Acordo com a luz do sol iluminando o quarto bagunçado, dormi pensando em você, sonhei com aquele nosso primeiro dia no parque. Por que tudo acabou assim? Não podemos conseguir uma segunda chance?

Levanto com as imagens queimando minha memória, a dor agora tão familiar em meu peito se apertara, fazendo lágrimas de agonia transbordarem sem controle por meu rosto. Não sei quanto tempo mais posso viver assim, eu apenas tento seguir os dias por você, pela esperança de que você chegue á minha porta dizendo que era tudo uma brincadeira terrível, mas até hoje as flores convidativas em minha varanda não tiveram o prazer de te ver.

O lençol amarrotado no chão ao meu lado traz a lembrança de nossa única noite juntos, o quadro que você fez para mim continua a cima da minha cama, o porta retrato no criado-mudo ainda emoldura com uma felicidade pesarosa a foto que tiramos no ano novo, lembra que você disse que aquele seria o melhor ano de nossas vidas? Agora se transformou nas mais torturantes horas que eu jamais imaginei que iria passar.

O vento que atravessa a janela enche o quarto com seu cheiro, e eu contemplo as novas memórias que ele desencadeia, memórias brilhantes e vívidas de nós, que fazem meu coração se contrair dentro de mim. Tudo lembra você.

Chego até a mesa encostada na parede rosa oposta e abro sua gaveta, achando ali a minha felicidade guardada em uma pequena caixinha desbotada.

Abro-a e pego o envelope branco escrito com suas letras elegantes, deixo seu conteúdo cair em cima da cama desarrumada: uma frágil folha de papel e um fino anel dourado.

Desdobro a folha e leio sua palavras pela centésima vez, murmurando "eu te amo" a cada linha que devoro com os olhos, torcendo para que um dia você possa ouvir minha voz. Promessas inocentes enfeitavam o papel que havia guardado-as para sempre, sinto as lágrimas queimando minhas pálpebras novamente, mas eu as seguro, não querendo borrar a doce tinta que você havia usado só para mim. Aquela havia sido sua última carta, se lembra? Você havia me pedido em casamento, mesmo nós sendo tão jovens.

Eu ainda tenho sua dúvida aqui comigo, sabia? Através do lindo anel que você havia me mandado junto com a carta, eu o seguro todos os dias, lembrando de seu lindo sorriso quando nos encontramos e eu disse aquele simples sim ao nosso sonho de ficarmos juntos para sempre. Até ficarmos bem velhinhos, eu dizia, até morrermos nos braços um do outro, você completava.

Mas isso não aconteceu. Você não morreu nos meus braços, morreu nos braços dos assassinos das ruas vazias, por que eu não lhe impedi de sair de casa? Por que eu não insisti mais para ir com você? Queria estar com você e morrer em seu lugar, tudo para não ver seu sofrimento lutando pela vida.

Você saiu de casa dizendo que queria me fazer uma surpresa, não era? Eu não queria surpresa! Eu apenas queria você. Agora eu não tenho nada.

O barulho estridente da campainha no andar de baixo tira a minha tortura do quarto por um momento, desço as escadas pensando em quando aquele mesma campainha tocou e você estava na porta, esperando para me levar ao parque com que sonhei, poderia ser você agora, não?

Abro a porta e me deparo com o carteiro apressado, me entregando um pacote e saindo da casa sem esperar uma palavra.

Depois que a porta se fechou com um rangido de protesto, sentei no sofá, nosso sofá, e abri o pacote. Dentro havia um vestido.

"Quero me casar com esse vestido", minha voz sonhadora ecoa em minha mente.

"Quando nos casarmos, você usará esse vestido então" lembro de sua voz tranquilizadora em meu ouvido, quase sinto seu toque, enlaçando minha cintura enquanto voltávamos a andar pela cidade.

Era essa sua surpresa, meu amor? Você comprara o vestido naquele dia miserável?

Olho para o vestido novamente, e então vejo uma grande mancha escarlate no tecido branco. Seu sangue.