F.a.i.t.h. escrita por C__


Capítulo 1
Prólogo para o Céu


Notas iniciais do capítulo

Prólogo



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PRÓLOGO PARA O CÉU

In the beginning the Universe was created. This has made a lot of people very angry and has been widely regarded as a bad move.” – Douglas Addams

O deserto. Não aquele deserto saahariano que deve ter vindo a sua mente, mas um deserto estéril e abandonado até mesmo pela areia da ficção. Nada em um raio de milhas e milhas senão terra seca e rachada, carcaças de animais esporadicamente e um incessante vento noroeste que carregava partículas pó e areia tão finas, mas não o bastante para passar sem arranhar uma pele delicada e não acostumada aquele mundo árido.

Todos têm a sua verdade, sem exceção. Governos, religiões, grupos étnicos, você, até mesmo eu, todos temos nossas verdades. Alguns sabem que suas verdades não são verdades realmente, mas isso não significa muita coisa diante dos resultados. E como eu disse, eu própria possuo a minha verdade? A morte não é tão grande coisa assim.

Você sabe disso e eu posso provar.

A única cena realmente destoante nesse cenário era o rastro, a trilha deixada por alguém que obviamente não era um elfo ranger da floresta (sobretudo pq elfos não existem e aquilo não era uma floresta). Pela trilha podia se deduzir que uma criatura de três pernas vagava pelo deserto com passos desproporcionais (editado após assistir um episódio de CSI: alguém vagava pelo deserto arrastando a perna enquanto se apoiava em uma espécie de muleta)

No ano de 2011, a humanidade gastou aproximadamente dois trilhões de dólares em entretenimento. Deixe-me colocar de uma forma mais simples de entender: U$ 2.000.000.000.000,00 em entretenimento. E como entretenimento entenda como televisão, internet, música, cinema, games, livros, revistas, jornais e qualquer outra tralha que não muda em nada a vida de ninguém. Eu poderia fazer um discurso sobre prioridades, dizendo como esse dinheiro poderia ajudar tantas pessoas necessitadas, mas honestamente eu não ligo à mínima. Não é esse o meu ponto, aonde eu quero realmente chegar é: por quê?

De todas as palavras de todas as línguas conhecidas, nenhuma expressão é tão importante. Nenhuma derrubou tantos reis, deuses e grilhões quanto esta: por quê?

Acompanhando a trilha por alguns metros logo se encontra o que ao longe poderia ser entendido como um saco de batatas fugitivo, mas como sacos de batata não fogem (não os meus pelo menos, já que a dispensa tem dois cadeados), aproximando-se dá para perceber claramente que se trata de uma pessoa embaixo do que parece um cobertor de mendigo improvisado como capa. Sim, definitivamente era uma pessoa. Ou fora até um momento próximo...

Por que no ano de 2011 a humanidade gastou dois trilhões de dólares para se esquecer por alguns minutos sobre como sua vida é medíocre e sem sentido? A pergunta é retórica, é claro.

O homem convencional trabalha no mesmo troço o dia todo, todos os dias. Não tem garantia nenhuma de sua vida, mas tem certeza de sua morte. Pensa, logo existe; mas não sabe quem é, onde está, nem para onde vai...  Há um momento em que ele precisa esquecer-se da sua vida medíocre – caso contrário estará propenso a uma depressão, aí não vai trabalhar e isso não é bom para o mundo – e é aí que ele precisa se entreter.


Esse homem convencional é você.


Então você paga por uma TV, um rádio, um livro, revista, filme, jornal...

Embaixo do cobertor imundo improvisado como capa, uma figura esguia e humana que deveria ter sido bela outrora. Sob o semi-putrefato capuz, alguns fios de cabelo ruivo escorriam até a altura do peito (infelizmente quase tão imundos e maltratados quanto o pano que os ocultava). Do que se podia perceber do rosto (alguma coisa do queixo, lábios e nariz), a pele estava ressecada e severamente desidratada, com rachaduras e bolhas nos lábios e podia se notar uma cicatriz na face esquerda. A respiração pesada e extenuada. A mão direita, envolta em bandagens segurava o “manto” fazendo às vezes de broche a altura do pescoço. Pelas pontas dos dedos finos, podia-se observar que se tratava de uma mulher apesar do vento e sabe-se lá o que mais ter acabado com o estado delas...

Fora das telas, a vida não é tão glamorosa. Para cada rei Leônidas e sua história de proporções épicas, existem 50, 100, 200 mil, milhões que morrem sem propósito nenhum. Você já passou um dia no pronto socorro de um grande hospital de uma grande capital? Pessoas morrem o tempo todo simplesmente por estarem no lugar errado, na hora errada. Se você acha que a vida tem um propósito, um sentido, então tente reagir a um assalto e você vai ter cerca de 20 segundos antes do seu cérebro para de funcionar para ver o “propósito da sua vida” se espalhar pela calçada e fim.

A muleta em que se apoiava não era propriamente uma muleta e sim uma armação metálica que parecia ter sido arrancada de um leito de hospital. Ok, esta é uma conclusão bastante influenciada pelo fato dessa figura estar vestindo clássicas roupas verdes hospitalares manchadas com muito sangue seco, sobretudo na região do baixo ventre e das pernas. O fato da grade que usava como muleta estar algemada ao seu pulso também era deveras influenciante a qualquer conclusão...

Embora seja bonito e comovente ouvir como o propósito divino curou a vida da sua tia Gertrudes (que caiu no mesmo percentual de cura espontânea não-explicada dos que simplesmente ficaram em casa assistindo TV), não tão bonito é lembrar como o mesmo propósito divino simplesmente “esqueceu” os outros 200 mil doentes.

Seu ritmo era inconstante e trôpego, se fosse um filme você poderia concluir que acabava de ser baleada e que iria desabar a qualquer momento, entretanto ela não desabou. Nem naquele instante, nem no seguinte, nem no próximo, nem no outro. Seguiu em silencio pelo deserto, o único som que emitia era quando tentava inconscientemente umedecer os lábios ressecados com a língua, mas essa já esta quase tão seca e severamente inchada devido as sede...

Então, a vida é isso. Ela acontece, desacontece, acontece de novo... Sem nenhum propósito, objetivo, mágica ou razão. Como eu disse a morte não é tão grande coisa assim... Já dizia aquela musica que não sai da minha cabeça agora... “life sucks then you die”. Odeio essa música.

Então finalmente seus joelhos se renderam e colapsou no deserto. Ainda sim não olhou para trás ou tentou se levantar, já que não conseguiria fazê-lo de qq forma: apenas se arrastou mais alguns metros adiante pelo solo morto com as mãos antes de perder os sentidos. Apenas mais uma vida consumida pelo Sol apinho do deserto, brusca e estupidamente...

Que merda, essas são as piores ultimas palavras que alguém poderia pensar...

E pensado isso, levou a mão ao baixo ventre uma ultima vez na tentativa de proteger algo que não mais existia e então simplesmente apagou. Tudo ficou escuro e sua vida terminou ali.


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