Capítulo 29 – Paixão

Assim que Lilian se recuperou do recente choque no Awakening, que com o despertar e os poderes das princesas, havia criado uma passagem direta para End of the World, quando puderam finalmente selar o Kingdom Hearts de ambos os lados, ela e Zack criaram um portal para Twilight Town com suas keyblades.

A passagem criada levava à frente da velha mansão no bosque. Os portões pareciam ter sido arrancados a força de suas dobradiças, o que alarmou o grupo. Sora, Donald e Goofy, seguidos pelo rei e Riku, correram para a construção. Assim que deram de cara com o hall de entrada, Leon apontava sua gunblade para os visitantes. Quando o moreno percebeu de quem se tratava, ele relaxou os músculos, abaixando a arma e com uma expressão de alívio tomando conta.

- O que aconteceu?! - Vaan foi o primeiro a perguntar assim que teve seu olhar caindo sobre as sete princesas.

- É uma longa história a ser contada. - o rei interveio. - Mas qual é a gravidade da situação?

- Nenhuma perda, vossa majestade. - Leon relatou. - Tifa está seriamente ferida, mas Aerith está cuidando dela no andar de cima. Cloud e Yuffie estão com elas, mas apenas alguns arranhões feios. Estranhamente, os heartless começarem a desaparecer do nada, então foi fácil conter a situação com os poucos que ainda resistiam.

Riku e Sora pareciam aliviados a ouvir aquilo.

Cid, que parecia pensativo naquela situação, teve seu olhar caído sobre Vaan.

- E como voltaremos? A Ragnarok já não tem mais condições de voar. A High Wing também está em uma situação semelhante. - o piloto comentou enquanto esperava uma resposta.

- Nós estamos cansados demais para criar qualquer portal com o auxílio da keyblade. - Riku avaliou.

- Se precisam de uma Gummi Ship, a nossa ainda está em bom estado. - Goofy interveio ao olhar para Sora e Donald.

- Mas creio que não há espaço para todo mundo. - o pato falou com desânimo.

- O sistema de comunicação está funcionando? - Vaan perguntou, e todos os olhares caíram sobre ele.

- Com a interferência dos heartless, nós não conseguíamos nos comunicar com fora deste mundo, mas já que eles não estão mais aqui, eu creio que sim.

Com a alegação de que tinha a ideia para tirá-los de lá, ele chamou Cid, e como Goofy de guia, eles desaparecerem por uma das portas do hall.

O silêncio imperava. Lilian estava quase agonizando com aquilo. Seu olhar caiu em Kairi, que estava nos braços de Sora. Eles pareciam ter uma conversa silenciosa daquela maneira, o que inconscientemente fez a moça de cabelos castanhos cor de mel esboçar um leve sorriso.

Zack estava ao seu lado, apenas alheio ao local. Preso em seus próprios pensamentos, ele parecia recordar a cena no Awakening, após o selamento dos portões brancos do Kingdom Hearts.

Você a ama?

Quando foi feita esta pergunta, a resposta saiu de maneira tão natural. Se fizessem essa mesma pergunta meses atrás, o rapaz poderia negar. Negar para si mesmo o que sempre esteve óbvio.

Ele sabia que precisava contar a ela algum dia. Lilian não esperaria para sempre. Mas não saberia se o sentimento seria recíproco. Porém, seus devaneios se foram ao perceber que Vaan voltara ao recinto.

O piloto mais novo tinha um sorriso na face.

- A nossa carona virá em breve. - ele anunciou.

Logo em seguida, um grupo formado por Vaan, Cid, Goofy e o rei saíram com a alegação de que dariam uma volta por Twilight Town e avaliar os danos da cidade e das duas naves caídas.

Algumas horas haviam se passado. O grupo havia acabado de voltar da visita à cidade. A Ragnarok foi a nave que mais sofreu com a queda, e precisava trocar a maior parte do sistema de motor, enquanto a High Wing precisava de impulsos para que o gerador secundário fosse ativado, já que Vaan havia desativados os controles automáticos que acionavam o gerador para que tivesse mais potência no principal, que havia sido seriamente avariado.

Os dois pilotos não contavam de onde vinham os reforços, o que intrigava alguns, já que vários mundos ao redor estavam provavelmente se recuperando das eras de trevas que havia assolado parte do vasto universo.

