A Violoncelista escrita por Zoey_B


Capítulo 1
Capítulo Único.


Notas iniciais do capítulo

Li, há algumas semanas, no jornal algo sobre uma garota ser violentada por seu padrasto. Isso é algo que me choca, pessoas tão próximas fazarem algo tão terrivel. De alguma forma me veio a criatividade e eu fiz essa One-Shot, que é narrada em terceira pessoa. Espero que curtam e reflitam.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/92670/chapter/1

 

A melodia do violoncelo era ouvida por toda a casa, as notas precisas ecoavam alto naquele cômodo, elas eram rápidas e se assemelhavam pouco com o som de uma guitarra, tamanha a maestria a menina usava para tocar o instrumento.

 

-Mayara! – a voz arrastada de Carlos, padrasto da garota, era ouvida enquanto esmurrava a porta. – Abra!

 

Mayara tentava tocar cada vez mais alto, para que assim pudesse não mais ouvir a voz que tanto a atormentava. A garota, ainda assim, ouviu quando seu padrasto saia pelo corredor, batendo forte, os pés no chão, e com um gesto rude encerrou a melodia rebelde.

 

-Graças a Deus. – murmurou com lágrimas nos olhos, enquanto guardava seu violoncelo com extremo cuidado e se levantava de seu assento acolchoado. Ela pegou no chão um livro grosso e de capa lisa na cor roxa e uma caneta da mesma tonalidade da capa do livro. A garota sentou-se no chão e cruzou as pernas, abrindo o livro em cima delas, destampando a caneta ela desatou a escrever...

 

05-02-2010

 

Querido diário,

 

Hoje escapei, por pouco, de Carlos. Ele anda muito estressado ultimamente, e nós dois sabemos o que ele faz quando está assim.

 

Ainda me pergunto o que fez minha mãe me abandonar com ele. É triste saber que nenhum de seus pais a quer por perto, ela não dá notícias há semanas. Talvez seja por isso que Carlos está assim, ele deve estar com saudades dela. Ou talvez não. Aquele crápula não deve ter se quer um sentimento na alma fora amargura, ódio e desejo.

 

Queria que Tadeu estivesse aqui, ele me tiraria de casa e ficaria comigo até que estivesse seguro para eu voltar. Uma pena ele ter voltado para a casa dos tios, eu acho. Ele está mais seguro longe de mim.

 

 Ainda assim, sinto tantas saudades dele que nem sei como ainda estou agüentando, não só dele, é claro, dos meus pais também. Apesar de não conhecer o meu pai. 

 

Tenho uma novidade para você, ela não é boa, mas ainda assim é uma.

 

Eu perdi meu último amigo. Danilo não quer ficar perto de uma garota “problemática e desconfiada” – palavras dele. Não o culpo, eu também não iria querer ficar perto de mim.

 

Batidas fortes e barulhentas tiraram a menina de seu momento com o diário, e ela o fechou escrevendo rapidamente uma última linha:

 

Acho que não escapei hoje.

 

-Abra essa porcaria de porta agora, Mayara! – Carlos gritou.

 

Assustada, a garota escondeu o diário, o jogando de baixo de sua cama.

 

-ABRA! – Carlos novamente gritou.

 

Ela se levantou do chão desajeitadamente e aos tropeços alcançou a porta, destrancou-a e a abriu com a mão já trêmula antecipando o seu inferno pessoal.

 

Carlos tinha uma aparência deplorável. A camisa branca manchada com alguma coisa oleosa cobria a barriga enorme, a calça de moletom cinza, parecia preta de tão suja que estava e os buracos nas roupas não ajudavam nada em melhorar sua aparência. Nos pés ele usava uma pantufa gasta e suja de lama. O rosto que hospedava as cicatrizes horrorosas estava mais assustador que o normal, numa carranca que Mayara só via quando ele estava a fim de fazer o resto do dia da garota um inferno. Os olhos castanhos demonstravam apenas dois sentimentos: ódio e desejo.

 

Carlos mal esperou a garota abrir totalmente a porta e já a agarrara, beijando a pequena boca e pele alva do pescoço da garota. Ela nada podia fazer além de se desligar do mundo e tentar não sentir o toque daquele repugnante homem em seu corpo, afinal ele ainda é mais forte que ela.

 

Mayara fechou os olhos por um momento e deixou que as lágrimas que ela segurou o dia todo escorressem por seu belo rosto juvenil. Os soluços que escapavam de sua boca mal eram ouvidos pelo homem que a violava frequentemente desde o dia em que sua mãe fugiu e a deixou lá.

