Never Again escrita por Lunna


Capítulo 1
Long Ago


Notas iniciais do capítulo

Se você não gosta de PO, não leia. ^^Ah, só a Charlotte Yule me pertence, o resto...u.ú 



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Não sentia os dedos da mão, na verdade, não sentia as mãos inteiras. O braço era um perfeito bloco de gelo, e os resto do corpo, bem, era como se não existisse resto do corpo. A garoa fina estava acabando com o que ainda podia sentir de seu nariz e as botas grossas pareciam não querer de jeito nenhum bloquear a droga do frio. O cabelo perfeitamente preto agora parecia uma pasta colada em seu rosto (e olha que era só garoa), e os olhos esverdeados ficavam semicerrados para que ainda, com dificuldade, conseguisse enxergar alguma coisa à sua frente. A rua estava escura e vazia. Também pudera, com a garoa forte e o frio desnecessário que fazia naquela cidade...
Não sabia do que estava reclamando, veio de um lugar muito mais frio, não é mesmo? Mas odiava aquela cidade.
-Charlotte! –alguém chamou. Isso não era o bastante para que desacelerasse os passos ou virasse para trás. Continuou andando e ignorando a voz do garoto estúpido que a chamava.
-Charlotte, espere! –continuava ignorando o garoto estúpido. Estúpido, estúpido! Verdade que não sabia nem quem era que a estava chamando, mas pelo barulho dos passos atrás dela, ele estava correndo. E não gostava de ninguém daquela cidade estúpida mesmo. Lugar estúpido! Pessoas estúpidas! Odiava aquele lugar. Chegou ao ponto de ônibus, dando sinal e entrando no primeiro que viu. Sentou-se e da janela pode ver Jesse a olhando ir embora. Ok, de fato era um garoto estúpido.
Encostou a cabeça na janela tentando recordar-se por que estava em Newark, e o que estava fazendo lá. Não que fosse difícil, visto que estava saindo da aula noturna de pintura, era isso que havia ido fazer em NJ.
E tudo começou do jeito mais estranho...

Havia nascido e crescido em Montreal, Canadá. Charlotte Yule, filha única de um casal formado por uma francesa e um americano. Não via muito seu pai, que estava sempre em viagens de negócios, e sua mãe trabalhava o dia todo. Estudou a vida toda em um colégio só para garotas, era a primeira da sala, tocava piano clássico, falava francês, inglês, latim e italiano com perfeição, tinha talento para desenho e pintura e era motivo de orgulho dos professores e inveja das outras alunas. Isso tudo quando tinha apenas 7 anos de idade. Quando saía da aula seu avô ia buscá-la, e ficava com ele e sua avó até que sua mãe voltasse do serviço, e então, ia para casa. Tudo em sua vida era perfeito: seus modos, sua educação, sua família. Mas, como tudo, inclusive o vaso de porcelana pintado com o maior dos cuidados, e com os mais delicados dos pincéis sempre tem um defeito, um dia, aconteceu. Charlotte acordou com a notícia da morte de seu avô. No auge de seus sete anos entender a morte era algo praticamente impossível, para ela, a morte era estranho. Sabia que não veria mais seu avô, mas não conseguia chorar por isso. Todos compareceram ao enterro, inclusive seu pai. E depois, voltaram para casa.
Lembrava-se bem do que aconteceu nos meses que se seguiram à morte de seu avô: começou a sentir coisas estranhas, a ter sonhos que aconteciam, a ver pessoas que não existiam, e ouvir coisas que não disseram. E isso tudo na escola. Via alunas com uniformes antigos chorando no canto dos corredores, e quando avisava alguém, levava bronca. Aos poucos seu desempenho em sala foi caindo, já não conseguia prestar atenção às aulas, e quando tinha 10 anos já entendia que era diferente das outras meninas. Foi com dificuldade e muito choro que conseguiu que fosse mandada para uma escola mista aos 12 anos. Lá teve os melhores amigos que poderia ter. Todos meninos, é claro. As garotas era fúteis demais para ela, e bobas demais para sua idade. Aprendeu a andar de skate, a pichar muros, começou a tocar guitarra, e assim que juntou dinheiro, fez um piercing no nariz. Quando seu pai viu, ele gritou. Foi a primeira vez que apanhou de seu pai, a primeira vez que viu o olhar decepcionado de sua mãe, e a primeira vez que sentiu vontade de chorar. Mas não o fez. Sorriu e continuou com sua argola no nariz, afinal, o nariz era seu ou não era. Constamente tinha que colocar a cabeça debaixo do travesseiro e forçar-se a dormir, para não ver ou ouvir coisas, e, a cada dia parecia que ficava mais forte. Ela os via no ônibus, na escola, andando na rua... Era infernal.
Aos 14 anos teve seu primeiro beijo, com seu melhor amigo, Sebastien. Ambos acharam nojento. Ele, claro, fingiu para os outros meninos que foi a melhor coisa do mundo. Ela, fingiu para os outros meninos que foi a melhor coisa do mundo, para não acabar com a moral dele, é claro.
No seu aniversário de 16 anos recebeu a notícia do divórcio dos pais. Nenhum lhe deu os parabéns. Então, como se simplesmente nada estivesse acontecendo, Charlotte saiu com os amigos, ficou fora de casa até as 5 da manhã, e voltou bêbada. Foi seu primeiro porre, e a primeira vez que apanhou de sua mãe. No ano seguinte seu pai mudou-se de vez para os Estados Unidos, onde não era segredo nenhum que mantinha outra família. Charlotte não sentiu saudades, sequer foi despedir-se dele no aeroporto, quase não o via mesmo.
Um ano depois ele pediu sua presença em New Jersey. Sua mãe lhe informou –sim, apenas lhe informou, não pediu sua opinião – que moraria com seu pai a partir de então. E assim estava sendo há quase seis meses.
Falar inglês era um saco. Odiava a língua inglesa, cresceu falando frânces.
Americanos era um saco. Todos metidos e achando que tinham o rei na barriga –isso servia para o garoto estúpido que a estava chamando a pouco.
E Newark era um buraco. E seus meio irmãos eram uns babacas com amigos babacas e uma banda babaca. Odiava aquele lugar. Odiava estar ali.