Horas depois, sons distantes que pareciam ser de algo funcionando vinha do lado de fora da mansão. Lilian e os outros correram para averiguar. Havia uma frota formada por três naves rondando o céu de Twilight Town.

- Nossa carona chegou. - anunciou Vaan, enquanto acenava para o alto.

As naves pousaram mais além. O jovem piloto correu na frente para os bosques, em direção ao centro de Twilight Town.

Mais a frente, Ashe liderava o grupo de pilotos de Rabanastre. Ao encontrar o grupo preso naquele mundo, ela abriu um sorriso, além do alívio que batia sobre ela.

Mickey a cumprimentou, enquanto ela reverenciava brevemente.

- Eu fico feliz por ver todos bem. - ela disse delicadamente.

Zack olhou para ela, e depois localizou Lilian com o olhar. Seguiu até ela e esboçou um sorriso.

- Ela é Ashe de quem eu falei que conheci em Ivalice. - ele explicou para a amiga, que olhava admirada não só para ela, mas também para o porte das três naves atrás dela.

O grupo voltou a seguir pelo bosque para a mansão, onde Aerith os esperava no alto da escada do primeiro andar, e abriu um sorriso ao vê-los.

Primeiro, eles carregaram Tifa até uma das naves, onde ela seria cuidada por um curandeiro que veio. Aerith a acompanhou, juntamente com Yuffie e Cloud. Leon seguiu para outra nave com Riku, o rei e as princesas. Na terceira nave, os tripulantes se resumiam a Cid, Vaan, Zack e Lilian. Sora, Donald e Goofy usaram a nave que estava sob custódia deles, que ainda funcionava perfeitamente.

O primeiro destino do grupo era Traverse Town, onde se reuniriam para discutir por onde começariam as providências tomadas com relação aos mundos sucumbido as trevas.

- Nós iremos reconstruir Radiant Garden, assim como fizemos uma vez. - Aerith disse determinada.

- Eu voltarei para Agrabah. - comentou Jasmine. - Cada uma das princesas devem começar pelos seus respectivos mundos e reerguê-los.

- Vaan e Cid, eu quero que vocês mandem um sinal para cada canto do universo. Muitos habitantes de vários mundos se exilaram nos mais diversos lugares. Nós temos que avisá-los. - Mickey pediu, enquanto analisava a situação. - Enquanto isso, cada um de nós portadores devemos nos concentrar em selar os corações dos mundos.

Nos dias seguintes, os grupos se dividiam e marchavam para vários mundos.

Sora, Donald e Goofy começaram por Atlantida e Port Royal, enquanto Riku e o rei iriam para Neverland. Lilian e Zack seguiriam com as princesas para ajudá-las. Vaan e Cid voltaram a Twilight Town, para dar início ao processo de reconstrução das naves.

Em dias, várias naves apareciam por Traverse Town. Os refugiados começavam a aparecer e se voluntariar a reconstruir seus mundos, principalmente Twilight Town e Radiant Garden, que foram os mundos que mais haviam sofrido danos.

E foi durante um de seus poucos momentos de descanso em que Zack foi pego de surpresa por ela.

O rapaz estava sentado próximo à beirada da Torre do Relógio, que dava para se ter uma bela visão da noite eterna de Traverse Town. Ele estava apenas descansando, sem pensar em nada específico. Acabou por não notar quando a moça ruiva apareceu.

- Porque não se junta aos seus amigos lá embaixo? - Kairi perguntou, surpreendendo o rapaz, que levantou num salto. - Não precisa se assustar. Eu não farei nada.

- Não é isso... - ele começou a dizer, mas percebeu que estava nervoso demais para agir naturalmente. Respirou fundo e a encarou. - Eu apenas não percebi a sua chegada.

Zack desviou o olhar logo em seguida. Preparou para sair, quando Kairi voltou a falar mais uma vez.

- Não precisa sair. - ela disse calmamente. - Eu peço perdão por tê-lo surpreendido. Mas gostaria de conversar?

O loiro voltou a fitar a ruiva com seus orbes castanhos.

Desde aquele dia, sua mente estava cheia de perguntas, e quanto mais procurava por respostas, mais dúvidas surgiam, o que o deixava mais confuso. Aquele seria o momento de responder pelo menos algumas dessas dúvidas.

Zack voltou a andar para a beirada, onde se sentou, e acenou um lugar ao seu lado para que a sétima princesa fizesse o mesmo.

