam e findavam com a mesma combinação de letras e seu telefone conseguia buscar as palavras por ele. Não demorou mais de uma hora e meia para decifrar o equivalente a vinte anos da vida de seu pai, e menos de dez minutos para ler o conteúdo.

Integra voltou de sua caminhada exatamente duas horas após ter saído. Estava com frio e ponderando se devia ou não obrigar Vlad a dividir uma sopa com ela, já que já fazia algum tempo que o rapaz tinha ingerido alguma coisa que não fosse café (e ela estava quase se convencendo de que o conde precisava de algo mais do que cafeína para se manter em pé), quando foi surpreendida por Vlad, que sem nada perguntar segurou e virou seu pulso com força, retirou a luva e deliberadamente aproximou a lâmina de uma navalha à palma de sua mão, testando a maciez da pele dela antes de cortar a cútis.

A Hellsing tentou revidar, libertar-se do toque indesejado, apenas para perceber o quão mais forte o conde era e como ela estava indefesa. Se Vlad quisesse, naquele momento, erguer a navalha e abrir-lhe a garganta, nada o impediria: era mais forte, mais rápido. Integra não teria tempo de alcançar sua arma, mesmo ela estando em seu coldre, por baixo do casaco que não teve tempo de tirar. Ao mesmo tempo, percebeu que nem ao menos murmurar para Vlad parar ela conseguiu, tão surpresa que estava com a atitude dele.

Desistindo de mexer o pulso, virou o rosto até conseguir ver sua expressão, surpreendendo-se ao perceber que não estava amedrontada pela expressão ferina de seus lábios, ou pelo brilho de seus olhos antagonicamente desfocados. Perdidos em desejo, luxúria e encanto, exatamente como os de Alucard ficavam ao ver seu sangue sendo derramado. E então Integra percebeu que ao mesmo tempo em que tentava lutar para se libertar, estava atraída, quase que... Quase que excitada com o comportamento. Foi trazida de volta à realidade por um corte mínimo feito pelo fio da navalha, fundo mas ridiculamente pequeno e preciso, apenas o suficiente para retirar uma pequena gota de sangue.

Sentiu seu coração bater mais forte ao observar Vlad erguer a mão “ferida” e levá-la ao rosto, primeiro beijando as costas desta como um perfeito cavalheiro, ou um carinhoso amante, tendo em vista que estava atrás de Integra, para em seguida virar a palma e levar os lábios à gota de sangue, sugando de leve.

Integra sentiu ao mesmo tempo um calafrio na espinha e algo quente subido por suas pernas, dando-se conta de que essa era uma imagem que frequentemente associava à Alucard e como o vampiro se comportaria se um momento íntimos entre eles surgisse. Integra pode ter admitido o amor pelo vampiro há poucos meses, mas mesmo que tentasse se convencer do contrário, tinha sonhos um tanto quanto... Quentes sobre o vampiro às vezes. Quando sentiu a ponta da língua de Vlad passar por sobre a pele já não mais ensangüentada, pousou a cabeça contra o ombro dele, obrigando-se a abrir o olho quando ouviu as batidas frenéticas de um coração que mantinha aquele corpo aquecido, diferente do frio e silêncio que por um momento esperava ouvir. Em seguida, tudo o que sabia é que havia sido afastada daquele corpo inesperado com força e até um pouco de violência, enquanto o conde andava pelo quarto em um misto de desespero e gargalhadas.

– Não é diferente. Mesmo gosto, mesma cor, mesmo cheiro...

E zanzava de um lado para o outro enquanto passava a mão não quebrada distraidamente pelos cabelos. Integra se assustou ao ver a testa dele ensangüentada. Tentou se aproximar, percebendo que tremia de forma irritante, meio pelo susto, meio por desejo. Quando reparou que não era a testa que sangrava, mas a mão, com um corte muito mais profundo que o que infringira nela.

– Vlad... O que você...

E o conde ergueu a mão cortada, aproximando-a do rosto de sua noiva, ainda balbuciando:

– Não vê? A mesma cor, o mesmo cheiro, o mesmo gosto!

– Vlad? Você... Você mesmo se cortou?

– Eu deveria apreciar do sabor não deveria? O fato de eu me recuperar melhor depois de transplantes de sangue, o fato de eu me sentir melhor após ter passado a noite em uma cama feita de madeira da área da Valáquia, o fato de os campos de batalha sempre me fazerem sentir mais vivo. Eu achei que fosse o meu próprio que eu não gostava, mas pelo visto também não é o vosso. Talvez seja o de outra pessoa? Alguém lá fora?

E antes que Integra pudesse trancar a porta e sacar sua arma Vlad já estava sentado no chão, rindo de seu sangue que fluía pela palma de sua mão.

A Hellsing chegou a se aproximar ainda com a arma em mãos, mas ao perceber que por entre o riso descontrolado havia também pequenas lágrimas e algumas gotas de suor, optou por se desfazer do traje excessivo, recolocar a arma no coldre e aproximar um lenço da mão de Vlad, tentando parar o sangramento.