Charlotte desceu do ônibus e a passos rápido s entrou em casa. Pendurou o sobretudo preto de couro e começou a subir as escadas. Andando pelo corredor grande da casa, ouviu as risadas altas vindo de seu quarto. Abriu a porta com violência dando de cara com um garoto de cabelos pretos iguais aos seus, e olhos esverdeados também, praticamente seu reflexo no espelho, com a exceção de que era mais velho (mas o fato que era um homem era relevante, visto que ele usava sua maquiagem), tinha o telefone na mão e estava jogado em sua cama. Parou de falar assim que a viu:
-Ah! Olá Charlie! –disse cínico.
-Sai da minha cama, Gerard. –exclamou irritada. Era tudo um inferno. Tudo.
-Não enche. –respondeu ele continuando a falar ao telefone. De fato, ela devia ter sido muito ruim na vida anterior. Muito ruim. Circulou a cama tirando a alça da bolsa tiracolo roxa que carregava, deixando os chaveiros e enfeites com sininho fazerem o máximo de barulho possível, jogou a pasta de desenhos em cima da cômoda e foi até seu banheiro – olhando feio o rapaz esparramado em sua cama o tempo todo. Arrancou a toalha de rosto de seu suporte, tentando secar o próprio rosto um pouco, a maquiagem borrada ficando marcada na toalhinha branca, horrível, essas manchas não saíam nunca.
-Gerard, você não pode usar o telefone no seu quarto? –perguntou se apoiando no batente da porta, simplesmente odiava que invadissem sua quase inexistente privacidade naquela casa. Seu amado irmão no entanto não se moveu, ainda rindo baixinho e falando ao telefone entretido. Fez a menção de voltar ao banheiro quando o barulho abafado de telefone tocando chamou sua atenção e a de Gerard, que sentou-se imediatamente em sua cama tapando o bocal do telefone:
-Seu celular. –anunciou. Charlotte revirou os olhos e foi até sua bolsa, tirou o pequeno aparelho e quase grunhiu de raiva: era Jesse.
-Atende, fala que eu estou no banho ou algo assim, por favor. –pediu jogando o celular nas mãos de seu irmão, que largou o telefone fixo, olhando entretido o visor do celular da irmã:
-Quem é esse? –perguntou.
-Só faz o que eu pedi, por favor! –exclamou. Gerard apertou o botão para atender o telefone:
-Alô? Oi Jesse, eu sou irmão da Charlie... ah... –uma pausa longa. - ...Sei, sei. É, a Charlie é uma grossa. Eu peço pra ela te ligar mais tarde, ela está no banho agora. Isso! Ta bom, tchau Jesse. –e desligou.
-O que ele disse? –perguntou tomando o telefone das mãos dele, que sorria com um certo toque de malícia e orgulho.
-Andou dando bota em algum garoto do curso? Ele disse que te chamou mas que você fugiu dele.
-Eu não fugi! –se defendeu ela. –Eu não estava a fim de conversar, só isso. E eu estava com frio, molhada até os ossos e tudo que eu queria era vir pra casa descansar. Além disso o Jesse é um saco!
Gerard pegou o fone de volta, rindo.
-Bert, eu te ligo mais tarde, a Charlie ta meio estressada porque eu estou usando o quarto e o telefone dela. Tchau! –e desligou. Charlotte lembrava-se vagamente do tal Bert, e até onde sabia era alguma coisa de Gerard, e seu pai o odiava bastante. E até onde conseguia lembrar-se, Gerard não deveria estar falando com ele, muito menos ligando para ele.
-Você não... –começou, mas Gerard fez sinal para que ficasse quieta.
-Eles não conferem os números que vem na conta telefônica do seu quarto. Desculpa. –levantou-se saindo do quarto:
-Aliás, o Jesse pediu pra você ligar. –disse e riu fechando a porta.
Charlotte se jogou na cama deixando seus olhos se fecharem: estava de saco cheio.

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