Alguns poucos minutos, que pareciam ser eternos, fizeram o garoto refletir e organizar seus pensamentos para o que perguntaria primeiro. Então a mais recente dúvida em sua mente brotou de seus lábios de forma séria.

- Momento antes de você trazer a Lil de volta lá no Awakening, - ele respirou fundo, enquanto percebia o olhar atencioso da moça sobre ele. - o que você quis dizer com “guardião de nossos corações”?

Kairi deu uma leve risada, e quando começou a falar, ela não tirou o pequeno sorriso meigo de sua face.

- Após minha captura em Radiant Garden, eu e as outras seis princesas resistimos as investidas das trevas contra os nossos corações, nós conseguimos achar uma maneira de escapar, por mais que fosse temporária. - ela comentou. - Tentei entrar em contato com Sora, mas quando Riku e o rei nos acharam, ele havia desaparecido para me procurar. Ele corria perigo se me achasse, então eu impedi qualquer passagem que levasse ele a The World That Never Was.

- Foi quando as princesas se reuniram no Awakening, certo?

- Uhum! - ela assentiu. - Nós sabíamos que a criança não estaria segura se ela crescesse com o rei. Eu precisava escolher alguém de confiança, que tivesse um coração forte e determinado para que cuidasse bem da criança até que a hora chegasse.

- E porque eu? - Zack perguntou. - Eu não sou forte quanto deveria. Quase sucumbi às trevas!

- Eu sei, mas tive fé em você. Desde o início, por isso pedi ao Riku que levasse a criança para Twilight Town. Eu me comunicava com você através dela nos seus sonhos. Quando a keyblade apareceu para vocês dois, eu precisava mais do que nunca que a protegesse. Eu sabia da paixão que você nutria secretamente por ela, por mais que tentasse negar, então eu fiquei mais aliviada, até que seu coração mostrou sinais de que estava prestes a ceder. Naquela ilusão, eu precisei reunir forças o suficiente para pará-lo. - ela explicou. - Porém, quando você finalmente admitiu para o seu coração que a amava, eu pude conceder seu desejo de trazê-la de volta. Eu agradeço muito por ter cuidado bem da Lilian.

O silêncio voltou a predominar entre a dupla.

Zack estava feliz por dentro. Lilian, a garota que tanto amava, havia sido deixada justamente com ele. Por mais que não se sentisse merecedor desse presente, ele estava feliz por tê-la consigo.

- Eu acho que devemos ir. Não vão demorar a procurar por nós. - Kairi comentou quebrando o silêncio.

O rapaz assentiu. Viu a ruiva se levantar e ajeitar as vestes, enquanto ele ainda contemplava o céu noturno de Traverse Town. Levantou-se, e antes de se virar para encarar a ruiva, ele se preparou para falar.

- Eu sinto muito.

- Por quê?

- Por meu péssimo comportamento no Awakening. Eu não deveria ter gritado daquele jeito. - o rapaz falou sem graça.

- Não se preocupe. Eu creio que Sora teria agido da mesma maneira.

E sem mais nada a dizer, Zack conseguiu abrir um sorriso, e junto com Kairi, voltou para o Primeiro Distrito, onde todos estavam reunidos enquanto descansavam antes da próxima expedição.

- A propósito, o rei ainda irá anunciar, - começou Kairi antes de descer as escadas da torre. - mas haverá um grande baile em Disney Castle assim que tudo estiver terminado.

- Um baile?

- Todos estarão lá.

Zack ficou pensativo por um momento. Com certeza seria uma festa no mesmo estilo ou até mais grandiosa do que teve em Nárnia, antes de voltar. Porém, aquela festa o fez lembrar de algo.

- Como é Destiny Island? - o garoto perguntou curioso.

- Ah, é um lugar maravilhoso. - foi o que Kairi conseguiu responder de imediato, demonstrando um pouco de surpresa pela pergunta. - O imenso mar azul é lindo, principalmente na hora do crepúsculo. É um belo lugar. Mas porque a curiosidade?

- A festa poderia ser lá! - ele comentou animado. - Por favor! A Lil viu o mar apenas em Nárnia, e por muito pouco tempo. Mas ainda posso me lembrar do brilho no olhar dela. - o rapaz contou com um ar quase sonhador.

- Que assim seja. – a ruiva assentiu sorridente.