– O que aconteceu Vlad?

– Milady pode ficar tranqüila. Alucard ama Milady como Milady ama Alucard. Alucard doriţi ca Milady Milady doresc Alucard...¹

– Vlad? Do que está falando?

– ELE SOU EU! – O conde berrou, sem aviso, fazendo Integra se afastar um pouco do rapaz do chão. – Não um demônio que vive em minha alma, que cresce conforme eu vou morrendo, deixando-me abater! Mas eu! Minha própria alma, meu próprio corpo.

Vlad abriu a camisa que vestia, conseguindo estourar a maioria dos botões pela brusquidão do movimento.

– Este corpo. EU! É o que deseja? É o que ama? – E antes que a Hellsing conseguisse revidar, o conde a tinha derrubado no chão, sentado sobre suas pernas e segurando seus pulsos, inclinado sobre ela a ponto de ela ser capaz de sentir em seu hálito quente o cheiro de sangue. – Então por que não eu? Por que ele? Somos o mesmo monstro, a mesma carne, a mesma heresia.

Aproximou-se mais do rosto dela, chegando a roçar os dentes sobre seu lábio, mas desistindo ao respirar sua essência. Afastou-se, levantando-se em seguida e caminhando para a varanda do quarto de hotel, onde a neve caia por sobre seus cabelos ensangüentados e o peito nu.

Integra demorou alguns minutos para se recompor. Quando se levantou, percebeu o rapaz lutando para recuperar o fôlego no ar frio da varanda e achou melhor esperar um pouco, tendo sua atenção tomada por alguns pedaços de papel jogados pela cama. Os escritos estavam em latim, que Integra demorou um pouco para conseguir ler, mas entendeu claramente. Alguns trechos lhe chamaram a atenção e do outro lado da parede onde Vlad se encontrava, começou a traduzir, mas para saber se estava correta do que comunicar algo a Vlad, que provavelmente entendia latim melhor que inglês, afinal.

– “Registro em linhas que espero jamais serão lidas por outrem que não o juiz que decide aqueles que arderão no inferno, os fatos que poderão resultar na anulação de meus feitos nesta Guerra Santa. História deve ser contada por mim, apenas por mim, porque sou eu quem de fato conheço os detalhes sórdidos que carreguei em meu peito, segredos que me acompanharão ao túmulo montado em pedras e cimentado em lágrimas. Lágrimas de sangue, vazias e frias como o coração do monstro que ajudei a criar, a tratar como filho enquanto o meu secava e murchava longe de meus afetos, por mais que tenha tentado fazer o contrário.

Em um último apelo, para salvar minha alma dos castigos infernais, deixo aqui registrado o presságio, nascimento e vida do monstro, numa tentativa de me redimir, justificando meus atos pela ignorância de minha alma mortal.

Durante toda minha vida me orgulhei de ser o governante da Valáquia, general dos exércitos cristãos. Há exatos treze anos, no coração do deserto, quando em meio ao sangue impuro derramado uma velha bruxa, com seu olho de vidro olhando fundo em meus olhos, segurando o corpo de seu neto cuja alma nós libertamos aos céus proferiu: “Por ter a audácia de matar nossas crianças em nome de seu deus, traremos às suas aquilo que seu senhor mais repudia. Sua próxima criança será concebida sem seu consentimento, filho homem que tanto deseja. Será tudo que sempre desejou, um guerreiro poderoso, um líder agressivo, decisivo nessa sua maldita guerra, mas que carregará em sua alma o demônio contra quem acredita lutar. Alimentar-se-á de sangue, dor e pecado e será, eternamente, insaciável.”

Assim foi proferido, mas não lhe demos crédito ou ás suas palavras valia, apesar de em meus pensamentos sempre residir a sombra. Meu filho homem veio rápido, prematuro como não se devia esperar, forte e belo como o demônio que hoje reconheço. Minha esposa o batizou de Radu. Não tive coragem de matá-lo na época, hoje percebo, que mesmo que assim o deseje, não poderei fazê-lo.

Radu matou seu primeiro inimigo há uma semana, brilhante e voraz como lhe foi profetizado. Com uma paixão pela causa claramente destrutiva a longo prazo. O que me atormenta, no entanto, e me força a escrever, é ver com que desprezo ele trata meu filho único, verdadeiro, e como vejo a facilidade com a qual ele degolaria tão frágil criança, pura, boa e cristã.”

Integra parou de ler, respirando fundo por alguns momentos, quando Vlad começou a falar, ainda na neve:

– Meu pai achou que Radu era o filho amaldiçoado. Na época eu não achei importante mas... – Vlad se calou alguns minutos, Integra sentou-se contra a parede, esperando-o continuar. – Quando minha mãe ficou louca, uma vez ela gritou que quando Radu foi concebido meu pai estava bêbado, dias antes da partida para o massacre dos cem dias, a exata batalha que ele descreve. Que era por isso que ele não o amava, não amava o primogênito, e que a culpa era minha. Minha por ele me amar mais...

