Donna Koe De, Donna Kotoba De? escrita por Anna H


Capítulo 1
Strange-no-talking-boy




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Naquela manhã eu estava um “pouco” mais atrasado que o normal. Não no seu ponto de vista, no meu. E como era o meu ponto de vista? Bem... eu deveria “estar na minha mesa às sete e meia a-eme”, mas comumente eu só aparecia por lá às 7:45, às vezes um pouquinho mais tarde. Que horas eram? Por volta das oito e meia da manhã.

Na minha contagem, eu já havia esbarrado em, no mínimo, vinte pessoas. Ia murmurando e ouvindo “sumimasen” a todo instante – o trânsito estava horrível, por isso optei por ir a pé. Também estava evitando atravessar ruas, perderia muito tempo esperando o sinal fechar ou uma brecha entre os carros.

Olhei banalmente para os lados e desci o meio fio, mas, antes mesmo de dar o próximo passo, senti minha jaqueta ser puxada e recuei, pronto para berrar com o idiota, quem quer que fosse. Mas também não fiz isso, fiquei encarando com os olhos arregalados um ônibus passar com alta velocidade exatamente onde eu estaria, não fosse o “idiota”.

Virei-me, lutando para parar de gaguejar e murmurei um fraco “obrigado”, ainda meio... chocado com a experiência de quase morte – dramático, huh? Mas eu não podia morrer ainda. Meu chefe seria capaz de cometer suicídio e ir ao inferno para me cobrar edições, colunas, matérias ou qualquer outra coisa que eu estivesse devendo.

O garoto magro, alto, de cabelos provavelmente tingidos de castanho bem claro, com casaco de moletom estava segurando cinco coleiras numa das mãos e tinha outras cinco presas ao cinto em seu quadril.

Ele bateu a mão na própria testa e aponto para as duas direções da rua com a mão livre, tentando manter-se firme no chão enquanto os dez cachorros o puxavam para continuar o passeio. Fitei-o por alguns instantes, pensando porque simplesmente não falava comigo e comecei a divagar nas feições extremamente delicadas, quase femininas, de seu rosto. Ele estalou os dedos frente aos meus olhos e mostrou o relógio no pulso, olhando-me como se me achasse completamente retardado e lerdo.

Fiz uma rápida reverência e atravessei a rua, tendo mais cuidado dessa vez. Quando olhei para trás, ele já havia sumido.

Por alguma razão, minha mente se prendeu no garoto com voto de silencio pelo resto do dia. Sinceramente aquilo não era comum, ainda mais porque eu achava completamente ridículo pessoas que passeavam com os cães dos outros. Não me pergunte o porquê, talvez nem eu saiba o que tenho contra pessoas desesperadas por dinheiro – mesmo que eu seja quase um. Ou por cães. Ou com vento na cabeça. Ou sem tempo de cuidar dos próprios animais e dar para a responsabilidade dos outros. Ou... Ok, parei.

O que quero dizer é que não costumo perder meu tempo pensando em pessoas aleatórias que vi por meio minuto na rua e não falaram uma única palavra depois de salvar minha vida. Meu dia não passava de: acordar atrasado, me arrumar sem pressa nenhuma, chegar atrasado no trabalho, escrever matérias inúteis, editar matérias inúteis, revisar matérias inúteis, passar para outras pessoas inúteis, comprar o jantar em alguma lanchonete de fast-food e ir pra casa escrever meio parágrafo no meu “livro”, ficar com tédio vendo os filmes repetidos da tv a cabo e meus jogos finalizados, dormir e começar tudo de novo. De segunda a sábado. Nos domingos eu apenas durmo 80% do dia e peço qualquer coisa pelo telefone. Interessante, não é?

E fugi novamente do assunto.

Enfim, passei o dia me perguntando o que havia de errado com aquele garoto. Digo garoto, mas ele não devia ser mais de três anos mais novo que eu. Não que eu seja velho, nem chegara aos trinta ainda. Ele deveria ter por volta dos 25...

– EI! NISHIMURA! Acorde! – Essa voz era a do meu superior. Haha, falando assim parece que faço algo importante, heim?

– Hm...? – murmurei, desencostando a cabeça da mesa branca.

– Tem até as três horas pra me entregar o resto daquela coluna-pra-encher-lingüiça que você estava escrevendo.

– A-ham... – A-ham uma ova, eu só tinha feito o título. E de zoação. “Coluna-pra-encher-lingüiça”.

Olhei o relógio. Meio dia. Eu estava com fome, não havia comido antes de sair de casa, mas eu realmente precisava entregar aquilo, mesmo que o aleatório-com-dez-cachorros-na-mão não deixasse.

Escrevi qualquer coisa idiota criticando a qualidade de um video-game que havia jogado recentemente, que, se você quiser saber, era realmente muito ruim, e como deve ter visto, eu sou bom criticar negativamente as coisas.

Então editei a matéria idiota, revisei a matéria idiota e passei para os outros idiotas, faltando cinco minutos para as três da tarde.

Saí mais cedo que o normal, pegando chuva. Não estava forte, apenas um chuvisco, um projeto de chuva, na verdade. Comprei um café para tomar enquanto caminhava de volta para casa – pediria o jantar por telefone.

De novo, peguei-me vagueando pelo garoto. Não havia nem perguntado o nome, nem dito o meu próprio. Nem sequer agradecido decentemente, apenas gaguejara como um retardado. Perguntei-me se o veria novamente, sem notar que ansiava por isso. E o rosto dele também era bonito. Digo, de todo ele era bonito. Talvez precisasse de uns quilos a mais, mas ainda assim era bonito. E, como praticamente todos ao meu redor, era maior que eu.

Suspirei. Era tão difícil assim alguém ter menos de 1,60 de altura? Há, eu sei que você está rindo, mas venha ter o meu tamanho que você pára logo.

Ouvi uns cachorros latindo e me virei quase que inconscientemente, esperando ver a criatura magrela sendo arrastada por uma matilha de cães mimados. Mas era só uma garota aleatória e seu próprio cachorro mimado. Ridículo. Não ela, eu. Ok, ela também, mas eu principalmente. Que bizarrice, ficar ansioso por ver alguém que você praticamente nunca viu na vida.


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