A dupla então deixou o topo da torre para ir ao encontro do grupo.

x-------------------------x------------------------x

Já havia se passado um mês desde que Lilian e Zack haviam derrotado Xehanort e o Kingdom Hearts selado pelas keyblades. E também um mês que Lilian havia renascido. Quando saíram de Twilight Town, a própria Kairi, em companhia de Riku, contou tudo o que havia acontecido naquele dia, já que para a jovem, tudo parecia muito nebuloso.

Twilight Town e Radiant Garden estavam sendo reerguida aos poucos pelos habitantes, que a cada dia surgiam mais voluntários dos mais diversos mundos.

Lilian, quando não estava em algum mundo ajudando na reconstrução, ela se encontrava em Disney Castle, onde gostava de andar e colocar os pensamentos em ordem.

Ela já tinha conhecimento da festa que o rei e a rainha planejavam para acontecer em dos dias em Destiny Island, o mundo natal de Riku e Sora.

Quando o dia havia chegado, a moça não conseguia esconder a ansiedade. Riku havia dito à garota que fosse com uma roupa simples, pelo fato do clima ser um pouco quente nas ilhas.

Vestida com uma saia simples de pregas e blusa de alças sem detalhes, ela optou por soltar os cabelos castanhos cor de mel. A High Wing, que havia conseguido ser retirada dos escombros de Twilight Town e reconstruída por Vaan, com a ajuda de Cid e dois mecânicos de Ivalice, estava pronta para partir.

Zack já estava quase a bordo quando a garota o encontrou. Ele parecia um pouco animado com tudo aquilo, pois eles realmente precisavam descansar depois de tudo o que haviam passado.

Riku, Kairi e Sora já haviam ido para Destiny Islands dias atrás. Eles terminariam os preparativos para a festa e recepcionariam os convidados.

Quando a High Wing pousou no hangar destinado às naves, Lilian pôde sentir a leve brisa marinha, que além do aroma, refrescava daquele calor da qual não estava acostumada.

Quem estava lá para recepcioná-los era Kairi. A moça de cabelos vermelhos exibia um sorriso simpático na face, enquanto observava os visitantes se aproximarem.

- Eu espero que tenham feito uma ótima viagem. – ela falou. – Sora espera por vocês na praça do vilarejo. E me atrevo dizer o quão ele está ansioso para vê-los.

O grupo seguia a jovem ruiva pelas ruas da ilha. Lilian e Zack permaneciam em silêncio, enquanto Mickey e Minnie conversavam animadamente com a guia. Vaan optou por ficar na High Wing e avisou que logo se juntaria aos outros.

As ruas estavam enfeitadas, com várias bandeirolas coloridas, e pessoas animadas eram visíveis em frente às suas casas. A praça que havia adiante estava tumultuada. Pessoas conversavam animadamente, enquanto crianças corriam e brincavam.

- Donald! Goofy! – uma voz familiar gritou animadamente.

Ao se virarem, eles depararam com Sora, que corria até eles acenando com a mão para o alto.

- Pode ter crescido, mas ainda parece àquela mesma criança de antes. – comentou o pato, que gerou risadas entre o grupo.

- Sabe muito bem que ele nunca deixará esse jeito Donald. – disse Kairi quando o rapaz de cabelos castanhos parou para respirar.

O moreno cumprimentou a todos. Notificou de que Riku estava esperando todo mundo para se juntar ao início dos festejos. Também falou que o grupo de Radiant Garden, já que o mundo estava reconstruído o suficiente para Leon e os outros voltarem para lá, já haviam chegado.

O grupo seguiu para a praça principal.

Ao chegarem lá, Lilian ficou boquiaberta com o que via. A praça estava ricamente decorada com enfeites coloridos e brilhantes, que com a luz do sol, brilhavam de uma maneira quase que cegante.

Mas em meio a tanto brilho, a moça conseguiu distinguir Riku. Seus cabelos prateados reluziam, e ele parecia beber alguma coisa enquanto falava com um rapaz de cabelos loiros e espetados que também parecia bastante alegre.

Quando o olhar do rapaz de cabelos prateados encontrou os visitantes recém-chegados, ele se aproximou e cumprimentou a todos. Porém, por mais que ele aparentasse estar animado, Lilian podia ver claramente uma tristeza profunda no seu olhar. Queria poder conversar, mas aquele momento não se mostrava adequado para isso.

