A Pequena Coleção de Memórias escrita por Scila


Capítulo 6
O Conto da Babá e do Filhote




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O Conto da Babá e do Filhote


Por meses sentiu-se como um idiota. Patético, derrotado, envergonhado, enfurecido, frustrado. Idiota. Daria todo o dinheiro que seus pais tinham por um Vira-Tempo, com a intenção de escapar para bem longe daquele festival de idiotice e mediocridade. Ele não se olhava mais no espelho, olhares furtivos apenas para conferir se não parecia um louco, mas fora isso os evitava como a praga.

Seus pais não estavam em melhores condições, o que contribuía para o estado de calamidade em que se encontrava. Sua mãe era a única que tentava encarar a situação positivamente. Dizia: "Estamos vivos e juntos" quando o pai dele protestava contra mais um dia de miséria e orgulho ferido. Draco, por fora, não demonstrava se impressionar com o argumento. Por dentro estava aliviado que ao menos isso tinham.

O maior problema com a visão positiva de sua mãe, no entanto, era que ela decidira deviam tentar se reaproximarem da sociedade, ao invés de ficarem reclusos como seu pai e ele desejavam. Ela encarava o testemunho de Potter a favor deles como uma chance para um "recomeço". Tola. Draco e seu pai não queriam recomeços, queriam voltar para o passado e arrumar tudo que aconteceu de errado. Homens como eles não suportavam a derrota, ou melhor, suas conseqüências.

Porém, ao contrário do que muitos pensavam, Narcissa era o "homem da casa", por assim se dizer, na mansão Malfoy. E ambos pai e filho relutantemente participavam de suas tentativas e planos, sempre de má vontade e olhos escapando para o outro lado.

O escolhido daquela vez fora ele. Quase que como se carregando uma bola de ferro e correntes, se arrastou para onde que quer ela desejava ir naquele dia, resmungando algo aqui e ali apenas para reafirmar sua posição contrária à situação. Sua mãe o ignorava com classe, como sempre.

A surpresa o pegou quando pararam na frente de uma casa trouxa comum. Quando sua mãe levantou a mão para bater contra a porta, notou, chocado, que ela tremia. Quem poderia morar naquela casa tão ordinária e insignificante que faria sua mãe tremer de nervoso?

Quando a porta se abriu, por um breve instante de horror achou que a mulher que os atendera era, na verdade, sua tia Bellatrix. Vinda dos mortos para torturá-los, o que explicaria o nervosismo. Mas então ele notou as pequenas diferenças, a sutileza na expressão e o cabelo castanho, quase negro. Não, Bellatrix continuava bem morta, felizmente. Na frente deles estava sua tia Andrômeda, a qual nunca soube que existia até alguns anos atrás. Finalmente entendeu a hesitação de sua mãe, o rosto mais branco que o normal, a frieza daquela manhã. Estava tão concentrado em sua própria miséria que não percebera os sinais.

A mulher, com uma frieza similar a de sua mãe mas esperada, os convidou para entrar. E ao pisar naquela casinha normalzinha, pastel, sem graça e totalmente trouxa, Draco se viu encarando sua tia distante. Lá estava uma pessoa que perdera absolutamente tudo na guerra, como numa piada horrível e cruel sem risadas no final. A filha, o marido, o genro, a irmã. Sem notar o fato de que a irmã era responsável pela morte da filha e do genro, talvez até do marido. Como Andrômeda Tonks tinha forças para andar, levantar da cama? Respirar?

E lá estava a outra irmã daquela mulher fria, com seu filho ingrato e responsável pela morte do líder da resistência que ela participara... Merlin, ele teria matado os dois no minuto que colocasse os olhos em ambos.

Mas não. Ela apenas os convidou para a sala de estar e pediu para sentarem. E quando Draco o fez, percebeu o quanto tenso e nervoso estava. Sentiu a mão de sua mãe na dele, lhe confortando, quando Andromeda foi até a cozinha com a intenção de trazer chá.

Queria gritar com sua mãe. "Está maluca? Quem precisa de conforto aqui é você! E perdeu a cabeça? Ela provavelmente foi chamar o Ministério da Magia para nos prender!". Mas nada saiu de sua boca, a voz morrendo na garganta. Sua mãe sorriu, talvez imaginando o que ele queria gritar.