Vlad começou a rir novamente, forçando-se a continuar a falar:

– Mas o filho amaldiçoado era eu. Sempre fui. Radu já havia sido concebido afinal. Por isso me forçar a assumir o trono, por isso me educar para ser o que me tornei. Céus... Mas é claro que ele percebeu, com o tempo meu pai percebeu, mas não teve tempo de contar para ninguém...

Integra esperou muitos minutos. Quando percebeu que Vlad não ia continuar, perguntou:

– O que quer dizer com isso?

– Eu estava com ele quando foi morto. Uma única flecha no pescoço. Ele olhou para mim, bem fundo nos meus olhos e disse o que em inglês seria como “sempre tão precioso e bom que não percebi as artimanhas que o fazem falhar quando é necessário”. Achei que falava de minhas habilidades em batalha, que me falharam ao permitir que a flecha o atingisse, não pensei que ele estivesse falando de minha alma que lutava contra um monstro. Equilíbrio, Ying e Yang. – Vlad se calou novamente. Integra pegou um cobertor e se dirigiu para a varanda, cobrindo os ombros de Vlad, percebendo-o tremer por baixo do tecido grosso.

– Mas Radu sabia. Ele era o herdeiro de direito e fez o que fez para proteger o povo... Proteger de mim. Minha alma, minha própria alma, não é minha...

– Vamos entrar Vlad. – Integra murmurou, aproximando o corpo do rapaz de si e conduzindo-o para dentro do calor do quarto.

– Eu machuquei todos eles. Minha mãe enlouqueceu por minha causa, minha irmã não aguentou o peso de minha aura, Doamnei... Céus, eu a machuquei  não foi? – Vlad murmurava, agora não mais rindo da situação. – Perdoe-me, sua mão eu...

– Hey. – Integra murmurou enquanto sentava Vlad na cama, tentando em vão friccionar o cobertor nos braços dele para ver se o aquecia. – Não está nem sangrando. A sua, pelo contrário, está terrível. Posso dar uma olhada?

Vlad ergueu a mão timidamente, como uma criança que sabia que ia levar uma surra de palmatória nas mãos por ter errado uma resposta. Integra observou o corte. A quantidade de sangue que saiu já o tinha limpado propriamente e, apesar de comprido, não era um corte fundo. Um pouco de anti-séptico e bandagens foram suficientes para ela começar a se preocupar em tirar as pedras de gelo do cabelo dele.

– Você não é um monstro Vlad. Nada daquilo foi sua culpa e, sinceramente? Mesmo que tivesse sido, que diferença faz isso? É passado. Sua vida é aqui, agora e comigo. Sente-se vivo nos campos de batalha? Ótimo, vamos lhe arrumar uma metralhadora e você pode atirar em todos os vampiros de Londres. Precisa de uma cama feita da madeira daqui? Sem problemas, temos dinheiro, podemos mandar colocar uma em cada hotel do mundo para você ter aonde dormir se quiser. Agora... Você está terminantemente proibido de tentar me machucar ou se machucar do jeito que vez hoje. Assim que voltarmos para Londres, vamos procurar ajuda psiquiátrica e você vai se deixar ser ajudado. Entendido?

Vlad apenas concordou com a cabeça, enquanto Integra pensava que tipo de psiquiatra seria capaz de ajudar Vlad a se reconciliar com seu passado sem tentar fazê-lo acreditar que seu passado era paranóia e invenção. Por enquanto, ela tinha que acalmar o rapaz de outra forma:

– Quer abrir aquela garrafa de whisky? Vai ser um dia agitado amanhã.

Vlad fez um não teimoso com a cabeça, murmurando algo sobre parar de beber. Integra concordou, aproximando o corpo de Vlad de si, não se surpreendendo quando o rapaz pegou no sono, com os cabelos ainda úmidos apoiados em seu ombro, umedecendo a gola de sua blusa. Ela se perguntou se não teria de obrigá-lo a se trocar para dormir, mas aos poucos também acabou ficando sonolenta, deitando-se na cama e adormecendo com seu noivo em seus braços.

Integra não sabia o que seu futuro lhe reservava, mas estava disposta a descobrir e enfrentar quaisquer demônios para cultivar os únicos laços que possuía.

A tempestade havia se acalmado, por hora.



Let the seasons begin - it rolls right on
Let the seasons begin - take the big king down

Let the seasons begin - it rolls right on
Let the seasons begin - take the big king down

And it rips through the silence of our camp at night
And it rips through the night

And it rips through the silence of our camp at night
And it rips through the silence, all that is left is all
That I hide



¹ Alucard deseja Milady como Milady deseja Alucard



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Notas finais do capítulo

Seres humanos. Caso não tenham desistido de tamanha patifaria, deixem-me saber se desejam que eu continue. Tenho sinceros planos de terminar esta fic em breve, mas preciso saber se já está virando uma novela das sete da globo ou se posso prosseguir com algum senso de dignidade. Além é claro, se prossigo da forma como imaginei ou se "resumo" a fic.
A todos que me acompanharam até aqui, meus sinceros agradecimentos!



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