Minutos depois, uma música animada começou a tocar na praça. Muitos começavam a dançar. Alguns exibiam um show, enquanto outros pareciam mais tímidos para se juntar a toda àquela animação.

Quando o sol começou a se pôr no horizonte, as cores do céu tomaram um tom vermelho-alaranjado. Quando a moça olhou para aquela cena, ela apenas se lembrou de Twilight Town. Casa. Era como podia definir aquele lugar que fizera parte da sua vida por tanto tempo.

A noite veio em seguida. Uma brisa suave e reconfortante percorreu pela praça. E com ela, um aroma quase que nostálgico de um tempo que parecia distante.

Lilian afastou-se aos poucos da festa discretamente. Esboçou um sorriso ao ver toda a felicidade do local, e deu as costas para seguir pelas ruas quase desertas do vilarejo.

Após uma breve caminhada, ela chegou onde queria. Uma imensidão de água sem fim, que poderia levar alguém para qualquer lugar e lugar nenhum ao mesmo tempo. As ondas se quebrando na praia, o aroma da maresia invadindo suas narinas e a sensação de nostalgia. Ali estava o mar.

As palmeiras cercavam aquela região, assim como algumas rochas, e mais a frente, no mar, um enorme banco de areia, que tinha uma árvore com o tronco torto.

A moça retirou seus sapatos para sentir a areia fofa e úmida sob seus pés. Por alguma razão, ela gostava daquela sensação. Continuou a caminhar até a praia, até sentir as ondas quebrarem e molharem seus pés. Pela água cristalina, ela pôde contemplar o seu reflexo. Olhou para o céu, que continha milhares de estrelas. Sentou-se na areia, e se preparava para deitar. Mas assim que fez isso e olhou para cima, ela viu o olhar esverdeado de Riku encarando a jovem.

Ela se levantou num salto, com o coração batendo forte, devido ao susto que tomou ao ver o rapaz ali. Lilian ao menos nem havia percebido sua aproximação. Quando estava mais calma, ela deu uma tapa em seu peito enquanto bufava de raiva.

- Não faça isso! - garota disse levemente corada.

O rapaz de cabelos prateados deu uma leve risada. Aquela risada que Lilian ouviu quando o conheceu. Deu uma tapa nele mais uma vez.

- Calma! Calma! – ele mostrou as mãos em redenção. – Eu não quis assustá-la.

- Idiota! – a garota exclamou e desviou o olhar para o mar.

O rapaz ainda riu mais um pouco, porém logo sua expressão mudou para algo sereno e suave.

- Você era desse jeito quando te conheci. – ele comentou com um sorriso na face.

A garota suavizou a expressão de raiva momentânea. Tudo parecia tão distante. Ela suspirou e contemplou mais uma vez o oceano. Porém, algo parecia reluzir próximo à praia. O rapaz de cabelos prateados e seguiu seu olhar. Num ato impensado, ela correu para dentro da água. O objeto que flutuava era uma garrafa.

Ela o pegou e correu de volta para onde o outro estava.

- Há um pedaço de papel aqui dentro. – ela disse ao destampar a garrafa.

- Deve ser alguma mensagem. Leia então.

A garota abriu o papel, que parecia desgastado. Atentamente, ela leu em voz alta.

- “Posso não saber quem são vocês, mas vocês sabem quem eu sou. Sou aquele que ainda mantém a esperança, a luz no coração das pessoas.” – ela leu, e ao estranhar o restante do conteúdo, seu olhar confuso caiu sobre Riku.

- Eu me lembro dela. Foi eu quem a escreveu. – ele disse. – Quando Sora e Kairi haviam sumido. Eu vi mundo após mundo cair perante as trevas. Tentei salvar todos, mas falhei. Porém, eu ainda precisava ter esperança. Eu escrevi isso esperando que alguém achasse e pudesse manter a fé na luz, pois esse era o único jeito de derrotar a escuridão.

A garota lançou um olhar consolador a ele, que pareceu não perceber.

- Então eu reencontrei você. Crescida e determinada. A minha única esperança.

- Riku, eu...

- Sabe Lilian, desde aquele dia na Torre, eu não conseguia parar de pensar nesse olhar esmeraldino. – ele comentou, e se aproximou um pouco da jovem. – Não me recriminaste quando contei a verdade. Você me aceitou mesmo assim. Lil, eu não podia negar para o meu coração que eu estava perdidamente apaixonado por você. Mas não fui capaz de salvá-la. Eu fui covarde e deixei que roubassem este teu coração puro, que ilumina até o mais profundo dos abismos.