Andromeda voltou, carregando uma bandeja com copos e um bule de chá. Nada de elfos-domésticos, era de se esperar. Tomaram o chá em silêncio absoluto. Draco não entendia por que estava participando daquele reencontro mais frio que um iceberg. Por que sua mãe o trouxera junto? Qual era o objetivo?

- Obrigada por nos receber – ela falou de repente, quebrando o silêncio seguro. - O chá está ótimo.

Andrômeda não respondeu. Talvez estivesse, como Draco, se perguntando a razão da visita.

- Lucius não pôde vir... Assuntos no Ministério.

Merlin... Assuntos no Ministério? Pior tentativa de eufemismo que Draco ouvira. Seu pai estava perante uma corte, tentando justificar suas ações para não ser enviado novamente para Azkaban. E daquela vez a desculpa de Imperio não iria colar. Draco engoliu seu chá com amargura, imaginando o quanto sua mãe estava nervosa para forjar um comentário tão absurdo na tentativa de começar uma conversa.

- Li nos jornais – retrucou seca Andrômeda, o lembrando do jeito de sua própria mãe.

Mais silêncio. Silêncio completamente pavoroso. De repente: choro. Draco levantou uma sobrancelha, confuso. Andromeda, sem explicações, levantou e seguiu para uma das portas próximas, novamente os deixando sozinhos.

- Mãe... Que estamos fazendo aqui? Ela nos odeia. Vamos embora – murmurou entre dentes, querendo aproveitar a chance.

Ela o encarou, visivelmente triste.

- Talvez... - começou, hesitante, mas parou quando a irmã voltou.

Em seu colo estava um menino de talvez 4 anos (Draco não entendia de idade de crianças), seus olhos e bochechas vermelhos graças ao choro, lágrimas escorrendo. O mais bizarro era o cabelo: rosa choque misturado com marrom chocolate. Não entendia o que uma criança fazia naquela casa, então se virou para a mãe, em busca de explicações.

- Ele... Está tão grande – comentou fracamente sua mãe, se levantando e aproximando do menino, que apenas chorou mais ainda.

- Não consegue ficar sozinho por muito tempo – explicou Andromeda, sua voz mais suave e amigável agora.

Draco continuava confuso, e percebendo isso, a tia tão distante lhe explicou, frieza novamente no tom.

- Este é Teddy Lupin. Meu neto. Filho de sua prima Nymphadora.

- Ah... Erm... - balbuciou, incomodado, quase como se tivesse levado um tapa na cara.

As duas Black voltaram a sentar, o menino no colo da irmã do meio. Sentiu-se idiota, mais um vez. A criança pequena agora era um enorme elefante na sala. Mais uma lembrança do que a guerra tirara de Andromeda e o que os Malfoy representavam para ela.

E pior, Draco lembrava claramente como se fosse ontem, Voldemort zombando do "filhote" de lobisomem e o quanto Bellatrix desejava matar os Tonks. Merlin... Ele daria tudo para pular pela janela daquela casa.

- Ele tem as mesmas... Habilidades que Tonks – comentou sua mãe, novamente tentando puxar conversa.

- Sim.

Silêncio. Draco, tinha que admitir, estava com pena de sua mãe. Ela estava realmente tentando.

- Normalmente ele estaria na casa do padrinho. Mas Harry tem assuntos no Ministério.

"Essa doeu", pensou Draco, percebendo a indireta. As semelhanças das três irmãs não paravam na aparência, pelo visto.

- Sim, eu imaginei – retrucou sua mãe, o surpreendendo. - Draco pode tomar conta dele, no entanto. Ele é ótimo com crianças, não é mesmo querido?

Andromeda perdeu uma xícara de chá naquela tarde. Draco encarou a mãe com horror no rosto, mas vendo a expressão suplicante dela, assentiu relutante.

- Posso cuidar dele – balbuciou.

Foi com entusiasmo que Andromeda colocou o menino no colo de Draco. Provavelmente sentia que era uma forma de se vingar dele e de Bellatrix, talvez de Voldemort. Draco com certeza concordava que seria a perfeita forma de torturar inimigos.

Em instantes terríveis, ele estava sozinho com a criança. Sua mãe e a irmã sumiram, o abandonando sem hesitação (pelo menos foi o que ele achou que aconteceu, de tão chocado que estava). Lembrava vagamente de instruções ("Ele não gosta de caretas", "Cuidado para não derrubá-lo!" "Ele gosta de mexer em cabelo, não se assuste.", "Se ele mudar de aparência, peça para voltar ao normal, não quero incentivar!", "Estaremos na cozinha, querido."). Mas não registrou metade delas.

