Pressionou as pálpebras com toda a força que podia concentrar no local e abraçou as próprias pernas, encolhendo-se no canto da sala escura, com o rosto molhado pelas lágrimas. Qualquer um que o visse perceberia que ele estava aterrorizado, com medo, mas não havia ninguém no cômodo além dele, pelo menos não vivo.

Mas ele sabia que tinha companhia e que não era humana, não mais.

Ele ouvia. Conseguia ouvir o convite para brincadeiras perigosas. Eram sussurros que entravam sem permissão, mesmo quando levava as mãos aos ouvidos, com a esperança de não ouvir mais.

“Vem voar comigo, Bert.” A voz sussurrou, como se fosse um segredo só dos dois. “É tão divertido! É só fechar os olhos e se jogar! Você vai sentir o vento, a liberdade e POW, a dor!” Então veio o riso, um riso que ecoou na sua cabeça e o fez gritar, tentando espantá-lo, mas isso apenas aumentou sua intensidade.

Conseguia sentir. Sentia a presença forte da criança sem vida no centro da sala, o encarando e, quanto mais sentia, mais sabia que não tinha forças para lutar contra. Soube disso desde o começo, antes de todos os seus gritos e suas lágrimas, mas, como um nobre tolo, ele tentou. Tudo o que conseguiu tentando foi uma enorme exaustão e a prova da fraqueza da sua raça.

“Você sabe, não é mesmo?” Mais uma vez, a voz veio em sua cabeça. “Você não tem e nunca terá forças o suficiente para lutar contra mim. Eu estou na sua cabeça, Bert, não tem como me tirar daí.” Mais uma vez, também, o riso agudo e infantil veio em sua cabeça. “Você é doido, tão doido quanto eu costumava ser em vida. Por que você não acaba com o seu sofrimento e vem comigo para o inferno? Aposto que o meu senhor tem uma posição especial para você, ele não me mandaria aqui por nada.”

Não era preciso abrir os olhos para saber que a garota sorria.

“Acaba com o meu sofrimento, Marcela. Me leva com você. Eu não aguento mais.”

Sua voz saiu rouca e quase inaudível, mas também não era preciso abrir a boca para o demônio com aparência de criança tomar conhecimento do seu desejo. Eles estavam ligados de forma que vai além da compreensão humana.

“Como você desejar.” Foi a última coisa que ouviu.

O que aconteceu depois ele não soube muito bem, manteve seus olhos fechados o quanto pode e tentou não sentir, mas, em certo momento, foi impossível, pois ele estava pegando fogo. Demorou alguns segundos para perceber que não era seu corpo que queimava, mas sim sua alma. O corpo não valia nada onde estava.

Abriu os olhos para confirmar o local onde encontrava-se, mesmo que não fosse preciso. O encarando havia aquele que os livros tentam descrever, os filmes tentam mostrar, mas nenhum chega perto. Com os olhos presos nos que o encaravam, os famosos olhos vermelhos, ele soube que não era o fim do seu sofrimento, mas sim o começo.