Donna Koe De, Donna Kotoba De? escrita por Anna H


Capítulo 5
Behind-doors




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/9197/chapter/5


Na segunda-feira recebi uma mensagem pelo telefone. “Aquário?” era tudo o que dizia. Eu não gostava de aquários. Digo, era um tanto claustrofóbico andar por um túnel com água por todos os lados, com montes de peixes e coisas do gênero nadando por ali. E se o vidro – ou o que quer que seja aquele treco transparente – quebrasse? Morreríamos todos afogados ou comidos por peixes. Não, eu não sou louco nem exagerado. Só é uma possibilidade.


Mas eu deixei as possibilidades de uma catástrofe de lado e respondi a mensagem, confirmando. E não posso negar que acabei me divertindo, até porque estava ocupado demais tentando não agarrá-lo para me preocupar com as chances do teto desabar.


No fim da noite, quando estava abrindo a porta do carro, ele pisou acidentalmente no meu pé e pôs-se a desculpar-se insistentemente naquele modo delirantemente tentador de quando movia os lábios sem som algum, eu agi por impulso. Só soube o que estava fazendo quando nossas línguas se tocaram.


Eu sentia o corpo dele sendo apertado contra o carro, e pontas dos dedos frios e delicados tocarem suavemente o meu pescoço. Separamo-nos. Ele estava do mesmo modo do sábado: imóvel, de olhos fechados e bochechas avermelhadas. Encantador.


Toquei seu rosto com delicadeza antes de juntar nossos lábios outra vez, agora com plena consciência dos meus atos. Novamente, ele me deu passagem e eu me deixei saborear lentamente cada pedaço de sua boca. As mãos, geladas e finas, pousaram sobre o meu peito e me afastaram delicadamente. Ele abaixou o rosto rubro, ainda próximo ao meu, mas não o suficiente para que eu não pudesse ver o sorriso tímido que se formara em seus lábios.


Definitivamente, não havia como ele deixar de ser tentador.


Sorri também e me afastei em direção a sua casa, dando as costas por um segundo para limpar rapidamente os cantos da boca, tendo certeza que ele estava fazendo o mesmo. Quando me voltei a ele, encontrei-o quase ao meu lado, as mãos enfiadas dentro dos bolsos do casaco marrom que usava. O rosto havia recuperado a tonalidade pálida de sempre, mas ainda tinha aquele sorriso de canto tímido atraindo meus olhos. Ele passou por mim com a cabeça levemente abaixada, deixando que o cabelo quase alourado o protegesse do meu olhar fascinado.


– Quarta? – falei, quando ele já estava para fechar a porta.


Shinya virou-se para mim, acenando que sim com a cabeça, e, sem me dar tempo para responder, sumiu atrás da porta branca.



Quarta. A quarta foi engraçada. Não a parte do Shinya, mas quando eu tropecei e derramei café em cima do Hara. Não tropecei porque dei uma de desastrado, colocaram o pé na minha frente mesmo. O objetivo do desgraçado era fazer com que eu café fosse em cima do chefe, mas o meu prezo pelo salário é maior que as intenções agourentas dos meus “colegas”, então, de alguma forma, eu consegui fazer com que o copo fosse para o lado, e não para frente, e o Toshimasa ganhou uma mancha marrom nova em folha na blusa nova em folha. Foi divertido, mas só até quando determinaram que eu teria que levar a roupa do idiota para a lavanderia. E pagar.


Depois de voltar do meu dito “trabalho extra”, fui encontrar-me com Shinya, já atrasado. Ele estava parado em frente à cafeteria de sempre, com um casaco preto que aparentava ser novo. Desculpei-me por ter demorado, mas ele apenas assentiu com a cabeça, como quem não se importava com a razão.


Não havíamos escolhido outro lugar para irmos, e ele não parecia querer passar outra noite sentado naquele mesmo café. Entramos, compramos um cappucino e fomos rodar os quarteirões enquanto eu contava do meu dia maravilhoso.


Acabamos voltando ao mesmo ponto de partida, depois de um bom tempo de conversa conturbada – por estarmos andando, ele esbarrava muito freqüentemente nas pessoas e postes quando tentava escrever.


Fomos nos sentar no mesmo banco onde havíamos nos conhecido, ignorando a iluminação precária, preferindo lutarmos para entender do que estávamos falando ao dono do café nos olhando torto.


Nos momentos em que perdia a linha da frase e seu cenho se franzia na mistura de tentar enxergar e irritação, eu me sentia incapaz de desviar o olhar e ele virava o rosto para mim, indagante, até começar a corar e se voltar para o papel, os lábios crispados no modo de quem reprime um sorriso. Parecia uma criança.

Após uma longa hora de sofrimento, decidimos que seria melhor caminharmos sem rumo pela praça, talvez fosse mais proveitoso e menos cansativo. Ele andava encolhido dentro de seu casaco, com as mãos enfiadas nos bolsos e tremendo várias vezes, afundando o rosto atrás do cachecol bege que enrolava seu pescoço. A ponta do nariz tinha uma coloração vermelha digna de Rudolph.(1)


– Você sabe aquele negócio com as mãos? – perguntei. Ele arqueou uma das sobrancelhas, olhando-me como se falasse grego. – Aqueles sinais com as mãos. Duvido que surdos-mudos andem com caderninho pra cima e pra baixo como você.


Ele riu. Seu riso era discreto e tão encantador quanto ele mesmo, e se resumia numa expiração divertida e um leve movimento com os ombros. E o sorriso; o mesmo que me prendia desde a primeira vez que o vira.


Acenou que sim com a cabeça.


– Podia tentar me ensinar. Ficaria mais fácil.


