O dia ainda estava amanhecendo quando Black Jack acordou.Calçou os chinelos e foi andando até o banheiro.Lavou o rosto, ouvindo barulhos vindos da cozinha da casa.

Riu consigo mesmo. “Ela sempre consegue acordar antes de mim...ô garotinha chata!”

Foi até lá e encontrou Pinoko arrumando a mesa para o café da manhã:

 ___Bom dia doutor!Como está, dormiu bem?

 ___Bem, obrigado.E você, não se cansa de acordar sempre cedo e preparar todas as refeições?Daqui a pouco vão querer chamar o juizado de menores para vir aqui .

Pinoko, com sua pouca experiência de vida não entendeu muito bem o quê ele quis dizer, então Black Jack a explicou  :

 ___Juizado de menores é uma instituição que serve para garantir que todas as crianças e adolescentes tenham seus direitos respeitados.Não trabalhar é um deles.

 ___Ah, entendi!Mas Pinoko não é mais criança!Eu sou adulta!E além disso é meu dever como boa esposa zelar pelo bem estar da casa.___Disse ela, com aquela mania boba de se referir a si mesma na terceira pessoa.

 De novo! Black Jack não podia acreditar.Outra vez aquela garotinha estava a repetir aquelas coisas.Aquilo tinha de parar.

____Pinoko, quantas vezes vou ter de repetir! Você não é minha esposa, você não é adulta e não precisa trabalhar! Entenda de uma vez, por favor!___Disse ele, já sem paciência com os devaneios dela.

A pequena ficou um pouco encolerizada:

___Ah, então é assim, né?Eu faço todo o serviço da casa o dia inteiro enquanto você está fora e aí um belo dia você se cansa de mim, né?! Seu idiota!!!___Gritou na voz mais aguda que conseguia fazer.

___Escuta, eu sei que você ficou no corpo da sua irmã por dezoito anos como um teratoma, mas a partir do momento em que eu a tirei de lá, você tem apenas UM mês de vida!!!!!Ouviu bem?Você é praticamente um bebê!___Insistiu ele mais firmemente.

Pinoko se zangou de vez e sem conseguir conter a raiva que sentia, jogou um prato direto na parede, quase acertando o doutor.

___Eu te odeio, doutor!!!___Gritou, pulando do banquinho em que estava e indo até seu quarto chorar escondida.

___Ai, ai...o quê eu faço...___Dizia Black Jack a si mesmo ___Ela é tão teimosa.Porquê não entende que deve se comportar como uma criança?Que é apenas isso que ela é, uma criança.Será que eu agi contra a natureza quando lhe dei uma chance de viver fora do corpo da irmã?

 Então sentou-se e olhou a mesa arrumada.Flores num vaso velho que ele usava para aparar goteiras e nunca soube onde havia deixado; Suco de laranja com cubos de gelo numa jarra, coisa que ele nunca teve tempo de preparar, nem tentava; e por último dois pratos com torradas, ovos e bacon arrumados em carinhas bonitinhas com bochechas vermelhas de catchup.Olhou de relance para o relógio e viu que já estava se atrasando.Correu até o quarto e se vestiu com o terno o sobretudo preto e todas aquelas roupas que fariam uma freira sentir inveja.

De repente, um sentimento de arrependimento lhe veio.Por quê repreendê-la?Podia ser inconveniente todo esse amor que ela lhe dedicava, mas era amor de qualquer maneira.E amor é uma coisa que nunca se deve recusar.

 “ Hum, eu nunca imaginei que um dia teria uma filha; ainda mais do jeito que foi.Eu a salvei da morte, e é natural que ela sinta isso por mim.Ela é só uma criança.Talvez um dia ela pare com isso e tenha interesse em outra pessoa, mas até lá, vou respeitar isso nela.”

E com esse pensamento em mente, se dirigiu até o quarto dela.Abriu a porta com cuidado, com medo de que ela arremessasse um bicho de pelúcia ou qualquer coisa assim.Mas Pinoko estava encolhida num canto da cama chorando como se não houvesse amanhã.

 Ao vê-la nesse estado, Black Jack ficou apreensivo, mas não recuou.Foi andando até chegar perto da cama e sentar numa beirada.Seu peso afundou um pouco o colchão e foi aí que ela sentiu sua presença.Então tentou limpar depressa as lágrimas do rosto, mas só conseguiu deixar os olhos mais doloridos e vermelhos.Black Jack lembrou-se de um lenço que carregava em seu bolso para o caso de espirrar, e delicadamente o tirou e ofereceu à Pinoko:

____Tome.E por favor, não chore; seu sistema lacrimal não é muito eficiente.

 Pinoko assou o nariz e depois secou as lágrimas do rosto.Não sabia o quê era um sistema lacrimal, mas de qualquer forma achou mais prudente parar de chorar.

Black Jack então pegou-a no colo e aninhando-a nele, fez como se faz para acalmar uma criança chorona:cantarolou baixinho uma das poucas canções que conhecia.Sentia uma ternura muito grande por aquela menina, apesar de todos os chiliques dela, podia dizer até que a amava.Só não queria que ela continuasse chorando por causa dele.

Então ela parou de soluçar e abriu os olhos.

___Melhor?

 ___Sim.(chuif) Doutor...___disse ela baixinho, fungando.

 Black Jack ia colocá-la na cama, quando ela o mirou com os olhos e falou:

 ____Pinoko não te odeia doutor.Pinoko te ama.

 Black Jack não disse mais nada, apenas a cobriu delicadamente com o lençol e saiu.Tinha um dia inteiro de cirurgias pela frente.