A garota não pode deixar de esboçar um sorriso. Mas seu coração entrou em uma mistura de dor e confusão. Ela já não sabia mais o que fazer. Tudo parecia tão nebuloso desde aquele dia.

Riku a tirou de seus pensamentos. Ele pegou suas mãos e colocou uma fruta estranha sobre ela. Era amarela e achatada, com um formato estranho de estrela. Lilian não pôde deixar de lançar um olhar de dúvida para ele.

- Esta é uma fruta de paopu. – ele explicou. – Há uma lenda. Ela diz que quando duas pessoas dividem essa fruta, os seus destinos estarão ligados para sempre. Mas sabe Lil, nós dois sabemos que não é comigo com quem seu coração quer dividir essa fruta.

- O que quer dizer? – ela se atreveu a perguntar.

- Em seu coração, a resposta irá achar. – Riku falou, e logo em seguida, lhe lançou um sorriso, que assim como seu olhar, era triste. – E sabe? Foi o próprio Zack que pediu para que a festa fosse aqui. Ele disse que você ama o mar.

Sem mais nenhuma palavra a ser dito, o jovem de cabelos prateados se virou de costas para a moça, e começou uma lenta caminhada em direção ao vilarejo.

Lilian o encarou até sumir de vista, e logo em seguida, teve seu olhar esmeraldino fitando o mar, e as ondas que quebravam perto de seus pés, com a fruta de paopu nas mãos. Havia muito que se pensar sobre aquela fruta. Ela talvez soubesse com quem dividir aquilo desde o início, mas sempre procurava negar o óbvio.

Levou sua mão ao peito esquerdo. Esperava que seu coração respondesse. Sentiu um toque frio sob a blusa. O pingente em formato de lua minguante que ganhara em Nárnia brilhava intensamente.

- Lil?! – aquela voz familiar, a voz doce que sempre esteve com ela. – Você está bem?

Zack parecia preocupado. Seu olhar castanho a encarava. A garota não deixou de lançar um sorriso meigo para ele, que gerou um olhar de dúvida nele. Ele se atreveu a aproximar mais, postando-se ao lado dela.

- Obrigada por estar aqui. – ela comentou suavemente.

- Não Lil. Sou eu quem agradeço por estar aqui. – ele se virou, e ela fez o mesmo, fazendo ambos ficar um de frente para o outro. – Porém, eu irei partir. – e era possível ver a tristeza tomando conta de sua face.

- Por quê? – Lilian questionou um pouco espantada. Não conseguiria imaginar o que seria dela se ele não estivesse ali.

- Deixarei você e o Riku serem felizes. – o rapaz falou dando de ombros.

Ele se preparava para andar de volta pelo lugar de onde veio, mas a moça não deixou. Ela segurou sua mão. Seus olhos verdes olhavam Zack com súplica. Silenciosamente, ela pediu para que ele não partisse. Para que não a deixasse.

- Eu sinto muito Zack! – ela dizia com os olhos marejados. – Eu fui estúpida demais para ver algo tão óbvio. – e depositou a fruta de paopu em sua mão. – Dizem que quando duas pessoas dividem essa fruta, seus destinos ficam ligados para sempre. Você não vê? Não é com Riku com quem eu devo dividir essa fruta. Nunca foi.

O garoto a olhou surpreso. Virou-se para encará-la. Em seu olhar, ele podia ver claramente pelo que ela pediu. Ele abriu um sorriso e tomou a garota em seus braços, entrelaçando a sua cintura. Uma de suas mãos foi ao peito dele, e colocou por dentro da camisa que usava. De lá, ele retirou seu pingente em formato de sol, que brilhava intensamente num tom alaranjado, e emanava um calor confortável.

A garota pegou seu pingente em forma de lua minguante, e ele exalava seu brilho prateado mais intensamente. Ela levou o objeto ao pequeno sol, e de forma perfeita, os pingentes se encaixaram. Uma brisa diferente passou pelos jovens.

Zack aproximou o seu rosto do dela, e sussurrou:

- Eu sempre te amei Lil. – ele disse.

E sem mais uma palavra a ser dita, seus lábios se tocaram. O gesto logo se intensificou. Lilian levou suas mãos aos cabelos loiros do jovem, enquanto ele a trazia a moça para mais perto de si. Ela podia sentir seus pés deixarem a areia, pois o garoto a levantara no ar.

