Morgans Age escrita por Angels Cherry


Capítulo 1
Capítulo 1




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- Becky, mais devagar, por favor – eu disse enquanto brigava com os inúmeros cadernos que estavam prestes a escorregar por meus braços.

 

- Jill, você é muito lerda, vem logo! – Ela se virou para mim por uns dois segundos.

 

Eu não evitei o sorriso aparecendo em meu rosto quando vi a empolgação da minha amiga quase-loira. Só percebi estar sendo levada para o banheiro feminino alguns minutos depois, quando já estávamos bem longe da sala de aula em que supostamente deveríamos estar presentes. Becky abriu a porta com um empurrão e me jogou para dentro daquele cômodo branco e extremamente limpo. Ela jogou seu material no canto do banheiro e indicou para que eu fizesse o mesmo.

 

Suas mãos frias seguravam tremulamente as minhas. Becky sempre fora bem tímida perto dos outros e freqüentemente tremia quando tinha vergonha, mas isso nunca aconteceu comigo, afinal tínhamos essa conexão estranha que surgiu logo no primeiro dia em que pisei na Cormack Jonesy High School. Eu percebia seu nervosismo, mas ao mesmo tempo sua excitação e felicidade.

 

- Jill, - ela começou. Deu algumas fitadas em seus próprios pés para ver se deles saia algum tipo de coragem. Eu estava me divertindo com aquilo. - Toda vez que eu te vejo no corredor eu imagino um anjo caído do céu porque seus olhos castanho-mel indicam o meu caminho. Quando você senta ao meu lado para almoçar eu posso passar minutos vendo seu sorriso sem me importar com nada ao redor e então eu sorrio também. Você ilumina meus dias porque até então eles eram solitários. Você me espera todo dia e por isso eu não sou sozinha... Jill, você é minha cara metade.

 

Eu sorri. Mas não deveria.

 

& & &

 

Quando eu olhei para trás pela última vez enxerguei o edifício do Cormack High School. Nenhum movimento do lado de fora e o interior parecia tão calmo quanto sempre fora. Eu queria chorar, mas tinha prometido para mim mesma no ano passado que nunca mais deixaria coisas como essas me abalarem profundamente. Ajeitei a alça da mochila em minhas costas e fui até o carro que esperava por mim logo a frente.

 

- Não se preocupe, Jill, - a mulher sentada atrás do volante me encarou pelo retrovisor. Ela tinha longos cabelos negros presos num rabo de cavalo e seus olhos azuis contrapunham-se ao ar prepotente dela. – Você vai ficar bem.

 

Eu não tinha tanta certeza.

 

& & &

 

Foram cinco longas horas de viagem. Eu não agüentava mais aquele silêncio que tinha se instaurado no carro. A morena, que eu sabia muito bem se chamar Jennifer Holmes, me encarou pela primeira vez em algumas horas. Ela era uma assistente social e estava encarregada de me achar um lar, uma família que pudesse cuidar de mim até que um julgamento oficial saísse. Mais uma família.

 

Ela não tinha culpa pela morte de minha família de verdade e mesmo assim era condenada a carregar um fardo, mesmo que por pouco tempo: eu. Na verdade eu não era agitada, rebelde ou manipuladora como a maioria dos outros adolescentes, mas aprendi desde cedo ser sarcástica demais...

 

Fitei a casa pelo vidro da janela. Era grande, majestosa, bem construída e dava a impressão de ser a moradia de uma família feliz. Mas não a minha família. Eu abri a porta do carro e fui até a porta da casa, Jennifer vinha logo atrás de mim. Ela colocou a mão de dedos finos e longos em meus ombros e com a outra apertou a campainha.

 

Não demorou muito para que um senhor magro, esguio e de óculos redondos atendesse a porta. Atrás dele eu podia claramente ver uma mulher que provavelmente era sua esposa. Loura, de olhos castanhos e uma saia alta que lhe descia até os joelhos. Engoli em seco.

 

- Oh, você deve ser Jennifer – o homem apertou a mão da minha tutora. Ela sorriu agradecidamente e me encarou, enquanto os olhares da loura e do homem caiam rapidamente para mim. – E você deve ser a preciosa Jill. Muito prazer.

