Mirna somente assentiu, os seus olhos estavam levemente vermelhos. Logo vi que Derek estava saindo da sala e seus olhos vasculhavam o corredor por alguma coisa – o que provavelmente era por nós.

            Quando Derek finalmente nos avistou, ele começou a caminhar na nossa direção. Mirna percebeu e, logo, começou a caminhar rápido em direção as escadas que davam para o terraço, onde nós sempre matávamos aula.

            Logo, nós estávamos caminhando o mais rápido possível sem chegar a correr, e Derek percebeu e começou a andar mais rápido. Quando chegamos no terraço, olhamos para trás e Derek não havia aparecido, então nos sentamos no nosso antigo bloco de concreto, onde nos sentamos tantas vezes para conversar sobre assuntos que nunca foram muito legais.

            Mirna não estava soluçando, mas as lágrimas escorriam pelo seu rosto. Logo, abracei-a e ela enterrou seu rosto no meu ombro, meus olhos já estavam ficando um pouco úmidos de mais...

            - Como você sabe? – Mirna disse, levantando a cabeça e me olhando.

            - Sabe o sonho? A lembrança? O pesadelo que você vem tendo por um tempo? Então, eu também sonhei com isso. Eu nunca vi o Derek fora daquele sonho, pelo menos não até ontem. – eu disse.

            - Mas... como você sabia que era real? Quero dizer, como você sabia que o Derek do sonho era o mesmo Derek da realidade?

            - Eu não sei, eu só sabia.

            Ficamos mais algum tempo nos olhando.

            - O que ele quer? O que ele está fazendo aqui? – Mirna perguntou, mas parecia mais que ela estava falando sozinha.

            - Estou me perguntando a mesma coisa.

            Passaram mais alguns segundos, nós continuamos abraçados, as lágrimas escorrendo lentamente pelos olhos de Mirna.

            Depois de um tempo que poderia ser cinco minutos ou uma hora, eu ouvi passos subindo a pequena escada para o terraço.

            - Nossa, finalmente! – ouvi uma voz desconhecida, mas que ao mesmo tempo eu sabia de quem era. A voz dele era alta e clara, nem um pouco rouca. Ele falou com um tom um pouco cansado, e ao mesmo tempo de quem poderia estar fazendo uma brincadeira.

            Eu nem Mirna respondemos, estávamos paralisados.

            - Sabe, eu quase fui pego por um monitor quando eu estava vindo pra cá. Ótimo lugar para matar aula, a propósito. – Derek disse, novamente no mesmo tom brincalhão.

            - O que você quer? – eu perguntei, quando eu já estava menos paralisado.

            - Eu? Eu quero uma chance de me explicar. Você é William, não é? Conversei com um tal de Tyson sobre você. – disse Derek, novamente com o mesmo tom.

            - Tyson? – eu disse. Como Tyson poderia sair falando sobre mim para qualquer um?

            - Mirna, você está muito mais bonita. Você mudou bastante desde a última vez que te vi. – Derek disse, ignorando minha pergunta.

            - O que você quer, Derek? – dessa vez, Mirna falou. Sua voz estava fraca e falhou um pouco na metade da frase.

            - Eu já disse, quero poder me explicar. – Derek disse, novamente.

            - Eu acho que não precisamos explicar nada aqui, não é? O que você fez em Phoenix já explicou tudo. – disse Mirna, sua voz um pouco mais firme dessa vez. Era meio estranho ver Mirna falar nesse tom rude com alguém.

            - Na verdade, isso é exatamente o que eu queria explicar. – Derek disse.

            - Explique-se, então. – dessa vez eu falei.

            - Sabe, eu ainda não entendi exatamente o quê você ainda está fazendo aqui, Will. Acho que esse assunto é entre mim e...

            - Will vai ficar. – Mirna interrompeu, me abraçando ainda mais forte.

            - Bom... Se você quer assim. – ele disse, dando um breve suspiro – Eu vim aqui pedir desculpas.

            Eu e Mirna ficamos fitando Derek por alguns segundos, quando o silêncio foi interrompido pela risada doentia e histérica. Se eu não tivesse visto a boca de Mirna se mexer e um sorriso igualmente doentio no rosto dela, eu não teria acreditado que ela poderia produzir tal som.

            - Desculpas? Desculpas? Depois de tudo, tudo, o que você fez, você viaja até aqui para pedir desculpas? – Mirna disse, com o mesmo sorriso doentio no rosto.

            - Na verdade, eu não viajei até aqui. Eu me mudei.

            O sorriso doentio falhou no rosto de Mirna.

            - Então. – Derek continuou – Sabe, eu nunca entendi direito o que os meus amigos tinham contra você, Mirna. Você nunca fazia nada para eles, você sempre ficava quieta no seu canto como sempre, e algumas vezes você falava uma ou duas coisas que os irritavam de vez em quando, mas só isso. Porém, eles tinham uma raiva inexplicável de você. Eu, como já disse antes, nunca entendi.

            “Porém, chegou um dia em que eles tiveram uma idéia doentia, imbecil. Eles queriam fazer uma coisa com você que eu nunca tinha jamais duvidado que eles teriam a capacidade de fazer...”