A felicidade de ambos naquele momento era algo além da compreensão. Passaram por tanta coisa. Brigas, perdas, e o destino de ficarem separados para sempre. Mas juntos eles conseguiram superar cada obstáculo. E agora tinham o tão merecido final feliz.

- Eu te amo tanto Zack. – Lilian disse, quando se separaram, mas seus rostos ainda continuavam muito próximos.

Os dois não podiam deixar de sorrir um para o outro.

Minutos depois, vários pontos luminosos invadiram o céu estrelado de Destiny Islands. Acabava de começar um show de fogos de artifícios, que com certeza deviam vir da praça central no vilarejo. Azul, verde, dourado, vermelho e várias outras cores preenchiam o espetáculo.

Toda aquela queima de fogos parecia durar a eternidade.

Quando o show finalmente cessou, Zack olhou para a moça, que segurava sua mão e mantinha sua cabeça encostada em seu braço. Era possível ver o sorriso abobalhado em sua face.

- Agora Lil, - o rapaz começou, e a garota voltou a fita-lo. – você pode ter escapado do baile em Nárnia, mas não pense que você conseguirá escapar da festança que está acontecendo na praça.

- Mas... Mas... – a garota corou e tentou questionar. – Zack, eu não sei dançar! Eu...

- Sem desculpas, mocinha! – e o loiro, animadamente, segurou a mão da jovem e a puxava em direção às ruas do vilarejo, onde seguiriam para a praça.

A praça, após a queima de fogos, estava mais animada do que nunca. A música animada tocava e todos dançavam em pares.

Mesmo desajeitada, ela tentou dançar. Aos poucos conseguia pegar o jeito.

Em seguida, uma música lenta se deu no lugar. Com os passos ritmados pela música, Lilian era guiada por Zack, que segurava delicadamente a sua cintura, enquanto a moça mantinha os braços entrelaçados em seu pescoço, e sua cabeça repousava.

O casal simplesmente parecia alheio a tudo. Presos em seus conscientes, que agora estavam unidos. Eles sabiam que aquela ligação jamais seria quebrada.

x-------------------------x------------------------x

- Ai Zack! – Lilian havia tropeçado mais uma vez no que parecia ser uma escada. – Para onde diabos está me levando?

- Você logo verá. – foi só isso que o rapaz disse, com um sorrisinho na face.

Lilian mantinha suas mãos à frente, na tentativa de tatear algo que pudesse definir onde ela estava. Mas a única informação que tinha era que subia uma escada. Zack tapava os seus olhos com as mãos, e a guiava para onde quer que fosse.

Finalmente seus pés puderam sentir que a escadaria terminou. A superfície era plana, mas ainda não conseguira tatear nada, o que estava deixando a garota frustrada. Por fim, ela abaixou as mãos, pois seria inútil tentar descobrir qualquer coisa nas condições em que o rapaz a deixara.

- Estamos quase chegando! – ele sussurrou nos ouvidos dela.

Aquilo a deixou mais ansiosa.

Estranhamente, ela sentiu uma claridade incomum. Algo parecia iluminar o local onde estavam. Sentiu as mãos de Zack deixarem os seus olhos para pousá-los nos ombros.

- Já pode abrir. – ele falou animado.

Ela obedeceu.

A visão que teve foi do crepúsculo. O sol estava se pondo no horizonte, enquanto o céu era pincelado por tons de laranja e vermelho. O cenário de uma cidade sendo reconstruída aparecia abaixo, sendo banhado por aquela luz.

Lilian olhou para trás e viu a Torre do Relógio reconstruída. Ainda faltavam algumas coisas, mas não fazia perder a beleza que tinha antes de sua destruição.

A moça estava em casa.

Desde que tudo terminara, ela havia pensado se algum dia voltaria para ver aquela cena novamente.

- E eu não posso esquecer a minha promessa. – Zack falou chamando a atenção da jovem.

Ele pegou dois sorvetes de coloração azul e entregou um deles para a amiga.

- Sea Salt Ice Cream! – o rapaz exclamou animado, sentando-se na beirada da sacada.

A garota o acompanhou, mas fitou o sorvete à frente. Por alguma razão, aquilo não era como ela imaginava, o que a deixou um pouco desconfiada.