De longe o menino parecia bem mais inocente. Agora de perto (até demais), Draco começava a notar os pequenos sinais da tragédia na qual se encontrava. Primeiro foi o rastro de neneca que saia do nariz de "Teddy" e escorria na direção da roupa de Draco. Depois veio o choro. O interminável choro. Que, por conseqüência, gerava mais neneca.

Sem idéia do que fazer, o pegou pela cintura e levantou seu pequeno corpo até o ar, com toda a intenção de afastar o moleque de suas roupas. Em resposta o menino chutou sua cabeça.

- Bosta de hipogrifo! - resmungou, colocando Teddy no lugar ao seu lado do sofá.

- Buosta!

Draco virou para o menino, estreitando os olhos. Só ele tinha o direito de xingar naquele lugar.

- Di hipo! - o menino riu da própria piada. Draco não entendeu.

- É isso mesmo. Uma grande bosta de hipogrifo do tamanho da sua cabeça gigante.

O menino riu mais uma vez, apontando para Draco. Ele tinha cara de palhaço agora?

- Quer ver um tuque?

- Um que?

- Tuque! Trruqui.

- Vá em frente – deu de ombros, contente que a distância entre eles aumentara.

O cabelo do menino ficou idêntico ao de Draco, com direito ao gel.

- O meu é mais bonito – retrucou, um pouco ofendido em ver o quanto o penteado era ridículo na cabeça do menino.

Teddy riu de novo. E Draco notou que não era tão difícil assim cuidar de uma criança (quando ela não está melecando você).

- Quem é você? - ele perguntou, de repente, o nariz mudando lentamente para refletir o de Draco.

- Draco Malfoy.

- Hmm. Dlagão!

- Não. Draco. Latim para...

- Dlagão! Dlagão voador! - o menino urrou, insistindo no erro.

- Que seja – suspirou.

- Veio me ver?

- Não.

Os olhos do menino começaram a se encher de lágrimas.

- Claro que vim – corrigiu Draco, quase sarcástico.

Teddy riu, mudando de humor imediatamente. O nariz e cabelo de Draco numa criança de 4 anos deixaram o rosto do menino totalmente desproporcional e Draco entendeu a razão de Andromeda preferir não incentivar as transformações.

- Você já provou que eu sou feio, que tal voltar ao normal?

O menino riu de novo, mais alto dessa vez. Devagar voltou a aparência original.

- Voe Dlagão! - ele pediu estendendo os braços, querendo ser pego no colo.

Draco levantou a sobrancelha. Não queria levar um chute outra vez, mas agradar o menino ajudaria sua mãe...

Pegou sua varinha e com cuidado levitou o menino para o alto. As risadas aumentaram, Teddy abrindo os braços como se batesse asas, fingindo ser um dragão. Draco se pegou abrindo um sorriso com a facilidade de agradar a criança. Teddy apoiou as pernas contra as costas do sofá e se impulsionou para frente, avançando para Draco e o abraçando no pescoço.

- Di novo!

No mesmo momento Andromeda e sua mãe voltaram, com sorrisos nos rostos. Sua tia pegou o menino no colo de volta e sua mãe colocou a mão no ombro de Draco, quase que orgulhosa.

Não soube o que houve entre as duas para fazerem as pazes, mas ficou contente que a missão de sua mãe fora um sucesso. Quando voltaram para a mansão, sua mãe lhe abraçou.

- Sinto muito, Draco. Fiz você passar por um mal bocado lá. Mas obrigada.

- Eu não fiz nada...

- Você aceitou cuidar de Teddy. E o menino gostou de você.

- Mais riu de mim que...

Sua mãe riu também.

- Draco... Teddy é tudo que Andromeda tem... Tinha. Ele gostar de você prova que ainda há chances para reconciliação.

- Ah... Foi um teste?

Novamente ela riu.

- Quase. Andromeda disse que Teddy só ri assim com Potter. Entende?

- Ah. - O que queria dizer "Não".

- Que tal cuidar de Teddy semana que vem? Potter vai viajar com a noiva.

Os olhos dele se arregalaram. Bosta de hipogrifo, ele virara babá de filhote de lobisomem!


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