 

- Ela não é linda, querido?! – A mulher se aproximou de mim enquanto se abaixava um pouco para alcançar meu pescoço. Seu abraço me sufocou por um instante, mas ela era quente e bem macia e eu não podia reclamar. – Eu me chamo Daisy, e este é George. Seja bem-vinda.

 

& & &

 

A casa inteira era bem impecável. Por toda a sala se via retratos daquela família perfeita. Daisy tinha me dado um pouco de chá de ervas enquanto George se ocupava em me encher de perguntas. Ambos tomavam cuidado para não cair no assunto sobre a minha família, mas era inevitável. Daisy perguntou coisas como “gosta de panquecas no café da manhã?” ou “qual é sua comida preferida?”. Era bem visível que ambos estavam bem felizes e entusiasmados e eu me sentia uma ingrata por estar sem sorrir.

 

Por isso forcei que meus lábios subissem, nem que fosse um pouquinho, enquanto conversavam com eles.

 

- Espere um pouco, querida. – Daisy disse enquanto se levantava e tomava de minhas mãos a xícara vazia. – Vou chamar o Peter, ele vai adorar te conhecer.

 

Em segundos ela sumiu escada a cima.

 

- Peter é o nosso filho. – George disse. – Ele vai gostar de você... Sempre reclamou de não ter com quem brincar quando criança.

 

Antes que eu pudesse ter reação alguma, Daisy e o tal Peter desciam as escadas. O rapaz era incrivelmente parecido com o pai, mas tinha cabelos loiros como a mãe. Usava um suéter xadrez por cima de sua camisa branca impecável e descia com as mãos no bolso do jeans.

 

Eu sorri para o rapaz, tentando ser cortês, e ele fez o mesmo.

 

- Olá, - ele disse enquanto se sentava ao lado do pai, bem a minha frente. – Sou Peter.

 

Agora eu tinha certeza de que aquela família não poderia ser mais perfeita. Tudo muito limpo e bem decorado, adolescente nenhum pouco rebelde, pais compreensivos e altamente gentis, nenhuma televisão ou vídeo game. Certamente aquilo não era pra mim.

 

& & &

 

O jantar daquela noite foi especial para mim. Daisy cozinhou um mundo de coisas, provavelmente esvaziou a geladeira. George tomava vinho e Peter não tirava os olhos de mim, sempre que podia fazendo um comentário gentil e educado e perguntando coisas sobre meus gostos. Ainda todos tentavam me distrair sobre o fato de toda a minha família ter morrido de repente, me deixando sozinha no mundo.

 

Eu parecia estar dentro do filme “Mulheres Perfeitas”. Daisy até tinha o penteado e as roupas como Glenn Close. Tudo parecia estar de acordo com a cena, menos eu. Enquanto eles usavam seus suéteres limpos e em cores pastel, eu usava aquela regata preta e suja de um dia inteiro, calça jeans rasgadas e meu All Star velho e sujo.

 

- Obrigada pelo jantar, - eu disse quando terminei. Logo me apressei para ajudar os três a tirarem a mesa e lavar a louça.

 

Depois disso fui levada até o quarto de hóspedes, que futuramente seria meu quarto. Tomei um banho bem relaxante, lavando os cabelos castanho-escuros com o shampoo de camomila que estava disponível. Sai do banho quente e mal me enxerguei no espelho... O vapor tomava conta de tudo. Suspirei; nem tinha percebido o quão cansada estava.

 

Entrei em meus pijamas velhos: calça larga e um camisetão dos UCLA Bruins. Quando sai do banheiro Peter estava me esperando com um copo de leite. Ok, eu já estava achando tudo muito estranho antes, mas agora eu tenho certeza de que aquela família não era normal.

 

- Trouxe um copo de leite pra você tomar antes de se deitar. – Ele deixou o copo na cômoda ao lado da cama e deu dois passos em minha direção. – Espero que durma bem... Se precisar, o meu quarto é este logo ao lado.

 

Eu arqueei uma sobrancelha. Uma onda de medo tomou conta do meu corpo. Eu tinha sido colocada num ninho de pessoas perfeitas, bem educadas e vestidas. Talvez uma boa noite de sono me tirasse desse desconforto maligno em que eu estava.


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