Já era tarde, eu e Gadrel vagávamos pela cidade a procura de um hotel barato e decente.

   - Boa noite, o senhor tem dois quartos de solteiro? - perguntou Gadrel.

   - Sinto muito, mas só temos um quarto sobrando, e é de casal.

   Gadrel se virou pra mim e perguntou:

   - O que acha?

   - Tanto faz - respondi - desde que eu durma. - eu estava morrendo de sono e cansaço.

   - Aqui está, quarto 32, é seguindo o corredor. - disse o atendente entregando a chave do quarto.

   Entramos no quarto e logo me joguei na cama, de sapato e tudo, estiquei os braços ocupando todo o espaço do colchão e perguntei:

   - Vai dormir a onde?

   Gadrel olhou em volta, tinha um sofá no quarto.

   - Parece que ali. - respondeu ele apontando para o velho e muito usado sofá.

   E lá estávamos nós, deitamos em nossas "camas" com as luzes apagadas e com o maior sono que alguém poderia ter, mas sem conseguir dormir. Agora o silêncio que tantas vezes me fazia bem me dava aflição e vontade de gritar.

   - O porquê de eu ajudar você. - disse Gadrel.

   - Han?

   - Sobre o que eu estava falando com Azazyel. O porquê de eu ajudar você.

   "Que conversa inútil" pensei.

   - E... - disse para que ele desse continuidade.

   - E dai que Azazyel só não te levou para Lúcifer aquela hora porque me devia um favor.

   - Que favor? - perguntei sem muito interesse.

   - Você quer mesmo ouvir essa história?

   - Não, mas talvez eu durma enquanto você a conta.

   - Bem, Azazyel teve um problema, que não acho necessário citar, e eu o ajudei. Mas na época eu disse que o ajudaria somente se ele me mostrasse suas obras, que eram as espadas. Aprendi a manuseá-las e ferir pessoas com elas. Mas mesmo me mostrando suas criações, Azazyel ainda estava em débito comigo, por isso quando soube que eu te ajudava queria saber o porquê e para chamar minha atenção era só ele se aproximar de você.

   - Tá, e se vocês são tão amigos porque deu um soco no nariz dele?

   - Ah, me deu vontade...

   Se as luzes estivessem acessas com certeza ele teria visto meu olhar de "que idiota", que por acaso ele via com muita freqüência.

   - Nyx.

   - O que?

   - Você já pensou na possibilidade de isso tudo, essa rebelião/invasão e até mesmo nossa perseguição, ser apenas uma máscara para esconder algo bem maior?

   - Já.

   - E já pensou na possibilidade de Lúcifer não estar atrás de você e sim de mim?

   Ta legal, alguém naquele quarto estava se achando demais.

   - E porque ele iria atrás de você? - perguntei.

   - Bom, eu era um dos líderes de falanges que tinham mais de cem sentinelas.

   - E...

   - Olha, para um minuto e pensa, você não é nada para Lúcifer além de algo que ele possa usar para chantagear alguém, além disso, ele não é idiota, não quer o céu, pra ele não faz diferença, e mesmo que quisesse saberia que não iria ganhar essa batalha, o que ele quer é se divertir. E como ele faz para se divertir sem ninguém pegando em seu pé?

   - Extermina os "pés-no-saco"?

   - Exato. E quem são esses?

   - Todos que moram no inferno...?!

   - Aham, mas demônios e outras criaturas para ele são fáceis de destruir, afinal foi ele quem os criou. Mas sobram algumas criaturas, os anjos caídos, que são um problema para ele.

   - Porque são imortais... - completei.

   - É, então qual a grande idéia dele?! - há essa hora Gadrel já havia acendido a luz, sentado aos pés da cama e começado a falar – Ele juntou todas essas criaturas e disse que faríamos uma rebelião, uma invasão ao céu. Mas porque isso?! Simples, quando todos invadirem o céu serão destruídos, inclusive os imortais, que só podem ser feridos ou aprisionados por um anjo celeste, este com a permissão de Deus, claro. Assim todos morrem e os que sobrevivem são aprisionados, deixando todo o inferno para Lúcifer fazer o que quiser.

   Fiquei quieta, aquilo tudo fazia sentido demais! Pensei antes de perguntar algo para não parecer idiota.

   - E afinal o que ele quer fazer? – perguntei.

   - O que todos os vilões querem: “dominar a raça humana” ou o planeta Terra e porque ele quer isso?! Simples, acabando ou dominado os humanos não haverá mais fé e sem fé...

   - Não haverá Deus. – completei.

   Ele fez que sim com a cabeça.

   - Ta... Certo, só não entendi porque eu sirvo de “chantagem”?!

   - Bem, você sabe que eu “sumo” bastante né?!

   - Ahaaam!

   - Então, numa dessas sumidas eu estava falando com Lúcifer. E ele disse que perdoaria minha traição se eu fosse um dos líderes de falanges. Mas eu recusei e agradeci. Então ele disse que eu não estava em posição de recusar e que se fizesse isso coisas ruins poderiam acontecer com uma amiga minha.

   - Uma amiga que cuspiu na cara dele e que não é imortal?

   - Essa mesma. – disse ele olhando fixamente em meus olhos. – Lembra aquele dia em que uma criatura me atacou no outro hotel?!

   - Lembro.

   - Pois é, aquele monstro não queria me atacar, queria TE atacar, mas não por que estavam atrás de você pelo que tinha feito no salão, era mais como um aviso pra mim do que iria acontecer contigo se eu não concordasse em fazer parte da rebelião.

   - Ah, então isso já faz um tempinho... Agora me diz: quem mais sabe disso que você me contou?

   - Ninguém.

   - E porque você não avisa todo mundo?

   - Você é mais burrinha do que eu pensei. Nyx acorda! Quem vai acreditar em mim, o anjo caído que ajuda a demônio que cuspiu na cara de Lúcifer e se recusa a participar dessa rebelião, me diz quem vai nos ouvir, sem antes nos matar ou capturar.

   É talvez Gadrel não fosse tão idiota, talvez Lúcifer fosse mais filho-da-puta do que eu pensava. Talvez... Talvez...