- Se não tomar logo, o sorvete irá derreter.

- Tem certeza que isso é bom? – ela arqueou a sobrancelha.

- Você acha que eu te daria se fosse ruim? Vamos Lil. Tome logo! – o rapaz incentivou.

Lilian respirou fundo e encarou o sorvete. Fechou os olhos e levou até a boca para dar a primeira mordida.

Era gelado. O primeiro sabor que invadiu foi o doce, para logo em seguida mudar para o salgado do mar. Era estranha aquela combinação, mas simplesmente era delicioso. A moça não demorou a tomar todo o sorvete.

- Isso é delicioso! – ela pôde exclamar.

- Eu sei.

O casal se encarou por um instante, sorridentes. Depois da festa em Destiny Islands, Zack havia pedido formalmente a garota em namoro, que aceitou animadamente sem pensar. Já fazia quase um mês que estavam juntos.

Após os festejos, eles passaram mais alguns dias nas ilhas, antes de voltarem para Disney Castle. Porém, no dia anterior, a moça foi avisada de que a High Wing partiria, e que sua presença era indispensável para a viagem que fariam.

Zack não contava o destino, apenas vendou os olhos da moça e a manteve assim até aquele momento. Era uma surpresa e tanto, ela tinha que admitir.

O rapaz, alguns minutos depois, se levantou. A moça voltou a fitar o palito em suas mãos. E uma inscrição nele chamou a sua atenção. Em uma das pontas, a palavra “Winner” estava cravada. Passou seus dedos delicadamente por ela.

- Zack! – Lilian o chamou ao se levantar. O garoto apenas a fitou. – O que isso quer dizer? – e mostrou o palito para ele.

Ele pegou o objeto e o fitou por alguns segundos. Logo em seguida, seus olhos castanhos fitaram os orbes esmeraldinos da moça, que demonstrava curiosidade.

- Você ganha um Sea Salt Ice Cream ao tirar o palito premiado. – ele explicou.

- E ele pode ser dividido?

- Ora, se você quiser, eu creio que sim. Mas com quem dividiria Lil?

- Eu acho que a resposta é óbvia, não? – ela disse esboçando um sorriso para ele.

Sem mais nenhuma palavra a dizer, eles se beijaram, enquanto o pôr-do-sol banhava aquela cena, assim como banhava tudo o que eles chamavam de “casa”.

Epílogo/Capítulo 0 – O Ciclo da Vida

O lugar era completamente escuro.

Há o conhecido mundo entre mundos, dimensões entre dimensões, coração entre os corações. Mas ainda há aquele espaço que não corresponde a nenhum destes. É o que se encontra muito além: o vazio.

Dizer estar vivo se classifica em três critérios: coração, corpo e alma. Ela não sabia dizer se estava viva. Já não sentia mais seu coração bater, e seu corpo estava destruído. Porém, sua alma restou. E agora estava no vazio.

Os gritos, a dor, as lágrimas, tudo era agonizante aos seus ouvidos. Mas nada podia fazer no estado em que se encontrava. Aquele barulho parecia aumentar, até o ponto em que seus ouvidos, ou o que poderia classificá-lo como este, já não aguentavam mais. Queria parar, queria o silêncio, e a paz trazida com ele, de volta.

- Por quê? - ela indagava para si. - Porque me deixou?

Sentia-se sozinha, e o frio a fazia estremecer cada vez mais. Poderia morrer ali, mas percebeu que já estava morta. Não se mexia, apenas sentia à sua volta.

Porém, sentiu outra presença surgir. Não era nada comparado ao que estava em volta, muito menos com ela. Era imponente, superior. Não conseguia focalizar seu rosto direito, apenas que tinha uma face branca e feições femininas.

- Sozinha... - ela sussurrou para a mulher.

A recém-chegada a olhou de cima com superioridade. A pobre alma clamava por ajuda entre o que ela classificaria de lágrimas.

- Pobre criança abandonada. – a mulher disse calmamente, com uma pena notável em seu tom de voz. – Darei a ti o que tu queres. Cuidarei de ti até a hora prometida, onde terás que me entrega-la.

- Assim eu farei minha mãe! – ela exclamou.

A mulher sorriu vitoriosa, e como um jeito delicado, ela a retirou dali, daquele vazio que a cercava. O que era escuro sumiu, e depois disto, nada mais sentiu.

Até o seu despertar.