 

Ela esperava ansiosa, pelo fim de tudo aquilo. Esperava que ele logo se cansasse e a deixasse derramar suas lágrimas de ódio e repulsa. Odiava aquele ser humano com todas as suas forças e odiava-se ainda mais por não conseguir dar um passo na rua sem que fosse vigiada. Odiava sua fragilidade, sua fraqueza e sua beleza. Se não fosse tão bela, talvez não fosse violentada toda vez que seu padrasto chegava a casa em que moravam.

 

Não entendia porque todos que amava se afastavam dela, não entendia porque sua mãe a deixou, não entendia o homem que a machucava, não entendia seu pai por tê-la abandonado antes mesmo dela nascer. Não entendia porque não acabava com isso ela mesma.

 

 

Era medo? Sim, era. Ela temia ser caçada e morta. Temia a vida do único que realmente esteve ao seu lado. Tadeu.

 

Arrependia-se até o último fio de cabelo por não ter aceitado a sua oferta.

 

venha comigo. Ele não vai te achar.” Ele propôs uma vez.

 

Idiota. Era assim que ela se sentia. Devia ter fugido quando teve a chance, seria livre, poderia viver com o amor de sua vida e ter vivido um conto de fadas.

 

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

 

Ela tocava com revolta seu violoncelo. As músicas normalmente doces e gentis agora eram rebeldes e ameaçadoras. Quem ouvisse diria que a menina tentava invocar algum espírito maligno.

 

As lágrimas que acompanhavam aquelas notas estavam se tornando rotineiras, bastava a garota começar a tocar que elas apareciam para molhar o rosto da menina.

 

E de modo bruto encerrou seu ensaio. Estava cansada e havia dias que não saia de seu quarto e nem escrevia em seu diário.

 

Mayara colocou seu violoncelo em cima de sua cama e agachou-se ao lado desta, apenas para esticar seu braço e pegar o livro de capa lisa e roxa, ela passou a mão de maneira delicada em cima da capa para tirar a poeira dele e o abriu, para depois pegar uma caneta azul em sua escrivaninha.

 

15-02-2010

 

Querido diário,

 

Não escapei de Carlos naquele dia, mas pelo menos ele tem me deixado em paz nesses dez dias em que não venho escrever em você. Não sei onde ele estar, ou o que anda fazendo, isso não me interessa, mas fico feliz por seja lá o que ele faça, esteja ocupando tanto o seu tempo para que ele não venha me violentar novamente.

 

Minha mãe ainda não deu notícias, e quer saber? Acho que ela nem se importa mais comigo. O estranho é que só agora notei isso. Como sou ingênua, não?

 

Tadeu me ligou. Disse que estava com saudades de mim e que tinha uma novidade:

 

Tinha se apaixonado por uma garota de sua classe.

 

Meu coração ficou em pedacinhos ao ouvir aquilo, e ainda tive que fingir estar feliz com a notícia. E eu pensando que ele me amava como mulher, que tola sou, ela apenas me vê como uma menina indefesa que precisava de ajuda para tudo.

 

Agora tudo o que mais quero é sair daqui. Não importa como. Mas não é tão fácil assim sair.

 

Com amor, Mayara.

 

A garota fechou o diário e o guardou em seu devido lugar.

 

No dia seguinte a garota tornou a pegar o diário. Estava decidida a acabar com tudo aquilo. E faria isso.

 

Ela abriu o livro de capa roxa e escreveu com a sua melhor caligrafia.

 

16-02-2010

 

Querido Tadeu.

 

Mandei meu diário para você, para que me entendesse. Talvez você me odeie depois do que vou fazer. Talvez vá me perdoar, não sei. Você é tão imprevisível, meu amor.

 

Quero que você saiba que eu já não agüentava mais tanta dor, tanto sofrimento. É demais para uma garota de dezesseis anos. Você sabe tudo, desde o começo. Nem tocar meu doce violoncelo tirava o peso de minhas costas pelo tempo em que eu o tocasse.

 

Tentei, juro que tentei sobreviver, mas não consegui. E não iria conseguir nunca. Não sem você ou alguém que se importasse verdadeiramente comigo.

 

Humpft!  Como se existisse alguém no mundo que se quer se importasse com minha existência.

 

Saiba que eu te amo, muito. E que se não fosse você talvez eu até já tivesse feito o que pretendo antes.

 

Perdoe-me.

 

Com amor, Mayara Rocha.

 

 

 

 

 

A garota embalou seu grosso diário e saiu de casa, na direção dos correios. Andava com pressa. Tinha que estar em casa rápido.

 

E assim que enviou seus pensamentos para Tadeu, ela voltou correndo para sua casa. Ela estava perto, só precisava atravessar a rua.

 

Mas ela não parou para notar os carros, ela não olhou para os dois lados. Ela simplesmente deixou-se ser morta.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Violoncelista" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.