“Demoraria muito.” – ele articulou quase exageradamente as palavras, atraindo meus olhos aos seus lábios.


– ... Que fora. – respondi, enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta de couro, e tirei um cigarro, pondo-o na boca enquanto procurava pelo isqueiro.


Ele riu novamente antes de tirar o fumo de entre meus lábioss e jogá-lo para trás.


– Era o meu último, seu louco! – falei, indignado, olhando instintivamente para trás.


Shinya revirou os olhos e tremeu novamente.


Andamos mais um tempo em silêncio, até que ele pareceu começar a cansar e ter a respiração pesada. Caminhar naquele frio realmente era ruim.


Ofereci irmos para casa mais cedo e ele apenas deu de ombros. Levei-o até o carro e liguei o aquecedor no máximo.


Não devia passar das onze quando nos separamos. Ele lançou um olhar de desgosto para a calçada fria do outro lado do vidro antes de virar-se para mim e surpreender-se ao ser puxado ao meu encontro. Colei minha boca a dele, segurando-o pela lã macia do cachecol.


Ele apoiou-se em mim para não cair e uma de suas mãos deslizou para a minha nuca, acariciando-a ao roçar os lábios nos meus, alternando com os dentes e a ponta da língua. Mas, tão rápido eu o havia puxado, tão rápido ele se afastou, sorrindo quase indecentemente.


“Boa noite, Tooru” – o papel já estava preparado, guardado no bolso do casaco felpudo. Foi parar em minhas mãos frações de segundos antes dele deixar o carro. No verso, havia um minúsculo coração desenhado.



Na sexta-feira, ele me arrastou para ao teatro. Eu não assisti muita coisa da peça, meu espetáculo foi mais particular, com foco central nas expressões dele. Foi o cúmulo da minha estupidez, sinceramente, mas as reações de Shinya me interessavam mais que um monte de atores. Ele era autêntico, espontâneo, e não havia ensaiado por meses para atingir aquela perfeição.


Lá dentro fazia calor, então o casaco e o cachecol repousavam em seu colo, permitindo-me deslizar os olhos pelo pescoço alvo e acompanhar mais de perto as curvas de seu corpo magro coberto por uma blusa de algodão azul celeste.


A mão que se movia eventualmente para levar uma pipoca à boca era fina e delicada, parecendo quase quebradiça de tão macia e frágil.


Eu poderia estar ficando louco, mas ele era a minha definição de “perfeição”.


Ao final da apresentação, ele aplaudiu de pé, entusiasmado. Talvez estivesse mesmo tão absorto na peça que não notara o meu contemplar constrangedor.


Novamente eu estava a pé, então caminhamos de volta para sua casa,começando a nos conformar que jamais encontraríamos um táxi naquele horário. Na verdade, eu não fazia idéia das horas, mas parecia bem tarde, já que as ruas estavam quase vazias.


Shinya não parara de tremer desde que pisamos fora do teatro, e agora andava todo encolhido com o cachecol cobrindo até quase em cima do nariz. Não estava tão alucinadamente frio, mas talvez toda aquela magreza contribuísse para que sua tolerância ao frio fosse quase nula.


Eu passei meu braço pelas costas dele e agarrei seu braço, esfregando-o por cima do casaco, numa tentativa fracassada de aquecê-lo.


Seus olhos castanhos se iluminaram ao avistar a delicada casa branca. Só naquele momento eu percebi que mal havia dirigido a palavra a ele durante a noite toda, e que, mesmo assim, sentia como se tivéssemos conversado por horas. Me sentia leve e esquecido do mundo, como acontecia durante nossos diálogos.


Ele abriu a porta e me puxou para dentro, indo em direção à cozinha. O calor dentro da casa era tão agradável que cheguei a duvidar do frio do lado de fora.


Shinya voltou com um papel amarelo – daqueles que se prega na geladeira – e uma xícara fumegante de chá.


“Senta um pouco antes de caminhar tudo de volta.” – Sorri, murmurando um “obrigado” quase inaudível. Ele me levou à sala e me empurrou no sofá de couro branco. Nem me importei em conter um gemido de alívio ao descarregar as pernas e as costas.


Também não notei quando saiu, apenas o vi voltar já livre do casaco e do cachecol, vestindo apenas uma fina blusa branca de mangas compridas.


Ele sentou-se na beira do sofá, suspirando pesadamente. Meus olhos voltaram a se fixar em seu rosto, agora de aparência cansada. Shinya voltou-se para mim, as sobrancelhas levemente levantadas, dando-lhe uma expressão de quem pergunta “hãn?” depois de aterrissar dos pensamentos.


Eu sorri na mesma intensidade e ergui o braço, puxando-o pelo pescoço até que sua boca tocasse a minha e o beijei suavemente por tempo suficiente para que o ar fugisse de meus pulmões.


Ele se afastou alguns centímetros e olhou dentro dos meus olhos, mas não estava me acusando, ou se arrependendo, era quase como se me pedisse para ir em frente.


Sentei-me no sofá e o puxei de volta, invadindo sua boca pelos lábios entreabertos. As mãos dele deslizaram pela minha jaqueta, parecendo indeciso se a tirava ou não. Fiz-lhe o favor e me livrei dela, deixando-a cair no chão ao levar as mãos para debaixo de sua blusa, explorando a pele macia de sua cintura.


Ele se afastou, meio ofegante, e se pôs de pé, puxando-me pela blusa até a escada. Quando finalmente alcançamos o segundo andar, as blusas estavam perdidas entre os degraus e as calças já eram incômodas.


Shinya bateu a porta do quarto assim que passamos.


E o que aconteceu atrás daquela porta me fez ter certeza de uma coisa: eu o queria para mim.





Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

(1) Rudolph, A Rena do Nariz Vermelho.