            - O que? Me agredir e me deixar praticamente desmaiada no meio da rua? – ela disse.

            - Não. Uma coisa pior. Eles queriam te estuprar, Mirna. Eu nunca tinha visto eles sequer pensarem em fazer isso com alguém. Eu não poderia deixar eles fazerem isso, ainda mais com você. Entende, naquela época, eu já gostava de você. Eu não falava muito com você perto dos meus amigos por que eles tinham um ódio mortal por você, então eu estaria, como podemos dizer, “confraternizando com o inimigo” e eu não queria perder a amizade deles. Mas, deixar eles fazerem isso com alguém, ainda mais com você, Mirna, seria insuportável, doentio, maligno.

            Enquanto Derek contava isso, o olhar de Mirna estava vago e as lágrimas estavam escorrendo novamente, minha boca estava aberta. Eu não conseguia acreditar que alguém conseguiria sequer pensar em fazer uma coisa dessas. Tudo bem que os garotos ficassem imaginando coisas acontecendo com Mirna – por ela ser bonita –, mas jamais fazer uma coisa dessas, fazer uma coisa dessa era nojento, horrível.

            - Mas é claro – Derek continuou - que eu tomei uma atitude. Eu falei pra eles que fazer isso seria horrível de mais, que eles poderiam fazer qualquer outra coisa menos aquilo, fora que se a polícia descobrisse eles seriam, com certeza, presos. Logo, eles desistiram de tanto eu insistir que eles não poderiam fazer aquilo. Mesmo assim, eles ficaram com vontade de fazer alguma coisa com você, e decidiram fazer o que eles fizeram com você. Eu tentei impedir, mas não consegui.

            - Você se empenhou tanto em impedir que ao invés de fazer alguma coisa, ficou olhando e rindo do que eles estavam fazendo. – Mirna disse, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto.

            - Mas eu não disse que sou inocente. Mirna, você não sabe como eu me senti depois de que eles fizeram isso com você. Eu me senti um lixo, fiquei com nojo de mim, parecia que na minha pele tinha uma sujeira que era impossível de tirar, minha mente chegou a pensar até em suicídio. Logo depois de tudo o que tinha acontecido entre nós na sexta feira. Mirna, eu te amava. Eu chorei tanto depois daquilo, e eu não consegui encontrar coragem suficiente para ir até a sua casa ou até mesmo falar com você no colégio. E uma semana depois de tudo o que aconteceu, eu fiquei sabendo que você se mudou. Os professores não sabiam dizer pra onde você tinha ido, e os professores nunca gostaram de mim, então nunca me falavam tudo o que sabiam. Eu fiquei por um bom tempo tentando descobrir onde você estava, até que tive que entrar na secretaria escondido para achar os papéis da transferência de escola que você fez.

            - Derek, tudo bem você ter ficado arrependido, mas mesmo assim isso não muda nada. – Mirna disse.

            - Você realmente acha que eu vim até aqui para eu contar tudo isso pra você e então você corresse pros meus braços e me abraçasse dizendo que tudo estava bem? Óbvio que não. Mirna, eu sei que tudo o que eu fiz foi imperdoável, e eu não espero que você me perdoe. Eu só queria que você soubesse da verdade.

            - Eu já sabia da verdade, Derek. Eu já sabia que você era um covarde que prefere manter seus amigos doentes ao invés de impedir a pessoa que você “ama” seja espancada sem motivo algum.

            - Mirna, agora você tocou em um assunto que eu queria falar com você: o motivo que eles te odiavam. Eles não poderiam fazer tudo isso sem nenhum motivo, não é mesmo? Então, eu te pergunto: eles tinham algum motivo para fazer o que eles fizeram?

            - Bom... – Mirna hesitou por alguns segundos – sabe o Ryan? O “líder” do seu grupinho? Ele sempre gostou de mim, desde quando éramos crianças, e quando nós crescemos, ele virou popular e eu não. Eu nunca gostei dele e quando ele começou a ir pro lado “popular” eu já comecei a odiar ele mais ainda. Então, chegou o dia em que ele me convidou pra sair e eu disse que não. Ele continuou a insistir até que chegou o dia em que eu me irritei e xinguei ele e pedi para ele parar de insistir por que eu nunca ficaria com ele. Desde então, ele começou a me odiar.

            - Isso explica algumas coisas. – Derek disse.

            - Mas não justifica o que ele fez! – Mirna disse.

            Ficamos todos em silêncio por alguns segundos. Eu absorto em pensamentos. Então, Derek estava arrependido de tudo o que ele fez? Era isso?

            - Então, Derek, era isso o que você queria dizer? – Mirna disse, a sua voz neutra.

            - Quase tudo. Eu queria, também, que você pensasse nas suas escolhas.

            - Escolhas? – Mirna disse, sua testa franzindo.

            - Sabe, sentimentos não mudam tão facilmente. – Derek disse.

            Derek fez um gesto de despedida com a mão, e desceu as escadas, caminhando rápido.